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Título: FEBRE, VISÃO E FESTA: O DOCUMENTÁRIO “IEMANJÁ PELA

ÚLTIMA VEZ” E A FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO NO


TERREIRO FÉ EM DEUS
Autor: Denis Carlos Rodrigues Bogéa

Linha de pesquisa no PPGSOC: 4 - SOCIABILIDADES E SISTEMAS SIMBÓLICOS:


CIDADE, RELIGIÃO E CULTURA POPULAR.
INTRODUÇÃO

O tema Febre, Visão e Festa: O Documentário “Iemanjá Pela Última Vez” 1 e


a Festa de Nossa Senhora da Conceição no Terreiro Fé Em Deus surge a partir de
reflexões sobre a linguagem audiovisual enquanto mecanismo de produção de
conhecimento, que possui importância a qual não deve estar relegada como simples
ferramenta de pesquisa. Ao contrário, usando-se desta como suporte primeiro, ou seja, a
partir dela e com ela desenvolvendo a pesquisa, aquilo que se pretende investigar toma
outros nortes, por certo mais visíveis (daí a singularidade do processo de pesquisa
através da produção audiovisual) e comprobatórios. Logo, a problemática que se
instaura a partir desta observação nos leva a algumas indagações: quais as implicâncias
da visão de Karol para a festa de Nossa senhora da Conceição no Terreiro Fé em Deus?
De que forma essa problemática é mostrada no Documentário? Quais as premissas
utilizadas no processo de edição da obra para eleger este ou aquele momento dentro da
complexa organização da festa para que seja mostrada ao expectador?

Temos então que, a visão de Karol, a festa de Conceição no Terreiro Fé em


Deus, de Mãe Elzita, através do Documentário “Iemanjá Pela Última Vez”, sua
produção, os mecanismos que envolvem esta produção até o produto artístico final – o
Documentário em si – tornam-se tanto a problemática quanto o objeto fundamental na
pesquisa. Logo, a pesquisa se debruçará sobre a própria obra em questão, qual tenha
sido sua produção/realização. Não estará circunscrita, contudo, apenas à análise daquilo
que é exposto, uma vez que a obra se dá também enquanto é produzida, ou seja, as
relações que são estabelecidas quando da produção da obra afetam diretamente nela.
Sendo assim, a obra finalizada (o que pode ser visto) quanto o seu entorno (o que não
pode ser visto) serão trabalhados concomitantemente.

OBJETIVOS

GERAL

Estabelecer estudo acerca do documentário “Iemanjá Pela Última Vez”


associado à festa de Nossa Senhora da Conceição no Terreiro de Mãe Elzita,
identificando as relações que se estabelecem no universo do filme e seu entorno e
destacando a importância da visão de Karol para a introdução de Iemanjá no contexto da
festa

1
Filme disponível em: https://youtu.be/qGkxQBUqmaM
ESPECÍFICOS

Destacar a importância da visão de Karol na festa como deflagradora da


inserção de um novo elemento agregador de sentido à festa;

Observar, a partir da obra em análise, limites éticos e estéticos acerca daquilo


que é ou não mostrado dentro do lugar sagrado, ou seja, dentro do Terreiro;

Utilizar e estabelecer a linguagem audiovisual como ferramenta de produção de


conhecimento acerca da festa de Conceição do Terreiro Fé em Deus;

JUSTIFICATIVA

Tomando como ponto de partida o Documentário “Iemanjá Pela Última Vez”, a


análise fílmica que se pretende estabelecer toma o uso da imagem, especificamente a
linguagem audiovisual, enquanto ferramenta de análise e produção de conhecimento.
Trata-se, então, de “trazer uma discussão sobre o estabelecimento de relações
efetivamente construídas ou possíveis entre a elaboração do conhecimento
antropológico e o universo da imagem” (BARBOSA, 2006, pg. 08).

