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O Drama Sagrado de Elêusis

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O Drama Sagrado de Elêusis

Reconstruído por Edouard Schuré


Posto em ritmo livre por Rudolf Steiner

Tradução de
Sonia Setzer

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Título original:
Das Heilige Drama von Eleusis
Copyright 1939 Philosophisch-Anthroposophischer Verlag, Dornach
ASIN: B00109V9L4

Direitos desta edição reservados a


EDITORA ANTROPOSÓFICA LTDA. – Rua da Fraternidade, 180
04738-020 – São Paulo / SP – Tel./Fax 55( 011) 5687-9714
www.antroposofica.com.br – editora@antroposofica.com.br

Tradução: Sonia Setzer


Editoração geral: Ramon N. Pinheiro
Ilustração de capa: Deméter e Perséfone entregam o cereal a
Triptólemo, que o espalhará por toda a Terra
em seu carro de serpentes. (Baixo relevo de
consagração de Elêusis - séc. V a.C. - Museu
Nacional de Atenas)

1ª edição - 2011
ISBN: 978-85-7122-203-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP,Brasil)

DADOS DA FICHA CATALOGRAFICA ENVIA PELA CBL

Índices para catalogação sistemático:

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ÍNDICE

Prefácio
O teatro na formação de professores Waldorf 7

Lista de personagens
Com seu signifcado oculto 9

Prólogo
O rapto de Perséfone 11

Primeiro ato
A dor de Deméter 21

Segundo ato
O Tártaro, no templo de Plutão 43

Terceiro ato
Nas alturas do Olimpo 51

Epílogo 63

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PREFÁCIO
(O Teatro na Formação de Professores Waldorf)

Talvez não exista atividade de grupo mais versátil e comple-


ta que a da apresentação de uma peça de teatro. Nela tudo é
possível e tudo é exigido: trabalho em equipe, expressão artísti-
ca com todo o corpo em gestos, fala, canto, elaboração criativa
do espaço físico, anímico e espiritual, encontro – confronto –
colaboração, desconstrução do personalismo, entrega, aprofun-
damento, repetição, memorização, sofrimento, alegria, controle,
superação das inibições e dos medos, tudo isto aninhado e am-
parado na vivência e na realidade de um grupo – E as escolas,
não são uma grande e constante trupe de teatro?
Assim sendo, vários dos cursos de Fundamentação em
Pedagogia Waldorf adotam este desafio como um dos mar-
cos para a conclusão de curso; uma defesa de tese concreta
a abrangente!
Neste ano aconteceu um fato inusitado, porém significativo:
três cursos diferentes – o de Botucatu (SP), o de Curitiba (PR) e o
de Jaguariúna (SP) – tinham suas três apresentações teatrais
em menos de 24 horas, e todos os três encenaram a mesma
peça: “O drama sagrado de Elêusis”, transcrita por Rudolf Stei-
ner para teatro a partir de uma obra de Edouard Shuré.
A temática abordada nesta peça: “O rapto de Perséfone”,
a sedução de Eros, o poder de Plutão, a dor da mãe Deméter,
o consciência de Zeus, a coragem de Triptólemo, o mistério
de Hécate e a esperança de Dionísio, engloba de forma su-
blime os pontos essenciais da trajetória que os estudantes

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fizeram ao longo do curso, voltados para o script do drama
que constitui o vir a ser do jovem e as fases de seu desen-
volvimento.
É com alegria e certo orgulho entremeado de apreensão
e expectativa, que grupo dos alunos do curso de Jaguariúna,
acrescido de alguns de Curitiba, aceitaram o desafio de com-
partilhar o resultado de seu modesto trabalho no teatro da
Sociedade Antroposófica, em São Paulo.

Peter Biekarck - Coordenador pedagógico do curso de


Jaguariúna e de Curitiba.

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LISTA DE PERSONAGENS
(com seu signifcado oculto)*

Hieroceryx (ou o Mensageiro Sagrado);


igualado a Hermes, gênio mediador entre o Homem e os deu-
ses, intérprete dos mistérios.

Zeus, o Demiurgo;
elevado criador do universo, representado pelo hierofante, o
chefe da família dos Eumólpidas e grão-sacerdote de Elêusis.

Deméter;
a razão divina e a luz celestial, representada pela hierofânti-
de, a esposa do grão-sacerdote de Elêusis.

Dionísio;
filho de Zeus e Deméter, o verbo ou o espiríto divino, atuante
no universo.

Perséfone;
filha de Zeus e Deméter, alma original de toda a humanidade.

Eros;
na figura de um menino alado. Aquele que modifica e transfor-
ma todas as coisas. Instrumento do Demiurgo, seu mediador e
mágico.

* Todos esses personagens encontram-se no hino homérico à Deméter


“Louvor a Deméter”, exceto Dionísio, que só mais tarde foi introduzido em
Elêusis com o nome de Bacco.

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CORO DAS NINFAS

Hécate Tripartida;
deusa da Lua, gênio das transformações e metamorfoses,
mostrando em imagem, ao mesmo tempo, as três regiões
que a alma deve transpor para encarnar-se e para voltar à
sua origem.

Metanira; viúva de Keleos, o rei de Elêusis.

Triptólemo; seu filho, um jovem.

Rhodope, Kallirhoe, Phaino; filhas de Metanira.

Plutão**;
o deus do mundo inferior ou da matéria densa.

CORO DOS MONSTROS E FANTASMAS


vindos do princípio de Hécate.

CORO DOS ADEPTOS; que participa dos mistérios, almas


individuais à procura da verdade.

CORO DOS BEM-AVENTURADOS;


na luz de Deméter.

CORO DOS HERÓIS


**
Foi substituído o nome grego (Hades) por seu nome romano para maior
dramatização e por corresponder a primeira encenação da peça.

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PRÓLOGO
O rapto de Perséfone

HERMES (o mensageiro dos mistérios, para os presentes).


Sentindo a força do porvir divino em sua alma, o Homem
levanta pensativamente seus sentidos à Deméter, a grande
mãe da Terra.' Ela colocou a essência do Homem no universo
por meio de duas dádivas divinas. Ela permite que ele colha
os frutos da terra, que se torne o domador do reino animal.
Ela irradia o poder sacral do conhecimento para as sombras
mais profundas de sua alma, para que ele possa sentir em
sua alma os germes divinos eternos.
Prestem atenção às palavras e às coisas que vocês ain-
da escutarão e verão, para ver como amadurecerão os fru-
tos de suas dádivas.

(Ao fundo, veem-se rochas com uma gruta rodeada de


ninfas e alguns plátanos. Na frente, um gramado sobre o
qual ao redor de uma fonte estão algumas ninfas).

DEMÉTER (tendo o cálato sobre a cabeça, o cetro na mão,


com voz séria).
Permaneça nesta gruta criança querida, és considerada
com razão a protegida dos deuses.
E esperando o retorno de sua mãe,
termine de tecer este véu.
Seu olho pode reconhecer no céu a pátria amada, no uni-
verso a propriedade orgulhosa.

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Todos os deuses obedecem ao seu chamado!
Mas, não dê ouvidos à voz atraente de Eros, pois, ele é
astucioso e só sabe dar conselho malévolo, apesar do olhar
meigo.
Você não deve deixar esta gruta, nem colher as flores
sedutoras da terra; seu perfume iria embriagá-la, e roubar-lhe
a luz do céu, e até mesmo arrancaria de sua alma a lem-
brança!
Fique no círculo das alegres ninfas que a cercam gentilmen-
te, e quando eu voltar, iremos apressadas até o éter tão eleva-
do, no carro de serpentes, cercado de chamas de fogo!

PERSÉFONE (bordando um longo véu multicolorido)


Nobre, severa mãe, quero prometê-lo(a).
O brilho sério da luz que irradia a partir de sua nobre for-
ma divina e que é caro para a alma de filha, seja testemunha
de minha promessa! Que o castigo dos deuses atinja impie-
dosamente a desobediente.

(Deméter sai)

CORO DAS NINFAS


Oh, Perséfone! Oh, Virgem!
Noiva pura do céu!
Você tece para dentro de seu véu as formas leves dos deu-
ses. A desilusão vã da terra esteja eternamente longe de você!
Que apenas o brilho límpido da verdade irradie seu olhar!
No empíreo vive Dionísio, o marido escolhido pelo pró-
prio Céu.
Seu beijo toca-a apenas com o longínquo puro raio de sol.
Ele vive de sua respiração, em sua luz respira você – não
se encontra maior felicidade no universo.

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PERSÉFONE
As formas incontáveis dos acontecimentos cósmicos são
trabalhadas por minha mão no azul celeste do grande véu
etérico; ele mostra dobra junto de dobra.
Mas cada uma esconde figuras tecidas por minha agulha
de marfim segundo à decisão dos deuses. Minha arte atingiu
este extremo do reino dos deuses. As cem cabeças do caos
e seu milheiro de braços teci para dentro do tecido, de modo
que os seres mortais possam brotar de seu colo.
Mas, quem as chama para saírem destas profundezas
desoladas para a vida alegre, luminosa! O pai dos deuses
desvendou-me o enigma obscuro: é Eros! Meu coração bate
de desejo para ver a figura que provoca tal milagre!

