Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tradução de
Sonia Setzer
1ª edição - 2011
ISBN: 978-85-7122-203-8
Prefácio
O teatro na formação de professores Waldorf 7
Lista de personagens
Com seu signifcado oculto 9
Prólogo
O rapto de Perséfone 11
Primeiro ato
A dor de Deméter 21
Segundo ato
O Tártaro, no templo de Plutão 43
Terceiro ato
Nas alturas do Olimpo 51
Epílogo 63
Zeus, o Demiurgo;
elevado criador do universo, representado pelo hierofante, o
chefe da família dos Eumólpidas e grão-sacerdote de Elêusis.
Deméter;
a razão divina e a luz celestial, representada pela hierofânti-
de, a esposa do grão-sacerdote de Elêusis.
Dionísio;
filho de Zeus e Deméter, o verbo ou o espiríto divino, atuante
no universo.
Perséfone;
filha de Zeus e Deméter, alma original de toda a humanidade.
Eros;
na figura de um menino alado. Aquele que modifica e transfor-
ma todas as coisas. Instrumento do Demiurgo, seu mediador e
mágico.
Hécate Tripartida;
deusa da Lua, gênio das transformações e metamorfoses,
mostrando em imagem, ao mesmo tempo, as três regiões
que a alma deve transpor para encarnar-se e para voltar à
sua origem.
Plutão**;
o deus do mundo inferior ou da matéria densa.
10
(Deméter sai)
12
AS NINFAS
Nem pense nisso! Evite a pergunta frívola.
13
14
EROS
Obedecendo tal pedido, Perséfone me vê deitado a seus
pés, admirando a tecelagem do véu que reflete como ima-
gem especular o azul dos olhos da artista ao observador
surpreso. E sua mão teceu para dentro do véu formas sem
igual... Só uma coisa no universo pode superá-la em beleza,
o si próprio desconhecido, que nunca se viu num espelho: a
própria figura da artista.
(Ele sorri malicioso).
PERSÉFONE
É possível ver-se a si mesma? (ela enrubesce)
Eros reconhece estas formas?
15
PERSÉFONE
Meu conhecimento não é suficiente para uma tal reve-
lação. O que se segue, Perséfone só poderá conseguir com a
ajuda de Eros.
PERSÉFONE (séria)
Se eu fosse fazer este passo, feriria a ordem séria da mãe
tão sábia e rígida: “A voz de Eros não deve seduzí-la a buscar
as flores na relva. Se seu sentido não obedecer a esta adver-
tência – você deverá ser irrecuperavelmente a mais infeliz
entre os deuses."
EROS
A mãe não quer que os segredos da terra e do inferno se
revelem à alma da filha. Ao respirar o aroma daquelas flores
você terá a revelação.
PERSÉFONE
E você os conhece?
16
PERSÉFONE
Você consegue dar à alma este saber?
EROS.
lsto será provado!
(Ele toca a terra com a ponta de seu arco e surge um
grande narciso).
PERSÉFONE
Oh que milagre!
Uma recordação importante acorda no coraçâo trêmulo.
Era sobre minha estrela adorada que eu me deitava para
descansar frequentemente, no cume das montanhas. Quan-
do acordava uma estrela prateada brilhava para mim, como
uma opala no azul pálido do céu que se distendia para longe.
Parecia como se ela fosse revelação de meu marido prome-
tido pelos deuses. A estrela me parecia a tocha de Dionísio,
que porém, desaparecia logo depois de aparecer.
Esta flor é como uma estrela.
EROS
A mutação e transformação das coisas é obra minha. Do
que é pequeno deixo surgir a imagem e igualdade do maior.
Eu tiro da profundeza o espelho do céu. Eu misturo as formas
na terra e no céu, formas estas, cuja formação a partir das
17
PERSÉFONE
Diga-me o nome desta flor.
EROS
Seu nome é Narciso, foi lhe dado pelos homens. Em mi-
nha linguagem, ela é uma imagem eterna do desejo. Observe-a
com atenção: ela olha para você, a coroa branca, delicada, bri-
lha como se tivesse vida. O aroma flui a partir do coração que
vive dourado no seu interior. Ela preenche a redondeza com
prazer. Levante a flor mágica para junto de seu rosto, e to-
dos os monstros do abismo deverão aparecer como imagens
à visão e também os enigmas que as profundezas da terra
escondem, e o que move o coração humano. Que nada lhe
fique escondido.