A partir disto, uma análise da obra em questão, que venha inseri-la nas
discussões acerca da produção audiovisual é fundamental, na medida em que esta faz
uso daquela linguagem como suporte primeiro da pesquisa. Neste sentido, a obra é
tomada como objeto de reflexão e análise, como ponto de partida para uma reflexão
conjunta sobre determinados contextos e situações (BARBOSA, CUNHA, 2006, pg.
50).

Temos então esta pesquisa concatenada aquilo que promove este programa de
pós-graduação, ou seja, a pesquisa a partir da discussão da centralidade da
cultura audiovisual e com o entendimento de que o cinema e o audiovisual são
matrizes para a construção de experiências comunicativas, produção de
conhecimento e de sentido.

Aprofundando uma trajetória pessoal e, ainda, dando continuidade a estudos


anteriores da cultura popular sob a mesma ótica, ou seja, a análise fílmica 2, a
2
Mencionamos aqui a Monografia “Cinema Super 8: Articulações Sobre Som e Imagem no Filme ‘A
Festa de Santa Teresa’”, apresentada ao curso de Educação Artística, no segundo semestre de 2010. O
filme em questão aborda a Festa de Santa Teresa, realizada em Itamatatiua – Alcântara - , acompanhando
os diversos momentos da festa. Por sua vez, o trabalho em questão faz a análise do som, articulado à
imagem, abordando o filme enquanto produção inserida no movimento super-oitista, traçando também
importância do tema se faz mais presente na medida em que toma-se como ponto de
partida uma obra para que as observações sejam traçadas. Enquanto tal, verifica-se que
o documentário “Iemanjá Pela Última Vez ” aborda a festa de Conceição 3 sob o prisma
da visão de Karol, onde nesta visão , a menina é levada ao mar por Iemanjá e lá é
coroada.

Assim sendo, é importante verificar quais as estratégias aplicadas para entender


a visão da menina e a própria festa dentro do seu próprio complexo de realização,
observando em que medida as relações que se estabelece desta com outras atividades do
Terreiro são mais ou menos importantes para a concretude das mesmas.

Faz-se necessário, também, um estudo das estratégias fílmicas utilizadas para


acompanhar e compreender os momentos apresentados ao expectador através da obra. O
processo pelo qual as imagens são dadas a quem assiste vão requerer uma análise mais
minuciosa no que diz respeito à integração daquele que filma com o ambiente da
filmagem.

Logo, o desenvolvimento desta pesquisa nos leva à utilização de autores que


versem a respeito da análise fílmica, da utilização do filme enquanto ferramenta de
produção de conhecimento antropológico e artístico, da produção do documentário
enquanto peça que traduz, a seu modo, um aspecto da realidade que busca mostrar, além
de referências que trabalhem o filme enquanto próprio objeto de estudo.

Com isto, acreditamos que a pesquisa se faz pertinente à linha de pesquisa a qual
pretende se vincular (L1), uma vez que esta, partindo do campo da estética, dos aspectos
plásticos e pictóricos da imagem fílmica, propondo reflexões sobre interfaces com
outras áreas do campo artístico e cultural, tem em seu arcabouço premissas que trarão
contribuições significativas tanto no que diz respeito às discussões sobre a produção
audiovisual, seu modus operandi, quanto da análise fílmica em si, contribuindo para a
construção do conhecimento antropológico associado à produção audiovisual.

aspectos do filme etnográfico na obra, realizada pelo cineasta Murilo Santos, em 1977. Ainda o trabalho
de conclusão de curso “Filme Etnográfico: A Construção do Filme ‘Quem Toma Conta Dá Conta’”,
apresentado em 2017 à Universidade Cândido Mendes como pré-requisito para obtenção do título de
Especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual, trabalho este que retoma uma produção longa-
metragem de cunho etnográfico de minha autoria, fazendo abordagens acerca de todo o processo de
construção do filme, este realizado entre 2003 e 2011.
3
Como assim é chamada intimamente a festa de Nossa Senhora da Conceição pelos filhos e filhas do
Terreiro.
REFERENCIAL TEÓRICO

Pensar a produção audiovisual enquanto linguagem própria de construção de


conhecimento antropológico é coadunar com as ideias de BARBOSA e CUNHA (2006,
pg. 53), na medida em que

[...] as linguagens audiovisuais definem formas específicas de apreensão do


mundo e proporcionam estilos cognitivos e modos de compreensão e
interpretação próprios. Elas oferecem alternativas para a construção de
modos de ver, elaborar e construir o conhecimento (BARBOSA e CUNHA,
2006, pg. 53).

