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A missão de Deus e a evangelização

I. Conceito de missão de Deus


Desde os primórdios da igreja cristã é real a ação missionária, a
igreja sempre se preocupou em atender o ide e assim proclamar as boas
novas aos perdidos.
Essa ação missional do povo de Deus nos primórdios do
cristianismo foi fruto de uma profunda concepção bíblica da missão,
bem como uma esperança escatológica latente vivida diariamente pelas
comunidades cristãs da época. Ali se via claramente uma postura
kerigmática, onde cristãos entenderam o caráter estritamente missional
do próprio Cristo, e assim, o reproduziram em suas vidas. Isso fica claro
quando passamos os olhos sobre os vários textos bíblicos 1, onde
existem de modo direto ou indireto menção ao tema missão, foi
justamente a concepção de missão que levou à igreja a agir no trabalho
evangelístico. Deste modo, qual seria um conceito adequado de missão
e, em específico missão de Deus? Como os cristãos da atualidade
podem e devem conceber tal significado? E até onde o conceito de
missão na contemporaneidade tem contribuído para a ação missionária
da igreja?
Neste pequeno artigo, pretende-se trazer à luz algumas
contribuições relevantes a questão em discursão; faremos isso, em três
etapas, onde apresentaremos uma definição do termo missão num
primeiro momento, logo em seguida faremos o mesmo com o conceito de
evangelização e, por fim, iremos estruturar a possível relação entre os
dois conceitos.
A palavra missão pode ser definida como uma incumbência,
tarefa e dever, ou seja, um tipo de obrigação a ser executada por
alguém, por ordem de algum superior. Porém, quando é acrescentado o
predicativo de Deus a palavra missão temos uma nova configuração,
pois, em Deus há de fato uma tarefa ou incumbência a ser executada,
no entanto, como é de conhecimento de todos os cristãos e de quase
todos os pagãos, ninguém obriga ou dá à Deus alguma tarefa, isto por
questões obvias, Ele é o Deus todo poderoso que a ninguém se submete
em subserviência. Feitas tais apreciações, devemos entender que em
Deus existe / existiu uma missão e, que Ele mesmo deu a Si e não foi
delegado por ninguém. Numa linguagem teológico-reformada, essa
missão é fruto do pacto entre Deus e sua criação, onde Deus faz uma
aliança consigo, como Deus trino Este pacto ou aliança 2 se deu por
razões de distância ontológicas entre Deus e sua Criação; em outras
palavras, ele se autorrevelou à sua criação e esta ação divina foi por

1
2 CFW Cap. VII, I. De acordo com o professor Alain Paul Rocchi, o pacto que Deus firmou com sua criação
foi feito antes da queda do homem, isso se deu pelo fato da existência de uma distância ontológica entre
Deus e o homem, ou seja, o pecado não é única causa do pacto.
vontade e desígnio de seu próprio conselho santo, sem interferência de
nenhuma força externa.
Para melhor clarificar e conceituarmos missão podemos tomar
por empréstimos a definição do teólogo reformado Karl Barth, onde ele
afirmou o seguinte sobre o que é missão:

Com certeza ela quer ser uma ação da igreja, ainda que isso só se
expresse de forma indireta do ponto de vista organizacional. Ação
da igreja quer dizer: determinada configuração do testemunho da
autorrevelação de Deus em Jesus Cristo, determinada configuração
daquela ação humana que se entende como obediência à convocação
de Jesus Cristo como sendo do Senhor, uma experiência de fazer a
Sua vontade, o que significa divulgar a Sua mensagem como a do
Senhor, isto é, Daquele que é o Criador, Conciliador e Redentor da
humanidade.3

