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RESUMO:
O presente artigo versa sobre a constituição do Estado boliviano e suas perdas territoriais no período
compreendido entre sua fundação, em 1825, até o término da Guerra do Chaco, em 1935. Essas
perdas territoriais não só diminuem o tamanho do território boliviano como tolhem as perspectivas de
circulação desse país, que tenta minimizar tais perdas com acordos de uso territorial exatamente com
aqueles países que lhe tomaram o território. Para compreendermos esse percurso, iniciamos o artigo
descrevendo a formação populacional e territorial da Bolívia, desde as populações pré-colombianas,
principalmente os Quechuas e os Aymaras, e a posterior ocupação espanhola, sempre levando em
conta que a Bolívia é dotada de uma historicidade própria e inserida de forma específica na ordem do
capital mundializado. Na sequência, são discutidas as sucessivas guerras travadas entre a Bolívia e
três países vizinhos (Chile, Brasil e Paraguai), que culminaram em significativas perdas territoriais
para o Estado boliviano.
PALAVRAS CHAVE:
Bolívia – circulação – conflito - geopolítica – território
ABSTRACT:
The present study approaches the constitution of the Bolivian State and its territorial losses since its
foundation in 1825 until the end of the Chaco War in 1935. Not only did such losses diminish the size
of this Bolivian State’s territory but also restrained the country’s circulation perspectives. The country
has tried to minimize its losses through international agreements on territorial use with exactly those
neighbors which have taken part of its territory.To understand this process, the present study describes
Bolivia’s populational and territorial formation, beginning with pre-Colombian peoples, mainly the
Quechuas and the Aymaras, followed by the Spanish occupation, taking into account the fact that
Bolivia has its own plentiful historicity, and is specifically inserted in the order of the world capital. Last
but not least, this paper discusses the successive wars fought against three neighbor countries –
Chile, Brazil and Paraguay – which resulted in significant territorial loss to the Bolivian State.
KEY WORDS:
Bolivia – circulation – conflict – geoplitics – territory
A nação boliviana, para o senso comum e América do Sul e o país com maior instabilidade
a indústria cultural, tem sido sinônimo de pobreza política do continente. Desde a independência,
e miséria e, nos últimos tempos, uma miséria de em 1825, pode-se contar mais de 200 golpes e
feições nitidamente indígenas e de experimentos trocas de governo com uso de força. Constatações
populistas. Segundo Hofmeister (2004), a Bolívia importantes sobre o “estado das coisas” na
pode ser considerada o país mais pobre da Bolívia.
*Mestrando em Geografia Humana pela FFLCH/USP. Orientador: Prof. Dr. André Roberto Martin. E-mail: fernandosreyes@yahoo.com.br
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A população pré-colombiana, que ocupava se mostrou bastante difícil, pois além de enfrentar
as planícies do leste, era composta em sua maioria o forte exército espanhol, tinha que enfrentar
por í ndios, q ue falavam o idi oma guarani, também uma parcela de seu próprio povo que
principalmente das etnias Moxo e Chiquitanos. estava colaborando com os conquistadores.
Os povos do leste não foram dominados pelo
A ocupação espacial do território incaico
Império Inca, mas, por outro lado, os espanhóis
seguiu a lógica sistêmica mercantilista, na qual o
tiveram enormes dificuldades em dominá-los.
acumulo de metais pr eciosos era condição
Segundo informações contidas no sítio do Instituto
fundamental.
Nacional de Estadística da Bolívia 4, apenas em
1675 dois padres espanhóis partiram de Lima até Para DUSSEL (2005, p. 61),
Santa Cruz e de Santa Cruz para a tribo dos moxos
“Nunca houve empiricamente História Mundial
em Guapay, fundando, em 1682, a missão de
a té 1 49 2 ( como d at a d a de col ag em d o
Nossa Senhora do Loreto e em 1686 fundaram a
“Sistema-mundo”). Anteriormente a essa data
missão da Santíssima Trindade que hoje é a
os impérios ou sistemas culturais coexistiam
capital do departamento de Beni. Ainda segundo
entre si. Somente com a expansão portuguesa
o Instituto Nacional de Estadística, os padres
a partir do século XV, chegada ao Extremo
jesuítas levantaram a primeira construção nas
Oriente no século XVI, e com o descobrimento
terras dos chiquitanos, fundando São Francisco
da América hispânica, todo o planeta torna-se
Xavier, nas proximidades do rio Paraguai.
o ‘lugar’ de ‘uma só’ história mundial.”
