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Aurelio Díaz Tekpankalli
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Uma Voz para os Filhos da Terra
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Aurelio Díaz Tekpankalli
ISBN 978-85-89475-39-6
216 p.
ISBN 978-85-89475-39-6
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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Uma Voz para os Filhos da Terra
Glossário..............................................................................................
Prefácio ...............................................................................................
Prólogo ................................................................................................
4- O avôzinho Medicina......................................................................
5- A origem da Vida............................................................................
6- O Temazcal .....................................................................................
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Uma Voz para os Filhos da Terra
Um homem que não fez fortuna, e que viveu toda a riqueza que a
pobreza lhe podia proporcionar, e viveu toda a riqueza que a riqueza
pode proporcionar, e sempre seguiu vivendo em simplicidade.
Quando estivem em sua casa, pude ver o quão simples é a vida de
um homem considerado uma lenda no xamanismo mundial, o quão
simples é alegrá-lo e agradá-lo, com um bom café com leite, e um
bom tabaco. Que alegria vive o chefe na simplicidade.
Aurelio é do tipo de pessoa que você encontra ele com uma camiseta
hoje, e poderá encontrá-lo quatro anos depois com a mesma camiseta,
limpa, bem cuidada e carregada de poder pessoal.
Muitos poderão pensar que estou rasgando seda para Aurelio, mas
quem conhece nossa linhagem sabe que somos de uma raça guerreira,
e que dispensamos este tipo de abordagem. Inúmeras vezes, viAurelio
desconfortável com elogios exagerados em demasia. Nunca vi Aurelio
deslumbrado com elogios, ou sendo irônico e arrogante no dia a dia
ou em cerimônias.
Teço todos esses elogios de alguém que conviveu com Aurelio, não
tanto como gostaria, mas que alimenta uma grande empatia pela vida
e pelo propósito deste grande guerreiro antigo. Faço-os não para
Aurelio, em si, mas para quem for ler este livro. Sim, há alguns que
não gostam de Aurélio, a maioria nem o conhece, e que tecem críticas
egóicas, que são deveras compreensíveis. Afinal, Aurelio é conhecido
como o Chefe dos Chefes. Mas é preciso estar próximo para entender
pelo que passou e pelo que passa Aurelio, para sustentar um rezo tão
grande e forte que lhe rendeu este título.
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Assim falou nosso Chefe nesta mesma noite, em que tive a honra de
sentar ao seu lado.
Gracias, Aurelio, por tu vida y por tu rezo! Somos uno!
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Estou plantada na minha Busca da Visão, por sete ias, rodeada pelos
meus rezos feitos no tabaco dentro da tela amarela. Uma árvore me
acompanha desde sua sabedoria essencial. Assusta-me ver a alteração
do ciclo da Natureza. Há poucos dias foi equinócio de primavera
aqui, no Norte, e, no entanto, folhas secas caem ritmicamente sobre
esse quadradinho de terra que me contém.
- Mãe Terra, desculpe-me.
E me apoio, abraçada à Pipa Sagrada, para orar. Agradeço a nossos
antepassados, peço a cura da Mãe Terra. Imploro por minha visão.
Lua cheia, eclipse, cometa, são os sinais no céu da noite, que entrega
seu mistério iluminado de estrelas. Latidos de coiotes, voo de morce-
gos, cantos que não se sabe de onde vêm. Frio, muito frio.
Amanheceres que me ensinam a beber no ar o orvalho quase im-
perceptível. Abelhas, formigas, mamangabas, esquilos, um beija-flor,
algumas outras aves, são visitantes que trazem mensagens. Águias que
voam alto… flores com um perfume que me faz descobrir que posso
beber esse aroma e acalmar,um pouco, a obsessiva sede.
A sede. Protagonista do meu medo e do meu delírio. Desfilam ima-
gens de tantas bebidas! Peço ajuda à árvore e ela me presenteia com
pequeníssimas gotinhas que caem sobre o meu rosto. Observo meu
tamanho… como gostaria de ser um pássaro ou uma abelha, para
me saciar com essa água milagrosa. Mas não, sou uma mulher que
deseja dominar a sede, inimigo terrível.
Cada uma de minhas células aprende o valor da água e da vida que
contém.
O Sol abrasador, o sol quente, a noite… o ritmo do Universo que se
manifesta em total plenitude. Lua vermelha, lua branca, nuvens com
formas que me falam sua linguagem, Grande Espírito. Assim como
as aves e seu canto.
Uma cabeça tolteca aparece nos sonhos, e, na vigília, um desfile de
cenas da minha vida mostra quanta energia eu gastei inutilmente,
quando esforço para o desnecessário, quanta obediência a um sistema
que absorve a vida e mata o verdadeiro.
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enhor Presidente, Senhores membros da comissão, senhores
e senhoras, o Conselho Internacional dos Tratados Indígenas
intervém, nesta oportunidade, para referir-se ao ponto 22 da
agenda, intitulado: “Aplicação da Declaração sobre a eliminação de
todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião
ou nas crenças”.
Chamo-me Aurélio Díaz Tekpankalli e sou líder da Igreja Na-
tiva Americana de Itzachilatlan.
Senhor Presidente:
O Conselho Internacional dos Tratados Indígenas representa
98 organizações de povos indígenas, e quer, nesta oportunidade,
transmitir a esta Honorável Assembleia, as reflexões de parte da
Confederação do Condor e da Águia das Comunidades, Povos e
Nações Indígenas do Hemisfério Ocidental.
Senhor Presidente:
O artigo 3 da Declaração sobre a eliminação de todas as formas
de intolerância e descriminação fundadas na religião ou nas crenças
diz:
“A descriminação entre os seres humanos por motivos de
religião ou crenças constitui uma ofensa à dignidade humana e
uma negação dos princípios da carta das nações unidas, e deve ser
condenada como uma violação aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais...
Nossa presença aqui é para solicitar a esta Comissão apoio e
reconhecimento às formas de vida tradicionais e espirituais das Comu-
nidades, Povos e Nações Indígenas e poder ter a liberdade de praticar
nossas crenças espirituais e tradicionais onde quer que estejamos.
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Tlazocamati, muchasgracias.