PERSÉFONE
Oh, flor milagrosa, seu perfume é atordoante!
O coração se me eleva, os dedos parecem brasas e
tocam-na!
Quero inspirá-la, quero apertá-la contra meus lábios, deitá-la
sobre meu coracão e morrer feliz na sua exalação mágica!
18
19
1ª CENA
DEMÉTER
Hécate! Hécate! Onde você está? Também ela parece
escondida. Será que ela também vai me negar a resposta
como os outros que eu perguntei? Apareça, Hécate! Que
o chamado angustiante da deusa-mãe não seja sem valor
para você.
DEMÉTER
Filha do anoitecer e da noite, até hoje evitei seu olhar
perscrutador que só consegue encontrar o caminho pelo de-
serto. Porém devo pedir hoje, abandonada, a ajuda daquela
que sempre evitei. Permiti que minha filha Perséfone brin-
casse com as ninfas, sendo que ela e as filhas de Oceano
colhiam jacintos e íris. Vendo-a feliz subi novamente ao Em-
píreo, deixando-me ir na alegria daquele fluir de raios que
não se submetem às mudanças do ano. Mas de repente,
um grito de dor penetrou pelas esferas etéreas e ecoou em
meu coração materno. Era a voz de Perséfone. Como se ela
sofresse violência, soava o chamado terrível. E por três ve-
zes, o grito de dor medonho se repetiu, perdendo-se depois
no abismo. Pegando estas duas tochas desci rapidamente
a terra procurando em toda parte, preenchendo com meu
grito as montanhas longíquas. Todos os deuses deveriam
ouvir o juramento que se soltava de mim! Mas todos fica-
ram mudos perante mim. Mesmo Hélio, do qual nada se
esconde, também ficou me devendo resposta. O segredo
que se esconde do meu saber é tão terrível que ninguém
tem coragem de responder à pergunta angustiante? Portan-
to, oh Hécate, diga-me você o que aconteceu. Os caminhos
tortuosos que você espreita como numa emboscada para
as intenções escondidas de Zeus, lhe são conhecidos. Pelo
22
HÉCATE
Ela me é conhecida e você deverá sabê-la. Mas antes
prometa-me: não amaldiçoar a transmissora da infelicidade
que a atingiu.
DEMÉTER
Prometo-lhe as mais belas dádivas de luz. Eu o juro fiel-
mente pelas águas sagradas do Styx! E Deméter, deverá
tornar-se amiga daquela que solucionar a dúvida tão pesa-
da e angustiante. Pois se eu souber onde está Perséfone,
encontrá-la e trazê-la de volta, o coração materno certamen-
te conseguirá.
HÉCATE
Plutão roubou a sua filha, com o consentimento de Zeus,
o senhor do céu e da terra; o seu marido deu-lhe-a como es-
posa a ele.
HÉCATE
Você deve refletir que Hades não é indigno para ser o ma-
rido de sua filha; ele é o nobre irmão de Zeus e senhor de
bem infinitos! Posso assegurar-lhe com olhar certeiro que só
erroneamente se chama o abismo de triste. Ser rainha dos
mortos sem dúvida é melhor do que serva dos deuses.
23
HÉCATE
Nobre Deméter, onde você vai continuar a viver?
DEMÉTER
Os homens miseráveis serão meus companheiros!
HÉCATE
Em que país?
DEMÉTER
Onde reina a liberdade!
HÉCATE
Como o povo deverá recebê-la?
24
HÉCATE
E que lar?
DEMÉTER
Onde haja a maior infelicidade. Quero chorar ali lágrimas
imortais e me opor ao senhor do relâmpago que se tornou
ajudante covarde do irmão perverso. Quero saber de você
para onde devo dirigir-me para encontrar o país mais livre, o
povo mais orgulhoso e a casa mais triste.
