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DANIEL BELL O ADVENTO DA SOCIEDADE POS-INDUSTRIAL * uma tentativa de previsao social Tradugdo de Hexoysa ve Lima Dantas EDITORA CULTRIX sO PAULO @ ADVENTO DA SOCIEDADE POS-INDUSTRIAL Daniel Bell A expresséo “sociedade pés-industrial” foi cunhada por Daniel Bell, professor de Sociologia da Universidade de Harvard, para designar as novas_estruturas que se desenvol- vem. no interior das sociedades modernas da segunda metede | do século XX. Tal expressao logo se incorporou a linguagem* do pensamento social ¢ neste livro realmente notdvel o Prof. Bell documenta 0 conceito por ela designado, explicandgshe- todo o alcance, Identifica ele, primeiramente, as duradouras € significativas modificagées que estao ocorrendo na economia, na estrutura de classes e nas instituicées politicas da socie-- dade industrial de hoje, para ressaltar, como sua caracteristic mais marcante, 0 nove principio de “codificagda do conheci- mento tedrico”, responsdvel pela nova “sociedade do conhe: mento” que ‘ora emerge do antigo capitalismo das grandes ~ corporacées. A luz desse principio, chama ele a atengéo do leitor para os novos e complicados padrées dé compromisso e de conflita entre os tecnotratas, a elite administrativa, os militares, os politicos ¢ os lideres operdrios, que caracterizam a sociedade mutdvel. Ao propor aqui uma nova e ampla teoria do desenvolvimento social, o Prof. Daniel Bell mostra que podemos fazer previsdes significativas acercado futuro ga sociedade moderna desde que, superando as concepgdes ina- “dequadas ainda um curso de “mudanca social” ¢ “planejamento social”, cuidemos de compreender. plenamente a situagao atual dessa sociedade e das tendéncias que nela se-manifestam. EDITORA CULTRIX SUMARIO Prejécio Introdugio 1 = Da Sociedade Industrial 4 Pés-Industrial: Teorias Sobre o Desenvol- vimento 2 2 — Dos Bens aos Servigas: A Transformagio da Forma da Economia 3 — As Dimensdcs do Conhecimento ¢ da Tecnologia: A Nova Estrutura de Classes da Sociedade 4 — A Subordinagio da Sociedade Anénima: A Tensio Entre os Modelos da Economia e os da Sociologia 3 — A Escolha e 0 Planejamento Social: A Adequacdo de Nossos Conceitos ‘¢ Instrumentos 6 — “Quem Governari?” iticos e Tecnocratas na Sociedade Pés Industrial Apéndice ‘Como se Modificam 03 Sistemas Sociais © Futuro da Ciéncia Meritocracia ¢ Igualdade ‘© Fim da Escassez? ‘Cultura ¢ Consciéncia 15 8 143 191 336, an 415 gs 526 pés-Meiji, ou mesmo na Inglaterra de hoje). Ou a familia, outrora a instituigéo social primordial, combinando as fung6es econdmicas, re- ereativas, de beneficéncia e outras, se fracionava, o que resultava numa separagio entre a familia e o sistema ocupacional, de modo que as terras da familia, os negécios da familia ou © comércio da familia comegaram a erodir-se. Na sociedade industrial contemporanea, foram as instituiges eco- némicas que apresentaram a forma mais acentuada de diferenciagao interna. Quando firmas e comunidades que eram essencialmente seme- lhantes comecaram a se defrontar, surgiu a competigio e uma “exa- cerbada luta pela existéncia’. No passado, essa competicao levava fre- qiientgmente — na verdade era a causa principal — a guerras entre comunidades, Na sociedade contempordnea, gracas as _possibilidades de desenvolvimento econémico através da produtividade, mais do que através da exploragao ou da pilhagem, essa competicao tem levado a uma divisio do trabalho e a relacionamentos interdependentes. A fim de enfrentar a competicao, ou para evitar ser dominado por ela, as unidades sociais passaram a se especializar (regiées, cidades, firmas) a fim de estreitar o Ambito de suas atividades e de se completarem umas &s outras. Tal come, por exemplo, © complexe pracesso do fornecimento de bens a mercados cada vez maiores forgou a divisio do coméreio em componentes de atacado ¢ varejo, assim processos similares de diferenciacgao atuavam na especializacio dos empregos que acompanhava o desenvolvimento da Economia, ¢ das firmas, como um todo. Assim como se observava uma difereneiagio entre a proprie- dade e a geréncia, também se verificou uma diferenciagao nas tarefas da administracao, de modo que a produgao, as finangas, as compras e vendas, as pesquisas, © pessoal, e assim por diante, tornaram-se ‘objeto de novas vacagées profissionalizadas. ‘Mas 0 que havia sido uma caracteristica to acentuada ¢ to uni- versal da vida econémica comesa agora a surgir nas estruturas, outrora simples, da vida educacional e intelectual. O desenvolvimento de uma universidade, que passa de 5000 para 50000 alunos, néo constitui, evidentemente, apenas um aumento linear de tamanho, mas sim uma ¢levagao igualmente macica em sua estrutura. Onde, no passado (6 que ainda acontece até certo ponto em algumas faculdades de Oxford e Cambridge), se podia encontrar a parte correspondente aos investimentos econdmicos, 4 administragdo, is admissées e a0 ensino nas maos de um corpo académico, encontrase atualmente a complexa hierarquia de funcionarios de uma empresa, administradores, reitores, diretores de institutes, encarregados de admissées, ¢ profes- 5. Para uma anilise do conceito de “difetenciagio estrutural”, consultar ‘Talcott Parsons, “Some Reflections on the Institucional Framework of Economic Development”, in Structure and Process in Modern Societies (Glencoe, Ill., 1960), pp. 98-152. 198 sores, coexistindo ¢ se inter-relacionando numa burocracia nova ¢ chei de dificuldades. No interior das instituicdes cient{ficas ¢ das acade de pesquisas, observam-se os mesmos processos de diferenciagio — e de tensdo. Se existe alguma coisa que, neste sentido, distingue a segunda da primeira metade do século vinte, pode-se dizer que ¢ 0 aumento da espécializacgao das fungdes, do campo cconémico ao inte- lectual. Esses dois conceitos — 0 ritmo da mudanga e a mudanga de escala — sao as idéias em torno das quais deve girar a discussao dos com- ponentes centrais e estruturais da sociedade pésindustrial, as mensées do conhecimento e da tecnologia. AS DIMENSOES DO CONHECIMENTO DEPINIGHO DO CONHECIMENTO Como fixar uma data para uma mudanga social? Quando se pode identificar o inicio de um trauma? Com relacdo ao carater doaBenhe- cimento, cu o situaria arbitrariamente no ano de 1788. © trauma: a incapacidade de dominar todo o conhecimento relevante de que se necessita. Como revela a Nota que serve de prefacio & 11. edigdo da Encyclopaedia Britannica: “As primeiras edigdes da Encyclopaedia Britannica (1745-1785)... como as suas predecessoras.., haviam sido preparadas por um ou dois individuos, que ainda eram capazes de abranger todo o conhecimento humane compreendido em seu rame. Foi com a Terceita Edicéo (1788) que se adotou pela primeira vez 9 plano de se valer da ciéncia de especialistas.” Sabemos assim quando se fragmentou a unidade do conhecimento. Observese que o preparo da edigdo de 1967 envolveu 10000 “reputados especialistas”. © que