Genebra, Suíça.
17 de fevereiro de 1993.
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iante de tudo, quero tomar um momento para agradecer e
honrar nossos antepassados, honrar os homens, as mulheres,
os anciãos, as crianças que deram a vida para deixarmos um
bom exemplo; um ensinamento, uma sabedoria, e, de alguma maneira,
a memória do espírito da nossa gente.
Deste modo, reconhecendo-os, também gostaria de pedir ao
Poder, ao Mistério e ao Grande Espírito, que permita me dirigir a vocês
e que, de alguma forma, possa me expressar de maneira clara e direta,
sentindo-me unido a todos e a cada um de vocês. Que neste momento
não haja divisão nem separação, que estas paredes desapareçam e
que exista nossa conexão com a natureza, com as montanhas que nos
rodeiam, com todos os espíritos que de alguma maneira estão também
pendentes do que estamos fazendo. Que não haja nenhuma divisão.
Muito humildemente lhes digo que, aqui, neste momento, sinto-
-me bem unido a vocês, que para mim não há nenhuma diferença.
Que tudo o que estamos fazendo é bem importante e que de alguma
maneira podemos fazer juntos, em uma forma unida. Que nós pos-
samos reconhecermo-nos mutuamente e possamos entender isto que
estamos fazendo.
Antes de falar de espiritualidade temos que ser capazes de vivê-
-la, temos que ser capazes de ser a própria espiritualidade, e de ser
nós mesmos. Não podemos falar de algo a parte, porque se assim o
fazemos, estamos falando de algo que não sabemos.
Então, para todos nós, temos que ser capazes de deixar de lado
as histórias, as explicações que nos deram de algo que aconteceu a
um tempo atrás.
Vamos viver este momento.
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O Avozinho Medicina
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u sou um homem que tem tomado uma medicina que se
chama Peiotee. Peiotee é algo muito sagrado. Muita gente
não se atreve a falar disto porque está “penado”, tem sido
julgado e condenado. Em nossa história a Inquisição tem torturado,
tem perseguido e tem matado a muitos de nossos líderes, sacerdotes,
pessoas consagrados ao espírito, que é o mesmo espírito Universal,
mas não tem sido entendido.
Em um tempo, o fez a Igreja Católica e ainda hoje a persegui-
ção continua pela ignorância das autoridades do país onde vivemos.
Este Peiotee é um sacramento,é uma planta ancestral, para mim
é um avô. Peiotee que dizer “vibração do coração”, então quando fa-
lamos da vibração do coração estamos falando da filosofia e da mente
de nossos antepassados. Eles também tomavam esta medicina crendo
que é o coração do Grande Espírito sobre a Terra.
Ninguém tem respeitado, na verdade, nunca investigaram,
só julgaram e condenaram. Destruiram os templos, s gravações, a
informação que os avós deixaram aqui para nós. A maioria acabou
em coleções particulares ou em museus; mas tem coisas que estão
gravadas em base original; e é de onde beberam nossos antepassados.
Se diz que a principio, quando uma [pessoa] toma medicina,
este Peioteee, é para receber instruções, visões, ensinamentos ou cura.
Existem muitos propósitos pelos quais uma [pessoa] pode tomar esta
medicina. Estamos tomando pra estar bem em nosso coração, para
estar bem em nossa vida, estar bem em nossa família, em nossa rela-
ção com todos os seres. Este conhecimento foi a maneira que nossos
antepassados compreenderam a vida. Através desta medicina, deste
Peioteee sagrado, desta planta sagrada, eles conheceram as visões e
cerimônias em todos os rincões da Terra.
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A Origem da Vida
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ossa origem é daqui, deste solo, o Grande Espírito nos pôs
aqui por um propósito, assim compôs a vida sobre a Terra,
pelo mesmo propósito. A vida se deu simultaneamente em
todos os rincões da Terra, porque em todos os rincões da Terra se
encontra seu poder, sua presença. E isso que andam buscando, um
ponto específico de onde começou a vida é uma grande ignorância.
La Terra deu a vida ao mesmo tempo em todos os rincões, a todos
os lugares, assim foi como aconteceu. Nossa origem é da célula e do
átomo, aí é onde se encontra a vida. Onde quer que haja célula ou
átomo aí está nossa ascendência. Em todas as parte se encontra o
átomo, em árvores, na pedras, em todos os tipos de plantas, em todo
tipo de forma de vida.
Nossa origem é essa, não tem nada a ver com interpretações
sem inspiração ou sem espírito. A maioria das interpretações, dizem,
tristemente, que são feitas cientificamente, através de uma observação
que não tem espírito, que não tem coração.
A nossa origem está na memória da história original desta
Terra. O primeiro homem e a primeira mulher foram criados pelo
ser que nos deu a vida, que é nossa Terra, assim como agora nos ali-
menta, assim como agora nos segue dando a vida; e por nosso Pai Sol.
Os mistérios, as forças criadoras que existem dentro de todas
as manifestações do Criador, como a água, o ar, são sagradas para
nós, e essa é a fonte da vida.
Nós reconhecemos que nossa origem não começou desde o
momento que o homem contabilizou o tempo, é uma história mile-
nar que tem a idade das pedras, que tem a idade do fogo, que tem a
idade do ar, deste oxigênio que respiramos, da água.
Damo-nos conta que as pessoas não têm olhado com sin-
ceridade, com integridade, com humildade o princípio do tempo,
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O Temazcal
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ara nós, um dos primeiros ensinamentos que existem dentro da
tradição, é a origem. A nossa origem é o ventre da Mãe Terra,
e é uma das primeiras cerimônias que temos nesse momento
a tomar forma, a tomar força, a tomar, de alguma maneira, sorte na
vida. Se chama cerimônia de Temazcal.
Esta é uma cerimônia muito bonita, é uma das mais antigas
que existe. É das primeiras cerimônias que foram entregues ao ser
humano. Está baseada na bênção e na purificação do ser humano.
Como? É através do líquido sagrado da água, através do calor da
vida, que se pode receber o sopro da vida.
Este Temazcal é um Temazcal que está baseado no ventre da
Mãe Terra, que é onde somos concebidos, onde somos alimentados
como sementes para chegar a ter a unidade de os poderes do Uni-
verso.