HÉCATE
No país ático, não longe do rochedo de Pallas, numa
margem silenciosa e hospitaleira, protegida pelas monta-
nhas de Megara e pelo cinto branco de Oceano, você en-
contrará o que você procura. Chama-se Elêusis. As águas
rudes penetram apenas aí ao murmurar meigo das nerei-
das azul-celeste, com a exalação alegre do Zéfiro. Lá existe
um povo livre com o sentido preenchido pelo que é direito,
dedicado com aplicação à agricultura. Ele olha para você
com veneração, chamando-a de nutriz da terra. Eles es-
colheram as espigas douradas e colheitas alegres como
proteção ao olhar escaldante de Hélio. Vive lá uma família
enlutada. Seu chefe era o rei Keleos, e ele agora foi ao
reino dos mortos. Por ele choram Metanira, a viúva, com
três filhas e Triptólemo, o filho, que só ama seus cavalos e
o arado. O herdeiro do grande rei ainda é muito fraco para
proteger os órfãos. Reinam ali luto, silêncio, medo, como
se o lar orgulhoso do rei tivesse sido transformado num
túmulo.
25
HÉCATE (sorrindo)
Para que isto seja possível, oh nobre deusa, as mãos há-
beis de Hécate se prestarão. Para tecer máscaras que trans-
formem para mudar uma forma em outra forma, esta sempre
foi minha profissão. Tecer uma roupa fina para os seres que
descem da lua para a terra e tirá-la novamente deles quando
deverão voltar para Urano. Tudo isto é tarefa da rainha da
transformação. Não deverão faltar à grande deusa os frutos
desta arte tão longemente praticada. Siga-me para o fundo
de minha caverna, e pela força do bastão da serpente sua
beleza divina deverá desaparecer. Este rosto divino com tan-
ta beleza juvenil deverá ser coberto por sulcos profundos, de-
verá parecer irreconhecível aos deuses e aos homens.
DEMÉTER
Assim a deusa imortal deverá rebaixar-se de forma hu-
milhante. Mas só assim a lágrima pode fluir desse coração
partido.
2ª CENA
26
KALLIRHOE
Ó pai, rei Keleos, antes da morte escura roubar-lhe des-
ta casa, alegria festiva irradiava em suas paredes. As filhas
movimentavam-se alegres sob a oliveira sagrada, em honra a
Ártemis e às graças. Você nos deixou! E quando despejamos
água santificada sobre o seu túmulo e pronunciamos o seu
nome, nenhuma resposta nos vem deste lugar sombrio.
PHAINO
Ó pai tão intensamente amado, à noite durante a festa
alegre, frequentemente pude trazer-lhe, toda enfeitada, o
copo adornado de videiras, cheio de bom vinho. E então, eu
podia ouvir como você me denominava a luz de seus olhos,
que em meiguice se parecia à aurora da qual nasciam os
ventos diurnos. Agora, depusemos sobre sua sepultura a co-
berta de grama e flores, e preparamos frutas e bolos para a
refeição fúnebre. Faltou seu sorriso que sempre nos confor-
tou. As lágrimas que meus olhos derramam, será que elas
chegarão à você?
RHODOPE
Ó pai, qual é agora a sua existência? Nós o demos ao fogo
com armas e roupas, e suas cinzas estão na urna que descan-
27
METANIRA
As lágrimas estão em seus olhos, mas no meu coraçâo
está a ira. Elas imploram para sombras fúteis, mas, eu estou
sendo consumida pelo desejo de dar forças aos vivos.
3ª CENA
METANIRA
Onde você esteve?
TRIPTÓLEMO
No túmulo de meu pai.
METANIRA
Como você passou o tempo hoje?
28
METANIRA
Então, não é de seu conhecimento que em Ágora haverá
hoje uma reunião do povo, e que hoje será eleito o novo rei
em Elêusis?
O sucessor de seu pai deveria ser o filho pela vonta-
de do povo. Mas, ninguém votará em você, pois, você não
aparece às pessoas para falar e mostrar sua força, própria
da juventude, prometendo-lhes levá-los à meta de seus
desejos.
TRIPTÓLEMO
Não quero mendigar o apoio e a voz do povo. Provei mi-
nha força e minha justiça na luta através da palavra e ação.