quer dizer ‘conhecimento’? A palavra encyclo-paedia signi- fica c{rculo completo, e o campo desta definicso pode incluir tudo que & conhecido (registrado ou formulado). Atendendo aos propé- sitos deste capitulo, definirei o conhecimenta como sendo um conjunto de formulagées organizadas de fatos ou idéias, apresentando uma opinido refletida ou algum resuliado experimental, transmitidas a outras pessoas através de algum meio de comunicagio e sob uma forma sistemdtica. Estabeleco assim uma distingéo entre conheci- mento ¢ informagées ou distragdes. O conhecimento consiste em novas opinides (produtos da pesquisa ¢ da escolarizagia) ou em novas apresentag6es de opinides mais antigas (manuais e ensino). Esta definigiio ¢ mais ampla que certas tentativas filoséficas con- sagradas. Distinguia ac Max Scheler trés classes de conhecimento: Herrschaftswissen, Bildungswissen e Erlisungswissen, ou conheci- mento visando & aco e ao controle, conhecimento visando & cultura ndomaterial e conhecimento visando & salvage (segundo a tradugio 199 de Fritz Machlup; conhecimento instrumental, conhecimento intelectual € conhecimento espiritual). Mas a minha definicio € mais estreita que a classificagéo com- preensiva do préprio Machlup, 0 qual susienta em The Production and Distribution of Knowtedge in the United States que “uma inter- Pretacdo objetiva relativa ao que € conhecido serd menos satisfatéria que uma interpretagao subjetiva relacionada com o significado que a pessoa detentora do conhecimento atribui ao que é conhecido, quem sabe, por que e para qué": Utilizando entdo “o si ificado subjetivo do conhecide para o conhecedor como critério", Machlup distingue cinco tipos de conhecimento: - 1. Conhecimento. pritico: itil para o trabalho do individuo, para suas decisdes © apdes; pode ser subdividido, segunda suas atividades, em; (a) Conhecimente profissional; (b) Conhecimento empresarial; (c) Conhecimento do operirio; (a) Conhecimento doméstico; (d) Canhe- cimente do polftico; (f) Outtos tipos de conhecimento pritico, 2. Conhecimento intelectual: que satisfax 4 curiosidade intelectual do homem, considerado como. parte iucacio liberal, do saber huma- istico ¢ cientifico, da cultura geval; adquirida via de tegra na con- eentragio ativa com uma apreciagio da existéncia de problemas abertos e de valores culturais. 3. Conhecimento de paisatempo e de conversas sem conseqiiéncia: satis« fazendo 4 curiosidade nio-intelectual ou ao desejo de um entrete. nimento leve ¢ de estimulagio emocional, inclui as tagarelices locas, as noticias de crimes e acidentes, os romances leves, as estbrias, Piadas, jogos, etc.; adquirido, via de regra, durante o relaxamento passive depois de atividades “sérias”; capaz de amortecer 2 sensibi- lidade. 4. Conhecimento espiritual: relacionado com o conhecimento religioso ue # pessoa posts ter de Deus ¢ das maneinas de salvar a propria 3. Conhecimento involuncirio: exterior aos interesses da pessoa, adqui- Fido acidentalmente, retido sem nenhum objetivo. 7 Robert Lane, que apresentou a concepeo de uma “sociedade do conhecimento”, busca estabelecer um fundamento epistemolégico para @ mesma. Tal como Machlup, Lane inclui tanto @ “conhecido”, como © “estado de conhecer", mas também procura salientar a autocons- ciéncia aumentada com relagio & sociedade, proporcionada por esse conhecimento, Escreve Lane: Como primeira abordagem de uma definigéo, sociedade instrulda & aquela cujos membros, mais que os de outras sociedades: (a) investigam as bases de suas conviegSes a respeito do homem, da natureza ¢ da socie- dade; (b) sio orientados (talvez inconscientemente) por padrées objetivos 6. Fritz Machlup, The Production and Distribution of Knowledge in the United States (Princeton, N. J., 1962), p. 21. 7. [bid., pp. 21-22. 200 fielmente verfdicos ¢, nos niveis de educacio superior, abedecem a regras cientifices de evidéncia e inferéncia na pesquisa; (c) consagram verbas iderdveis a essa pesquisa, acumulando assim amples conhecimentos; (d) coletam, organizam € interptetam os seus conhecimentos, num cons- tante empenho para extrair dos mesmos algum significado para propésitos imediatos; (e) usm esses conhecimentos para esclarecer (€ talver miodi- ficar) seus valores © metas, tanto quanto para lhes dar prosseguimenta, Assim como a sociedade democnitica fundamentase nas relagdes governa- mentais ¢ interpessoais, ¢ a “sociedade da sbundincia” se fundamenta na Economia, também a sociedade instruida vai deitar rafzes na epistemologia € na légica da pesquisa. 8 Definigdes desta ordem nfo podem ser qualificadas de certas nem de erradas; séo antes delimitagdes para o uso. Uma tentativa de lidar com a mudanga generalizada das estruturas sociais deveria levar em conta as definigdes desse género. Entretanto, para fins de uma politica social — a necessidade de determinar a atribuicio dos recursos da sociedade para algum propésito especifico de utilidade social — eu proporia uma definigdo restrita: Conhecimento é tudo o que chega a ser objetivamente conhecido, uma propriedade intelectual, asgyciada a um nome ou grupo de nomes, e garantida por copyright ou por alguma outra forma de reconhecimento social (publicagao, por ex.). Paga-se por este conhecimento — com o tempo consagrado a escrever ; com a compensagao monetdria atribuida & comunicagdo e aos meios educacionais. Ele fica sujeito ao julgamento proferido pelo mercado, pelas decisées administrativas ou politicas de instancias superiores ou equivalentes, que aquilatam o valor dos resultados, e as exigéncias que deles adviraéo quanto aos recursos da socicdade, sempre que surjam exigéncias deste tipo, Neste sentide, 0 conheci- mento faz parte do investimento que a sociedade faz em suas despesas gerais; trata-se de uma formulagio cocrenic, apresentada num livro, num artigo ou mesmo num programa de computador, redigida ou gravada num lugar qualquer para ser transmitida ¢ sujeita a alguma avaliagdo aproximada. € inutil dizer que essa defini¢ao utilitarista deixa de lado as relevantes questdes de uma “sociologia do conheck mento": a colocacao social das idéias, suas interconexdes, suas relagdes com alguma fundamentacdo estrutural, e outras do mesmo tipo. Toda avaliagio do cardter especifico de sctores particulares do conheci mento deveria, evidentemente, levantar esses problemas, que, entre- tante, continuam fora dos meus intuitos atuais. * 8. Robert E. Lane, “The Decline of Politics and Ideology in a Know- ledgeable Society” American Sociological Review, vol. 21, n? 5, (outubro de 1966), p. 650. 9. Quanto a um paradigma geral que apresente os tipos de questées a que teria de fornecer respostas uma Sociologia do conhecimento, consultar Robert K, Merton, ‘The Sociology of Knowledge”, in Social Theory and Social Structure, ‘ed. rev. (Gleneoe, TIL, 1957), esp. pp. 460-461. 