N esse senti d o, não conseg ui re mos
A Ocupação Espanhola e nt ende r o a va nço d o modo d e p roduçã o
cap it al ista se m ente nd er os p roce ssos d e
A conquista espanhola do Império Inca foi
colonização, como apontou MORAES (2000, p. 23)
obra de Francisco Pizarro, numa época de declínio
em sua análise sobre a formação dos territórios
do império. Após a morte do imperador Huayna
coloniais:
Capac em 1527, seus filhos Huascar e Atahualpa
travaram uma briga pela sucessão. “A colonização americana inicia-se com a
instalação de enclaves, que atuam como bases
De acordo com CHASTEEN (2001, p. 45),
de difusão do processo. Estes evoluem para
“Pizarro tinha apenas 168 espanhóis, mas regiões quando passam a abarcar espaços mais
inf elizme nte p ara os inca s, o impera dor dilatados, que abrigam assentamentos e fluxos
reinante e seu sucessor haviam morrido permanentes e consolidados. Tais conjuntos
subitamente da epidemia que, alastrando-se r eg iona is, em sua s a rt icul açõe s e
pelas rotas comerciais à frente de Pizarro, com pl ex izações, acab am p or conf or ma r
devastou a família dirigente inca, gerando uma efetivos territórios na América colonial, que
crise de sucessão pouco antes da chegada dos apresentam uma divisão interna do trabalho
espanhóis. Desastradamente, uma guerra civil com zonas de produção especializadas. Tais
inca havia eclodido. Atahualpa comandava um organizações espaciais, dotadas de instalações
lado e seu irmão, Huascar, o outro. O ardiloso e assentamentos (e de fundos territoriais), com
Pizarro conseguiu jogar os dois lados um contra sua lógica de disposição das atividades e
o outro, obtendo a derradeira vitória para si.” equipamentos no espaço, emerge como um dos
elementos significativos da “herança colonial”
Emb ora At ahual pa t enha de rr ot ad o
das formações periféricas.
Huascar, não havia ainda consolidado plenamente
Enfim, os territórios coloniais atuaram como
seu poder quando da chegada dos espanhóis em
as bases da construção dos territórios nacionais
1532.
na Amér ica Latina. Por isso, ent ender a
Ent re os Ay ma rá s t am bé m houv e dinâmica que presidiu suas formações, e
resistência à ocupação espanhola, porém, a tarefa conhecer os arranjos sociais gerados em cada
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caso, aparecem como pressuposto para a MORAES (2000, p. 203) enfatiza a enorme
explicação da história das sociedades latino- i mp or tâ nci a da e xp l oração d a p ra ta na
americanas.” organização do padrão da ocupação espacial da
colônia e principalmente da importância fulcral
A p a r t i r d a l óg i ca d e a ná l i se d a
de Potosí no processo de ocupação territorial por
constituição da economia-mundo, pensamos
parte da Espanha
que para uma melhor compreensão do objeto
d e e stud o é f unda m ent al f aze r um b r ev e “... a ocupação segue um eixo que vai das minas
levantamento histórico da Bolívia, desde a de mer cúr io de H uancav elica, tre zent os
ocupação desse espaço pelos espanhóis. quilômetros ao norte de Lima, passando por esta
cidade, e avançando num sentido sul para a
O Est a d o N a ci ona l conhe ci d o com o
velha região mineira de Cusco, até atingir o cerro
Bolívia originou-se do espaço colonial dominado
de Potosí (a cerca de 2000 quilometros de Lima),
pela Espanha, do século XVI ao XIX. Como
a montanha de prata descoberta em 1545, a
assinala Fernando NOVAIS (2000), a colonização
quatro mil metros de altitude. Tal rota latitudinal
m ode r na r e p re se ntou a e ur op e i zaçã o d a s
fi rma- se com a i ntrodução da t écnica do
Américas e de outras áreas do planeta como
amálgama na extração mineira, em 1572, a qual
r e sul t a d o d o e x p a nsi oni sm o m a r í t i m o-
torna Huancavelica ‘condição de Potosí’ “.