Sou conhecido daqueles que devem escolher o seu guia.
Se eles me acharem apropriado, sem sofrerem influência,
quero ocupar o cargo do pai, senão, outro pode ficar com a
graça e o peso da coroa.
METANIRA
Então eles escolherão o tio, e quando Dólico tiver sido vo-
tado para ser rei, ele roubará nossos bens e nos expulsará da
casa, cujo o serviço sagrado seu pai celebrou por tanto tempo.
TRIPTÓLEMO
Que ele se apodere da cidade, do trono , que ele me rou-
be o lugar que era de meu pai; ele não conseguirá tirar-me
o arado. E também o pedaço de terra sobre o qual trabalha
o arado. Apenas se um deus me chamar quero ser rei em
Elêusis. Quero jurar isto duplamente.
29
4ª CENA
METANIRA
Quem é a desconhecida?
PHAINO
Uma velha curvada pela idade!
KALLIRHOE
Mas de porte nobre.
RHODOPE
De lugar estranho, pois, as vestes que usa são desconhe-
cidas aqui.
METANIRA
Parece que veio mendigar.
PHAINO
Falta-lhe força para andar!
Permita-nos, oh mãe, conduzir a pobre para dentro de casa.
30
RHODOPE
E parece que a pobre ainda sofre mais pelos males de
seu coração, do que os dos membros.
METANIRA
Não posso gostar dos estranhos, que silenciosa e fur-
tivamente se aproximam de nosso fogão, escondendo in-
tenção ignóbil. Não se pode saber que inimigo a mandou
para nos prejudicar e que infelicidade se esconde nas do-
bras de seu manto. Eu lhe pergunto mulher estrangeira,
se você vem trazer uma mensagem ou se você quer pedir
uma graça?
Só lhe permito ficar se você contar daqueles que a envia-
ram. Se você se recusar, não entre nesta casa.
PHAINO
Ela pede alojamento.
KALLIRHOE
As lágrimas falam por ela.
RHODOPE
Oh mãe, deixe imperar a graça e aceite-a!
31
METANIRA
Já que você se tornou nossa hóspede e este teto a cobre
protegendo-a, é o seu dever nos dizer de onde vem, quem é
você, que terra é a sua, e qual o destino que a impeliu para
fugir para estas margens?
32
PHAINO
Como soa suave e enigmático a a voz da sofredora.
KALLIRHOE
Ela se assemelha à lira que ressoa lamuriante no tem-
plo.
RHODOPE
As palavras que ela diz são como que ditas pela boca de
uma rainha.
33
DEMÉTER
Sim, eu quero falar-lhe.
5ª CENA
Deméter e Triptólemo
DEMÉTER
Que preocupação tão negra pesa sobre sua jovem fronte,
meu Triptólemo?
TRIPTÓLEMO
Meu pai faleceu.
34
TRIPTÓLEMO
Não acuso ninguém, pois não sofro outro destino que to-
dos. Mas, pior é morte para os que partiram do que para os
que devem ficar.
DEMÉTER
Como você sabe isto?
35
TRIPTÓLEMO
Você parece comovida. Suas mãos tremem sob seu bas-
tão. Através de seu véu posso ver suas lágrimas. O que acon-
tece consigo, mulher sofredora?
TRIPTÓLEMO
Coroei seu túmulo com flores e depois voltei para o arado,
clamando pela grande Deméter, preparei o campo e semeei.
DEMÉTER
Por que você dirigiu seu chamado a Deméter?
TRIPTÓLEMO
É verdade que não a conheço, mas ela é considerada a
maior entre as deusas e chamada a mãe dos deuses. Não
é ela que habita o céu e reina sobre a terra? E o cereal e as
flores não se desenvolvem por meio de suas forças?
DEMÉTER
Mas, como é que você pode basear sua opinião de que
ela pode redimir a alma de seu pai?
36
TRIPTÓLEMO
Ó, exilada desconhecida, o que acontece consigo, que ao
pensar a idade deixa, que faíscas fagulham em suas vestes e
tochas se acendem atrás de seu véu?
37
TRIPTÓLEMO
Não recuarei quando eu conhecer o malfeitor que fez algo
tão terrível para você.