201 A MEDIDA DO CONHECIMENTO Padrées de desenvolvimenio. Habituamo-nos, nestes ultimos anos, 4 afirmagio de que a “quantidade” de conhecimento vem crescendo segundo uma taxa exponencial. A primeira avaliagio aproximativa — & primeira adverténcia referente ao desenvolvimento do conheci- mento, prestes se transformar num problema de armazenamento ¢ de recuperagao — ocorreu em 1944, quando Fremont Rider, bibliote- cério da Wesleyan University, calculou que as bibliotecas de pesquisa americanas estavam, em média, dobrando de tamanho de dezesseis em dezesseis anos, Analisando os casos de dez faculdades representa- tivas, Rider demonstrou que entre 1831 (quando a biblioteca de cada faculdade possuia em média cerca de 7000 volumes), ¢ 1938, scus com tetidos haviam dobrado a cada vinte e dois anos; examinando os dados de crescimento comparativos das maiores universidades americanas a partir de 1831, 0 ritmo da duplicacdo passava para dezesseis anos, aproximadamente. 1° Rider tomou Yale como exemplo do que seria no futuro esse problema: Ao que parece, durante a primeira parte do século XVIII, a biblioteca de Yale possula, aproximadamente, cerca de 1000 volumes. Se, a partir desse_ntimero inicial, ela @ tivesse dobrado a cada dezesseis anos, teria atingido em 1938 cerca de 2600000 volumes. Na realidade, em 1938 essa biblioteca possula 2748000 volumes, isto é, uma correspondéncia espan- tosameate vizinha do {ndice‘padrio" de crescimento... Bastam ‘uns poucos minutas de computacio para descobrir que, em 1849, a biblioteca da Universidade de Yale ocupava prateleiras que se estendiam por 114 milha © que scu fichério — se é que tinha entio um fichdrio — teria ccupado aproximadamente 160 gavetas para fichas, Em 1938, seus 2748000 volumes ocupavam talvez oitenta milhas de prateleiras ¢ seus fichdtios, de todos os tipos, em todas as situagdes, deve ter Sosede um total de cerca de dez mil gavetas. Para o seu atendimento, esta biblio- teca exigia em 1938 um pessoal composto de mais de duzentos empre- gedes, metade dos quais, provavelmente, eram catalogadores. 11 Rider se pés a especular — de maneira bastante extravagante, segundo pareceu na ocasiio — o que aconteceria se a biblioteca de Yale continuasse a crescer “seguindo um ritmo ndo mais acelerado que os mais conservadores” que tém presidido ao aumento do con teudo das bibliotecas. Calculou ele que, em 2040, a biblioteca de Yale conteria aproximadamente 200000000 de volumes, que ocupariam mais de 6000 milhas de prateleiras. O arquivo de suas fichas — se € que ainda teria fichirios nessa época — consistiria em quase trés quartos de milhio de 10, Fremont Rider, The Scholar axd the Future of the Research Library (Nova Torque, 1944). 11, Tbid., pp. 11-12, 202 gavetas, que ocupariam por sux vez nada menos que uma superficie de oito acres. Chegariam novoi materiais a uma ruziio de 12000000 de volumes por sno; ¢ a catalogacio dos mesmor exigitin um pessoal composto de mais de seis mil empregados. 12 As descobertas de Rider com relag’o ao crescimento das biblio- tecas americanas de pesquisa foram generalizadas por Derek Price de modo a incluir quase todo o campo do conhecimento cientifico. Em Science Since Babylon, primeiro livro por ele publicado para tratar desse problema, 15 Price procurou tragar o desenvolvimento da revista cientifica e do jornal erudite, considerados como os ponteiros prin- cipais do saber. Essas duas publicagdes constituiram as novidades du revolugdo cientifica de fim do séeulo XVII. Foram respansdveis pola comunicacho relativamente rapida de novas concepgdes ao cir gulo crescents de pessuas interessadas na Ciéncia. Dentre as revistas ‘a mais antiga cra a Philosophical Transactions of the Boolety of London, publicada pela primeira vez em 1665, se de tréa ou quatro revistas scmelhantes, publicadas por outras academias naclonais européias. Dai por diante, foi aumentagde o numero de publicacées, até alcangar um total de cerca de uma céfitena No inicio do século XIX, um milhar em meados desse século ¢ 10000 uproximadamente em 1900. Concluiu Price: Se fizermos uma conta... ao longo do tempo, a partir de 1665 até os dias atuais, tornase desde logo evidente que o enorme crescimento popu- lacional dos periédicos cientificos passou da ordem da unidade para 2» da centena de milhar, com uma regularidade extraordinfria, raramente vista ‘em qualquer estatfstica natural ou elaborada pelo homem. Podese notar, com extrema preciso, que o nimero foi multiplicado por dez de cingiienta em cingienta anos a partir de 1750, quando havia cerca de dez revister dlentificas cm todo © mundo, 14 Em publicagdes subseqiientes, Price defendeu a idéia da cantagem das revistas como elemento de grande importancia para indicar o conhecimento cientifico. Ele escreveu num ensaio publicado em 1965: Para o préptio cientista, a publicagio representa um arquivo da Lite- ratura, misteriosamente poderoso, eterno ¢ aberto, no qual cle vai lendo as suas descobertas, Somente em algumas instincias, muito raras ¢ especi tornase necessirio considerar um trabalho cientilico puro no qual nio 12. Ibid. Nada disto leva em conta, evidentemente, a substituigio dos livros por cartées de microfichas, Este é porém, um problema de armaze- namento, pio de aumento do conhecimento. Derek Price, Science Since Babylon (New Haven, 1961). Sua primeira publicagio sobre 0 assunto foi nos Archiver Internationales d'Histoire des Sciences, no 14 (1951). O texto foi ampliado e republicado sob uma forma mais pastular em Discavery (Londres, junho de 1956). Derek Price, Science Since Babylon, op. cit., p. 96. 203 exista nenhum remanescente de literatura. Incluirlamos af os casos pato- cos, como o de Henry Cavendish, que pesquisou com afinco sem ter entretanto publicado a totalidade de suas descobertas, que, por conseguinte, ficaram perdidas durante um século, até serem desentertadas pot Clerk Maxwell, alguns anos depois que seus inestimdveis resultados haviam sido descobertos independentemente por outros individuos, Um trabalho nio- spublicado, como neste caso, ou um trabalho suprimido © nio-publicado, por representar um segreda de Estado, constituini uma contribuigio a Gigncia? De um modo geral, parece-me ‘bastante justo dizer que nfo. A Giéneia néo é Cigncia quando falta a comunicacia! Nossa definicdo sustenta, portant, que Ciéncia € 0 que € publicado em revistas cientificas, em jornais, comunicados e livros, Em suma: € 0 gue vem expresso numa literatura. Muito convenientemente, essa litera. stura € bem mais facil de definir, delimiter e contar que qualquer outra coisa com que postamos tratar, Em virtude da oentralidade de sua funeio Para os cientistas, cla vem sendo submetide a séculos de sistematizacio, por meio de indices, classifieagSes, revistas de sistemas, de sumdrios de recuperagio,.. Toda essa literatura pode ser ¢, na realidade, em intimeros casos, tem sido contada, classificada ¢ ucompanhada ao longo dos anos coma uma série tempotal, O principal componente da Literature de Pesquisa, por exemplo, pode ser definido como sendo os