mercantil, bem como a criação de espaços
complementares ao processo de acumulação de Potosí, um local ermo, de difícil acesso,
capitais das áreas metropolitanas da nascente situado a cerca de 4000 metros acima do nível
economia-mundo. do mar e encravada no alto da Cordilheira dos
Andes pode ser considerada, segundo Pierre
O poder metropolitano espanhol impôs
VILAR (1981) um dos “lugares históricos do
suas determinações sobre a América Latina, por
capitalismo”, devido a enorme quantidade de
meio da sujeição manu militari dos povos e
p ra ta a li encont ra da . Em pouco t em po, a
culturas indígenas estabelecidos no altiplano
população cresce abruptamente e para abastecê-
andino e na planície. Houve a destruição do
la, tudo vinha de fora, nada era ali produzido,
I m p é r i o I nca , cont ud o, ce r t a s e st r ut ura s
nad a deve ria t irar a atenção do que m ais
indígenas relacionadas ao trabalho compulsório
importava em Potosí: a retirada da prata.
e a sub or d i na çã o a o p od e r ce nt ra l f ora m
m a nt i d a s d e v i d o a sua ut i l i d a d e p a ra a A cidade de Cochabamba, fundada em
constituição de uma economia colonial baseada 1571, e em menor grau as cidades de Tomina,
em enclaves mineiro-exportadores. fundada em 1575 e Tarija, fundada em 1574,
encarregaram-se de abastecer com gêneros
A partir destes enclaves desenvolveram-
a li me nt ícios a p op ul ação do a lt ip la no,
se regiões e um território colonial, segundo
principalmente trigo e milho. La Paz (Ciudad de
GUMUCIO (1996, p. 14-15):
Nuestra Señora de La Paz), fundada em 1548,
“Es en el altiplano y los valles interandinos especializou-se no cultivo de raízes de coca e na
d o nd e hoy v i v e l a m a y or p a r t e d e l a criação de animais, e prosperou graças à condição
población, y es allí donde se formaron las de ponto de parada no caminho entre as minas
altas culturas precolombinas de los quechuas de Potosí e o litoral, e também por estar na rota
y aimaras y se asentaron las principales entre Lima e Buenos Aires, enquanto Santa Cruz
ciudades, como Chacras (hoy Sucre), La Paz, de la Sierra abastecia a mesma região com
C o cha b a m b a , O r ur o y Pot o si , y l a s produtos tropicais. O trigo era trazido do Chile e
explotaciones mineras. Em el oriente se os animai s, ta nto de carga quanto para o
f u nd a r on l a s ci u d a d e s d e Sa nt a C r u z, abastecimento de carne procediam da planície
Trinidad, Riberalta y Cobija, y uma miríada platina. Potosí se torna o pólo aglutinador de uma
de pueblos fundados por los jesuítas em los economia agrária periférica, que se estende por
siglos XVI y XVII.” uma enorme área, constituída apenas para
As perdas territoriais do Estado Boliviano (1825-1935), pp. 161 - 181 167
abastecê-la, pois na lógica sistêmica do Antigo posse de Buenos Aires, pois, além de permitir o
Sistema Colonial, o lucro oriundo do processo de controle da Bacia do Prata, abriria caminho para
mineração compensa tais investimentos. as minas de Potosí. Porém tal pretensão não se
concretizou.
N o que ta nge a o escoa me nt o da s
mercadorias e ao recebimento dos produtos O declínio econômico de Potosí, quando a
necessários à manutenção das condições básicas p roduçã o d e prat a e nt rou num a espi ra l
de vida na área mineira, MORAES (2005, p. 68) descendente, ocorreu depois da segunda metade
nos mostra que do século XVII. A cidade, que chegou a ter uma
população fixa, no início do século XVII de
“A ocupação do território colonial estrutura-se
aproximadamente 160 mil pessoas, viu esse
num padrão voltado para fora, isto é, a
número cair para não mais que 30 mil habitantes.
a pr op ri ação dos espa ços obe de ce a um
Na época da independência boliviana, em 1825,
itinerário que exprime o sentido prioritário dos
apenas 9 mil pessoas viviam em Potosí.
fluxos (centrípetos do ponto de vista da colônia,
e centrífugos na ótica da metrópole). O desenho Outro processo distinto de ocupação do
espacial básico observado é o denominado altiplano se deu pelo chamado “Piemonte” andino.