DEMÉTER
Se você o conhecer a coragem em sua alma certamente
não bastará.
TRIPTÓLEMO
Quem como eu consegue domar cavalos selvagens e aman-
sar os animais ferozes das montanhas com sua lança, também
não vai recuar diante de um malfeitor como este.
DEMÉTER
Pois saiba que a filha faleceu e que o malfeitor é Plutão.
Portanto, você terá que realizar a façanha de descer ao reino
escuro do Tártaro.
TRIPTÓLEMO
A região das sombras não pode assustar aquele que ama
o reino da luz. Eu quero descer ao inferno se você me abrir
as portas.
38
DEMÉTER
Ó sangue nobre, jovem leão amamentado com o leite
de uma mulher! A devoção da criança vive em seu cora-
ção; de seus lábios flue o mel dos sábios, de seus olhos,
faísca a chama dos heróis. Tenho que amá-lo como um
filho! Quero considerá-lo mais que um homem: quero re-
conhecer em você meu filho! Quero revelar-lhe segredos
até agora nitidamente escondidos no espírito dos ho-
mens. Quero anunciar-lhe o que as alturas escondem e
as profundezas também, quero arrancar as vendas que
estão diante de seus olhos! Os reis e dirigentes terrestres
terão pouco poder comparados a você. Quero ensinar-lhe
a cantar as melodias divinas! E você deverá desenhar os
caminhos que levam para fora destes mundos. E apesar
do Tártaro desafiando os homens insinceros – e mesmo
Zeus todo poderoso, chegará o dia em que você trará mi-
nha filha de volta para a luz celestial do carro de serpen-
tes fogoso de Hécate. O destino deve designar Triptólemo
para ser o agricultor sagrado dos homens e o mais divino
herói dos deuses.
TRIPTÓLEMO
Quem é você, mãe poderosa,que me faz respeitá-la mais
que minha própria mãe?
39
6ª CENA
METANIRA
Socorro! Fogo sai do paláciol Amaldiçoada feiticeira má!
Assim você agradece por eu tê-la deixado entrar! Que a Héca-
te Tripartida a aniquile junto com o fogo produzido por você!
Você foi enviada por nossos inimigos, por Dólico, para cegar
nosso filho e acumular nossas cabeças com as maldições do
povo. Fora, bruxa terrível!
40
METANIRA
Quem é que do reino dos imortais está fazendo brinca-
deira conosco?
Minhas forças se partiram.
(Ela cai ao chão como que aniquilada; a cabeça apoiada
na poltrona,escondendo o rosto com as mãos.)
DEMÉTER
Eu sou Deméter, eu mesma, a deusa!
(Voltada para Metanira com voz calma e majestosa.)
Você não recebeu a desconhecida e exilada de bom
grado. Inconsciente estava para você neste momento, mu-
lher, que os deuses desconhecidos aparecem sob forma de
desgraça, com a máscara de trapos, escondendo-se sob
lágrimas. Mas, como suas filhas meigas, ao contrário de
você, me receberam, e porque você ser a mãe deste filho,
Deméter lhe perdoa. Porém, não posso impedir a luta que
vai surgir entre os filhos de Elêusis e aqueles semelhantes
a você, como fruto da saudação carente de amor que você
me fez. Mas você, o filho de Keleos, eu quero amar como
amo minha filha, que você vai arrancar do poder escuro do
inferno. E vai então à praça dizer ao povo: Deméter, a deu-
sa, ordena a construção de um templo lá onde a colina de
Kallikoros se eleva para Elêusis. Eu o nomeio sumossacer-
dote e você deve transcender a fama dos reis que foram
seus ancestrais.
41
42
1ª CENA
PERSÉFONE (acordando)
Onde estou? Oh, este sono profundo nos braços do domi-
nador que me seguram terrivelmente! O que aconteceu co-
migo? A rainha infeliz do reino da escuridão. A noite que não
pode mais terminar me envolve. Tenho que ver amedrontada
acima de mim um povo de sombras e monstros...
Figuras trapaceiam em volta de mim, tecidas de sonhos e
do poder das mentiras...