ensaios publicados nos periédicos cientifieos inclufdes na World List of Scientific Periodicals Feinstzamento com que estio familiarizados todos os bibliotectrios para feréncias, 16 Por volta de 1830, quando a publicagio, em todo o mundo, de aproximadamente trezentas revistas tornou evidente que o homem de Ciéneias, culto, j4 nao poderia manter-se a par dos novos conheci- mentos, surgiu um novo recurso, a revista de sumérios, que resumin todos os artigos de modo que o interessado pudesse escolher o que iria consultar a fundo. Mas, como observa Price, 0 mimero de revistas de sumarios também cresceu, acompanhando a mesma trajetéria, mul- tiplicandose por dez a cada meio século. Assim, por volta de 1950, 0 numero de tais revistas atingira 4 “magnitude critica" de cerca de trezentas. Price procurou extrair desses mimeros uma “lei de crescimento exponencial”, A seu ver, a conclusio mais digna de nota é a de que o ntimero de publicagdes novas cresceu exponencialmente, ¢ nfo linear- mente. “A constante envolvida é, na verdade, cerca de quinze anos para dobrar, correspondendo a uma multiplicagao par dez em cin- qiienta anos e por mil num século ¢ meio...” Se isto for verdade, é notdvel que nfo somente observemos esse rapido desenvolvimento, mas também que essa curva em particular seja exponencial, conseqiiéncia matemdtica de que h4 uma quantidade que cresce de tal forma que, quanto maior, mais rapidamente ha de 15. Derek Price, “The Science of Science”, in New Views of the Nature of Man, John R, Platt, org. (Chicago, 1965), pp. 47-70, esp. 58-59. 204 trescer. "Por que sera” pergunta Price, “que as revistas parecem gerar mais revistas, num ritmo proporcional A sua populagdo numa deter- ada época, e nic seguindo um ritmo constante em particular?” Deve-se concluir, afirma ele, “que existe algo relacionado com as des- cobertas cientificas ou com os jornais, através dos quais elas sao divulgadas, que as leva a agir desta maneira. E como se todo avanco werasse uma nova série de avancos, seguindo um ritmo de apareci- mento razoavelmente constante, de modo que o niimero de apareci- mentos ¢ estritamente proporcional ao nimero de descobertas exis- tentes cm cada época determinada”, 16 Esta “lei de crescimento exponencial”, que se aplica ao namero de revisias cientificas, é igualmente “obedecida”, afirma Price, pelo numero real de ensaios cientificos nessas revistas. Consideranda os eesalos registrados nas Physics Abstracts de 1918 até os dias atuais, @z ele que © numero total acompanhou uma curva exponencial, cuja @utiddo nio apresenta uma variagdo superior a 196 do total. No inicio da década de 1960, havia cerca de 180000 ensaios de Fisica registrados nesses volumes, ¢ esse niimero tem dobrado regularmente, segundo um ritmo ainda mais rapido que o de outrora, de quinze em quinze unos. Tomando como base as aproximadamente trinta andlises deste po elaboradas a partir de 1951, Price chega a concluir que “parece acima de qualquer divida razodvel que a literatura em todo campo cientifico normal ¢ em desenvolvimento aumenta exponencialmente, dobrando a intervalos de cerca de dez a quinze anos”,17 Um estudo posterior a respeito das publicagdes matemiticas, ela- borado por Kenneth 0. May,1# confirma o padrao geral delineado por Price para a Fisica, observando porém que “o ritmo de cresci mento para a Matematica ¢ somente metade de encontrado por Price”. Os intervalos de duplicagao apontados por Price “correspondem a um aumento anual de cerca de 7 a 5%, ao passo que nés encontramos, para a Matematica, um aumento anual de cerca de 2,5% e uma dupli- cago a cada 28 anos, mais ou menos”. Essa diferenga decorre da escolha do ponto de partida. Como observa May: “Antes de saltar para a conclusao de que a Matematica apresenta um ritmo de desenvolvimento diferente do das outras cién- cias, observe-se que, embora Price fale em “literatura”, como se se estivesse referindo a toda a literatura, seus dados referem-se na reali- dade & literatura em cada campo depois de uma determinada época, em cada caso, o inicio de um trabalho de teorizagéo; 1900 para a Fisica, 1908 para a Quimica, 1927 para a Biologia e 1940 para a Mate- mitica.” 16. Derek Price, Science Since Babylon, op. cit., pp. 100-101. 1. Ibid. p. 1020, 18. Kenneth O. May, “Quantitative Groorth of the Mathematical Litera. ture”, Science, vol. 154 (30 de dezembro de 1966), pp. 1672-1673. 205 Em sua pesquisa, o Professor May remontou a 1868, ao Jakrbuch liber die Fortschrifte der Mathematik, acompanhando 0 curso do desen- volvimento durante os anos de 1940 ¢ 1941, até 1965, nas Mathematical Reviews. Ele observa igualmente que, na Matematica, ignorando suces- sivamente a literatura anterior a 1900, a 1920 e a 1940, seria possivel realizar uma série de curvas de desenvolvimento semelhantes as maiores descobertas de Price. “Parece provavel”, conclui May, “que se Price ¢ outros tivessem levado em consideracdo a literatura anterior as suas séries estatisticas, teriam obtido taxas de crescimento substan- cialmente mais baixas. Esta andlise confirma a suposigio de que a literatura cicntifica referente a todos os campos vem-se acumulando num indice de 25% ao ano, duplicando cerca de quatro vezes em cada século”, Limites do crescimento. Toda desenvolvimento exponencial deve a certa altura nivelar-se, sob pena de atingir um ponto absurdo. Os algarismos divulgados com referéncia A inddstria da eletricidade, por exemplo, indicam que, se comegarmos com um Unico individuo, por volta de 1750 — a época das experiéncias de Franklin com o raio — 0 erescimento exponencial nos levaria a duzentos mil empregados em. 1925, a precisamente um milhdo em 1955 e, mantendo-se este ritmo, toda a populacao ativa estaria empregada neste setor quando chegasse 9 ano de 1990.19 Num determinado ponto, ocorre necessariamente uma saturagio ¢ um nivelamento. Na avaliagao do desenvolvimento do saber, assim como em outros setores que revelaram padroes simi+ lares, os problemas giram em torno da definigio deste estado de Saturagéo e do cdlculo da data de sua ocorréncia. © padrao exponencial que tem sido descrito, a aproximagao de um certo teto, é uma sigméide, ou curva ¢, na qual o indice acima e abaixo da mediana é com freqiiéncia bastante simétrico. Por isto, ele se presta com facilidade a predigdes, visto admitir-se que o indice acima do ponto mediano equilibrar-se-d com o de baixo, para depois nivelarse. Na realidade, a beleza desia curva é que induziu muitos estatisticos a quase acreditar que ela representa a “pedra filosofal” Para o tragado do comportamento humano. Q fendmena da saturac§o, aplicado a uma lei geral da populacdo humana, foi proposto pela primeira vez, durante a década de 1830, pelo estatistico Adolphe Quetelet, © formulador da Fisica Social, em suas reflexes sobre Malthus. Uma populagio tipica aumenta lenta- mente a partir de um minimo assintético, multiplicase rapidamente e encaminha-se lentamente para um maximo assintética mal defi- nido, passando a curva por um ponto de inflexao para adquirir a forma. Em 1838, um matemtico, colega de Quetelet, P. F. Verhulst, ae O exemple foi colhido em Derek Price, Seience Since Babylon, op. cit., p. 108. 