O Temazcal é uma cerimônia que é conhecida como a “Cabana
dos Anciões Pedras”. E é a cerimônia do Fogo Sagrado, onde se leva
primeiro a reativar o calor guardado nestas pedras de lavas.
Se usam pedras que alguma vez tiveram a solidificação, que
tiveram o calor que vem das entranhas da Mãe Terra e que saíram
à superfície. Nós podemos coleta-las e pô-las em um montinho de
madeira onde podemos ascender fogo, pôr um rezo, um bom pen-
samento e pedir uma ajuda a estes Anciões que são as rochas de lava.
Esta rochas são aquecidas e levada a cabana que é o umbigo da Mãe
Terra. Ali se depositam, e é onde todos se reúnem para recebe-las
com plantas aromáticas. Utiliza-se o copal para recuperar a memória;
se utiliza o palo Dulce para conseguir a ternura, a beleza de todos
os espíritos, para aqueles que gostam do que é doce, para ter a do-
çura em nosso coração. Utiliza-se também, a sálvia, para escolher,
somente, aquilo que necessitamos. Também se utiliza o cedro para
benzer tudo o que realmente temos, é o poder que benze todas as
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coisas, esta planta que sempre é verde e que tem o poder guardado
para benzer tudo.
Usam-se muitas plantas dentro do Temazcal para agradecer a
vida, para “bem dizer” a vida. É dessa maneira que vemos a concepção
mesma, dentro do ventre de nossa Mãe. Sentir dentro do calor da
vida, a presença própria, com um bom aroma, com uma boa essência
e com uma boa presença.
Estas plantas de depositam sobre a pedra, é ali onde nos dão de
sua essência, ao serem consumidas pelo calor, pelo fogo que guarda
essas pedras. Depois de poder ter a oportunidade de respirar este aro-
ma, se fecha a porta e todos juntos compartilhamos um mistério, uma
escuridão, um interior, um momento de profundidade no Universo.
Neste momento nós depositamos água sobre as pedras para
receber suas bênçãos, é aí onde nos damos conta de como o Poder se
move, porque esta água que cai sobre as pedras, imediatamente volta
a nós, em uma forma muito mais leve, pois a água volta a caminhar
no ar em forma de vapor.
Aí é onde se gradua a medicina, o conhecimento, a sabedoria,
assim se pode respirar. A isto, nós chamamos a memória da primeira
respiração; a memória do momento quando fomos concebidos.
É uma das cerimônias mais antigas que temos, onde recebemos
o conselho de nossos antepassados, de como foi que obtivemos esta
vida que agora temos. Então, ao pôr esta água, todos os que estamos
ali vivemos por igual, um momento de intensidade dentro do calor.
Estamos compartilhando uma energia que é igual pra todos, para
nada é diferente.
Dentro disto, nós utilizamos rezos para conviver, para guiar.
Também os cantos, tambores ou sonajas para poder dar uma volta
pelo Universo, pela criação, pela origem da vida.
Dentro do Temazcal, tocamos todos os mistérios que existem:
é o princípio, que é o Fogo Sagrado, a energia pura, a presença mes-
ma da criação. Porém, a criação em movimento, para que possamos
coloca-la de volta, aqui na Terra, em uma forma física.
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1 Tradução livre, a partir da minha interpretação. Os colchetes são para dar me-
lhor entendimento da frase, visto que sua supressão pode dar um sentido equivo-
cado à fala. Essa passagem se encontra na p.58.
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ter um elo que seja belo, que tenha harmonia, que tenha o melhor
fruto da relação, pois é a extensão da relação este terceiro arco. En-
tão existe o poder do retorno, a força criadora, que é a totalidade,
que é a iluminação, que é a perpetuação do compromisso que tive-
mos com nossa própria vida. É o retorno a própria fonte. As vezes
retornamos porque não podemos cumprir o propósito e esgotamos
nossa força física. As vezes se chega ao fim da vida com muita força
física e com muitas possibilidades de continuar, porque de alguma
maneira chegamos em um bom estado. Isto é o que chamamos de
Poder: chegar em um bom estado ao início do ciclo da vida, ou ao
fim do ciclo da vida, que é a mesma coisa. Poder levantar tudo o que
você é e dizer:- “chego aqui não porque estou morrendo, chego aqui
porque cruzei através da minha vida e cheguei de forma impecável,
de forma completa; em uma forma onde pude avançar sem grandes
consequências de perda física, mental ou perda espiritual. Então
aqui estou sem me ver perdido, uma vez que estou encontrado na
mesma porta de onde vim, e isso é que é a Força Criadora, o retorno
à Força Criadora.
São quatro anéis, nada mais, e isto é que é o Temazcal, isto é
o que representa as vibrações do Temazcal, de sua presença mesma.
Estamos falando do fulgor da vida, da vibração da vida.
O que fazemos com a vida é bem importante, e isto é a própria
cerimônia de Temazcal: como vivemos dentro de nossa própria vida.
Então, é uma cerimônia muito sagrada, muito simples, muito
bela e que de alguma maneira representa o primeiro lugar que tive-
mos em nossa existência enquanto ser.
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ste trabalho que fi zemos através da Igreja Nativa Norte
Americana de Itzachilatlan, nos mostra o Fogo Sagrado de
Meia Lua.
Vamos explicar o que nos foi explicado, o que nos tem trans-
mitido, tal e qual nos explicaram, tal e qual nos transmitiram. É o
conhecimento que nos foi entregado e levado através da relação, da
confiança de entender verdadeiramente o significado de tudo isso.
Nós ampliamos, lhe damos nosso próprio estilo, lhe damos
nossa própria visão, mas sempre na hora de passarmos às outras pes-
soas, retiramos toda essa inspiração, todo este estilo e o transmitimos
tale qual nos foi passado. Assim como veio de geração em geração.
Eu não sou nada para passar algo a alguém, mudando o que me foi
entregue. Em minha vida eu vivo verdadeiramente sob a lisura2 e o
espírito, tal como sou; trato de ser verdadeiro. Mas o compromisso
de levar adiante a Tradição de uma maneira pura é guardar sempre
os ensinamentos originais tal como os recebemos. E desta maneira
entregá-los.