AS NINFAS
Nem pense nisso! Evite a pergunta frívola.

PERSÉFONE (levanta-se e joga o véu para trás)


Oh Eros, você o mais velho e o mais jovem dos deuses,
fonte inesgotável da alegria e das lágrimas; assim lhe cha-
mam, que é invisível, desconhecido, contado como imortal...
Eros envolto de segredos. Minha alma perde a consciência
como que anestesiada por um feitiço poderoso, quando ela
ouve apenas o som inebriante de seu nome.

CORO DAS NINFAS


Não continue! Fuja dos perigos que ameaçam os homens
e também os deuses.

PERSÉFONE (olha para o vazio com olhos assustados)


A lembrança emerge da alma? O medo do pressentimen-
to a preenche?

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O caos... Formas humanas... Gerações incontáveis subin-
do do precipício...
O grito do mundo em devir!
O grito do ódio e da guerra!
O terrível poder da morte...
Tudo isto está diante de meus olhos!
O precipício me puxa desejoso para suas profundezas es-
curas...
Minha alma anseia para baixo.
O feitiço de Eros me agarra...
Ele me mostra a tocha:
A morte já está diante de mim!
Deixa-me, pesadelo terrível!
(Ela cobre o rosto com as mãos e soluça).

CORO DAS NINFAS


Oh virgem divina! É apenas um sonho, mas ele se tornará
realidade, se o desejo culposo o chamar em sua alma. O pra-
zer celestial deve esvair-se em ilusão, quando a advertência
madura lhe soa, em vão. Continue tecendo o véu, esqueça o
que Eros quer lhe revelar de maneira impura.

PERSÉFONE (deixa cair as mãos que cobriam seu rosto, que


mostra uma outra expressão)
Como vocês são absurdas; oh, como eu fui tola! Agora
brota a lembrança... Apenas devo pensar nos mistérios
sagrados! Revelou-se-me em Olímpia! O mais belo dos
deuses é Eros. Ele antecede em sua carruagem alada dos
deuses imortais, quando elementos se ligam plasmando
formas, criando seres. Seu tom amoroso atrai os heróis
da profundeza do caos e os leva a alturas etéricas. Seu
conhecimento não conhece limites. O universo anima sua

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força igual ao fogo do qual brotou a(à) criação. Ele pode
levar as chaves às portas da terra e mesmo do céu!
Oh Eros, revele-se-me!

CORO DAS NINFAS


Pare, infeliz!

EROS (sai da floresta sob forma de um menino alado)


O desejo de Perséfone por Eros soa tão poderoso: ei-lo aqui.

PERSÉFONE (deixa-se cair sobre seu assento)


Quão diferente Eros, Perséfone deve vê-lo do que você
lhe fora retratado. Traição e astúcia, assim dizem eles, pre-
enchem sua alma, agora eu o vejo, e meu coração e minha
alma ficam largos quando vejo o olho tão claro e aberto. A
beleza infantil, o brilho puro da inocência fluem de seu corpo.
Prezam em você a vivacidade e não menos a habilidade para
qualquer trabalho importante como este véu.

EROS
Obedecendo tal pedido, Perséfone me vê deitado a seus
pés, admirando a tecelagem do véu que reflete como ima-
gem especular o azul dos olhos da artista ao observador
surpreso. E sua mão teceu para dentro do véu formas sem
igual... Só uma coisa no universo pode superá-la em beleza,
o si próprio desconhecido, que nunca se viu num espelho: a
própria figura da artista.
(Ele sorri malicioso).

PERSÉFONE
É possível ver-se a si mesma? (ela enrubesce)
Eros reconhece estas formas?

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EROS
Elas não são estranhas para minha alma, o devir dos deu-
ses revela-se para mim. Mas porque o seu trabalho termina
no caos? Ali fica o início da luta e sua meta torna-se conhe-
cida à alma que procura. O olhar pesquisador sente falta da
indignação dos titanos, como os homens surgem para o nas-
cimento e para o poder do amor.

PERSÉFONE
Meu conhecimento não é suficiente para uma tal reve-
lação. O que se segue, Perséfone só poderá conseguir com a
ajuda de Eros.

EROS (mandando-lhe um olhar inflamado)


Não deverá faltar-lhe aquilo pelo qual sua alma anseia, se
você conceder apenas uma coisa à quem lhe ajudar – você de-
verá visitar com ele a relva para buscar as mais lindas flores.

PERSÉFONE (séria)
Se eu fosse fazer este passo, feriria a ordem séria da mãe
tão sábia e rígida: “A voz de Eros não deve seduzí-la a buscar
as flores na relva. Se seu sentido não obedecer a esta adver-
tência – você deverá ser irrecuperavelmente a mais infeliz
entre os deuses."

EROS
A mãe não quer que os segredos da terra e do inferno se
revelem à alma da filha. Ao respirar o aroma daquelas flores
você terá a revelação.

PERSÉFONE
E você os conhece?

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EROS
Nenhum falta ao meu conhecimento. E só me sinto reju-
venescido por sua força. A filha dos deuses, que o saiba! O
precipício está repleto de terror e medo, que são desconheci-
dos ao céu. Mas aquele que não conhecer o poder da terra e
do inferno não reconhecerá a divindade.

PERSÉFONE
Você consegue dar à alma este saber?

EROS.
lsto será provado!
(Ele toca a terra com a ponta de seu arco e surge um
grande narciso).

PERSÉFONE
Oh que milagre!
Uma recordação importante acorda no coraçâo trêmulo.
Era sobre minha estrela adorada que eu me deitava para
descansar frequentemente, no cume das montanhas. Quan-
do acordava uma estrela prateada brilhava para mim, como
uma opala no azul pálido do céu que se distendia para longe.
Parecia como se ela fosse revelação de meu marido prome-
tido pelos deuses. A estrela me parecia a tocha de Dionísio,
que porém, desaparecia logo depois de aparecer.
Esta flor é como uma estrela.

EROS
A mutação e transformação das coisas é obra minha. Do
que é pequeno deixo surgir a imagem e igualdade do maior.
Eu tiro da profundeza o espelho do céu. Eu misturo as formas
na terra e no céu, formas estas, cuja formação a partir das

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profundezas amorfas devo realizar. Arranquei a estrela que
você chamou de sua do abismo, sob forma de flor, para que
você possa respirar o seu aroma.

CORO DAS NINFAS


Tome cuidado Perséfone, uma desgraça pode facilmente
surgir de feitiçaria !

PERSÉFONE
Diga-me o nome desta flor.

EROS
Seu nome é Narciso, foi lhe dado pelos homens. Em mi-
nha linguagem, ela é uma imagem eterna do desejo. Observe-a
com atenção: ela olha para você, a coroa branca, delicada, bri-
lha como se tivesse vida. O aroma flui a partir do coração que
vive dourado no seu interior. Ela preenche a redondeza com
prazer. Levante a flor mágica para junto de seu rosto, e to-
dos os monstros do abismo deverão aparecer como imagens
à visão e também os enigmas que as profundezas da terra
escondem, e o que move o coração humano. Que nada lhe
fique escondido.

PERSÉFONE
Oh, flor milagrosa, seu perfume é atordoante!
O coração se me eleva, os dedos parecem brasas e
tocam-na!
Quero inspirá-la, quero apertá-la contra meus lábios, deitá-la
sobre meu coracão e morrer feliz na sua exalação mágica!

(O chão cinde a seu lado. Da brecha Negra, muito aberta,


vê-se como Plutão sobe, até a metade de seu corpo, num carro

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atrelado com cavalos negros. Ele agarra Perséfone no instan-
te em que ela arranca a flor e a puxa violentamente para si.
Ela se entorce inutilmente em seus braços e solta um grito.
Logo em seguida o carro desce e desaparece. Seu rolar ecoa
a longe como um trovão subterrâneo. As ninfas espalham-se
suspirando. Eros sai correndo, dando risada.)

A VOZ DE PERSÉFONE (sob a terra)


Ajuda-me, mãe, mãe!

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PRIMEIRO ATO
A dor de Deméter

(O palco mostra a gruta de Hécate. Grandes rochas sinis-


tras, mal iluminadas por uma luz fraca que vem do fundo).

1ª CENA

Deméter e logo depois Hécate.


(Deméter numa veste branca. De seus ombros cai um
manto azul com estrelas prateadas. Ela usa um diadema e um
cetro dourado. Seus cabelos loiros avermelhados estão presos
com fitas azul celeste. Ela entra apressada levando uma tocha
em cada mão e olha para o fundo da caverna.)

DEMÉTER
Hécate! Hécate! Onde você está? Também ela parece
escondida. Será que ela também vai me negar a resposta
como os outros que eu perguntei? Apareça, Hécate! Que
o chamado angustiante da deusa-mãe não seja sem valor
para você.

HÉCATE (aparece, vindo lentamente do fundo da gruta.