É a partir desta forma de pensamento que desenvolve-se a prática do filme


etnográfico, qual seja aquele que

abarca uma grande variedade de utilização da imagem animada aplicada ao


estudo do Homem na sua dimensão social e cultural. Inclui frequentemente
desde documentos improvisados (esboços, ensaios fílmicos) até produtos de
investigação acabados e de construção muito elaborada. Os métodos do
cinema etnográfico são muito variados e associados a tradições teóricas
diferenciadas como a meios e procedimentos utilizados. Assentam no entanto
em alguns princípios fundamentais: uma longa inserção no terreno ou meio
estudado frequentemente participante ou participada, uma atitude não
directiva fundada na confiança recíproca valorizando as falas das pessoas
envolvidas na pesquisa, uma preocupação descritiva baseada na observação e
escuta aprofundadas independentemente da explicação das funções,
estruturas, valores e significados do que descrevem, utilização privilegiada da
música e sonoridades locais na composição da banda sonora (RIBEIRO, José
da Silva. Filme Etnográfico e Antropologia Visual. Doc On-line, n.03,
Dezembro 2007. Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/index03.html. Acesso
em 05/05/2018).

Analisando, com isto, o percurso da produção de conhecimento antropológico


através da produção audiovisual - quer seja de antropólogo, quer seja de realizadores
não ligados à antropologia – como Jean Rouch (Eu Um Negro, Os Deuses Loucos),
major Luiz Thomas Reiz (Rituais e Festas Bororo, Ao Redor do Brasil) além de todos os
filmes realizados pela Missão Folclórica de 1938, com Mário de Andrade4, temos que os
filmes aprofundam a compreensão de expressões estéticas e artísticas, uma vez que
estes promovem

[...] matrizes gerativas de uma outra maneira de pensar novos e velhos


campos da antropologia e se mostram particularmente eficazes para
compreender em novas direções o imaginário humano, individual e coletivo
(BARBOSA e CUNHA, 2006, pg. 53).

Logo, verifica-se que o uso da linguagem audiovisual na produção de


conhecimento abre toda uma gama de possibilidades no que tange ao olhar, tanto
4
Dentre as localidades onde a Missão esteve, temos o Maranhão. Aqui, foram realizadas filmagens de, ao
menos, um Tambor de Crioula e um Tambor de Mina. Um exemplar desse material pode ser visto, ainda
com uma qualidade muito precária, em http://www.youtube.com/watch?v=JEQ0NzpvIpE&hd=1
daquele que assiste quanto daquele que utiliza-se do suporte. Com isto, o quê dizer,
então, em uma fase posterior à utilização prática, in loco, da linguagem, ou seja, o que
dizer do filme pronto? Sem dúvida, as considerações de FRANCE (2000, pg. 18) são
esclarecedoras:

Com efeito, o estudo do homem pelo filme significa não somente o estudo do
homem filmável – suscetível de ser filmado -, mas, igualmente, o homem
filmado, tal como ele aparece colocado em cena pelo filme. Ora, aquilo que
aparece na imagem não é exatamente igual àquilo que é apreendido pela
observação direta. O homem filmado, descrito pelo encadeamento de pontos,
de vista planos, sequencias fílmicas, deve ser de alguma maneira decriptado à
luz do que se conhece sobre as leis e opções de mise en scène propriamente
fílmica, mesmo documentária (FRANCE, 2000, pg. 18).