A mim foi dito que esta Meia Lua é o símbolo que representa
nossa Mãe Terra, embora, que na realidade, não seja seu símbolo, é
a representação de nossa Mãe Terra.
É uma montanha, um arco, é a manifestação física de nossa
Mãe Terra com seus dois braços abertos para recebermos, assim como
sempre recebe o Pai Fogo. Este é um caminho que nós chamamos o
Caminho Vermelho. Neste caminho só se começa a andar quando
se toma a consciência de que é de coração, por vontade própria, de
2 Aqui Aurélio Diaz usa o termo “soltura”, em espanhol, que quer dizer: frou-
xidão, ou aquilo que é relativo a agilidade; qualidade de pessoa que fala aber-
tamente com franqueza, honestidade, lisura. Achei que “coube” melhor lisura;
aquilo que é reto, comportamento particular de uma pessoa integra, que age
com retidão.
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a tradição, dizem-nos que, no princípio da criação, o Grande
Espírito fez a primeira mulher e o primeiro homem ao mesmo
tempo, simultaneamente.
A primeira mulher e o primeiro homem saíram do Fogo Sagrado,
dentro da obra e inspiração do Grande Espírito.
Para nós, dentro de todo desenho, dentro de todo o “que-fazer”,
dentro de tudo o que tem a ver com a tradição, a mulher tem um papel
de igual responsabilidade que o homem.
Dizem que, no princípio, a mulher se encarregou de cuidar do
trabalho com os filhos e que o homem se encarregou de cuidar e de
fazer chegar o alimento para os filhos.
Assim é como se foi desenvolvendo.
Hoje em dia, o que perdeu mais tem sido o homem, pois era um
caçador que saía em busca de alimentos e que agora não o pode mais
fazer porque a Natureza na qual ele vive mudou. Era um campesino
que se dedicava a trabalhar no campo, e também perdeu esse espaço.
Era o protetor, e agora não pode ser, porque a sociedade em que vi-
vemos mudou tudo. O “que-fazer” da mulher tem mudado, não por
força dos tempos, senão porque essa também se tornou a provedora,
e, de alguma maneira, também a protetora da sociedade em que vi-
vemos. Originalmente, o trabalho sagrado que tinha a mulher era de
transformar os alimentos em comida e dar a primeira educação para
os filhos.
Isso tem mudado, porém não por causa da natureza, já que,
ainda nos primeiros anos de vida dos filhos, a mulher tem, todavia, esse
desenho original. Com isso, estamos dizendo que o que se encontra
totalmente fora do primeiro desenho original é o homem, não a mu-
lher. É bem importante que isso seja compreendido, porque, muitas
vezes, a gente assume que o homem tem todo o espaço espiritual e que
a mulher não tem nada, e isso é totalmente o contrário.
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homem para que possamos existir, para que isso seja. Esse é o espírito
dos nossos antepassados.
A meia-lua é um arco que representa uma mulher, e o Fogo é
uma flecha que representa o homem. Temos também a água horizontal
que representa a mulher. Então, a maioria da água que existe sobre a
Terra é feminina porque é somente quando a água é elevada ao céu e
regressa em forma de chuva, ela é masculina. Se alguém deveria estar
se queixando, deveria ser o homem, mas eu tenho escutado a queixa
da mulher quando nós, na verdade, estamos muito agradecidos.
Eu, como indivíduo, entendo que dentro da Tradição não existe
separação. Que não há tido, até agora, igualdade, eu também o lamen-
to. Como desejo que a mulher possa ver e possa dizer:
-aqui, neste lugar, eu sou reconhecida.
Falar sobre a mulher é falar da nossa outra parte, do mistério que
temos a nossa frente quando falamos da dualidade, de ser apenas um.
Dentro do pensamento dos nossos antepassados, a mulher era a
base de toda a estrutura social, política e espiritual. Ela era reconhecida
como centro de toda empresa porque sempre tinha que ter a segu-
rança de contar com a benção de ser mais amado: a Mãe Terra, e sua
representação feminina é a mulher. Sempre, em todas as memórias,
reconhece-se que o culto maior é dedicado à mulher. Se vamos ao
Museu de Antropologia do México, encontramos que a joia mais pre-
ciosa, mais completa, é a Coatlicue, que é a representação da energia
feminina. Talvez não haja outra obra com inspiração semelhante em
todo o mundo.
Damo-nos conta de que esse era o pensamento dos nossos
antepassados, o pensamento real de reconhecer a importância que a
mulher tinha e tem dentro da Tradição. Para nós, há medicinas que
são reconhecidas pela nossa gente como medicinas femininas, e que
têm a mesma importância que as masculinas.
Dentro desse trabalho que fazemos, a cerimônia da temazcal é o
ventre da Mãe Terra. Também tem os dois elementos, e, além disso, aos
anciões que testemunharam a vida do Fogo Sagrado e da Mãe Terra
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A Busca da Visão
É
importante que, em algum momento, imploremos por uma
visão. Que vamos à cúspide do Universo, a uma montanha
onde encontraremos o ninho do condor e da águia. Uma
montanha onde encontraremos a presença de nossos antepassados
no encontro consigo mesmo.
A Busca da Visão é um momento da vida onde nos encontramos
nascendo no ventre da Mãe Terra, de alguma maneira, no umbigo
da Mãe Terra. Nós tratamos de construir esse espaço para levar a
nossa gente para que conheça, para queencontre a si mesma ante à
Natureza, ante à presença do sagrado. Que possa abrir os olhos muito
cedo, pela manhã, quando o Sol estiver saindo, e viver o momento
da iluminação na Terra pela Natureza mesma da criação, o Sol. E de
alguma maneira, também o entardecer, o Mistério que existe, estar
à intempérie, onde se encontram as estrelas durante toda a noite,
e que possamos nos dar conta de que sua presença é tão clara, tão
direta. Lá onde podemos respirar e sentir a própria presençado
Grande Espírito. Pensamos que o Grande Espírito veio à nós através
do primeiro suspiro, da primeira memória que temos de quando
respiramos. E cremos que isso está em sintonia ao momento em que
começamos cedinho, pela manhã. Durante toda a noite estamos nos
formando e, ao abrir os olhos, pela manhã, quando se respira o ar
fresco, é um momento muito especial, assim quando saímos do ventre
da nossa mãe e respiramos pela primeira vez.