‘bacia de drenagem’, em que um eixo de A cidade de Assunção foi fundada em 1537 e
circulação central ramifica-se por caminhos que ser vi u ta nto com o ponto d e pa r ti da p ara
vão buscar as zonas de produção, e esse eixo expedições como de centro abastecedor de mate
tem por destino um porto (lacustre, marinho para Potosí. A partir de Assunção, os espanhóis
ou estuarino) que articula os lugares drenados rumando em sentido noroeste fundam, em 1561
com os fluxos do comércio ultramarino... a cidade de Santa Cruz de la Sierra, que começa
Quanto mais ampla a área de drenagem e a fornecer produtos tropicais à zona mineradora.
quanto mais intenso o fluxo praticado, maior
Esses d oi s pr ocessos d isti nt os d e
será a importância do porto de referência na
ocupação, sendo o primeiro a partir do atual Peru
hierarquização dos lugares coloniais no interior
e o segundo a partir do atual Paraguai, criando
de cada império”.
novos assentamentos populacionais em áreas de
A exportação dos minerais extraídos nesta difíceis condições de vida nos mostra o grandioso
área colonial, segundo MORAES (2000) em sua circuito armado pela metrópole para garantir a
maior parte saia de Potosí e era enviada para extração, circulação e exportação da prata,
Lima, de onde seguia para o porto de Callao, envolvendo um arco maior de espacialização, que
seguindo para o Panamá e de lá, enviada para reunia as áreas andina e platina num território
Havana, de onde seguia para Sevilha, na Espanha. constituído pelo poder das relações sociais
Tal trajeto, de acordo com Moraes, durava cerca referentes ao Antigo Sistema Colonial, “... numa
de dezoito meses. lógica na qual cada colônia aparece como parte
de uma estrutura que trabalha para o centro do
Vale ressaltar ainda que, por intermédio
sistema” (MORAES, 2005, p. 64) sendo que, nesse
do porto de Buenos Aires, escoava grande parte
processo, “as colônias são porções da economia-
da prata contrabandeada de Potosí, aliás, esse
mundo, na qual se apresentam como partes
comércio clandestino de prata foi responsável pela
subordinadas de um império, e, em conjunto,
segunda fundação da cidade de Buenos Aires, em
delimitam a verdadeira periferia do mundo
1580. Esta cidade tornar-se-á uma das principais
capitalista”. (MORAES, 2005, p. 56).
rotas de abastecimento de Potosí, criando uma
ligação entre a regiã o mineira e o oceano Os portugueses, segundo BANDEIRA
Atlântico. Tal circuito foi legalizado em 1595 pela (1985), ficaram frustrados ao descobrir que nas
coroa espanhola. Não é a toa que, na primeira terras destinadas pelo Tratado de Tordesilhas não
m et ad e do sé culo XVII , os p ort ug ue se s encontraram um mísero grama de prata. Para tal
pretendiam segundo BANDEIRA (1985), tomar i nt ento, os ba nd ei ra nt es come ça ra m a
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e instruído a ‘limitar-se a informar o governo Tal conflito tem sua origem ligada à
imperial do que for ocorrendo’. A idéia dessa mundialização do capitalismo fundamentada na
confederação, no entanto, não prosperou.” Segunda Revolução Industrial, que passou, a
partir da segunda metade do século XIX, a utilizar
de maneira crescente a borracha, seja para a
A Questão do Acre produção de pneus seja na fabricação de correias
para máquinas e outros artefatos industriais. O
Em 1900 eclodiu a rebelião no Acre, que
látex, matéria-prima da borracha, naquela época,
se prolongou por três anos e, ante a ameaça de
apenas era encontrado na parte sudoeste da
uma intervenção direta do governo brasileiro, foi
floresta equatorial amazônica, dividida entre a
firmado entre Bolívia e Brasil o Tratado de
República da Bolívia e o Império brasileiro.