206 procurou dar uma forma matematica a essas mesmas conclusdes gerais, a fim de descobrir uma “fonction resardairice’, que transformaria a curva malthusiana de progressio geométrica numa curva, ou como disse ele, numa curva logistica, que constituiria a verdadeira “lei da populagdo” e indicaria o limite acima do qual a populagao, provavel- mente, deixaria de crescer. 20 Verhulst estava elaborande certo numero de hipéteses: a de que 4 taxa de crescimento nao seria constante; a de que a taxa deve ser uma fungio qualquer, linear, da populagdo durante certo tempo; e a de que, uma vez iniciado 0 declinio do indice ou atingida a satu ragdo, esse indice cairia mais quando a populacdo comegasse a crescer. Desta mancira, os fatores crescimento e retardamento so reciproca- mente proporcionais, de modo que, em virtude da “simetria” da curva, tornase possivel projetar ou prever o futuro. 21 Em 1924, v bidlugo ¢ matemdtico Raymond Pearl tomou conheci- mento dos cnsuios de Verhulst ¢ formulou a lei Verhulst-Pearl. Pro- eurando tragar uma curva * do desenvolvimento da populagio, Pearl afirmou que o indice de crescimento dependera da popula¢ao emitlado momento ¢ das “reservas ainda ndo-utilizadas da populagdc-base” existentcs na regido disponivel. Anteriormente, Pearl havia formulado cquagées para deserever o crescimento da populagda de moscas das Irutas num ambiente fechado; em 1925, bascando-se em equagdes do mesmo tipo, ele predisse que a populacdo americana seria de 148,7 milhées em 1950, chegando a 159,2 milhées em 1960. A predic&o para 1950 realizou-se com uma diferenga de 3 milhdes de individuos, mas a de 1960 afastou-se por uma margem de mais de 25 milhées do mimero real. A estimativa de Pearl, de um limite maximo de 197 milhGes de habitantes para os Estados Unidos, ja foi superada nesta década e a populagao parece encaminhar-se para uma cifra de 275 milhées, a ser atingida no ano 2000. © problema-chave no uso da andlise da curva 7 esta no fato de cla sé funcionar no interior de algum “sistema fechado”, baseado em recursos fixes ou em leis fisicas, ou entio num conceito qualquer de um absoluto. Noutras palavras: as “condigées-ieto” forgam o achata- mente da curva. Nas populagées humanas, nJo temos nenhum “sistema fechado”, nem na sociedade; desta maneira, hd sempre um risco 20, Este relato foi extrafdo de D'Arcy Thompson, On Growth and Forns, op. cit., pp. 142-150. 21. © ponto em que primeiro se instala uma luta pela existéncia ¢ em Que, pro facto, comers 4 diminair 0 {ndice de desenvolvimento, € denominado por Verhulst nivel norma? da populacio; essa opcio foi determinada pela origem de sua curva, assim definida por ser simétrica de ambos os lados desta otigem. De modo que a lei de Verhulst, © sua curva logistics, devem sua forma ¢ preciso, stim como toda a sua capecidade de prever o futuro, a certas afir- mages hipotéticas, Ibid, p. 146. 207 quando se usami esas curvas com o intuito de fazer predigdes. Entre- tanto, traz sempre algum proveito considerar esse modelo come “linha de base” ou ficcdo, em contraposic¢ao & qual se possa testar a reali- dade social. Louis Ridenour, recentemente falecido ¢ ex-cientistachefe da Forga Adrea, a primeira pessoa a tecer comentdrios em torno dos dados de Fremont Rider (num ensaio publicado em 1951 em Biblio- graphy in an Age of Science) fez notar que o fendmeno da duplicagio das indices nas bibliotecas das universidades poderia ser igualmente encontrado nos itens das companhias de seguros de vida, no numero de mensagens telefénicas a longa distancia e nas conversas radiotele- fénicas, no tempo necessdrio A circunavegagia do globo, no peso total das geronaves de uso comum, no numero de milhas percorridas por Passageiro de aerovias, no nimero de vefculos para passageiras regis- trados, ¢ assim por diante. Admitindo que a lei exponencial estivesse empiricamente cstabelecida, Ridenour sustentou, na realidade, que havia uma “lei da mudanga social” paralela aos “processos autocata- liticas", como a reagio quimica ou o crescimento da célula, encon- trados na Quimica e na Biologia. Procurando oferecer uma explicagao, Ridenour sustentou que o indice de aceitacao, per parte do ptiblico, de um novo produto ou serviga (como as telefonemas a longa distancia, as viagens atreas) seria proporcional ao nimero de pessoas familiari zadas com os mesmos devido & sua exibiclo. Come num ponto qual- quer teria de ocorrer uma saturagio, Ridenour, a exemplo de Verhulst, Propés uma equacao diferencial para indicar o indice de retardamenta quando a curva comesasse a atingir um limite maximo absoluto. 22 A dificuldade com a “lei de mudanga social” proposta por Ridenour decorre do fato de serem essas curvas tracadas apenas para varidveis unicas e assim como do fato de suporem uma saturacio. Mas © que pode ser verdadeiro com relagdo a pés de feijo, a levedura da cerveja ou as moscas de frutas, e a outros organismes similares, cujo desen- 22. Ver Louis Ridenour, R. R. Shaw, ¢ A. G, Hill, Bibliography in an Age of Science (Urbana, IML, 1952). Ridenour introduz as equagdes matemfticas sobre a “lei da mudanga social” ao dizer ip. 34): J que tantos aspectos da atividade humana parecem ser governados pelo mesmo tipo geral de curva de crestimehto, 4 interessante perpuntar se podemos encontrar uma ricionaizagio para a Jel empiiea da mudanga social. De fato, temos uma logo a mio: depende da suposicéo aparenie: mente reofeel que s tet da futacn aceitagio ptibliea de um nova recurso ou servigo, numa época qualquer, seja proporcional & medida em que esse Fecurso ou servico ji esti sendo utilizado, Para tomar um exemplo espe- clfico, essa suposigio quer que 0 miimero de pessoas que isto comprar ¢ registrar automéveis, por unidade de tempo, dependa da medida das oportunidades que terfo os que nio possuem cares de usar cartos que Pertengam a outta pesto, A medida desses oporrunidades seri propor- cional 20 nimeto de automéveis j& registrados. 208 volvimento légico tenha sido tragado nitidamente em meios ecoldgicos fixos, talvez nfo se aplique a situagSes sociais, em que as decisdes podem ser adiadas (como no caso dos nascimentos), ou nas quais € possivel proceder a substituigées (caso dos transportes por Snibus ou via subterranea, para os veiculos de passageiros), de modo que o desen- volvimento nesses diversos casos nao se processa de acordo com alguma maneira fixa, “imanente”. B por este motivo que o uso de curvas logisticas pode dar margem a ¢rros. Subsiste, entretanto, uma das vantagens desta técnica: o uso da linguagem matemdtica permite com freqiiéncia que se distingam as estruturas idénticas subjacentes em fenémenos altamente diversifi- cados. Talvez nao se pense que pessoas que se casam ¢ tém filhos constituam um fenémeno da mesma ordem que a reaplicagéo de ca- pitais no equipamento de uma industria, mas Richard Stone, econo mista de Cambridge, Inglaterra, vé em ambos os casos uma analogia matemAtica perfeita. Stone observa uma analogia igualmente sur- preendente entre as cpidemias que acometem uma populagio e as icitagdes no campo da educacio.