É notório na definição acima que na perspectiva barthiana Deus é


o autor e realizador da missão, bem como a igreja só realiza essa tarefa
de modo indireto ou experimental (erfahrung), à igreja foi delegada parte
dessa missão por Cristo4 (Jo 17. 18; 20.21). Deus executa essa missão
de modo originário, pois, de acordo com o texto já citado do evangelista
João - Cristo o apóstolo de Deus foi enviado e só ao final de seu
ministério ele envia a igreja como sua “Apostola”5; Assim como tu me
enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. Na ótica de Karl
Barth, este conceito era justamente o que as comunidades cristãs
primitiva comungavam: “O conceito de “missio” era, na igreja antiga,
um conceito da doutrina trinitária”6; em outras palavras, o teólogo
reformado quer dizer; que missão é uma ação do Deus trino. A trindade
é o paradigma para da missão! E qualquer ação humana que vise
proclamar tal missão, deve necessariamente ter a como modelo o
trinitário.
Acerca da relação entre a missão e a trindade podemos nos valer
rapidamente do teólogo católico Karl Rahner; e destacar seu conceito de
teologia imanente e teologia econômica – apenas apreciando sua ideia
de que, não se deve conceber uma perspectiva trinitária distante da
3 http://www.bibliotekevirtual.org/index.php/2013-02-07-03-02-35/2013-02-07-03-03-11/1661-
caminhando/v20n01/17175-barth-e-a-relacao-entre-teologia-e-missao.html. Acesso em 10/09/19.

4 A missão que foi delegada a igreja restringe-se ao anúncio do evangelho que engloba a criação,
redenção e restauração de tudo, no entanto, a Deus não só anuncia ele realizou e ainda vai realizar a
criação, redenção e a restauração; em Deus é mais que palavras Ele é o sujeito e objeto do evangelho.
5 O termo apostola deve ser entendida como; enviada, ou seja, não tem nenhuma relação com o
movimento neopentecostal evangélico, para mais informações ver: https://cpaj.mackenzie.br/wp-
content/uploads/2019/03/4-O-Apostolado-de-Cristo-e-a-Missao-da-Igreja-Carlos-del-Pino.pdf. Acesso
em 10/09/19.
6 Obra já citada.
soteriologia, ou seja, a definição trinitária ranheriana possui uma
irrecusável característica soteriológica.7 Nas palavras do próprio
Ranher; “a Trindade é um mistério salvífico”. 8 Partindo de tais
proposições descritas e discutidas acima, podemos forjar um conceito
acerca do que seja missão num sentido bíblico-teológico; vejamos.
Missão pode ser definida como a ação do Deus trino em se autorevelar
ao homem como Deus criador, redentor e restaurador de toda a
existência e, que toda esta ação tem como objetivo a exaltação da sua
glória.
II. Conceituação de evangelização
O termo evangelizar é a palavra popular para descrever a missio
eclesiae. Nesta palavra está implícito a missão ou missões da igreja, ou
seja, o termo reporta-se ao cumprimento do dever missional da igreja
que é clara após a ascensão do Cristo como descrito no primeiro
capítulo do livro de atos. Enfim, sobre a igreja como bem delineado em
toda a escritura sagrada, cabe a singular responsabilidade da
proclamação do reino de Deus no mundo caído. O professor Ronaldo
Lidório expressa isso muito bem quando afirma o seguinte: “A Missão
de Deus ao mundo. O Método de Deus é a Igreja. O Tempo de Deus é
Hoje.”9 Conforme a frase acima, entende-se que a forma que Deus usa
para tornar sua missão conhecida, é por meio da pregação e
testemunho da igreja. Partindo desta premissa, não resta dúvida
alguma da missio eclesiae. A partir de agora vamos tentar aprofundar e
aplicar este conceito aos dias contemporâneos, fazendo uso daquilo que
já foi dito por muitos estudiosos do tema.
A ação humana em tornar conhecida a missão de Deus aos seres
humanos perdidos, é realizada em resposta à convocação feita pelo
próprio Cristo (Mt 28. 18-20; Jo 17.18, 20.21; At 1.8); é justamente
aquilo que chamamos modernamente de evangelização 10. Muitas são as
palavras usadas na bíblia para descrever tal ação; ensinar 11,
testemunhar12, anunciar13.