Petrópolis (1903), no qual a Bolívia cederia o
território do Acre ao Brasil em troca de dois Até o final do século XIX, a fronteira entre
milhões de libras esterlinas e o governo brasileiro Brasil e Bolívia foi alvo de constantes embates
se comprometeria a construir a estrada de ferro entre os dois países. Segundo SANTOS (2002, p.
M ad ei ra -M a moré , pa ra supe ra r o t re cho 103), vários insucessos marcaram a tônica das
encachoeirado do rio Madeira, possibilitando o negociações bilaterais como a missão de Duarte
acesso das mercadorias bolivianas aos portos da Ponte Ribeiro (1851-1852) e a tentativa de
brasileiros do Atlântico (inicialmente Belém do João da Costa Rego Monteiro em 1860. Esse
Pará, na foz do rio Amazonas). problema só seria resolvido com o Tratado de
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Am izad e, Li mit es, Nav eg ação, C omé rcio e Para ocupar a área, o governo boliviano
Extradição, assinado no dia 27 de março de 1867. fechou um acordo, em dezembro de 1901, com a
Mesmo favorecendo a Bolívia e sofrendo duras empresa The Bolivian Syndicate of New York City
críticas no Brasil, nas palavras de Duarte da Ponte in North America, cujo presidente indicado era o
Ribeiro, pois contrariava o princípio do ut i filho de Theodore Roosevelt, o novo ocupante da
possidetis, defendido pelo Brasil, estava acertada Casa Branca.
a fronteira entre os dois países.
Nas palavras de DORATIOTO (1994, p. 77):
Novos conflitos vieram a acontecer na
“ um a em pr esa e st ra ng ei ra , o Bol iv ia n
última década do século XIX em função de
Syndicate. O Sindicato, como essa empresa
problemas na demarcação dos marcos fronteiriços
ficou conhecida, era formado por firmas
entre os dois países, principalmente no que tange
inglesas e norte-americanas. Ele recebeu
à definição dos limites entre os rios Madeira e
a ut or izaçã o de L a Paz p ar a e xp lora r e
Javari.
administrar o território acreano, podendo nele
Neste ínterim milhares de brasileiros, arrecadar impostos, organizar polícia, manter
vindos principalmente do nordeste, já ocupavam tropas e barcos de guerra. Enfim, a Bolívia
uma e xt ensa ár ea d e te rra s at é entã o praticamente transferia sua soberania (no Acre)
pertencentes à Bolívia, atrás de trabalho nos para uma empresa privada”.
seringais do local.
Em 19 02 , e m função d a s me di da s
De acordo com SENA (2002, p. 6), a draconianas impostas pelo governo boliviano,
questão dos marcos fronteiriços só se resolveria e cl od e uma nova r eb el iã o d e brasi le ir os,
em 23 de setembro de 1898, depois de três anos comandada pelo ex-militar José Plácido de Castro
de negociações, quando o Brasil reconhecia que e com o apoio do presidente do Amazonas. De
o território de Aquiri seria definido pela Linha acordo com SENA (2002, p.13), o grupo de cerca
Cunha Gomes, considerando-o boliviano. de oitocentos homens comandados por Plácido
de Castro expulsou tropas bolivianas estacionadas
Apr ov ei ta nd o o acord o, o m inistr o
no Acre, expulsou da área a diretoria do Bolivian
boliviano José Paravicini fundou o povoado de
Syndicate para Belém, no Pará, e decretou a
Puerto Alonso, além de legislar sobre a navegação
segunda independência do Acre.
d os r ios d a re gi ão, e st ab el ece nd o ta xa s
aduaneiras e impostos de comercialização. Para reprimir os sublevados, o presidente
da Bolívia, general José Manuel Pando prepara
Tais atitudes do representante boliviano
pessoalmente uma pequena tropa para marchar
não foram aceitas pelos cerca de 60 mil brasileiros
contra os brasileiros.