#8 Ao retragar as exigéncias edu- ais, a simples extrapolagdo de correntes passadas é nitidagente inaceitavel porque, como vimos, numa altura qualquer, ocorre uma “rutura no sistema" e um salto na corrente. (Se as solicitagdes no campo das universidades americanas houvessem sido projetadas to- mando como base as correntes da década de 1950, ter-se-ia afirmado que, somente por volta de 1975, 40% dos grupos etdrios situados entre os dezoito ¢ os vinte e dois anos estariam cursando faculdades; na realidade, em 1965 essa cifra jf havia sido atingida.) Stone sugere que o ensino superior deve ser considerado como um “processo epidémico” “Em cada estdgio, o mimero dos que apanham a infecgdo e resolvem encaminharse para uma universidade depende em parte do numero dos que para Id se encaminharam, ficando assim expostos & “infeccao”. Com o tempo, o “contd4gio" se espalha, até serem infetados todos os individuos susceptiveis de o serem. Esse quadro pode ser definide por uma equagéo diferencial, cujo produto, mais uma vez, ¢ a curva .. ou logistica. Na medida em que se pode utilizar a andlise da curva logistica como linha de base, e no realmente para formular previsdes, apre- sentase um certo ntimero de problemas complicados porque, nos pontos cruciais da curve ., sdo atingidas “ curva logistica “reage” de diferentes manciras & aproximagéo das condigées-teto. Pearl e Ridenour postularam uma saturacdo simples e um achatamento. Em Science Since Babylon, Derek Price deu a impressio de aceitar esta visdo simplista: 23. Richard Stone, “A Model of the Educational System”, in Mathemtics in the Social Sciences and Other Essoys (Cambtidge, 1966), esp. p. 105. “ 209 tanscortet trinta anos entze o perfodo em que & percebi Boreentgem de dificldades © 9 momento em gut 4 mesma se wins tio aguda que € impostivel resolvéla. . ¢ eral, jd -:- 08 desenvolvimentos que, durante muito tempo, foram expo- nenciais nilo parece ter taradade idéia de um achatamento, Antes de ramse, pot e, duas varifive logistica dicional, muis freqientes que a simples curva“. Em ambos © casos, varidvel instalase num momento qualquer da inflexio, provavelment ‘desenvolviment Sie quando se tornam insuportiveis as privagoes da perda de exponencial. No caso de se poder admitir uma ligeira definigdo da coisa std sendo medida, de modo « incluir um fenémeno om i de termos com o antigo, a ergue-se como uma fénix des cinmas da antiga, fendmeno Primcira vex corretamente identificado por Holton ¢ pot cle muito dquadamente qualifiado de “excalada”, Se, pelo contritio, as condigdes teradas nda admitirem um novo crescimento exponencial, ocorrerio lentas que persistirao. até que a estatistica se torne tio que nfo poderd ser calculada; ou entio, em alguns casos, i 28 iu F 24. Derek Price, Science Since Babylon, pp. 115-116. 210 higko que totne impossivel medir a taxa e interrompa subitamente a curva a meio ). 38 E isso com relagdo & simetria da curva sigmdide! Price prope: “Agora que ja sabemos algo sobre o apdés-morte patolégico de uma curva logistica, e que coisas como estas ocorrem na prdtica em diversos ramos da Ciéncia ¢ da tecnologia, vamos reabrir a questéo da curva do crescimento da Ciéncia em conjunto.”"26 Q que Price chega afinal a descobrir é que depois da “ruptura” do crescimento exponencial do conhecimento, a curva (depois de reunir suas forgas Para um salto!) pode se movimentar “rumo a uma escalada ou rumo 4 uma violenta flutuagio". Nao sabemos, porém, em que rumo. Em que ficamos, entiio? A idéia de “escalada” ou a renovacio de uma curva para cima pode revestir-se de algum significado sempre que exista uma linha deterministica, obedecendo a algumas leis fisicas ¢, neste sentido, ela encontrou um lugar na prefiguragao tecnolégica, onde aparece sob a rubrica de “grafico de previsio”. Contudo, falar em “flutuages violentas” pouce contribui para o registro grafico das mudangas susceptiveis de serem medidas, pois essas flutu “nao apresentam nenhum padrio determinado. Verificamos, em suma, que as medidas globais do conhecimento cientifico, assinaladas sob forma de curvas de desenvolvimento sao, pelo menos até o momento, de pouca valia, a ndo ser como metaforas, gu como maneira de nos alertar, de um modo geral, para os problemas que teremos de enfrentar futuramente em virtude desses desenvolvi- mentos. Planejar uma politica social tomando como base essas curvas levaria a graves erros. Para lidar com essas questdes, teremos que nos voltar para observagées menos “exatas", porém sociologicamente mais significativas, sobre os padrées do desenvolvimento do conhecimento. A DIFERENCIAGAO DO CONHECIMENTO A nogio de exponencialidade, a idéia de que o conhecimento cien- tifico acumula-se “linearmente”, segundo uma maneira complexa qual- quer, obscureceu o fato de que o modelo mais tipico e mais impor tante é o desenvolvimento de “ramificagdes", ou a criagdo de novas & inumeras subdivis6es ou especialidades no interior dos diversos cam- pos, em lugar de um simples crescimenio. Ao contrério da imagem que se fazia da Ciéncia durante o século XIX, e que era a de um campo de conhecimento limitado e exaurivel, cujas dimensées seriam eventualmente exploradas na integra, admi- timos hoje uma abertura para o saber que se distingue por uma diver- 25. Derek Price, Big Science, Little Science (Nova Torque, 1963), pp. 2523. 26. hid, p. 30. 211 sidade de formas de diferenciagio, Todo progresso vai abrindo, as vezes raépida, As vezes lentamente, novos campos, que por sua vez Vao dando origem a seus préprios ramos. Desta maneira, aproveitando a ilustracdo citada por Gerald Holton, o campo das “ondas de choque”, aberto em 1848 pelo matematico e fisico britdnico G. C. Stokes, ¢ pelo astrénomo EE Challis com as equagGes tedricas sobre 0 movimento dos gases, deu margem nio s6 a contribuigées significativas na Mate- miatica e na Fisica, seguindo a mesma linha geral (oferecidas por Mach , mais tarde, por von Neumann ¢ Bethe, entre outros), como também uma diversificagdo que levou a criar mais quatro campos distintos: 0 do shock tube, o da aerodindmica, o das detonagées ¢ o da magneto- shidrodinamica. Este iltimo campo, desenvolvide em 1942 por Alfven, um papel fundamental na pesquisa basica ¢ na pesquisa da fusiio aplicada. #1 Por yezes, chega-se a um ponto em que tudo parece ter parado, e tem-se a impressio de que um determinado campo foi explorado a0 maximo; em seguida, algumas novas descobertas criam repentinamente uma série de novos “impulsos", Em 1895, parecia que Réntgen havia escalpelado todos os aspectos mais