Ora, é concatenado a esta especificidade no que tange o estudo do homem


filmado que fazem-se também necessários os apontamentos de FREIRE (2000, apud
FRANCE, pg III), quando este reflete acerca daquele que analisa o que foi filmado

Se está claro que o estudo desse “home filmável”, ou seja, de qualquer ser
humano, pertence à esfera da antropologia, não seria algo arriscado dizer o
mesmo do “homem filmado”? Sim, porque este último já não é um ser
humano qualquer; sua aparência, sua voz, seus movimentos, foram
aprisionados em uma película fotossensível enquanto eram moldados,
esculpidos pela linguagem cinematográfica. Portanto, estudar este homem
não é o mesmo que estudar o homem “real”. Os instrumentos que servem
para aproximar o primeiro não são os mesmos que servem para abordar o
segundo (FREIRE, 2000, apud FRANCE, 2000, pg III).

Seriam então os eixos norteadores que embasam tanto a pesquisa do filme


etnográfico, quanto sua produção, aqueles enunciados por FRANCE (2000, pg. 20), na
medida em que este último

[...] obedece a um conjunto específico de exigências epistemológicas que


justificam uma contextualização particular das leis de mise em scène, assim
como dos princípios metodológicos. Dentre essas exigências, figura
notadamente o conhecimento do real, quaisquer que sejam os destinatários do
filme, a ideologia veiculada, a preocupação em agradar. Iria mais longe.
Além de sua exigência fundamental de realismo, o filme etnográfico está
sempre submetido a restrições circunstanciais as mais diversas e que lhe são
próprias: restrições tecnológicas dos instrumentos, aspirações ideológicas por
parte do destinatário, proibições advindas das pessoas filmadas, etc
(FRANCE, 2000, pg. 20).

Naquilo que tange a produção de sentido, ou seja, questões que dizem respeito à
edição do material filmado, encadeando as situações e momentos de forma a que este
ganhe unidade e sentido levando assim à análise, é importante que se tenha em vista
aquilo que OMORI (2009, pg. 290) comenta como sendo a produção da realidade

Como sabemos, registros de acontecimentos ou filmes documentários para


fins de pesquisa, mesmo sendo elaborados cuidadosamente para que não
sejam introduzidas grandes distorções, notadamente na fase de montagem,
não são iguais à realidade (OMORI, 2009, pg. 290).

Sabe-se que enquanto obra, o filme passa pelo processo de decupagem das
imagens que farão parte do conjunto. Sendo assim, questões como as que foram
levantadas acima são pertinentes na medida em que corroboram e endossam as reflexões
já colocadas anteriormente, ou seja, o homem filmado jamais pode ser encarado como o
homem real. Neste sentido, a análise fílmica deve levar esta tônica em consideração, na
medida em que trata-se de fazer uma reconstrução para perceber de que modo esses
elementos foram associados num determinado filme (PENAFRIA 2009, pg. 02).

É pertinente, então, que se tenha esses pressupostos no que tange a análise


fílmica, uma vez que esta acontece a partir daquilo que se dá, ou seja, o homem filmado.
A respeito disto, OMORI (2009, pg. 290) percebe a falta de profundidade por vezes
posta em prática nas análises, chamando a atenção no sentido de que

Muitos pesquisadores, entretanto, só enxergam o que está na descrição


concreta das imagens dos filmes, que eles consideram destituídas de qualquer
abstração. Em outras palavras, quando não se satisfazem com o número de
conceitos abstratos colhidos durante uma pesquisa, os pesquisadores tendem
a abandona-la (OMORI, 2009, pg. 290).

É no tocante a estas observações que tanto aquilo que é mostrado quanto aquilo
que não é mostrado fazem parte da análise fílmica. E mais: associado à análise,
estabelecendo uma relação indissociável com esta, temos o próprio pesquisador que
seleciona já no momento da filmagem aquilo que posteriormente poderá ser utilizado na
construção da obra. Logo, apesar de não estar aparente

[...] a expressão pessoal do cineasta transparece no entanto nas imagens que


propõe. O pesquisador-cineasta se expõe em sua maneira de observar, de
filmar, na escolha de seus temas, na forma de coloca-los em cena. É assim,
que encontramos em qualquer filme antropológico aspectos que dizem
respeito à personalidade do cineasta, bem como a seu estilo próprio
(COMOLLI, 2009, pg. 35).

