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RESUMO
Este ensaio se destina a apresentar uma proposta metodológica para investigar a Vila dos Aposentados, parte
integrante da Vila de Paranapiacaba, como patrimônio paisagístico e espaço de vida cotidiana, um duplo papel
conflituoso em termos. Seu objetivo é entender as contribuições na pesquisa qualitativa para a análise do
espaço urbano protegidos pelo tombamento como o espaço das práticas cotidianas, dos encontros e trocas
diários de uma sociedade, que compreendemos elemento importante da composição da paisagem. Para tanto,
discutiremos o papel singular da vida cotidiana como parte integrante, mas invisibilizada, da vila histórica de
Paranapiacaba, e as possibilidades que as vertentes da etnografia e da fenomenologia podem trazer para os
estudos das paisagens urbanas. E conclui-se que o ponto de vista do morador é de grande importância dentro
do âmbito da preservação da paisagem tombada.
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ou seja, aquilo que se mostra na experiência vivida, referenciada por quem vê, pela
intencionalidade do olhar, pelas características do solo histórico e cultural em que a epoché se
efetua. (Bicudo, 2011., p.54).
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Uma das pesquisadoras, como parte do grupo de pesquisadores do Laboratório Paisagem, Arte e
Cultura - LABPARC da FAUUSP, participou de uma expedição etnográfica na Vila, em 2016, e da
organização da Oficina de Práticas Urbanas do XVII ENANPUR - Encontro Nacional da Associação
Nacional de Planejamento Urbano - realizado em maio de 2017, que propôs um ensaio metodológico
de percepção da paisagem (Lima et al, 2017; D’Otaviano e Rovati, 2017).
Figura 1: As escadas para a memória: escadaria padaria carrasqueira
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Refere-se aqui à noção de Berleant de “dano estético” para definir as experiências estéticas
negativas, que culminam na alienação do homem de seu espaço de vida. (BERLEANT, 1997).
2 A VILA DE PARANAPIACABA
2.1 A Vila Inglesa e a Vila dos Aposentados
A Vila Ferroviária de Paranapiacaba está localizada às bordas da Serra do Mar no Município
de Santo André, no ABC Paulista. Circundada por uma área de proteção de mananciais da Região
Metropolitana de São Paulo, a vila situa-se nos limites da Macrozona de Proteção Ambiental (MPA)
de Santo André e foi tombada como patrimônio histórico pelo Condephaat (no âmbito estadual) em
1987 (LAMARCA, 2008) e pelo Iphan (no âmbito federal) em 2002 (VERONESE, 2009). A área é
marcada pela tríade natureza-patrimônio-cultura (LIMA et al, 2017), e é talvez essa situação
privilegiada em referência ao potencial paisagístico do lugar que torna mais contrastante o aparente
descolamento dos moradores de seu espaço de vida (Ibidem).
Figura 2: Mapa de localização
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O uso do termo experienciadores, neste trabalho, se dá substituindo o tradicional usuário. A
escolha do termo indica uma crítica a uma visão funcionalista do planejamento urbano, que
subdivide os citadinos segundo classes com necessidades e papéis específicos, e que lhe nega a
cocriação de seu espaço de vida. Assim, para expressar seu papel de agente participante da própria
paisagem, adotamos o termo experienciadores, derivado da noção de experiência, percepções
mescladas das sensações da vivência e das impressões da memória individual e coletiva, conforme
compreensão de Angelo Serpa (2007) sobre o pensamento de Walter Benjamin.
Figura 2:Casa na Vila dos Aposentados. A recuperação da fachada em madeira deve utilizar apenas madeira de
lei, cujos os custos o morador alega não conseguir arcar.
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Entendida aqui como a atividade de criar, inventar, gerar.
patrimoniais e seus processos de tombamento, e a vivência prática cotidiana, chegando a um
“estado de dúvida teórica” que determinou a orientação da pesquisa por métodos qualitativos de
investigação. Essa mudança do foco de políticas de preservação dos objetos para a proteção do
espaço (entendido, como em Santos (2008), como um híbrido entre as ações e os objetos) de
relevância cultural para nossa sociedade.
A pesquisa pretende então investigar, por meio de metodologias qualitativas, como se dão
essas relações, pessoas, cidade e ferrovia, na paisagem atual da Vila dos Aposentados. Como essa
história foi preservada até os dias de hoje e o que está sendo ou pode estar sendo feito para que
esta paisagem que já foi tão modificada ao longo dos anos não perca seu caráter e preserve a
história não só do local mas também das pessoas. Conforme Custódio “não proteger a paisagem,
afeta a sociedade em âmbito local e mundial, e pode lesionar uma massa indefinível de indivíduos,
inclusive de gerações futuras.” (CUSTÓDIO, 2014)
Neste artigo, discutimos as justificativas para a metodologia escolhida, e sua relevância
acadêmica. Ao nos voltarmos para a experiência da paisagem patrimonial, interrogando-a por meio
de vivências antropológicos e diálogos com os moradores, espera-se contribuir com o próprio
conhecimento da temática, pois como diz Malinowski, falando sobre a pesquisa etnográfica:
“Embora possamos por um momento entrar na alma de um selvagem e através de seus
olhos ver o mundo exterior e sentir como ele deve sentir-se ao sentir-se ele mesmo, nosso
objetivo final ainda é enriquecer e aprofundar a nossa própria visão de mundo,
compreender a nossa própria natureza e refiná-la intelectual e artisticamente. Ao captar a
visão essencial dos outros com reverência e verdadeira compreensão que se deve mesmo
aos selvagens, estamos contribuindo para alargar nossa própria visão.” (Malinowski, 1976,
p.374).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
D'Ottaviano, Camila e Rovati, João (org.). Para Além da Sala de Aula. Extensão
Universitária e Planejamento Urbano e Regional. São Paulo: FAUUSP/ANPUR, 2017
LEFEBVRE, H.. O direito à cidade. São Paulo: Moraes Ltda. Tradução Rubens Eduardo
Frias. São Paulo: Centauro, 2001
LIMA, Catharina P. C. S.; WEHMANN, Hulda Erna; ALBURQUERQUE, Elaine M.; LIMA,
Gabriel C. dos Santos; O direito ao (in) compressível: arte, cidade, paisagem e
transformação social. In: RUA [online]. no. 23. Volume 2 - e-ISSN 2179-9911 -