importantes dos raios-x, quando, em 1912, a descoberta da difragdo desses raios nos cristais, obra de von Laue, Friedrich e Knipping, provocou a separacao dos dois campos: © dos raios-X e o da cristalografia. Da mesma forma, a descoberta da radiatividade artificial, feita pelos JoliotCurie em 1934, criou uma transformagio qualitativa que ocasionou, numa diregSo, 0 trabalho de Hahn ¢ Strassman, que Lise Meitner interpretou com muita feli- cidade como sendo a divisio do atomo de uriinio; e, em outra diregdo, © trabalho de Enrico Fermi sobre o aumento de radiatividade dos metais bombardeados com néutrons lentos, trabalho que levou direta- mente A fissiio atémica controlada ¢ & bomba. © fenédmeno da ramificacao deriva, em grande parte, nio apenas da légica “imanente” do desenvolvimento intelectual, mas também da organizaco social da Ciéncia em si mesma. Durante o sécule XIX, os méritos préprios da Ciéncia faziam dela uma profissdo individuali- zada, de reduzidas proporgées, porém nobilitante. Mas no século XX, ‘@ mancira segundo a qual os cientistas chegaram a organizar e a coordenar suas pesquisas individuais, de modo a compor uma “comu- nidade de saber rapidamente crescente", como expressou Holton, incitou os individuos a desenvolver o trabalho em equipe. Para ilustrar esse fendmeno, Holton apresenta o desenho de uma “drvore” cheia de “ramos”, mostrando, entre outras coisas, o trabalho de I. 1. Rabi, prémio Nobel. Em 1929, na Universidade de Colimbia, Rabi abriu um novo caminho na Fisica pura — transmitindo raios moleculares ax Ria aie ieee at Sete Pe ian 2S les (primavera f esta 212 através de um campo magnético — o que deu origem a varias rami- ficagSes em diferentes rumos — na Optica, nos masers solid state, nas estruturas atémicas e em meia dizia de outros campos. Rabi nfo somente desenvolveu as técnicas originais relacionadas com os raias moleculares — o tronco da Arvoré — como também estimulou um grupo de colaboradores eficientes ¢ de estudantes a provocar novas questées, a incursionar por areas adjacentes ao mesmo campo e a provocar répidas ramificagdes em outros setores, alguns dos quais passaram, por sua vez, a desenvolver seus préprios ramos. ## Podemaos encontrar alguns indicios da extraordindria proliferagio dos campos na subdivisio de especializagées arroladas pelo National Register of Scientific and Technical Personnel, inventario, patrocinado governo, de todas as pessoas capacitadas para o trabalho cien- ico. (O National Register é um empreendimente para o qual coo- peram a National Science Foundation ¢ as prineipais sociedades cien- tiflcas profissionais do pais.) O Register teve inicio logo depois da Segunda Guerra Mundial, com cerca de 54 especializagdes em ciéncias; vinte anos mais tarde, sua lista j& contava mais de 900 especializagdes cientificas e técnicas distintas. A proliferagdo dos campos ¢ em #@ande parte, decorréncia de um sistema de reclassificagées, provocadas pelas distingSes cada vez mais acuradas que vio sendo feitas; em muitos casas, entretanto, esse aumento € devido & criagdo de novas especiali- vagées e ramificagées. Na Fisica, por exemplo, a lista de 1954 rela- cionava 10 subsetores distintos com 74 especializagdes; em 1968, havia 12 setores com 154 especializagées. Em 1954, por exemplo, a Fisica TeGrica (Quantum) estava arrolada como um campo distinto, com subespecializacSes designadas como campo nuclear, atémico, dos 86 lidos; em 1968, esse setor j4 mao aparecia sob essa designagdo, tendo surgido uma classificagdo mais diferenciada. Contudo, em 1954, a fisica dos solid-state fracionara-se em 8 subespecializagées; em 1968, hhavia 27 subespecializagées na classificagao dos solid-state, prolife- ragio decorrente das “ramificagdes" adicionais desse setor. Nenhuma das sociedades cientificas responsdveis pela continui- dade das listas procedera a estudos com o intuito de registrar o cres- cimente de suas respectivas matérias, tomando como base a reclassi- ficagdo ou a adig&o de setores. Um controle eficiente de cada setor pode trazer & tona alguns indicios significativos ¢ proveitosos das taxas de alteragio no desenvolvimento dos campos de conhecimento. 28. Ibid., pp. 386-387. 213 A MEDIDA DA MUDANGA TECNOLOGICA MODERNIDADE E MUDANCA TECNOLOGICA A reivindicagio do qualificativo “novo” ¢ a marca distintiva da modernidade, embora essa reivindicagdo, em muitos casos, nilo se refira tanto a um aspecto especificamente novo da experiéncia humana sim a uma alteracio na escala do fendmeno. O sincretismo cultural ja representava uma caracteristica da época de Constantino, com sua mescla das religides e dos mistérios gregos e asidticos. A bifurcagdio da sensibilidade € tio antiga, ou mesmo mais antiga, que a separago. feita por Platéo entre o racional e o espiritual. Mas a revolucso operdda nos meios de transporte e de comunicaciio, unindo a socie- dade de todo o mundo num grande Oikoumene (ecumeng) significou © fracionamento das velhas culturas provincianas ¢ o transbordamento de todas as tradigGes de Arte, Musica e Literatura de todo o mundo, num recipiente novo € universal, acessivel a todos ¢ pairando sobre tudo. Esta verdadeira ampliaglio de horizontes, este caldeamento das artes, esta busca do “novo”, quer sob forma de viagens de desco bertas ou de esforco pretensioso para distinguir-se dos demais, repre- senta em si mesma um produto de um novo tipo de modernidade. No Amago da questio est4 o significado da nogio de cultura, (Quando se fala em “cultura classica", ou em “cultura catdlica” (dando & expresso quase que o sentido de “cultura de bactérias” — de caldo de cultura, onde se formam grupos distintamente identificaveis), pensa-se numa longa cadeia de conjuntos de crencas, de tradigées, de rituais e de injungées, que, ao longe de sua histéria, chegaram a realizar alguma coisa num estilo homogéneo. Mas a modernidade constitui, nitidamente, uma ruptura com o passado como passado, langandeo para dentro do presente. O velho conceito de cultura baselase na continuidade; 0 moderno, na variedade; 0 antigo valor era a tradigSo; © ideal contemporineo é o sincretismo. Na cisdo radical entre o presente ¢ o passado, a tecnologia repre- sentou um dos principais fatores na configuracéo do tempo social porque, introduzindo uma nova métrica e ampliande o nosso controle sobre a natureza, a tecnologia mudou as relagdes sociais € a nossa mancira de considerar o mundo. Arbitrariamente, podemos cnumerar ‘cinco maneiras mediante as quais a tecnologia forjou essas mudancas: 1, Pela produgio de maior niimero de bens a menor custo, a tecnologia foi o instrumento principal da elevag&o dos padrées de vida no mundo. Como gostava de afirmar o recentemente falecido Joseph ‘Schumpeter, a realizacio maxima da tecnologia foi ter colocado pregos das meias de seda ao alcance de todas as caixeirinhas, tanto quanto ao das rainhas. Mas a tecnologia nfo representa apenas um recurso para se elevar os niveis de vida: foi também o principal mecanismo para a redugo das desigualdades no seio da sociedade 214 ocidental. Na Franga, esereve Jean Fourastié, “o Presidente do Tri- bunal de Contas... ganhava em 1948 n&o mais do que quatro ou cinco vezes 0 saldrio de seu mensageiro por hora de trabaiho, muito embora a diferenga entre essas duas posigbes tivesse sido em 1800 da ordem da 50 por I". A nica razio para isto, como assinala Fourastié, é 0 barateamento dos bens e 0 aumento dos saldrios reais da classe tra- bathadora na vida do Ocidente. 