44
PLUTÃO
Eleve sua fronte esposa de Plutão, rainha dos mor-
tos. Não há reino em todo universo que seja mais belo
que o seu! Eu sou respeitado no universo, temido na
terra. Nos.meus altares o sangue dos sacrifícios correm
como riachos, as mesmas honrarias serão dedicadas à
você.
(Perséfone cobre o rosto com as mãos)
Aos seus pés, você vê os mortos se tumultuarem com
violência que certamente é maior do que aquela vista nos
altares consagrados aos olímpios.
Veja suas súplicas! O poder que aqui você pode conside-
rar seu, deverá ser maior que aquele próprio da orgulhosa
Deméter. Você deve mostrar aos suplicantes moradas eter-
nas! Mas agora, beba desta bebida. Ela deverá abrir-lhe a
compreensão para as alegrias nobres deste reino e para o
amor que lhe posso dar.
(Ele oferece o cálice a Perséfone, ela hesita em pegá-
lo, mas finalmente, o pega com um misto de curiosidade e
medo. No mesmo momento estígias, esfinges e harpias co-
meçam a irradiar uma luz mágica da árvore dos sonhos. Elas
arregalam os olhos e mostram as garras.)
45
46
PLUTÃO
O feitiço está agindo! Ela aprecia a bebida.
PLUTÃO
Sou eu, fui dado por Zeus à Perséfone, a virgem, para
ser seu marido eterno. A bebida transformara-la-á em rai-
nha dos mortos e o inferno todo vivenciará conosco as
alegrias de nosso matrimônio, os olímpios todos empali-
decerão.
47
2ª CENA
HÉCATE
Você não tem poder sobre Triptólemo!
Deméter o banhou em fogo e fui eu mesma quem o trouxe
aqui. As mais fortes maldições não atuam sobre ele, pois o
jovem não pode ser ferido.
PLUTÃO
Então você causou isto observadora miserável, sem
vergonha, com cara de sereia! Como castigo vou deixar
murchar a máscara sorridente que você usa traiçoeira-
mente para enganar deuses e homens. Você deverá ser o
pavor da terra! Seu nome seja bruxa e sedutora! Riscarei
sulcos em sua fronte como os lemúrios os tinham por si-
nal.
HÉCATE
Não quero nada a não ser cumprir a ordem que me deu a
grande deusa. Porém ouça, deus dos mortos, o que a voz de
um vivo tem a lhe dizer.
48
TRIPTÓLEMO
O filho do rei de Elêusis, protegido de Deméter, a grande deu-
sa que deveria colocar a coroa sobre minha cabeça. Para soltá-la
dos laços terríveis rejeitei o que parecia ser dado para mim.
PERSÉFONE
Oh, jovem destemido, o fato de vê-lo arrancou-me do
sonho que horrivelmente subia de minha alma. Você me
chama de volta para a terra primaveril junto a minha
mãe e Urano, e o esposo que eu esqueci neste mundo
repleto de noite e de medo. Como uma fonte que nova-
mente começa a jorrar depois de estar seca por longo
tempo, assim, as vozes celestiais murmuram em meu
coração.
TRIPTÓLEMO
Então suba neste carro, seguindo-me.
PERSÉFONE
Não foi-lhe dado destruir por mim os portões deste reino!
Apenas um deus poderá livrar-me de um deus. Somente
aquele que já estava a mim unido no colo materno tem poder
para isto. Os titanos estraçalharam-me o caro! Ele está sem-
49
PLUTÃO
Eu cubro Triptólemo com a morte! Ele é propriedade do
inferno para sempre.
50
1ª CENA
ZEUS
Não é assim. Contra minha vontade Plutão a tomou, não
pude tirar-lhe a presa que ele conseguiu de direito quando
Perséfone brincava alegremente às margens de Oceano. Sua
própria curiosidade soltou as forças que a puxaram-na para a
profundeza. Ela mesma atraiu o malfeitor para cima.
DEMÉTER
Você quer esconder, oh astuto, através de sua astúcia,
como você agiu cruelmente. Quando a deixou descer, você já
imaginava destruí-la.
52
DEMÉTER
É melhor citar a morte do que tal imortalidade!