Ela usa uma veste com um barrado de dragões dourados
e um manto vermelho, seus cabelos negros caem em ca-
chos não desembaraçáveis sobre o pescoço. Na mão, ela
segura um caduceu cujas duas serpentes enroladas uma
na outra, olhando-se, e parecem ser feitas de fogo. Ela é

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bela, mas em seus olhos brilha uma curiosidade angus-
tiante, e o sorriso enigmático das velhas estátuas vagueia
em sua boca.)
É a rainha do mundo que me chama com lamento. Apres-
so-me em seguir sua voz – pela primeira vez Deméter apa-
rece em minha caverna. Qual a ordem que a elevada deusa
me dá?

DEMÉTER
Filha do anoitecer e da noite, até hoje evitei seu olhar
perscrutador que só consegue encontrar o caminho pelo de-
serto. Porém devo pedir hoje, abandonada, a ajuda daquela
que sempre evitei. Permiti que minha filha Perséfone brin-
casse com as ninfas, sendo que ela e as filhas de Oceano
colhiam jacintos e íris. Vendo-a feliz subi novamente ao Em-
píreo, deixando-me ir na alegria daquele fluir de raios que
não se submetem às mudanças do ano. Mas de repente,
um grito de dor penetrou pelas esferas etéreas e ecoou em
meu coração materno. Era a voz de Perséfone. Como se ela
sofresse violência, soava o chamado terrível. E por três ve-
zes, o grito de dor medonho se repetiu, perdendo-se depois
no abismo. Pegando estas duas tochas desci rapidamente
a terra procurando em toda parte, preenchendo com meu
grito as montanhas longíquas. Todos os deuses deveriam
ouvir o juramento que se soltava de mim! Mas todos fica-
ram mudos perante mim. Mesmo Hélio, do qual nada se
esconde, também ficou me devendo resposta. O segredo
que se esconde do meu saber é tão terrível que ninguém
tem coragem de responder à pergunta angustiante? Portan-
to, oh Hécate, diga-me você o que aconteceu. Os caminhos
tortuosos que você espreita como numa emboscada para
as intenções escondidas de Zeus, lhe são conhecidos. Pelo

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sorriso enigmático em seu rosto posso perceber que você
conhece a solução.

HÉCATE
Ela me é conhecida e você deverá sabê-la. Mas antes
prometa-me: não amaldiçoar a transmissora da infelicidade
que a atingiu.

DEMÉTER
Prometo-lhe as mais belas dádivas de luz. Eu o juro fiel-
mente pelas águas sagradas do Styx! E Deméter, deverá
tornar-se amiga daquela que solucionar a dúvida tão pesa-
da e angustiante. Pois se eu souber onde está Perséfone,
encontrá-la e trazê-la de volta, o coração materno certamen-
te conseguirá.

HÉCATE
Plutão roubou a sua filha, com o consentimento de Zeus,
o senhor do céu e da terra; o seu marido deu-lhe-a como es-
posa a ele.

DEMÉTER (deixa cair as duas tochas que se apagam)


Sequestrada por Plutão, o rei do Inferno! É o único lugar
em que não posso penetrar.
(Ela se senta numa rocha; sua cabeça cai sobre o peito.)

HÉCATE
Você deve refletir que Hades não é indigno para ser o ma-
rido de sua filha; ele é o nobre irmão de Zeus e senhor de
bem infinitos! Posso assegurar-lhe com olhar certeiro que só
erroneamente se chama o abismo de triste. Ser rainha dos
mortos sem dúvida é melhor do que serva dos deuses.

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DEMÉTER (sem modificar sua postura)
A imortal no reino dos mortos! Amaldiçoada, profanada,
a virgem pura nos braços consumidores de Plutão! Em seu
olho estão extintas as recordações as alegrias celestes;
nesses olhos luzidios como os narcisos semelhantes às es-
trelas, que se fechavam e se abriam novamente sob meus
beijos, refletindo todo o céu estrelado. Separada de minha
filha! Oh, dor que nunca se extingue, oh pavor que nunca
se acaba, jamais poderei subir novamente o alto Olimpo. O
horror do abismo do qual aquela se aproxima, me preenche.
Eu gostaria de destruir a construção poderosa do universo
se pudese dirigir os relâmpagos de meu marido com minha
mão, forçando a volta da filha. Quero atirar longe de mim
este sinal divino! Minha sina, a partir de agora é ser uma
mãe desesperada...
(Ela arranca as fitas azul-celestes de sua cabeça e as joga
ao chão.)

HÉCATE
Nobre Deméter, onde você vai continuar a viver?

DEMÉTER
Os homens miseráveis serão meus companheiros!

HÉCATE
Em que país?

DEMÉTER
Onde reina a liberdade!

HÉCATE
Como o povo deverá recebê-la?

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DÉMETER
Aquele que considerar seu o orgulho ilimitado.

HÉCATE
E que lar?

DEMÉTER
Onde haja a maior infelicidade. Quero chorar ali lágrimas
imortais e me opor ao senhor do relâmpago que se tornou
ajudante covarde do irmão perverso. Quero saber de você
para onde devo dirigir-me para encontrar o país mais livre, o
povo mais orgulhoso e a casa mais triste.

HÉCATE
No país ático, não longe do rochedo de Pallas, numa
margem silenciosa e hospitaleira, protegida pelas monta-
nhas de Megara e pelo cinto branco de Oceano, você en-
contrará o que você procura. Chama-se Elêusis. As águas
rudes penetram apenas aí ao murmurar meigo das nerei-
das azul-celeste, com a exalação alegre do Zéfiro. Lá existe
um povo livre com o sentido preenchido pelo que é direito,
dedicado com aplicação à agricultura. Ele olha para você
com veneração, chamando-a de nutriz da terra. Eles es-
colheram as espigas douradas e colheitas alegres como
proteção ao olhar escaldante de Hélio. Vive lá uma família
enlutada. Seu chefe era o rei Keleos, e ele agora foi ao
reino dos mortos. Por ele choram Metanira, a viúva, com
três filhas e Triptólemo, o filho, que só ama seus cavalos e
o arado. O herdeiro do grande rei ainda é muito fraco para
proteger os órfãos. Reinam ali luto, silêncio, medo, como
se o lar orgulhoso do rei tivesse sido transformado num
túmulo.

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DEMÉTER
Nessa porta Deméter vai pedir entrada; esse fogão deve-
rá dar abrigo à enlutada. Apenas preciso de seu auxílio para
que eu mude minha figura e use a máscara de uma velha
carcomida, perdida.

HÉCATE (sorrindo)
Para que isto seja possível, oh nobre deusa, as mãos há-
beis de Hécate se prestarão. Para tecer máscaras que trans-
formem para mudar uma forma em outra forma, esta sempre
foi minha profissão. Tecer uma roupa fina para os seres que
descem da lua para a terra e tirá-la novamente deles quando
deverão voltar para Urano. Tudo isto é tarefa da rainha da
transformação. Não deverão faltar à grande deusa os frutos
desta arte tão longemente praticada. Siga-me para o fundo
de minha caverna, e pela força do bastão da serpente sua
beleza divina deverá desaparecer. Este rosto divino com tan-
ta beleza juvenil deverá ser coberto por sulcos profundos, de-
verá parecer irreconhecível aos deuses e aos homens.

DEMÉTER
Assim a deusa imortal deverá rebaixar-se de forma hu-
milhante. Mas só assim a lágrima pode fluir desse coração
partido.

(Hécate e Deméter desaparecem no fundo.)

2ª CENA

(A cena transcorre no interior do palácio de Keleos em


Elêusis. À direita e esquerda uma coluna dórica. No fundo,

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um nicho parecido à ala de um templo com um altar caseiro,
no qual, resta um fogo quase extinto sob as cinzas. Metanira
enlutada numa poltrona. Suas três filhas em trajes de luto
estão agrupadas nos degraus do altar. À direita e esquer-
da, Phaino e Kallirhoe depuseram suas urnas de libação no
chão; semideitadas junto a elas, elas abraçam-nas com seus
braços e seus cabelos soltos. Rhodope, sentada no meio, se-
gura sua urna sobre os joelhos e pensa.)

KALLIRHOE
Ó pai, rei Keleos, antes da morte escura roubar-lhe des-
ta casa, alegria festiva irradiava em suas paredes. As filhas
movimentavam-se alegres sob a oliveira sagrada, em honra a
Ártemis e às graças. Você nos deixou! E quando despejamos
água santificada sobre o seu túmulo e pronunciamos o seu
nome, nenhuma resposta nos vem deste lugar sombrio.

PHAINO
Ó pai tão intensamente amado, à noite durante a festa
alegre, frequentemente pude trazer-lhe, toda enfeitada, o
copo adornado de videiras, cheio de bom vinho. E então, eu
podia ouvir como você me denominava a luz de seus olhos,
que em meiguice se parecia à aurora da qual nasciam os
ventos diurnos. Agora, depusemos sobre sua sepultura a co-
berta de grama e flores, e preparamos frutas e bolos para a
refeição fúnebre. Faltou seu sorriso que sempre nos confor-
tou. As lágrimas que meus olhos derramam, será que elas
chegarão à você?