residentes no Acre e, em 14 de julho de 1899, o
espanhol Luiz Galvez Rodriguez de Arias, a soldo N esse conte xt o de cr ise, a ssum e o
do presidente da Província do Amazonas, Coronel Ministério das Relações Exteriores do Brasil o
Ramalho Júnior, declara o Estado Independente monarquista José Maria da Silva Paranhos Filho,
do Acre, solicitando sua anexação ao Brasil, o Barão de Rio Branco que
porém, tal proposta foi recusada pelo governo
“Inverteu a política seguida pelo Brasil, de
brasileiro. Tal aventura durou até 9 de março de
reconhecer como indiscutível a soberania
1900, quando uma coluna militar organizada pelo
boliviana sobre o Acre. Rio Branco declarou o
governo brasileiro terminou com Estado recém-
território zona litigiosa, lembrando o artigo XIV
fundado e devolveu-o para a Bolívia.
do acordo de limites de 1867, o qual afirmava
Batalhas foram travadas entre exércitos que ‘se no ato da demarcação ocorrerem
pa rti cular es or ganiza dos p elos “ba rõe s da dúvidas graves, provenientes de inexatidão do
borracha” e o exército boliviano, porém, sem presente tratado, serão estas dúvidas decididas
intervenção do exército brasileiro. amigavelmente por ambos os governos’. Rio
As perdas territoriais do Estado Boliviano (1825-1935), pp. 161 - 181 175
De acordo com dados extraídos do sítio trabalhadores de várias partes do mundo foram
do Museu Paulista engajados, dos quais aproximadamente 6.000
faleceram no local. Ironicamente, a ferrovia
“O projeto de construção da ferrovia Madeira
Madeira- Mamoré entra em funcionamento no
– Mamoré encerra um dos episódios mais
ano em que tem início a derrocada da produção
significativos da história da ocupação da
de borracha nacional no mercado mundial. Mais
Amazônia e tentativa de integrá-la ao mercado
tarde, a opção de Juscelino Kubitschek pelo
m undi al a t ra vé s da come rcia l ização d a
i nv esti me nt o e m rodovi as como v ia d e
borracha. A intenção do projeto era estabelecer
integração nacional se concretiza na região
a ligação entre as regiões produtoras de látex,
nortista com a inauguração da estrada ligando
nas proximidades dos rios Madeira, Mamoré,
Cuiabá a Porto-Velho, em 1960. Teve início,
Guaporé e Beni (este último na Bolívia). As
então, a fase de sucateamento e abandono da
primeiras tentativas, datadas ainda da Segunda
f er rovi a. Em 1 97 2, el a foi t ot al me nt e
metade do século XIX, fracassaram ou por falta
desativada e seus arquivos incinerados.”5
de verbas ou por falta de infra-estrutura
possível, a partir de 1907, graças à experiência
d a comp anhi a a me ri ca na M a y, J ek yl l &
A Guerra do Chaco
Randolph, que já desfrutava de considerável
Know-how na área, em virtude de projetos Foi na Guerra do Chaco ( Figura 6),
arregimentação maciça de mão-de-obra. Por triângulo formado pelos rios Paraguai, Pilcomayo
esta razão, entre 1907 – 1912, período de e Parapetí, desenvolvida contra o Paraguai, entre
construção da ferrovia, cerca de 30.000 os anos de 1932-1935, que a Bolívia conheceu
Assim como na Guerra do Pacífico, entra imprensa e nos meios diplomáticos, afirmando
e m di scussã o se a Guer ra do C ha co t ev e que a Standard Oil quer um oleoduto para
interesses imperialistas, haja vista que na área exportação e, para conseguí-lo, está armando
em disputa, foram descobertas algumas jazidas a Bolívia para uma guerra de conquista de
de petróleo e a posse dessas jazidas motivou o territórios paraguaios no Chaco, por onde
desencadeamento da guerra. Eram as disputas passaria esse oleoduto. A Standard Oil, da
entre as empresas petrolíferas. Seguindo esta mesma forma, alimenta as intrigas de que a
linha de raciocínio estão Omar Díaz Arce e Júlio Royal Dutch Shell, aliada dos interesses
José Chiavenato. Para esses autores, a Standard argentinos, pretende tomar vastas regiões do
Oil of New Jersey (atual Exxon), representando o Chaco, chegar ao sopé dos Andes e apossar-
imperialismo estadunidense, insuflou a Bolívia e se das áreas petrolíferas bolivianas, que
a Royal Dutch Shell, representando o imperialismo passariam a pertencer à Argentina e seriam
inglês, aliou-se à Argentina, que dominava o exploradas pela Shell”.