E você não fez nada para libertá-la das amarras de escra-
va, às quais, ela se prendeu. Você deixou para mim, conse-
guir pela liberdade da exilada, através de Triptólemo. O agri-
cultor de Elêusis a acordou de seu sono; e agora Plutão tem
os dois como prisioneiros.
ZEUS
Um homem não conseguirá quebrar as amarras.
DEMÉTER
Você não quer libertar a infeliz?
ZEUS (sombrio)
Meu filho Dionísio não desceu ao Tártaro para libertá-la?
DEMÉTER (irônica)
Sim. Dionísio, o filho de sua saudade, desceu, mas os
titanos o estraçalharam e como o pai, o filho foi incapaz
da salvação. Mas, se você se mostra impotente de pen-
sar no que poderia trazer a liberdade para minha filha, eu
vou descer e destruir com o fogo de minhas tochas o seu
mundo!
ZEUS
Pois ouça calmamente minhas palavras, irmã: apenas um
novo deus poderá trazer a libertação.
53
ZEUS
A força que jorra de meu fogo pode criar, quando unida
àquela outra força que irradia de sua luz, o deus que poderá
conseguir a libertação.
DEMÉTER
E que nome é apropriado a este deus?
ZEUS
O novo Dionísio, que em espírito já vive no anseio de
meus sonhos.
DEMÉTER
Os titanos deverão estraçalhar o segundo como o primeiro?
ZEUS
Eles nada conseguirão contra ele! Ele não será invulne-
rável, porém, mais forte. Sacrificar-se-á a si mesmo – ao
Universo, aos deuses, e aos homens. Ele vai derramar seu
sangue e suas lágrimas para a ação com um grito triunfal.
Ninguém que encontrar abrigo sob sua luz poderá vencê-lo,
nem que a arma do inimigo despedace sua roupagem guer-
reira.
DEMÉTER
Deverão correr mais lágrimas, mais sangue? Isto eu não
quero. Quero jurar pela essência de minha luz virginal que
sempre flui em novas ondas, que eu prefiro destruir uma cria-
çâo a que se faça uma nova! Pois, seria melhor que voltásse-
54
ZEUS
Pois ouça esta voz vinda das profundezas. Seu chamado
é para Deméter?
ZEUS
Você a ouve? Convença-se que não é você quem ela dese-
ja. Ela deseja o deus que eu quero tão saudosamente e que
devemos criar.
55
CORO DS BEM-AVENTURADOS
Quando a deusa de toda a fertilidade terrena flutua para
o reino dos sonhos, forças construtivas fluem pelo universo,
o fervor dos deuses espiritualiza o mundo e os homens estre-
mecem até as profundezas das almas.
A criação luta no crepúsculo dos sentidos, novos se-
res divinos nascem! Os Homens devem curvar-se em
respeito quando se manifesta a atuação espiritual sagra-
da. lnúmeras formas fluem para a vida quando o olho
divino manda um olhar para o reino incomensurável
das amplidões do espaço.Mundos brotam do nada para
a vida, caem da vida para o inanimado e criam assim
as horas do dia para os deuses, como luz e escuridão
para os homens. Mas vocês, sementes do abismo, almas
que se veem espalhadas no reino dos mortos, receberão
em suas mãos o leme que até agora lhes faltou! O foco
de fogo do qual vocês surgiram estava oculto até agora
de suas almas... Agora, ele se devendará para vocês! O
poder do sonho da mãe divina dará vida àquilo que o
pai divino formar e o novo deus, o forte portador da luz,
surgirá da forma vivificada, e vocês deverão receber em
suas almas o que era mortal em vocês, transformado por
sua força em ser imortal.
56
PERSÉFONE
Ó Triptólemo, nascido em Elêusis, agricultor orgulhoso,
assim como antes, você dominava o fogo de seus cavalos
selvagens, na terra natal, você agora consegue domar estes
dragões cujo imenso poder pode despedaçar as rochas e que
podem atravessar o éter num tempo imensurável. Foi um dia
em que um raio do céu conseguiu penetrar nas profundezas
sombrias do Tártaro que eu pude soltar-me dos braços de
Plutão, que sempre vigiava atento. Nesse instante um sono
profundo apoderou-se do senhor do reino dos mortos e eu
pude subir em seu carro. As portas do inferno se abriram por
si quando quisemos transpô-las. Nossa viagem foi através
do empíreo – quantas centenas de anos nós viajamos, para
mim é impossível sabê-lo.