RHODOPE
Ó pai, qual é agora a sua existência? Nós o demos ao fogo
com armas e roupas, e suas cinzas estão na urna que descan-

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sa nas profundezas do túmulo. Onde está sua sombra can-
sada? Ela está na sepultura, ela erra sobre a terra? lsto só
sabem os seres misteriosos do reino das sombras! Mas não
queremos deixar de praticar os ritos sagrados que nos foram
ensinados, para honrar os mortos que nos são caros.

METANIRA
As lágrimas estão em seus olhos, mas no meu coraçâo
está a ira. Elas imploram para sombras fúteis, mas, eu estou
sendo consumida pelo desejo de dar forças aos vivos.

3ª CENA

(A cena representa o interior do palácio de Keleos em


Elêusis. À esquerda e direita colunas dóricas. No fundo, um
nicho parecido com a parte central de um templo, com o
altar caseiro no qual ainda brilha um fogo quase extinto.
Metanira de luto, numa poltrona. Suas três filhas, também
enlutadas, estão agrupadas nos degraus do altar. Triptóle-
mo, um jovem efebo de 18 anos, segura numa das mãos
um arreio de cavalo e na outra um espigão. Sua postura é
séría e humilde.)

METANIRA
Onde você esteve?

TRIPTÓLEMO
No túmulo de meu pai.

METANIRA
Como você passou o tempo hoje?

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TRIPTÓLEMO
Eu amansei um cavalo e arei o meu campo.

METANIRA
Então, não é de seu conhecimento que em Ágora haverá
hoje uma reunião do povo, e que hoje será eleito o novo rei
em Elêusis?
O sucessor de seu pai deveria ser o filho pela vonta-
de do povo. Mas, ninguém votará em você, pois, você não
aparece às pessoas para falar e mostrar sua força, própria
da juventude, prometendo-lhes levá-los à meta de seus
desejos.

TRIPTÓLEMO
Não quero mendigar o apoio e a voz do povo. Provei mi-
nha força e minha justiça na luta através da palavra e ação.
Sou conhecido daqueles que devem escolher o seu guia.
Se eles me acharem apropriado, sem sofrerem influência,
quero ocupar o cargo do pai, senão, outro pode ficar com a
graça e o peso da coroa.

METANIRA
Então eles escolherão o tio, e quando Dólico tiver sido vo-
tado para ser rei, ele roubará nossos bens e nos expulsará da
casa, cujo o serviço sagrado seu pai celebrou por tanto tempo.

TRIPTÓLEMO
Que ele se apodere da cidade, do trono , que ele me rou-
be o lugar que era de meu pai; ele não conseguirá tirar-me
o arado. E também o pedaço de terra sobre o qual trabalha
o arado. Apenas se um deus me chamar quero ser rei em
Elêusis. Quero jurar isto duplamente.

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METANIRA
Oh louco!
Você desconhece o que se chama gratidão. Aí, aí...

4ª CENA

(Os mesmos. Deméter aparece nas roupas de uma mu-


lher velha, curvada, envolta num manto cinza, um bastão na
mão. Ela para na porta e estende, implorando, a mão em
direção ao fogão. Triptólemo continua imóvel apoiado sobre
sua lança. As três jovens elevam-se.)

METANIRA
Quem é a desconhecida?

PHAINO
Uma velha curvada pela idade!

KALLIRHOE
Mas de porte nobre.

RHODOPE
De lugar estranho, pois, as vestes que usa são desconhe-
cidas aqui.

METANIRA
Parece que veio mendigar.

PHAINO
Falta-lhe força para andar!
Permita-nos, oh mãe, conduzir a pobre para dentro de casa.

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KALLIRHOE
Certamente está exausta, com fome e sede.

RHODOPE
E parece que a pobre ainda sofre mais pelos males de
seu coração, do que os dos membros.

METANIRA
Não posso gostar dos estranhos, que silenciosa e fur-
tivamente se aproximam de nosso fogão, escondendo in-
tenção ignóbil. Não se pode saber que inimigo a mandou
para nos prejudicar e que infelicidade se esconde nas do-
bras de seu manto. Eu lhe pergunto mulher estrangeira,
se você vem trazer uma mensagem ou se você quer pedir
uma graça?
Só lhe permito ficar se você contar daqueles que a envia-
ram. Se você se recusar, não entre nesta casa.

(Deméter estende ambas as mãos para o fogão, depois,


as leva para o rosto parecendo soIuçar siIenciosa.)

PHAINO
Ela pede alojamento.

KALLIRHOE
As lágrimas falam por ela.

RHODOPE
Oh mãe, deixe imperar a graça e aceite-a!

(Metanira fica imóvel e silenciosa).

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TRIPTÓLEMO
Em nome do grande Zeus que é hospitaleiro com todos os
exilados, seja acolhida, ó estrangeira nesta casa, tanto faz se
seu nome é conhecido ou não.
(As três irmãs esforçam-se em amparar Deméter e
conduzem-na para uma poltrona junto ao fogão; Demé-
ter senta-se lentamente, cabeça baixa, na atitude de uma
dor desesperadora. Triptólemo coloca suas rédeas e sua
lança de lado. Toma um cálice de vinho e oferece-o a De-
méter)
Ofereço o cálice à estrangeira que me parece ser no-
bre e merecedora de honras. Você deve saciar sua sede
e ser nossa hóspede. Se depois você quiser falar, ouvi-
remos sua palavra. Mas também se você ficar silenciosa
e quiser guardar sua desgraça, as dores escondidas não
nos serão menos sagradas.

(Deméter toma o cálice e bebe um gole, debaixo de


seu véu; depois devolve a Triptólemo, coloca as mãos
em sinal de agradecimento e cai outra vez em introver-
são.)

METANIRA
Já que você se tornou nossa hóspede e este teto a cobre
protegendo-a, é o seu dever nos dizer de onde vem, quem é
você, que terra é a sua, e qual o destino que a impeliu para
fugir para estas margens?

(Deméter toma o cálice e bebe um gole debaixo de


seu véu; depois, devolve-o a Triptólemo, coloca as mãos
em sinal de agradecimento e cai outra vez em introver-
são.)

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DEMÉTER (eleva um pouco à cabeça e fala com voz majes-
tosa que contradiz com seus trapos).
Eu venho de Creta, lá eu vivia numa casa construída
de mármore e ornada ouro nobre, pois, os filhos de um rei
me foram confiados para cuidar. Como dádiva dos deu-
ses eu mesma tinha uma filha que era meiga como uma
corça e delicada como uma ninfa na floresta. Um ladrão
roubou-me a querida, e desde então meu destino é errar
de margem em margem, procurando inutilmente um ras-
tro da perdida. Já se passaram muitos anos desta vida
sem lar, e o coração que bate sem consolo está velho e
sem forças. Se você me aceitar em sua casa Metanira,
quero cuidar de suas filhas com carinho, ensinando-as a
tecer lindos tecidos em teares de marfim, além de outras
artes valiosas. Todos os segredos dos palácios reais me
são conhecidos. Também os bálsamos que curam dores
negras me são conhecidos. As uvas mágicas que crescem
no monte Ida as quais desceu Zeus (ao mencionar o nome
Zeus uma pequena chama sobe), não estão escondidas
de meu conhecimento. Elas podem trazer a cura a todos,
menos a mim, a que cura.

PHAINO
Como soa suave e enigmático a a voz da sofredora.

KALLIRHOE
Ela se assemelha à lira que ressoa lamuriante no tem-
plo.

RHODOPE
As palavras que ela diz são como que ditas pela boca de
uma rainha.

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METANIRA
Suas palavras soaram como uma mensagem de uma filha
real, estrangeira. E por isso, você deve ser recebida nesta
nobre casa, que talvez, não mais possamos chamar de nossa
por muito tempo. Pois você deve saber, que Dólico quer tirar
do filho o cargo sagrado que o pai honrado ocupou durante
muitos anos. Ó mulher experiente pela idade e sábia, artista
da fala, fique um tempo a sós com meu filho para dar-lhe o
ensinamento da precaução, para que ele deseje a coroa do
pai diante do povo todo.

DEMÉTER
Sim, eu quero falar-lhe.

METANIRA (para as filhas)


Que seja preparada uma refeição para a estrangeira.
Triptólemo ficará com ela. Enquanto isto, eu mesma vou
me esforçar para ser ouvida pelos homens idosos do con-
selho.
(Ela sai com suas três filhas)

5ª CENA

Deméter e Triptólemo

DEMÉTER
Que preocupação tão negra pesa sobre sua jovem fronte,
meu Triptólemo?

TRIPTÓLEMO
Meu pai faleceu.

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DEMÉTER
Reconheça que é menos penoso para o filho perder o pai,
do que para a mãe perder a filha. E sua queixa dirige-se aos
homens ou aos deuses?

TRIPTÓLEMO
Não acuso ninguém, pois não sofro outro destino que to-
dos. Mas, pior é morte para os que partiram do que para os
que devem ficar.

DEMÉTER
Como você sabe isto?