Paraguai. Ambos armaram e empurraram o
Chiavenato cita o senador estadunidense
Paraguai para a guerra. “Não se pode explorar o
Huey Pierce Long que, em maio 1934, denunciou
p et róle o se m contr ol ar os g ov er nos dos
ao congresso dos Estados Unidos da América que
r espe ct i vos pa íse s onde se v ai b uscá- lo”
um empréstimo realizado à Bolívia em 1928,
(CHIAVENATO, 1979, p. 106). De acordo com
denominado Dillon Reed, no valor de 23 milhões
essa linha de raciocínio, a Standard Oil pretendia
de dólares, só se tornou possível graças ao aval
construir um gasoduto, que cortaria o território
da Standard Oil. A maior parte do dinheiro foi
paraguaio, para a exportação de seu petróleo
dirigida para a compra de material bélico, usado
explorado em território boliviano, porém, o
na guerra contra o Paraguai. Pouco tempo depois,
Paraguai negou-lhes a licença de construção do
em 10 de setembro de 1935, o senador Long foi
gasoduto, atendendo aos interesses da Royal
assassinado a tiros em frente ao congresso em
Dutch Shell que, por sua vez, queria apoderar-se
Washington.
dos poços bolivianos.
Zavaleta Mercado, por outro lado, sustenta
Para corr obora r com e st a te se ,
que, apesar da Argentina apoiar o Paraguai com
CHIAVENATO (1979, p. 108) cita uma afirmação
alimentos, armas e munições e a Royal Dutch
de Libório Justo, filho do então presidente Justo,
Shell ter bastante interesse na Argentina, os
da Argentina:
interesses comerciais eram bem maiores que
“Na Bolívia, onde domina o capital norte- desentendimentos fronteiriços, pois a Standard
americano, a Standard Oil necessitava de uma Oil, a partir de seus campos na Bolívia, exportava
saída para o rio Paraguai para seus poços de petróleo, via um oleoduto clandestino para a
petróleo no leste daquele país. Por trás do Argentina. Portanto, se a Standard Oil realmente
Paraguai, a companhia inglesa Royal Dutch tivesse interesse na vitória da Bolívia, minaria
tratou de evitá-lo. Essa foi a causa do conflito qualquer tentativa de compra de seus produtos
que tem ensanguentado o continente”. por parte de um país que apoiava o inimigo
Paraguai. Quando o governo boliviano descobre
Ainda segundo CHIAVENATO (1979,
o oleoduto clandestino, determina a imediata
p. 108),
nacionalização da Standard Oil.
“Aí está a raiz da guerra: os trustes petrolíferos
GUMUCIO (1996, p. 48) também descarta
j og am com ar gume nt os e int ri ga s que
a participação das companhias de petróleo na
envolvem cada uma das duas companhias,
disputa pelo Chaco. Ele escreve que a Bolívia
apresentando a rival como vilão da história. A
Royal Dutch Shell - de quem a Argentina é “... no logró tampoco el único objetivo que
indisfarçável aliada e o Paraguai um passivo habría paliado em cierta medida la carnicería:
instrumento - fomenta as acusações pela um puerto sobre el rio Paraguay para romper
As perdas territoriais do Estado Boliviano (1825-1935), pp. 161 - 181 179
Notas
1 4
www.ine.gov.bo (Acessado em 14 de outubro de 2008). www.ine.gov.bo (Acessado em 14 de outubro de
2
2008).
INE, VAI, UNFPA.- http://www.ine.gov.bo Acesso 1de
5
novembro 2007) www.mp.usp.br/mamore (Acessado em 19 de
3
outubro de 2008).
O nome inca refere-se a império e não, em termos
restritos, aos seus habitantes, segundo Charssten,
2001: 29.
180 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Edição Especial, 2009 REYES, F.S.
Bibliografia