Estamos, então, vivendo nesse momento, que é muito sagrado
e no qual se sente a presença do Grande Espírito através de todos os
insetos, através de todas as formas que existem na montanha, espe-
cialmente, às vezes, no canto da uma ave, ou na presença da chuva.
Damo-nos conta de que lá está o Grande Espírito, que isso é o que
vamos fazer lá, ao nos encontrarmos com o mesmo, ao conhecer esse
ser tão sagrado, a esse ser tão especial que somos nós mesmos; que é,
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exemplo, o medo do que fazer com nossa vida, o que fazer com a
verdade que estamos vivendo, que fazer com o peso de tantas coisas
desnecessárias, como, por exemplo, a preocupação em viver diaria-
mente, da dúvida diária, da consequência dos bens adquiridos em
nossa vida, como propriedades, móveis, coisas que nem sequer têm
uma verdade dentro de nós. E que, mais que nada, são uma cone-
xão dentro de nós. É por essa razão que estamos preocupados se
realmente vamos realizar, através de tudo isso, o propósito da nossa
vida, e, então, percebemos que estamos preocupados com nossa conta
no banco, ou com coisas que fazem parte da nossa maneira de ser.
Aqui é onde nos damos conta de que, na verdade, o pássaro não
necessita de nada, que, na verdade, os animais da Montanha não se
movem com nenhuma dessas coisas, que tomam tudo o que há, tudo
o que existe, em uma forma real e direta. Que quando constroem
algo em uma árvore, por exemplo, não se apropriam, não tomam
posse, e vivem em harmonia e equilíbrio com tudo.
Isso é o que estamos recuperando aqui, voltar a construir em
harmonia com a natureza, a construir de acordo com a natureza do
lugar, com a natureza do próprio ser natural que há dentro de nós.
Recorda de como fizeram nossos antepassados no Machu Picchu,
ou em lugares antigos onde dá pra ver claramente que eles foram e
se uniram ao espírito da montanha, se uniram ao espírito do lugar
e, dessa maneira, criaram uma relação em que em nada alteram a
Natureza.
Isso é importante para que tenhamos harmonia, então é o
que buscamos na montanha: como voltar à forma natural de ser, à
forma silvestre.
A Busca da visão é um dos primeiros ensinamentos que che-
garam a nós.
No princípio da nossa vida, por uma inclinação natural, entre-
gamo-nos à busca da verdade, à busca de tudo o que ignoramos, com
o simples propósito de melhorar nossa relação com o meio ambiente,
com nossa família, com nós mesmos.
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com a Tradição, pois sabemos que são pessoas que têm tentado e se
têm provado a si mesmas sua verdadeira intenção.
Quando levamos alguém em busca de um lugar na montanha,
dizemos o que estamos plantando, mas, na verdade, estamos enter-
rando, pois queremos que esse ser nasça de novo com a capacidade
de ser real, verdadeiro, de se entregar sinceramente ao povo e de
fazer coisas novas e belas. Nós fazemos um quadradinho como se
fosse uma tumba e colocamos rezos ao seu redor, esperando que o
Sol o fortaleça a cada dia e dê perspectiva à sua vida, esperando que
a noite o temple e o permita acabar com todas as suas dúvidas, que
prove a sua vontade e desfaça temores e fraquezas. Que tenha tal
força, que nem o brilho da claridade o deslumbre. Essa é a intenção
quando uma pessoa empreende o caminho da Busca da Visão, que é
uma visão dos nossos antepassados. Ele prepararam alguns lugares,
com sua própria energia, para esses propósitos. Agora, nós estamos
fazendo o mesmo. Os quatro dias do primeiro ano são para gravar o
primeiro ensinamento do espírito, para escalar, ao menos, as saias da
montanha. Os sete dias do segundo ano permitem chegar à metade
da montanha. Quando se chega ao terceiro ano, o de nove dias, é a
terceira folha e é, na verdade, estar no topo da montanha recebendo
as instruções tal como devem ser. Ao chegar aos treze dias, no quarto
ano, é que o Grande Espírito já o está abençoando para que desça da
montanha com as instruções para seu povo. São quatro folhas deve-
-se registrar, mas, na verdade, são quatro partes de nosso ser: os pés,
que são a humildade, o umbigo, que é a integridade, o coração, que
é a sinceridade, e a cabeça, que é a vontade.
Esses são os ensinamentos da Busca da Visão: unir as quatro
partes de um ser em um desenho, em um ciclo de quatro anos.
É importante que o indivíduo entenda que tem que estar dis-
posto a se transformar por inteiro, a deixar de ser, para poder ser.
Então, um de seus primeiros ensinamentos é apagar toda a história
para poder escrever a história real e verdadeira.
Cremos que, no futuro, como o estamos levando continua-
mente, haverá buscadores de visão que chegarão ao mesmo lugar
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e saber que isso era real e verdadeiro. Também senti que tinha que
estar alerta, que não podia processar rapidamente os pensamentos
que se tem na Busca da Visão. Concentrei-me ao mundo com minha
própria visão e me dei conta disso.
Disse ao meu tio:
- É que estou sozinho.
- Todos estamos sozinhos -disse-me ele- mas podemos nos unir.
Então me dei conta de que eram meus irmãos. Não sabia onde
estava, nem como eles haviam chegado, mas compreendi quão pro-
funda, imensa e ampla é a Busca da Visão.
Essa lembrança ficou guardada como um tesouro em meu co-
ração, sempre está ali, como ensinamento direto do Grande Espírito
àqueles que o buscam. Por isso eu me entreguei ao trabalho da mon-
tanha, porque é um trabalho real e verdadeiro onde nos conectamos
com a verdade de forma direta e própria. Temos desenhado essa
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forma para todo o povo, é uma boa forma. Essa Tradição deve con-
tinuar, é importante para todas as futuras gerações que não termine.