TRIPTÓLEMO (com voz baixa)


Quando certa noite eu estava praticando o ritual que
Plutão ama, sacrifiquei uma ovelha sobre o túmulo de Ke-
leos invocando sua alma. Vi então subindo na fumaça do
sangue negro, a sombra que parecia pálida e assustada.
As palavras que ele me falou vinham através da deusa
neblina: “Apenas uma sombra vagando inquieta, infeliz
e angustiada por imagens de terror... Pois o coração de
Plutão é impiedoso. Ele envolve os homens que em vida
se entregaram ao prazer e divertimentos sem sentido em
profunda escruridão. Se um gênio imortal não protege os
mortos, eles apenas podem viver daquele amor que lhes é
enviado pelos vivos. Se estes nos abandonam, temos que
nos desfazer aqui em baixo como fumaça. Tenho que errar
na noite e no medo, uma sombra perseguida de outras
sombras, uma imagem de terror... Apenas você Triptólemo,
meu filho, poderia dar-me a paz do Eliseu”. “Estou dispos-
to a isto” – retruquei-lhe –"mas como posso chegar até
você?" A sombra apareceu mais pálida e suspirou: "Ó meu

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filho; não me esqueça, pois, eu tenho que sofrer, sofrer!" –
E aí a sombra desapareceu.

DEMÉTER (para o lado)


Ó, reino terrível de Plutão, no qual, Perséfone está exi-
lada!

TRIPTÓLEMO
Você parece comovida. Suas mãos tremem sob seu bas-
tão. Através de seu véu posso ver suas lágrimas. O que acon-
tece consigo, mulher sofredora?

DEMÉTER (com voz abafada)


Ó, diga-me o que você conseguiu fazer pela sombra mal-
dita de seu pai?

TRIPTÓLEMO
Coroei seu túmulo com flores e depois voltei para o arado,
clamando pela grande Deméter, preparei o campo e semeei.

DEMÉTER
Por que você dirigiu seu chamado a Deméter?

TRIPTÓLEMO
É verdade que não a conheço, mas ela é considerada a
maior entre as deusas e chamada a mãe dos deuses. Não
é ela que habita o céu e reina sobre a terra? E o cereal e as
flores não se desenvolvem por meio de suas forças?

DEMÉTER
Mas, como é que você pode basear sua opinião de que
ela pode redimir a alma de seu pai?

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TRIPTÓLEMO
É ela que estende uma coberta sobre a mãe Terra quando
esta recebeu as sementes das mãos humanas. Mas como débil
hálito, toda primavera, aparece a pontinha verde que amadure-
cendo se transforma na espiga dourada! Quem consegue acor-
dar para a existência o fruto dourado, também, deverá poder
chamar para uma nova vida as almas que descem para os rei-
nos dos mortos. A esperança que cantava sobre minha cabeça,
como a cotovia sobre o sulco, anunciou-me isto.

DEMÉTER (estremece e olha comovida para Triptólemo.


Para o lado:)
Como é belo o jovem orgulhoso! Com sua esperança ar-
rojada ele me parece ser mais belo que todos os deuses
olímpicos com sua calma alegre. Há realmente uma alma
heroica dentro de seu peito, ele sem dúvida merece ser um
deus. Se Zeus, sem minha ajuda, conseguiu conceber Ate-
nas, a sábia: também eu devo conseguir plasmar um jovem
num deus!
(Ela se eleva de repente)
Minha vontade é que ele se torne imortal, pois, apenas
ele pode devolver-me a filha.

TRIPTÓLEMO
Ó, exilada desconhecida, o que acontece consigo, que ao
pensar a idade deixa, que faíscas fagulham em suas vestes e
tochas se acendem atrás de seu véu?

DEMÉTER (senta-se outra vez retomando a atitude de uma


mulher velha).
É apenas o reflexo do fogão que se espelha em meu
vestido, e as lágrimas que correm pelo sentimento de

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pesar de mãe lhe parecem como sem fogo. Mas, chegue
mais perto de mim... e ouça o que quero dizer-lhe... Eu
aprendi muitas coisas e conheço muitos segredos, e vá-
rios remédios revelam a idade da boa feiticeira que agora
está diante de você. Você chora a alma amaldiçoada de
seu pai, eu porém, choro a filha perdida... Prometo-lhe que
a alma de seu pai será liberta do reino escuro do abismo,
se sua força quiser arrancar a filha do ladrão que a esco-
lheu como presa.

TRIPTÓLEMO
Não recuarei quando eu conhecer o malfeitor que fez algo
tão terrível para você.

DEMÉTER
Se você o conhecer a coragem em sua alma certamente
não bastará.

TRIPTÓLEMO
Quem como eu consegue domar cavalos selvagens e aman-
sar os animais ferozes das montanhas com sua lança, também
não vai recuar diante de um malfeitor como este.

DEMÉTER
Pois saiba que a filha faleceu e que o malfeitor é Plutão.
Portanto, você terá que realizar a façanha de descer ao reino
escuro do Tártaro.

TRIPTÓLEMO
A região das sombras não pode assustar aquele que ama
o reino da luz. Eu quero descer ao inferno se você me abrir
as portas.

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DEMÉTER
Você quer arriscá-lo sem saber se poderá voltar?

TRIPTÓLEMO (festivo e calmo)


O que há? Vou chamar a grande Deméter no campo sa-
grado de meu pai, onde brota o grão. Eu sei que meu chama-
do irá atingi-la mesmo nas profundezas de Urânio.

DEMÉTER
Ó sangue nobre, jovem leão amamentado com o leite
de uma mulher! A devoção da criança vive em seu cora-
ção; de seus lábios flue o mel dos sábios, de seus olhos,
faísca a chama dos heróis. Tenho que amá-lo como um
filho! Quero considerá-lo mais que um homem: quero re-
conhecer em você meu filho! Quero revelar-lhe segredos
até agora nitidamente escondidos no espírito dos ho-
mens. Quero anunciar-lhe o que as alturas escondem e
as profundezas também, quero arrancar as vendas que
estão diante de seus olhos! Os reis e dirigentes terrestres
terão pouco poder comparados a você. Quero ensinar-lhe
a cantar as melodias divinas! E você deverá desenhar os
caminhos que levam para fora destes mundos. E apesar
do Tártaro desafiando os homens insinceros – e mesmo
Zeus todo poderoso, chegará o dia em que você trará mi-
nha filha de volta para a luz celestial do carro de serpen-
tes fogoso de Hécate. O destino deve designar Triptólemo
para ser o agricultor sagrado dos homens e o mais divino
herói dos deuses.

TRIPTÓLEMO
Quem é você, mãe poderosa,que me faz respeitá-la mais
que minha própria mãe?

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DEMÉTER
Você o saberá a tempo. Mas agora minha arte deverá
torná-lo invulnerável para o seu terrível trabalho, que deverá
trazer-me uma redenção imensurável. Com minhas mãos vou
forjar-lhe a armadura que, como o éter, é também inquebrá-
vel, ele dará a capacidade de atravessar os portões do céu
e do inferno, para que os demônios selvagens que estão es-
perando cheios de desejos no lugar escuro, não lhe possam
fazer mal.
(Com suas mãos ela toca os braços e o peito de Triptó-
lemo. Uma luz intensa irradia sob as carícias de Deméter,
e Triptólemo aparece com uma radiação branca, os olhos
extasiados; olhando os olhos da deusa veem-se chamas e
relâmpagos brilhando em volta deles.)

6ª CENA

Os mesmos. Metanira, Phaino, Rhodope, Kallirhoe.

METANIRA
Socorro! Fogo sai do paláciol Amaldiçoada feiticeira má!
Assim você agradece por eu tê-la deixado entrar! Que a Héca-
te Tripartida a aniquile junto com o fogo produzido por você!
Você foi enviada por nossos inimigos, por Dólico, para cegar
nosso filho e acumular nossas cabeças com as maldições do
povo. Fora, bruxa terrível!

(Com as últimas palavras de Metanira as chamas de-


saparecem repentinamente, a sala fica escura e o fogão
se extingue. Mas Deméter, jogando para trás seu véu e
seu manto de anciã, aparece radiante com sua face divi-

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na. O bastão que ela trazia na mão se transforma numa
tocha ardente.)

METANIRA
Quem é que do reino dos imortais está fazendo brinca-
deira conosco?
Minhas forças se partiram.
(Ela cai ao chão como que aniquilada; a cabeça apoiada
na poltrona,escondendo o rosto com as mãos.)

AS TRÊS FILHAS (caindo de joelhos)


Tenha piedade de nós, grande Zeus!

DEMÉTER
Eu sou Deméter, eu mesma, a deusa!
(Voltada para Metanira com voz calma e majestosa.)
Você não recebeu a desconhecida e exilada de bom
grado. Inconsciente estava para você neste momento, mu-
lher, que os deuses desconhecidos aparecem sob forma de
desgraça, com a máscara de trapos, escondendo-se sob
lágrimas. Mas, como suas filhas meigas, ao contrário de
você, me receberam, e porque você ser a mãe deste filho,
Deméter lhe perdoa. Porém, não posso impedir a luta que
vai surgir entre os filhos de Elêusis e aqueles semelhantes
a você, como fruto da saudação carente de amor que você
me fez. Mas você, o filho de Keleos, eu quero amar como
amo minha filha, que você vai arrancar do poder escuro do
inferno. E vai então à praça dizer ao povo: Deméter, a deu-
sa, ordena a construção de um templo lá onde a colina de
Kallikoros se eleva para Elêusis. Eu o nomeio sumossacer-
dote e você deve transcender a fama dos reis que foram
seus ancestrais.