Aqui surge, então, aquilo que seria definido como sendo o cerne da análise e
desenvolvimento da pesquisa que ora se apresenta, ou seja, o homem tal como ele é
apreendido pelo filme, na unidade e na diversidade das maneiras como coloca em cena
suas ações, seus pensamentos e seu meio ambiente (FRANCE, 2000, pg. 17).

ABORDAGEM METODOLÓGICA

O trabalho PRETENDE COMPREENDER AS RELAÇÕES


ESTABELECIDAS NA FESTA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO A PARTIR
DA OBRA “IEMANJÁ PELA ÚLTIMA VEZ”, compreende a análise fílmica da
MESMA, pautada em um referencial teórico que abarque as questões concernentes ao
filme etnográfico E ÀS QUESTÕES ANTROPOLÓGICAS.

Abordar a obra em questão significa abordar também seu entorno, ou seja,


como se deu seu processo de construção; que motivos foram deflagradores para que ela
se objetivasse enquanto obra. PENAFRIA (2009, pg. 01) refletindo acerca disso, aponta
que, naquilo que tange à análise fílmica, esta à primeira vista aparenta ser uma atividade
banal que pode ser praticada por qualquer espectador sem que o mesmo se veja
obrigado a seguir um determinado enfoque ou uma determinada metodologia. No
entanto, analisar um filme é sinônimo de decompor esse filme (idem.). Assim sendo,

Analisar implica em duas etapas importantes: em primeiro lugar decompor,


ou seja, descrever e, em seguida, estabelecer e compreender as relações entre
esses elementos decompostos, ou seja, interpretar. A decomposição recorre,
pois, a conceitos relativos à imagem (fazer uma descrição plástica dos planos
no que diz respeito ao enquadramento, composição, ângulo, ...), ao som (por
exemplo off e in) e à estrutura do filme (planos, cenas, sequências). O
objetivo da análise é, então, o de explicar/esclarecer o funcionamento de um
determinado filme e propor-lhe uma interpretação (PENAFRIA, Manuela.
Análise de Filmes – Conceitos e Metodologia (s). VI Congresso SOPCOM,
2009, pg. 01).

Levando isto em conta, concluímos que os procedimentos que devem ser


adotados quando da análise da obra, devem estar em diálogo com aquilo que se
apresenta, ou seja, com aquilo que é visto. Contudo, como afirmamos, o entorno, as
estratégias que foram utilizadas no sentido de construir o filme, também vão de
encontro a este, influenciando sua composição. A esse respeito, SOUSA apud FRANCE
(1999), observa que

a auto-mise-en-scène integra qualquer produção documentária. Ela surge a


partir do momento em que processos ou pessoas se apresentam por si
mesmos ao cineasta, revelando uma maneira particular de lidar com o
registro, assumindo diversas materializações. Como forma de inserção no
tempo e no espaço, e acima de tudo, da relação entre documentarista e aquele
que é filmado, a auto-mise-en-scène é capaz de enfrentar com mais
vivacidade e mais fortemente as contradições subjetivas e coletivas
configurando-se, assim, como fato social, uma vez que durante o processo de
confecção de um documentário não é apenas o olhar do cineasta que orienta a
construção de sentidos, mas o olhar cruzado do mundo, das pessoas, dos
objetos, dos espectadores (SOUSA apud FRANCE, 1999, pgs. 284, 285)

Logo, é salutar perceber que estes componentes, a mise en scène e a auto


mise en scène5 também devem ser variantes presentes na análise. A partir disto, uma
5
Temos que mise en scène seja “o conjunto de leis em virtude das quais se define o que a imagem
animada deixa necessariamente ver a qualquer espectador, e mais particularmente ao espectador
antropólogo (FRANCE, 1998, pg. 20) e auto mise en scène como “noção essencial em cinematografia
reflexão acerca desses fatores vem a contribuir metodologicamente para entender o
modus operandi levado em conta quando da produção da obra.