Há tantas coisas que se vivem na Busca da Visão… lembro,
também, na minha primeira busca, que fui à montanha sem nenhu-
ma cobertura. Cheguei ao lugar de cueca, que estavam húmidas
como se saísse de uma temazcal. Não tinha pensado no frio da noite
nem no calor do dia, mas somente em aprender a forma correta de
caminhar. Um companheiro preparou para mim uma cama com
sálvia que ele cortou. Senti-me tão contente ao ver uma caminha de
sálvia! Há tanto ensinamento em tudo isso, tudo é parte de uma visão.
Recordo que, debaixo das folhas de sálvia, encontrei Nopalesquando
me sentei, e recebi umas tremendas picadas. Deu-me tanta raiva da
pessoa que preparou a cama! Pensei que havia colocado, com toda
maldade, os pedacinhos de Nopal, tão pequenos e com espinhos tão
grandes como só se dá na Dakota do Sul. Peguei o Nopal da raiz e
o tirei fora do círculo. No terceiro dia, ao vê-lo ali, senti-me muito
mal comigo mesmo, pois compreendi que o Nopal era comida e eu
mesmo o havia jogado fora.
Nesse ensinamento, há que se levar tudo em conta, tudo é
importante e não se deve desperdiçar os presentes, as oportunida-
des que o Grande Espírito coloca ao nosso alcance, perto de nós,
com um propósito. Não podemos perder o controle, não devemos
nos incomodar ou ficar com raiva, pois isso faz com que percamos
a perspectiva. Todos os detalhes levam a um ensinamento, a uma
informação, na Busca da Visão. Há gente que leva anos para com-
preender. Às vezes, algumas pessoas entendem no dia seguinte, na
semana seguinte, ou no ano seguinte, mas chega o dia em que se
pode apreciar o ensinamento. Além da solidão, da tristeza, da fome e
da sede, chega a clareza. Temos que ter muito cuidado com ela, pois
podemos nos perder, crendo que compreendemos tudo. É necessário
estar constantemente em guarda para não cairmos como vítimas de
nossa própria visão. Há que se permanecer humilde, sincero, íntegro,
e com a maior vontade possível.
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A Pipa* Sagrada
S
ão quatro anos nos quais vamos às quatro direções pedir
instruções sobre esse instrumento, onde vamos pedindo ins-
trução ao Grande Espírito. Ele é um maestro e nos ensina o
que representa isso. Existem pessoas que nos ajudam no caminho
e, esses que nos apoiam, até chegar à montanha, são os guias. Então
existem certas pessoas a que se chama pessoas de Medicina. Líderes,
de alguma maneira, advogados, patrocinadores ou padrinhos. Esse
líder dá o poder a essa pessoa, o poder é a cola da vida, o poder da
vida é a conexão com a Pipa.
E, neste presente, essa pessoa recebe a instrução. A Pipa Sa-
grada é como uma criatura, uma criança. A recebemos em nossas
mãos e a apresentamos às Quatro Direções; ao Céu, à Terra e ao
nosso Coração. Esse instrumento é carregado sempre em nosso lado
esquerdo, pois aí está o nosso coração. Isso não quer dizer que seja
a única forma.
Um Portador de Pipa, toma sua vida: a Pipa, apresenta as
Quatro Direções e reza com elas. Quando essa pessoa passa a Pipa à
outra, não implica que quem a recebe tem que apresentá-la às Quatro
Direções. Não deve-se imitar o que o outro faz com sua própria vida.
Um Portador de Pipa se apresenta ante ao Grande Espírito com sua
conexão com as Quatro Direções. Um bom Portador de Pipa, quando
a recebe, a reconhece, a reverencia, a agradece e reza com ela. Não
a apresenta às Quatro Direções.
Se você conhece essa pessoa e é alguém na vida dessa pessoa,
ou é um ancião, pode apresentá-la às Quatro Direções. É necessária
muita humildade para reconhecer que não é todo mundo que está
na posição de tomar qualquer instrumento sagrado e apresentá-lo
às Quatro Direções. Somente se existir uma alta conexão de relação
e de responsabilidade. É preciso ter um profundo cuidado, muito
carinho, muito amor, e fazer de forma discreta, se for necessário.
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Continua Aurelio.
Depois de quatro anos de Busca da Visão, o de Dança do Sol, o
de Cerimônias com compromisso, nos damos ao povo. Esse ato tem a
ver bastante com o rezo da Pipa, com a conexão com o espírito de que
estamos trabalhando para o povo. Uma pessoa se torna um portador
de Pipa para ser um servidor da família, do povo. Uma pessoa vai em
busca de uma solução que beneficie um povo, uma comunidade, ou
um círculo familiar. Por isso existe esse desenho que pode ser seguido
para apoiar quem participa dessas cerimônias. Dentro desse círculo
de portadores de Pipa, vai sair alguém que vai mais além. Mas esse
círculo deve ser cuidado para poder apoiar essa pessoa.
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Perguntas:
- Quando uma pessoa está em uma tradição e entra no Ca-
minho Vermelho, como decide, se em uma mesma data
coincidem compromissos?
- Sempre há que se reconhecer o ensinamento que chega à sua
vida, na ordem em que ele chega. Fora isso, muitas vezes você
tem que tomar a decisão tal e como ele vive em seu coração
no momento em que se encontra. Tem que tocar as coisas de
tempo em tempo, sabendo que você é capaz de compreender
algo real. Às vezes tem que tomar uma decisão, pois quando
a toma, se sente bem mesmo que não tenha estado nos dois
lugares fisicamente.
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- Não há nada que não se possa pedir com a Pipa. Tudo pode
ser pedido com a Pipa, mas lembre-se de que está frente ao
Grande Espírito e que está se mostrando a Ele. Tem que
olhar-se para ver o que pede. Tudo pode ser pedido com
sinceridade, humildade, integridade e vontade… Se tem um
problema de família, ou qualquer problema, que melhor
oportunidade para levantar essa Pipa e fixaro problema com
sua própria vida? Você não pode deixar nada fora da Pipa,
ainda que creia que a Pipa não sabe de algo, se o deixa fora,
de qualquer maneira, isso vai cair sobre a sua vida. Muitos
dizem: “além da sua saúde, encontrará o que faz com sua
própria vida”. Cuide para o que você faz valha a pena. Se o
faz bem, vai multiplicar em você também. O que você olha
de lá, também está vindo até aqui. O esforço que faz para
servir ao povo é guardado, também, dentro da sua própria
saúde, dentro da benção do benefício de estar a serviço do
povo. Tudo cabe dentro dessa Pipa. Todo o Universo cabe
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dentro dessa Pipa. Nada fica fora, ainda que você decida
deixá-lo fora.