A luz de Hélio nos desapareceu completamente, somente
o brilho das estrelas iluminam o caminho. Mas, onde esta-
mos? Que aroma celestial é este? Vejo novamente o Olimpo,
uma luz ofuscante surge nas alturas... As nuvens rodopiam
em figuras, como rosas que nasceram do fogo... Meus olhos
estão cativos por este milagre!
TRIPTÓLEMO
Óh deusa, para lá dirija seu olhar! E verá o tão intensa-
mente esperado.
57
DIONÍSIO
Perséfone, ó irmã amada, liberta finalmente do reino dos
malditos! Você estava diante de mim durante estes anos di-
fíceis como uma imagem onírica viva, um quadro brilhante
de beleza que não pode murchar, radiante na juventude que
não pode morrer, como você se revela maravilhosa no véu
matrimonial e com a coroa de narcisos.
PERSÉFONE
Óh não, tive que arrancar o narciso! O desejo pela flor deu
ao negro Plutão poder sobre meus sentidos. Assim, esqueci
tudo no abismo sombrio e chorei muitas lágrimas amargas,
sentindo-me maldita e carregada de infelicidade.
DIONÍSIO
E eu, acometido de saudade ardente pela irmã, perseguia
seus rastros sem descanso. Fui vítima da ira dos titanos que des-
pedaçaram meu corpo e atiraram os pedaços aos tigres, a cabe-
ça, porém, foi tragada pela profundeza do abisrno. Mas, o cora-
ção e os pedaços do corpo dispersos em grandes distâncias não
podiam esquecer e chamavam sem cessar: “Perséfone, irmã!”
PERSÉFONE
E eu, eu não ouvia o clamor temeroso, maculada por uma
noite de sonhos assustadores, amarrada pelas cordas do
sombrio Plutão, exilada no reino dos mortos, também morta.
58
PERSÉFONE
Ó, como arde em mim à sede de amor e do sacrifício de
morte sagrado! Como eu serpenteava cheia de sofrimento
nos braços de Plutão, meu chamado implorava libertado-
res... Eu só podia ver fantasmas e sombras...Era-me impossí-
vel morrer... então gritei!
DIONÍSIO
Com este grito acordei e vim...
PERSÉFONE
Na figura de heróis que o beijo do relâmpago escolhe para
guiar os homens, heróis que são da sua espécie e do seu
sangue. Da espécie de Hércules! de Prometeu! de Jasão!
DIONÍSIO
Meu ser corria no sangue deles, minha vida lutava em seu
corpo heroico, meu som ressoava na corrente de suas pala-
vras! Você deveria reconhecer-me em todos os lugares. Você
59
PERSÉFONE
Você enviou-me um raio de sua luz... Ele tirou-me das pro-
fundezas do abismo! Estou agora diante de você, irmão – e
marido você se tornou pela minha saudade!
DIONÍSIO
A dor deu-me você como esposa.
PERSÉFONE
A hera floresce em seu cabelo escuro... E vejo frutos ver-
melhos em você?
DIONÍSIO
São as gotas de meu próprio sangue. Eu as derramei
enlutado por você. E também em seus olhos brilham go-
tas?
PERSÉFONE
São as testemunhas do sofrimento de Perséfone!
DIONÍSIO
Ô filha celeste, como você é bela!
PERSÉFONE
Ô filho do poder do fogo, como você é belo!
DIONÍSIO
Sou seu desde o início do mundo!
60
ZEUS
Meu Triptólemo! Você conseguiu ver o que até hoje ne-
nhum homem viu. Conduza seu passo para Elêusis, sua terra
natal, e lá viva com os deuses. Você porém, que é iniciado
não deve desvendar a luz da verdade para o sentido profano.
No reino da terra, você deverá ser chamado e venerado como
filho da grande Deméter! Mas na boca dos deuses e dos he-
róis você é o libertador de Perséfone, filho de homens!
61