MARTIN (pgs. 213, 214), por sua vez, nos fornece elementos importantes
para análise fílmica proposta, uma vez que este menciona o tempo em uma perspectiva
distinta. Neste aspecto, é importante mencionar que

O cinema (ou melhor: a decupagem-montagem) introduz uma tripla noção de


tempo: o tempo da projeção (a duração do filme), o tempo da ação (a duração
diegética da história contada) e o tempo da percepção (a impressão de
duração intuitivamente sentida pelo espectador eminentemente arbitrária e
subjetiva, da mesma forma que sua eventual consequência negativa, a noção
de tédio, sentimento resultante de uma impressão de duração insuportável)
(MARTIN, 2003, pgs. 213, 214).

A partir destas observações e, tangenciando toda a obra, temos as questões


referentes à narrativa. COELHO apud BORDWELL (2011, pg. 02) comenta que a
narrativa se caracteriza como “uma cadeia de eventos que ocorrem no tempo e no
espaço segundo uma relação de causa-efeito”. É inegável que, enquanto obra
audiovisual, “IEMANJÁ PELA ÚLTIMA VEZ” possui de forma inerente e
indissociável este fator. É ainda indiscutível que, também este, está correlacionado com
os demais fatores acima citados – edição, tempo, temática, etc. Logo, a investigação
acerca das prerrogativas escolhidas para construir a narrativa da obra fazem-se
importantes na medida em que é a partir dela que o conjunto torna-se inteligível, ou
seja, a partir da articulação desta cadeia de eventos que a obra em seu todo ganho
sentido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Andréa, CUNHA, Edgar Teodoro. Antropologia e Imagem. Rio de


Janeiro, Jorge Zahar ed,. 2006, (Passo-a-passo; 68).

BOGÉA, Denis Carlos Rodrigues. Cinema Super 8: Articulações Sobre Som e


Imagem no Filme “A Festa de Santa Teresa”. São Luís, UFMA, 2010
MONOGRAFIA.

documental, que designa as diversas maneiras por meio das quais o processo observado se apresenta ele
mesmo ao cineasta no espaço e no tempo. A auto-mise en scène é inerente a qualquer processo observado
(ibidem, pgs. 405, 406).
_____________________________. Filme Etnográfico: A Construção do Filme
“Quem Toma Conta Dá Conta”. Rio de Janeiro, UCAM, 2017, TCC.

COMOLLI, Annie. Elementos de Método em Antropologia Fílmica. In FREIRE,


Marcius, LOURDOU, Philippe (orgs.). Descrever o Visível: Cinema Documentário e
Antropologia Fílmica. São Paulo, Estação Liberdade, 2009.

FRANCE, Claudine de (org). Do Filme Etnográfico à Antropologia Fílmica .


Campinas, São Paulo, Editora da UNICAMP, 2000.

FRANCE, Claudine de. Cinema e Antropologia. Campinas, São Paulo, Editora da


Unicamp, 1998.
___________________ apud SOUSA, Gustavo. Uma Jornada Para o Espectador:
Crer, Não Crer, Crer Apesar de Tudo. Revista do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo, São Paulo, nº 2, v. 2, 2009,
pgs. 282-287, primeiro semestre de 2009.

OMORI, Yasuhiro. Estudo da Antropologia Através da Imagem. In FREIRE, Marcius,


LOURDOU, Philippe (orgs.). Descrever o Visível: Cinema Documentário e
Antropologia Fílmica. São Paulo, Estação Liberdade, 2009.

MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. São Paulo, Brasiliense, 2003.

PENAFRIA, Manuela. Análise de Filmes – Conceitos e Metodologia (s). In: VI


Congresso SOPCOM, 2009, Lisboa, pgs 1-10.

RIBEIRO, José da Silva. Filme Etnográfico e Antropologia Visual. Doc On-line, n.03,
Dezembro 2007. Disponível em: http://www.doc.ubi.pt/index03.html. Acesso em
05/05/2018

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