A razão para a pergunta interior é que, para mim, a Pipa é
muito sagrada. E eu acreditava que havia problemas que era melhor
deixar de fora, não colocar na Pipa.
- Assumi um compromisso de levar uma vida sagrada. Do
que você está falando? Um portador de Pipa é uma pessoa
que entendeu o destino da sua vida e, por isso, agarrou-se
à verdade. Como pode pensar que há algo que não valha a
pena? Você diz que é humilde, mas isso não quer dizer que
seja negligente. Vocês têm que tomar consciência de que, na
vida, têm que sorrir com o coração, com alegria, ainda que
pareça estúpido diante do povo. Mas isso é verdadeiro, e não
quer dizer que seja estúpido. Se o parece, é outra coisa. O
que importa é o que parece diante dos olhos. Ante aos olhos
daquele que critica, ou ante os olhos do Grande Espírito?
É assim que a sua conexão com o Grande Espírito se torna
o mais importante que existe dentro deste caminho. Tudo
conta e tudo é parte, nada se pode deixar de fora. Não há
nada que, para o Grande Espírito, não seja importante. Se
não, isso não o seria dado. Se ele lhe deu uma dor de cabe-
ça, é porque é importante que você a tivesse. Se deu a você
alguma doença, é porque era necessário. Se deu a você um
momento de felicidade e você é capaz de celebrá-lo e dizer:
‘’Graças, Grande Espírito, por me fazer tão feliz, por ter me
ensinado um pouco de compreensão. Apesar de tudo o que eu vivi,
eu me saí muito bem. Agora eu compreendo. Dentro de todas as
relações, essa é a única que conta, porque é verdadeira.”
O espírito que está guardado no Pai e na Mãe, que agora está
em uma forma sagrada, frente à sua vida, dentro de sua vida, caminha
com você a onde quer que você vá, ainda quando a Pipa não está ali
fisicamente, ela está sempre em seu coração.
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Como quer chegar até lá, isso é uma decisão sua. Pegue a Pipa em
suas mãos e reze com ela.
- Quando vamos passar a Pipa à pessoa que está à nossa es-
querda, passa-se pelo fumo ou aponta-se o fogo com ela?
- A pedra é a Mãe e na Mãe está o fogo. A Mãe é o que está
mais perto do ser, do indivíduo. A madeira é o Pai, é o que
está em conexão com o Espírito. Isso funciona de forma
diferente do tabaco. Com a Pipa, chega primeiro a Mãe,
porque está mais perto do coração. Seja como for, vocês
hão de receber essas instruções na montanha. Isso é o que
nós sabemos sobre essa Pipa, ao menos é como eu o passo.
- Alguém me pede, com um tabaco, que carregue a Pipa por
um bom propósito. Eu aceito o tabaco e estou disposto, passa
o tempo e não encontro o momento. O que acontece com
minha vida?
- No princípio, quando recebe, aceita o tabaco e dê sua pala-
vra, é sua responsabilidade com o Grande Espírito. Eu lhe
recomendo que pegue um calendário, fixe uma data, uma
hora e que diga: “estamos de acordo”. Se o postergar, há de
ser com alguém que tem muita confiança de que não se vai
postergar por meses ou por anos, mas que vai fazê-lo. Tenha
muito cuidado com ele. À Pipa não se pode causar danos,
mas a você mesmo, você pode causá-los.
- Se eu peço a um irmão que carregue uma Pipa, por exemplo,
para a cura de uma relação, posso apoiá-lo com minha Pipa
nessa mesma cerimônia?
- Você pode oferecer o tabaco a essa pessoa e dizê-la: “eu
gostaria de pedir a você uma cerimônia de Pipa, e, com esse
mesmo tabaco, queria dizer que adoraria ajudá-la com a
Pipa que eu carrego, que me permita que, no momento em
que você acenda sua Pipa, eu, em seguida, possa acender a
minha para apoiar esse mesmo propósito”.
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N
o ano de 1996, Marina e Javier cumpriram o ciclo de quatro
anos da Busca da Visão em Morelia, Michoacán, México.
Compartilharemos algumas de suas reflexões acerca desse
aprendizado na montanha.
Reflexões de Javier
Essa é uma experiência que não tinha antecedentes na minha
vida. Era a primeira vez que me enfrentava com o possível de uma
maneira direta. As possibilidades sempre podem ser medidas mate-
maticamente, mas não há nenhum dado nisso, nem uma maneira
de prever o que irá ocorrer. A experiência final desses quatro anos
tem sido a plenitude de estar unido ao Universo. O Universo se
manifesta com a forma que tem, em seu silêncio. Há um silêncio que
toca as fibras mais íntimas, de tal maneira que jamais se pode esque-
cer essa melodia. Sofrer se torna, realmente, algo secundário. Ficar
se preocupando com ideias, teorias, instituições, é uma banalidade,
porque não é uma instituição, nem uma ideia, nem uma teoria, o que
se busca. Tampouco alguém colocará em prática um método de pen-
samento ou de meditação. É uma entrega ao processo de fecundação
que a Natureza exerce em todos os níveis e em todos seus reinos. É
o contanto com a força originária que criou e cria tudo, e que, por
alguma razão, e por tantas palavras, esquecemos.
No primeiro ano, eu era um homem que tinha muitas ideias,
métodos de discernimento e maneiras de racionalizar. Conhecia a
ciência, a filosofia e a lógica. Enfrentei a mim mesmo, com algo muito
interessante: a profunda debilidade que existe em meu ser interno e
em meu corpo físico. Dei-me conta de que coisas como o orgulho, a
vaidade, a ambição, eram o que sustentava meu hálito de vida. E, no
primeiro ano, ao sofrer, e como sofri, já que nunca antes havia passado
por um jejum tão longo e de maneira tão consciente, compreendi que
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sua própria natureza e sua maneira de sentir e ver as coisas, deve ter
o valor de entrar na casa de nossos queridos irmãos, sem incomodar
a ninguém.