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Quero iniciá-lo ali em meus mistérios, prepará-lo para a
obra que deverá abrir aos homens, no santuário de Elêusis,
as fontes celestiais. Aquele templo deverá ser consagrado a
Deméter e Perséfone, a tão dolorosamente ausente.
(Ela desaparece.)

METANIRA (levanta-se irada para Triptólemo)


Por sua causa perdi o manto real e a honra de minha ida-
de. Por causa disto quero amaldiçoá-lo. Não lhe será permiti-
do chamar-me de mãe.

AS TRÊS FILHAS (As três irmãs ajoelhadas se levantam e


aproximam-se curiosas do irmão. Elas colocam as mãos so-
bre seus ombros e murmuram com vozes trêmulas.)
Quem é Perséfone?

TRIPTÓLEMO (está pensativo desde a desaparição de De-


méter, os braços cruzados sobre o peito. Com a pergunta das
irmãs, ele eleva festivamente a mão direita e responde:)
É a deusa que devemos libertar para conseguirmos a pró-
pria liberdade.

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SEGUNDO ATO

O Tártaro, no templo de Plutão. Na penumbra à direita


está erigido um trono sob a árvore dos sonhos, em cujas fo-
lhas, se veem formas imprecisas de animais fantásticos.

1ª CENA

(Plutão, o cetro na mão, está sentado ao lado de Persé-


fone que adormeceu sobre seu trono, apoiando a cabeça no
tronco da árvore dos sonhos. Os Adeptos deixam silenciosa-
mente suas dádivas de flores aos pés da rainha dos mortos,
que acorda de seu sono profundo.)

CORO DOS DEMÔNIOS (no fundo do Tártaro)


Louvado seja o grande Plutão, que venceu Perséfone!
O inferno está jubiloso em sua festa de casamento, o Tár-
taro rebrilha com milhares de fogos de alegria. Até agora, os
filhos da terra lhe escapavam em sua inocência, eles eram
leves demais para o reino da escuridão. Mas agora, possuin-
do a deusa das alturas, conquistá-los-emos em números in-
contáveis. Pois, eles vão trazer para o nosso reino os erros de
suas vidas e a beleza de suas formas. Ele terá que povoar-se
com sombras nobres!
Oh monstros, regozijem-se em sua árvore de mentiras!
Louvado seja Plutão! O inferno estremece de alegria e o Tár-
taro escuro segurará a sua presa.

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PLUTÃO (segura um cálice negro e olha para a Perséfone
adormecida)
Como parece bela a filha do céu em seu sono! Você, oh
nobre filha do céu, oh flor divina lívida, foi acolhida em meu
reino. No futuro, nenhum dos imortais poderá vê-la. Para
que eu, porém, jamais possa perdê-la, tenho que servir-lhe
a beberagem do esquecimento e do desejo cego. Tenho que
amassar neste cálice, no sangue vermelho a fruta consagra-
da da escuridão.
(Ele espreme o suco de uma romã no cálice)
Extinguir-se-ão em sua alma a lembrança e a saudade do
reino, em que você ainda poderia pensar vindo dele quem
me roube a esposa. Mas, se você provar desta fruta, nem
mesmo Zeus poderá tirá-la do poder que a prende – nem
mesmo que o poder do pai divino criasse um novo Dionísio.
Seu marido só seria capaz de pegá-la, se ele, chamado por
você, voltasse a existir no colo de Deméter.

PERSÉFONE (acordando)
Onde estou? Oh, este sono profundo nos braços do domi-
nador que me seguram terrivelmente! O que aconteceu co-
migo? A rainha infeliz do reino da escuridão. A noite que não
pode mais terminar me envolve. Tenho que ver amedrontada
acima de mim um povo de sombras e monstros...
Figuras trapaceiam em volta de mim, tecidas de sonhos e
do poder das mentiras...

CORO DOS ADEPTOS


Você vê em nós apenas almas, curvadas pelo poder da
infelicidade vagueando nesta margem. lmploramos à você a
salvação, oh rainha, pedimos que nos leve para cima, para
os prados de Eliseu.

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PERSÉFONE
Em vocês tenho que reconhecer meus irmãos e minhas
irmãs, e não tenho poder para libertá-los deste abismo, pois,
também me sinto prisioneira no reino escuro. No ouvido,
ouço seus gemidos; no coração, sinto suas lágrimas como
uma lembrança do alto... Só posso pedir-lhe que chorem por
mim, assim como choro por vocês. Nada mais nossas almas
podem dar-se aqui.

PLUTÃO
Eleve sua fronte esposa de Plutão, rainha dos mor-
tos. Não há reino em todo universo que seja mais belo
que o seu! Eu sou respeitado no universo, temido na
terra. Nos.meus altares o sangue dos sacrifícios correm
como riachos, as mesmas honrarias serão dedicadas à
você.
(Perséfone cobre o rosto com as mãos)
Aos seus pés, você vê os mortos se tumultuarem com
violência que certamente é maior do que aquela vista nos
altares consagrados aos olímpios.
Veja suas súplicas! O poder que aqui você pode conside-
rar seu, deverá ser maior que aquele próprio da orgulhosa
Deméter. Você deve mostrar aos suplicantes moradas eter-
nas! Mas agora, beba desta bebida. Ela deverá abrir-lhe a
compreensão para as alegrias nobres deste reino e para o
amor que lhe posso dar.
(Ele oferece o cálice a Perséfone, ela hesita em pegá-
lo, mas finalmente, o pega com um misto de curiosidade e
medo. No mesmo momento estígias, esfinges e harpias co-
meçam a irradiar uma luz mágica da árvore dos sonhos. Elas
arregalam os olhos e mostram as garras.)

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PERSÉFONE
Oh, cálice estranho! Ele faz estremecer a minha mão, pos-
so sentir um desejo aterrador em seu suco vermelho... Nele
faisca parecendo à sabedoria que arraiga no mal, as semen-
tes da fruta enigmática como que olhando para uma colheita
terrível que surgiu de sofrimentos sem fim! Não quero beber!
Mas sinto o cálice grudado à minha mão... E se apenas olhou-se
para dentro desta negra cratera, tem que se renovar a toda hora
essa visão.s
(Ela olha pela segunda vez dentro do cálice.)
Que estranho, agora eu mesma me vejo dentro dele. No
fogo escuro, meus próprios olhos brilham para mim. É o
fogo que brilha dos olhos de meu marido, o terrível. Ele arde
em minhas artérias, como se uma seta terrível perfurasse
meu coração! Assim, a lembrança de lá do alto preenche
a alma com muita dor. Relembro o tempo em que sentada
nos joelhos da mãe divina eu brincava, e embora virgem,
ao marido já estava unida. Porém, sua imagem e seu nome
me são desconhecidos nesta hora tão difícil. São sonhos
que me permeiam? Ai, ai, estou incapacitada de subir para
sempre!
Devo portanto esquecer?

CORO DOS ADEPTOS


Perséfone, não beba o sangue vermelho no cálice negro e
deixe-nos subir da escuridão de Hécate para o reino de Eliseu.

CORO DOS DEMÔNIOS


Esqueça, esqueça, você deve beber deste cálice e depois
oferecê-lo para nós. Exigimos beber deste cálice à força da
vida! A sede do inferno arde em nós e apenas ele poderá
extinguí-la.

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PERSÉFONE
Também eu sinto sede neste momento. Oh, sofrimento
terrível, o da lembrança! A esperança moribunda confunde
meu interior. Oh, se esta esperança pudesse acender nova-
mente – e se isto for impossível, extinguir-se para sempre.
(Ela olha uma terceira vez dentro do cálice.)

PLUTÃO
O feitiço está agindo! Ela aprecia a bebida.

PERSÉFONE (dirigindo-se a Plutão)


É algo que me ofusca e ao qual me submeto sem po-
der, uma embriaguez desconhecida toma posse de mim!
oh rei, sua cor se muda e seus olhos se tornam mais cla-
ros... O diadema mostra um brilho radioso, no cabelo escu-
ro aparecem estrelas azuis... A essência terrível de Plutão
negro transforma-se num belo Adônis! Então meu marido
não está perdido para mim? Confusa, ébria por sua visão
de agora não possa crer que seja ele, tão terrível e tão
belo ao mesmo tempo, como ele está agora, radiante dian-
te de mim!

PLUTÃO
Sou eu, fui dado por Zeus à Perséfone, a virgem, para
ser seu marido eterno. A bebida transformara-la-á em rai-
nha dos mortos e o inferno todo vivenciará conosco as
alegrias de nosso matrimônio, os olímpios todos empali-
decerão.

(Perséfone fecha as olhos e leva o cálice aos lábios; mas,


ouve-se um trovão acompanhado de ruído de címbalos; escu-
ridão aparece um carro puxado por dragões fogosos. Hécate

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o guia. Triptólemo está a sua direita. Ele leva na mão direita
sua picareta como uma lança.)