7 Fica evidente que este aspecto do teólogo católico em relação a trindade é um retorno ao que a Bíblia
ensina com a autorrevelação de Deus e atuação de todas as pessoas da trindade. O conceito de teologia
econômica em Karl Ranher é de grande valia, já outros aspectos que o autor defende são perigosos e até
beiram a heresia.
8 Disponível em: https://www.academia.edu/14171208/A_Trindade_em_K._Rahner. Acesso em
11/09/19.
9 Disponível em: https://teologiabrasileira.com.br/a-missao-de-deus-ao-mundo-o-mtodo-de-deus-e-a-
igreja-o-tempo-de-deus-e-hoje-ronaldo-lidorio/. Acesso em 11/09/19.
10 Nesta pesquisa não temos como objetivo apresentar métodos evangelísticos, cabendo a nós apenas a
discussão no campo teórico.
11
12
13
Como já estar bem definido na primeira parte deste trabalho
entende-se que a missão pertence a Deus, por este motivo, a igreja
realiza a parte que lhe cabe nesta missão. Carlos Del Pino nos ajuda a
entender isso com a seguinte citação:

“A missão cristã é parte da atividade soberana de Deus no reino da


redenção. Do início ao fim a missão cristã é a missão de Deus, não
do homem. Em nenhum outro lugar a soberania de Deus é mais
claramente vista que na missão cristã, e isso de várias formas”. 14

Nas palavras acima o autor diz de modo taxativo que; a missão é


o ato soberano de Deus e que só em parte a igreja cristã participa desta
atividade, ou seja, do primeiro ao último momento a missão é obra
exclusiva de Deus, não homem. Karl Barth falando acerca da relação
entre teologia e missão na Conferência de Missões de Brandenburgo em
Berlim15; utiliza o termo experimento (Erfahrung), que literalmente está
tem a carga semântica de uma tentativa. Aqui percebe-se que na visão
de Barth, fica evidente que o que a igreja realiza é um tipo de ensaio,
pois, de fato o protagonista dessa ação é o Deus trino.

2.1 Condições aos que se propõem evangelizar:

Em termos práticos a obra evangelística tem algumas obrigações,


ela não pode ao seu gosto fazer o que quer – mas cumprir requisitos
básicos, em primeiro lugar a evangelização deve;

i. Ser fiel ao conteúdo do evangelho:

Se pudéssemos resumir a missão de Deus em poucas palavras


seriam; a criação, a redenção e a restauração da criação caída. Quem se
propõe a proclamar o evangelho, deve configurar sua ação dentro deste
tripé, que teologicamente pode ainda ser dito como: criação, queda e
redenção. Aqui está a falha e a dificuldade de muitos seguimentos
missionários do mundo contemporâneo, muitos a título de uma suposta
contextualização, estão adulterando estes princípios bíblicos. Isto tem
ocasionado um tipo de esquizofrenia evangélica, onde fantasmas e
personagens estranhos ao conteúdo bíblico tem sido protagonista,
deixando o Cristo em um segundo plano ou como um tipo de quebra
galho para os meus problemas existenciais.

ii. Entender seu papel de coadjuvante;

A todos aqueles que foram salvos em Cristo é facultado o direito de


compartilhar as boas novas de salvação, no entanto, o que precisa ser
deixado bem claro, o papel de protagonista dessa ação é o Deus trino. A
14 Del Pino, Carlos (Apud) J. Kane. O evangelho para o mundo em sofrimento; ed. Logos, 2004, p. 21.
15 Obra já citada.
Ele cabe todo tributo e exaltação por tudo- Deus é o idealizador e
executor por honra desta missão. A igreja cabe o papel de serva grata,
pois, foi salva e agora leva essa mensagem aos demais perdidos.

iii. A missão visa a glória de Deus;

Toda obra realizada pela igreja tem como foco a glorificação do Deus
trino, pois, como bem afirma o catecismo de Westminster 16 em sua
primeira pergunta, o fim principal e supremo do homem é glorificar e
gozá-lo para sempre. Ao contrário do que muitos afirmam, o papel
primeiro da igreja é adorar a Deus, então a obra missionária não tem
outro objetivo que levar os homens a adorar seu criador.

Em resumo, não basta apenas ter o desejo de agir em prol da obra


missional de Deus, existem requisitos que obrigatoriamente devem ser
cumpridos, pois, se não fosse assim, o homem seria de alguma forma
um coautor da missio Dei.

16 CMW disponível em:


http://www.monergismo.com/textos/catecismos/catecismomaior_westminster.htm. Acesso em:
12/09/19.

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