Eu sinto que Aurelio me convidou a entrar nesta casa e me
disse: “Venha, entre, observe tudo e sinta-se confortável. Espere, em
seguida verá o nosso Pai”.
Reflexões de Marina
MetakiaseOyasín. “Por todas as minhas relações”.
Foi-me dito um dia, sobre a Busca da Visão: “É um compromis-
so com o Espírito, consigo mesmo, com seu povo, com sua família, com
as futuras gerações. É uma oportunidade de estar consigo mesmo,
para provar-se, para ter entendimento, clareza”.
Esse caminho é profundo e de transcendência para o Ser, é
uma Tradição, é uma forma de vida. O Caminho Vermelho,Caminho
do Coração.
O Grande Espírito é o que sempre move as coisas. Ele nos dá,
gota a gota, o que vamos necessitando, com muita paciência e, às ve-
zes, não somente gota a gota, mas em jatos, e eu agradeço-o por isso.
Dar-se a oportunidade de se nutrir e tomar os dias necessários
para ir tecendo nossos próprios rezos, vale muito a pena. É se dar a
oportunidade de viver de outra maneira.
Retirar-se em silêncio, em jejum, e impregnando o Ser de todo
o sagrado que rodeia o ambiente, é uma experiência muito profunda
e sagrada.
A Busca da Visão dá a oportunidade de crescer, de ir deixando
tudo o que não é necessário, o que nos impede de crescer, de refle-
tir, e de nos alinhar com a Natureza e nos centrar. Voltamos ao Ser
mais sensível. Recebemos muitos presentes, intangíveis, invisíveis e
indescritíveis.
Vale a pena se arriscar, atrever-se. Para compreender, há que
vivê-lo. O Espírito dá a cada indivíduo o que a ele corresponde. Há
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que ter fé absoluta. Sempre chega o que tem que chegar. Talvez não
o que esperamos, o que queremos e temos em mente. Há que aceitar
que o chega é um presente.
Confesso que no primeiro ano, presa em minha absoluta igno-
rância, eu rezava e mirava o céu e o dizia: “Olha, Grande Espírito,
não sei onde você está, não sei como nem quem é, mas estou aqui
com todo meu coração, implorando por uma visão”.
Esse foi meu primeiro rezo, porque euentendia a nível racional.
Mas não é com a razão que se deve entender, é com o coração, pois
esse é o caminho do coração.
Em vésperas do meu primeiro tempo na montanha, recordo
como meu ser se estremecia de medo. Tinha muito medo do frio e da
montanha, medo da solidão e de enfrentar a mim mesma. Também
da fome e da sede, já que antes jamais havia jejuado.
Em relação ao medo, foi importante dar o passo e não ficar
paralisada. Ter a intenção de vencê-lo. Entregar-me a essa oportu-
nidade que estava me tomando. Dar-me conta de que o medo nos
limita, faz com que percamos muitas coisas.
Foi uma recapitulação de muitos aspectos do meu passado,
foi colocar em ordem e harmonizar a maioria das minhas relações.
Sabia que meu compromisso era muito forte, não era ante aos
homens, mas ante ao Grande Espírito e ao Grande Poder. Eu gostava
de me compromissar diretamente com o Criador, de me conectar
com Ele sem intermediários e dizer-lhe: “Estou implorando por
uma visão”. A cada um é dado o que ele necessita. Ali comecei uma
depuração do meu ser. Implorava por uma visão tantas vezes quanto
podia e com toda a humildade possível no meu coração, ainda que
não soubesse bem o que estava fazendo ali.
Havia coisas muito simples e muito profundas. Uma noite,
enquanto dormia, uma força quase elétrica atravessou meu espaço,
muito fugaz, mas muito forte. Despertei e pude sentir como essa ener-
gia estava na planta dos meus pés. Soube que é uma das maneiras em
que o Grande Espírito se manifesta. Não senti medo, pelo contrário,
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sempre alerta, já que nos instruem para saber o que fazer com
nossas vidas.
Em uma tarde, choveu muito. Choveu tanto que molhou toda
a minha roupa e a coberta que levava comigo. Não sabia o que fazer,
a noite chegava e o pouco que tinha estava ensopado. Passei toda a
noite rezando em posição fetal para me dar calor a mim mesma. Pude
me dar conta de que a confiança no rezo é muito importante, não
senti o frio. Essa mesma noite me permitiu abandonar grande parte
do volumeque me estorvava para poder caminhar melhor.
Apreciamos muito o apoio que nos é dado desde o Fogo do
Tipi Cerimonia. Essa noite foi muito importante para mim.
Sempre obtive respostas bem precisas sobre situações bem
concretas. Assim, desejo sempre apontar meus rezos em direção ao
céu, sei que sempre são bem recebidos.
Comprir com o compromisso, ao quarto ano, é ir com toda a
humildade possível, rezando por mais humildade, integridade, ho-
nestidade, disponibilidade e vontade. Uma vez perguntei: “quando
deixamos de rezar por humildade?” “Nunca”, responderam-me.
O Criador colocou para nós tudo isso: o Pai Sol, a Mãe Terra,
o irmão vento, a irmã água, o legado e a memória de nossos antepas-
sados, todo o conjunto de seres vivos que ainda existem e que estão
por nascer. Para eles, eram e seguem sendo minhas orações. Esse
ano fui conjugar presente, passado e futuro. Recebi muito, muito,
do Grande Espírito. Abrir os olhos e me maravilhar com profundo
respeito ante a Mãe Natureza, sentir-me sua filha, fundir-me com o
Universo, desapegar-me, de repente: ser nada e ser tudo ao mesmo
tempo. Reconhecemo-nos como filhos ante ao Criador.
O ser recebe muitos presentes, intangíveis e invisíveis. Quero,
através da vida, reconhecê-los e merecê-los. Compartilhar essa ex-
periência com os demais. Esse é um compromisso muito sagrado. É
um compromisso para toda a vida.
Quero fazer um rezo agradecendo ao Grande Espírito por
mover as coisas assim, por fazer-nos ter a oportunidade de conhecer
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