2ª CENA

Os mesmos de antes. Hécate. Triptólemo

PLUTÃO (eleva-se e roda seu cetro ameaçadoramente)


Quem se atreve a penetrar pelo portão do inferno, se não
lhe foi dada ordem por mim? Ele deveria ser despedaçado
sem demora se tivesse a audácia enquanto vivo.

HÉCATE
Você não tem poder sobre Triptólemo!
Deméter o banhou em fogo e fui eu mesma quem o trouxe
aqui. As mais fortes maldições não atuam sobre ele, pois o
jovem não pode ser ferido.

PLUTÃO
Então você causou isto observadora miserável, sem
vergonha, com cara de sereia! Como castigo vou deixar
murchar a máscara sorridente que você usa traiçoeira-
mente para enganar deuses e homens. Você deverá ser o
pavor da terra! Seu nome seja bruxa e sedutora! Riscarei
sulcos em sua fronte como os lemúrios os tinham por si-
nal.

HÉCATE
Não quero nada a não ser cumprir a ordem que me deu a
grande deusa. Porém ouça, deus dos mortos, o que a voz de
um vivo tem a lhe dizer.

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TRIPTÓLEMO
Pare Perséfone, não beba deste cálice de infortúnio. Lem-
bre-se do aviso de sua mãe.

PERSÉFONE (confusa como saindo de um pesadelo)


Quem é você, jovem, arrojado e corajoso como os deuses,
se bem que mortal?

TRIPTÓLEMO
O filho do rei de Elêusis, protegido de Deméter, a grande deu-
sa que deveria colocar a coroa sobre minha cabeça. Para soltá-la
dos laços terríveis rejeitei o que parecia ser dado para mim.

PERSÉFONE
Oh, jovem destemido, o fato de vê-lo arrancou-me do
sonho que horrivelmente subia de minha alma. Você me
chama de volta para a terra primaveril junto a minha
mãe e Urano, e o esposo que eu esqueci neste mundo
repleto de noite e de medo. Como uma fonte que nova-
mente começa a jorrar depois de estar seca por longo
tempo, assim, as vozes celestiais murmuram em meu
coração.

TRIPTÓLEMO
Então suba neste carro, seguindo-me.

PERSÉFONE
Não foi-lhe dado destruir por mim os portões deste reino!
Apenas um deus poderá livrar-me de um deus. Somente
aquele que já estava a mim unido no colo materno tem poder
para isto. Os titanos estraçalharam-me o caro! Ele está sem-

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pre vivo nos pensamentos que Zeus esconde em sua alma.
Eu o chamo, Dionísio, Dionísiol
(Ela joga o cálice de Plutão no chão.)

PLUTÃO
Eu cubro Triptólemo com a morte! Ele é propriedade do
inferno para sempre.

(Novo trovão. Plutão, Perséfone, Hécate e Triptólemo de-


saparecem.)

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TERCEIRO ATO
Nas alturas do Olimpo

1ª CENA

ZEUS (apoiado sobre seu cetro, pensativo)


O ciclo dos tempos se realizou, Deméter deverá voltar. Seu
voltear tempestuoso pelo mundo está chegando ao fim. Seu
protegido, Tríptólemo, penetrou o Tártaro para lá buscar Per-
séfone. Agora ele mesmo é mantido prisioneiro. Desta forma,
tornou-se impossível o que ele se propôs como meta sagrada.
Agora Deméter vagueia pela terra, a mãe, aquela que até en-
tão foi para mim a fonte de luz não criada, transformada em
fúria, procurando a filha perdida com a luz das tochas. Os ho-
mens se retraem com medo dela, horrorizados com seus olhos
assustadores; sua alma está repleta de ira e mesmo assim...
jamais, ela poderá criar o libertador de Perséfone.
Também eu tenho que submeter-me ao destino do mun-
do, minha própria criação! Meu relâmpago pode despeda-
çar os homens, mas todos são livres para escolher viver
ou morrer. Se, porém, seu pensamento se transformou em
ação, eu também não posso extinguir o que se segue pe-
los seus atos no decorrer seguro dos acontecimentos. E se
dirijo meu olhar para os deuses fica-me claro como eu não
tenho poder. Cada um foi chamado a reger no seu campo
com a força do poder que eu mesmo lhes passei. Pois, eles
são eternos como eu também. E se Perséfone bebeu uma

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vez a bebida de Plutão, também meu relâmpago não seria
capaz de exigi-la de volta...
E minha alma está muito desejosa da filha que por nada
pode ser substituída, condenado à solidão sinto-me descon-
solado sem ela. Mas nada posso fazer por ela se a mãe não
se ligar a mim para o trabalho... Mas que ruído desacostuma-
do me atinge? Sinto o éter estremecer e partindo das profun-
dezas do espaço, uma tempestade atinge os precipícios da
montanha divina.

(Ouve-se como o urrar de uma tempestade.)

DEMÉTER (levando duas tochas nas mãos)


Oh Zeus, como você é cruel e duro! Quando você vai parar
de me roubar?
Você é imutável em majestade e força, mas continua sem
sentimentos quanto as criaturas criadas por você sofrem do-
res, e quando eu mesma, a metade de seu ser, sofro terrivel-
mente. Você deixa Perséfone cair no precipício e contra sua
vontade, você a entregou ao seu irmão Plutão.

ZEUS
Não é assim. Contra minha vontade Plutão a tomou, não
pude tirar-lhe a presa que ele conseguiu de direito quando
Perséfone brincava alegremente às margens de Oceano. Sua
própria curiosidade soltou as forças que a puxaram-na para a
profundeza. Ela mesma atraiu o malfeitor para cima.

DEMÉTER
Você quer esconder, oh astuto, através de sua astúcia,
como você agiu cruelmente. Quando a deixou descer, você já
imaginava destruí-la.

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ZEUS
Perséfone, como filha livre, deixou escapar o desejo que resi-
dia em seu coração. Ela é imortal, como você também o é.

DEMÉTER
É melhor citar a morte do que tal imortalidade!
E você não fez nada para libertá-la das amarras de escra-
va, às quais, ela se prendeu. Você deixou para mim, conse-
guir pela liberdade da exilada, através de Triptólemo. O agri-
cultor de Elêusis a acordou de seu sono; e agora Plutão tem
os dois como prisioneiros.

ZEUS
Um homem não conseguirá quebrar as amarras.

DEMÉTER
Você não quer libertar a infeliz?

ZEUS (sombrio)
Meu filho Dionísio não desceu ao Tártaro para libertá-la?

DEMÉTER (irônica)
Sim. Dionísio, o filho de sua saudade, desceu, mas os
titanos o estraçalharam e como o pai, o filho foi incapaz
da salvação. Mas, se você se mostra impotente de pen-
sar no que poderia trazer a liberdade para minha filha, eu
vou descer e destruir com o fogo de minhas tochas o seu
mundo!

ZEUS
Pois ouça calmamente minhas palavras, irmã: apenas um
novo deus poderá trazer a libertação.

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DEMÉTER
Se você puder, nomeie-o!

ZEUS
A força que jorra de meu fogo pode criar, quando unida
àquela outra força que irradia de sua luz, o deus que poderá
conseguir a libertação.

DEMÉTER
E que nome é apropriado a este deus?

ZEUS
O novo Dionísio, que em espírito já vive no anseio de
meus sonhos.

DEMÉTER
Os titanos deverão estraçalhar o segundo como o primeiro?

ZEUS
Eles nada conseguirão contra ele! Ele não será invulne-
rável, porém, mais forte. Sacrificar-se-á a si mesmo – ao
Universo, aos deuses, e aos homens. Ele vai derramar seu
sangue e suas lágrimas para a ação com um grito triunfal.
Ninguém que encontrar abrigo sob sua luz poderá vencê-lo,
nem que a arma do inimigo despedace sua roupagem guer-
reira.

DEMÉTER
Deverão correr mais lágrimas, mais sangue? Isto eu não
quero. Quero jurar pela essência de minha luz virginal que
sempre flui em novas ondas, que eu prefiro destruir uma cria-
çâo a que se faça uma nova! Pois, seria melhor que voltásse-

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mos aquela noite em que antes estavam mergulhados todos
os seres...

(Ouve-se um grito de dor vindo do abismo. Deméter deixa


cair duas tochas que se extinguem.)

ZEUS
Pois ouça esta voz vinda das profundezas. Seu chamado
é para Deméter?

UMA VOZ (do abismo)


Oh Dionísio, Dionísio!

DEMÉTER (assustando-se, mas alegre)


A voz de Perséfone!

ZEUS
Você a ouve? Convença-se que não é você quem ela dese-
ja. Ela deseja o deus que eu quero tão saudosamente e que
devemos criar.

DEMÉTER (eleva suas mãos as têmporas e fica em êxtase.)


Que sonho incrível se apodera de mim! Que sono pacífico
toma conta de mim! Eu sinto extinguir todo o anseio caloro-
so... A harmonia universal soa novamente para a alma e a
luz flui de todos os lados do universo para dentro de mim
trazendo felicidade... Vejo cavalos brancos... heróis orgulho-
sos... e mulheres, radiantes na inocência do fogo... E longe,
nas profundezas seu brilho!... Quão suave e quão ardente
brilha o jovem deus! Oh meu Dionísio! Oh sonho, revelador
da noite eterna.
(Ela fecha o olhos e deixa-se cair lentamente sobre a rocha.)

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ZEUS (sem sair do lugar)
A maior magia toma conta dela. O sono que sai de meu
cetro atua, e o que eu penso flui para o seu coração.

(Nuvens sobem – atrás da cabeça de Deméter surge uma


luz – Zeus faz movimentos com o cetro como se ele formasse
figuras nas nuvens.)

CORO DS BEM-AVENTURADOS
Quando a deusa de toda a fertilidade terrena flutua para
o reino dos sonhos, forças construtivas fluem pelo universo,
o fervor dos deuses espiritualiza o mundo e os homens estre-
mecem até as profundezas das almas.
A criação luta no crepúsculo dos sentidos, novos se-
res divinos nascem! Os Homens devem curvar-se em
respeito quando se manifesta a atuação espiritual sagra-
da. lnúmeras formas fluem para a vida quando o olho
divino manda um olhar para o reino incomensurável
das amplidões do espaço.Mundos brotam do nada para
a vida, caem da vida para o inanimado e criam assim
as horas do dia para os deuses, como luz e escuridão
para os homens. Mas vocês, sementes do abismo, almas
que se veem espalhadas no reino dos mortos, receberão
em suas mãos o leme que até agora lhes faltou! O foco
de fogo do qual vocês surgiram estava oculto até agora
de suas almas... Agora, ele se devendará para vocês! O
poder do sonho da mãe divina dará vida àquilo que o
pai divino formar e o novo deus, o forte portador da luz,
surgirá da forma vivificada, e vocês deverão receber em
suas almas o que era mortal em vocês, transformado por
sua força em ser imortal.

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2ª CENA

Triptólemo, Perséfone, depois Dionísio


(Aparece o carro de Hécate, Triptólemo segurando as ré-
deas; ao seu lado Perséfone.)

PERSÉFONE
Ó Triptólemo, nascido em Elêusis, agricultor orgulhoso,
assim como antes, você dominava o fogo de seus cavalos
selvagens, na terra natal, você agora consegue domar estes
dragões cujo imenso poder pode despedaçar as rochas e que
podem atravessar o éter num tempo imensurável. Foi um dia
em que um raio do céu conseguiu penetrar nas profundezas
sombrias do Tártaro que eu pude soltar-me dos braços de
Plutão, que sempre vigiava atento. Nesse instante um sono
profundo apoderou-se do senhor do reino dos mortos e eu
pude subir em seu carro. As portas do inferno se abriram por
si quando quisemos transpô-las. Nossa viagem foi através
do empíreo – quantas centenas de anos nós viajamos, para
mim é impossível sabê-lo.
A luz de Hélio nos desapareceu completamente, somente
o brilho das estrelas iluminam o caminho. Mas, onde esta-
mos? Que aroma celestial é este? Vejo novamente o Olimpo,
uma luz ofuscante surge nas alturas... As nuvens rodopiam
em figuras, como rosas que nasceram do fogo... Meus olhos
estão cativos por este milagre!

TRIPTÓLEMO
Óh deusa, para lá dirija seu olhar! E verá o tão intensa-
mente esperado.

(Dionísio aparece dentro das figuras formadas por Zeus.)

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PERSÉFONE
Óh irmão do reino dos deuses, você me parece tâo triste
e tão belo. Meu coração estremece por poder saudá-lo, e o
medo se apodera de mim ao me aproximar de você!

DIONÍSIO
Perséfone, ó irmã amada, liberta finalmente do reino dos
malditos! Você estava diante de mim durante estes anos di-
fíceis como uma imagem onírica viva, um quadro brilhante
de beleza que não pode murchar, radiante na juventude que
não pode morrer, como você se revela maravilhosa no véu
matrimonial e com a coroa de narcisos.

PERSÉFONE
Óh não, tive que arrancar o narciso! O desejo pela flor deu
ao negro Plutão poder sobre meus sentidos. Assim, esqueci
tudo no abismo sombrio e chorei muitas lágrimas amargas,
sentindo-me maldita e carregada de infelicidade.

DIONÍSIO
E eu, acometido de saudade ardente pela irmã, perseguia
seus rastros sem descanso. Fui vítima da ira dos titanos que des-
pedaçaram meu corpo e atiraram os pedaços aos tigres, a cabe-
ça, porém, foi tragada pela profundeza do abisrno. Mas, o cora-
ção e os pedaços do corpo dispersos em grandes distâncias não
podiam esquecer e chamavam sem cessar: “Perséfone, irmã!”

PERSÉFONE
E eu, eu não ouvia o clamor temeroso, maculada por uma
noite de sonhos assustadores, amarrada pelas cordas do
sombrio Plutão, exilada no reino dos mortos, também morta.

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DIONÍSIO
Ó, como em minha alma brilha a sede por uma nova vida,
um novo nascimento! Nada pode extinguir o anseio de procu-
rá-la entre todos os seres que foram criados! Transformei-me
na figura de fogo de Bacco, para encontrá-la irmã que tanto
me faltava. Para ele a vida dever-se-ia gozar apenas sem me-
didas, mas, ele só traz sofrimento para os outros e para si
mesmo. Atingido pelo seu olhar, a morte apoderou-se dos es-
píritos do prazer fácil, e este morticínio foi para mim apenas
um sonho. Eu vivia e me desfazia em mil pedaços, e mesmo
renascido a todo instante, a parte se quebrava em milhares
de pedaços.

PERSÉFONE
Ó, como arde em mim à sede de amor e do sacrifício de
morte sagrado! Como eu serpenteava cheia de sofrimento
nos braços de Plutão, meu chamado implorava libertado-
res... Eu só podia ver fantasmas e sombras...Era-me impossí-
vel morrer... então gritei!

DIONÍSIO
Com este grito acordei e vim...

PERSÉFONE
Na figura de heróis que o beijo do relâmpago escolhe para
guiar os homens, heróis que são da sua espécie e do seu
sangue. Da espécie de Hércules! de Prometeu! de Jasão!

DIONÍSIO
Meu ser corria no sangue deles, minha vida lutava em seu
corpo heroico, meu som ressoava na corrente de suas pala-
vras! Você deveria reconhecer-me em todos os lugares. Você

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gritava para mim em alegria e em sofrimento! As amarras
que Plutão forjou para você não podiam ser quebradas por
sua força... Então, quero agora ser o seu libertador!

PERSÉFONE
Você enviou-me um raio de sua luz... Ele tirou-me das pro-
fundezas do abismo! Estou agora diante de você, irmão – e
marido você se tornou pela minha saudade!

DIONÍSIO
A dor deu-me você como esposa.

PERSÉFONE
A hera floresce em seu cabelo escuro... E vejo frutos ver-
melhos em você?

DIONÍSIO
São as gotas de meu próprio sangue. Eu as derramei
enlutado por você. E também em seus olhos brilham go-
tas?

PERSÉFONE
São as testemunhas do sofrimento de Perséfone!

DIONÍSIO
Ô filha celeste, como você é bela!

PERSÉFONE
Ô filho do poder do fogo, como você é belo!

DIONÍSIO
Sou seu desde o início do mundo!

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PERSÉFONE
Seremos um até o final do mundo!

(Aparecem Deméter e Zeus.)

ZEUS
Meu Triptólemo! Você conseguiu ver o que até hoje ne-
nhum homem viu. Conduza seu passo para Elêusis, sua terra
natal, e lá viva com os deuses. Você porém, que é iniciado
não deve desvendar a luz da verdade para o sentido profano.
No reino da terra, você deverá ser chamado e venerado como
filho da grande Deméter! Mas na boca dos deuses e dos he-
róis você é o libertador de Perséfone, filho de homens!

(O carro de Triptólemo desce; os deuses desaprecem.)

CORO DOS HERÓIS


Ó testemunhas de conhecimento profundamente guarda-
do, o que descansa nas bases mais profundas dos mundos,
aparece sem envoltórios diante de olhar vidente. O espírito
deve segurar o que ele viu, e a memória deve guardá-lo no
reino terrestre. Como consolo ela perdura enquanto vocês
vivem. Tomem-no como guia para o reino dos espíritos. Mas
este santuário deve ficar fechado como tesouro secreto nas
profundezas do coração, como a pedra preciosa descansa no
interior da rocha... A nobre missão do vidente é; levar o raio
puro da sabedoria para a existência universal. Porém, contar
onde ela se origina só pode quem quiser perdê-la!

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EPÍLOGO

HERMES (para os presentes)


Oh! procuradores dos segredos da vida, cabem a vocês
conseguirem consciência de como escapar da escuridão. Re-
conheçam as forças atuantes da existência, as forças mila-
grosas do coração e do espírito no espelho da vida que esta-
va diante de seus olhos. Lembrem-se das palavras do vidente
de tempos antigos: O surgir no correr dos tempos é morrer
para a eternidade. O Homem caiu de alturas divinas para o
erro terreno, a ilusão terrena; mas a lembrança da origem
pode dar-lhe toda a essência da verdade, formá-lo para ser
filho de deus no corpo terreno, na essência do tempo.

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