2° 2. A tecnologia criou uma nova classe, antes desconhecida na sociedade, a dos engenheiros ¢ técnicos, homens que permanecem di- vorciados do local de trabalho, mas que constituem o “pessoal de planejamento” das operagSes no processo de trabalho. 3, A tecnologia criou uma nova definiggo de racionalidade, um novo modo de pensar, que enfatiza o quantitative e as relagées fun- cionais. Seus critérios para o desempenho sao a eficiéncia ¢ a “otimi- zacho”, isto é, o uso dos recursos com um minimo de gastos € de esforcos. Esta nova definiclo de racionalidade funcional tem como veiculos os novos tipos de educagao, nos quais as técnicas quantita- tivas, utilizadas pela Engenharia e pela Economia, entram atuaiftente em choque com as modalidades mais antigas da especulagdo, da tra- digdo ¢ da razao, 4. A revolugic nos meios de transporte e de comunicagdes, conseqiiéncia da tecnologia, criou novas interdependéncias econémicas © novas interagdes sociais. Formaramse novas redes de relagdes sociais (sobretudo, houve uma transferéncia dos lagos do parentesco para os profissionais e ocupacionais); as navas densidades, fisicas e sociais, passaram a constituir a matriz da agdo humana, 5. AS percepgies estéticas, particularmente de espago ¢ de tempo, foram radicalmente alteradas. Os antigos néo dispunham de um con- ceito de “velocidade” e movimento que correspondesse ao de nossos dias; nem havia uma concepsdo sindtica da altura — a visio a partir do ar — a que devemos um padrao diferente com que avaliamos uma paisagem ou um panorama urbano. Foi na Arte, particularmente na Pintura, que acorreu tdo radical mudanga de sensibilidade. 3° MEDIDAS DA ALTERAGKO ECONOMICA F com a Economia que nos preocupamos em primeiro lugar, por- que a tecnologia é o fundamento da sociedade industrial. As inovagdes € mudangas econ6micas dependem diretamente da nova tecnologia. Contudo, a percepcio deste fato ¢ relativamente recente. Os funda- 29. an Fourasti€, The Causes of Wealth (Glencoe, IIL, 1960), cap. I, esp. pp. 30-31, 30. Quanto a elaboragio deste ponto, consultar Daniel Bell, “The Dis- junction of Culture and Social Structure”, in Gerald Holton, org., Science and Culture (Boston, 1965), pp. 236-251. 215 dores da Economia contemporfnea preocupavam-se com uma “ciénci: sombria”, por acreditarem que a acumulag&o de capital nfo poderia continuar indefinidamente. Essas conclusdes bastavam-se em trés suposigdes: a lei da redugdo dos retornos; o princfpio malthusiano, segundo o qual um aumento nos salarios ‘is levaria apenas a um crescimento mais rapido da populagio ¢ A igo” desse aumento; e, implicitamente, um estado invariante da tecnologia. Foi esta a base da Economia ricardiana.%1 Ela foi elaborada por John Stuart Mill, ma concep¢ao do “The Stationary State”. Até mesmo Marx, neste sentido um economista pés-ricardiano, chegou a uma conclusio pessimista. Muito embora cle fosse muito mais sensivel ao papel revoluciondrio da md4quina que seus contem- pordneos, Marx teve a impresso de que a principal consegiiéncia da substituigdo da forca de trabalho pela mAquina seria a centralizagio do capital, As expensas de outros capitalistas, a crescente exploragao da forga de trabalho (através do prolongamento do dia de trabalho) A medida que os capitalistas de segundo plano buscassem enfrentar a competicio ¢, finalmente, a uma série de crises quando o sistema atingisse um limite md4ximo. Argumentando a partir de uma teoria trabalhista de valores, Marx sentiu que a expansdo da “composiclo orginica do capital” sé poderia levar a um declinio na média da taxa de lucro ¢ ao empobrecimento continuo da forca de trabalho. N&o obstante, esse pessimismo inicial foi desmentido. Os saldrios reais foram sensivelmente aumentados durante os tltimos cem anos; © aumento da renda per capita nos Estados Unidos foi, em média, su- perior a 2% a partir de 1870. Como puderam enganar-se tio seria- mente os economistas classicos? Como escreve o Professor Lester Lave; “Se tivessem perguntado a Ricardo se era possivel um aumento de produtividade, ele provavelmente teria respondido que a produti- vidade aumentaria se também aumentasse o capital per operirio ¢, inclusive, a terra por operario."2 Mas nao Ihe teria sido possivel apresentar uma formulagdo quantitativa desse efeito. As taxas-padroes de capital-produgdo (conhecidas como funcdo Cobb-Douglas) que tém sido usadas tipicamente admitem que a producio sofrerd um aumento 31. Como escreveu Ricardo em seus Principles of Political Economy and Taxation: “Com uma populagio que exige meios de subsisténci ie médios so a reducio do nimero de pessoas ou entia um ackmulo mais ripido de capital. Nos pafses ricos, onde a terra fértil jg est toda cultivada, o segundo io nfo € nem muito praticével nem muito desejdvel porque, se levado muito longe, seu efeito seria tomnar todas ns classes igualmente pobres.” Citado em Technological Change: Its Conception and Measurement, de Lester B. Lave (Eaglewood ‘Clits, N. i 1966), p. 3. No pardgrafo acima, scompanhei as for- mula to A andlise de Mill, do estado estaciontrio, consultar Principles of Political Economy (Toronto, 1963), livto IV, cap. 6, pp. 752.758. 32. Lave, op. cit. 216 de 1% em cada aumento de capital da ordem de 3%, mantendose constante a forca de trabalho. Entre 1909 e 1949, o capital por homem- -hora usado no setor privado njo-agricola da economia americana aumentou cerca de 315%. Tomando isto como base, 0 aumento dos bens (produgio per capita) deveria ter sido de cerca de 10%, Mas o fato surpreendente ¢ que durante esse periodo, com um capital apli- cado de 31,5%, a produgdo por homem-hora no subiu para 10% ¢ sim para 104,6%. Em suma: a predutividade apresentou um aumento de 909, nado explicado pelo aumento de capital por operdrio. A expli- cagéo, de concepgao simples porém complexa quanto aos pormenores e as provas, foi oferecida por Robert M. Solow, num artigo hoje clissice (talvez devéssemes dizer neoclissico?) sob @ titule de mu- danga tecnoldgica. 8 A tecnologia, como hoje sabemos, ¢ a base do aumento de produtividade, ¢ a produtividade vem sendo 0 fato que transforma a vida econémiea de uma forma que nenhum economista clissico poderia imaginar. Esta resposta simples pede, entretanto, uma pergunta complexa. O que vem a ser mudanga tecnoldgica? Podese dizer que o prggresso tecnolégico consiste no que ha de melhor como métodos e organizagao susceptiveis de melhorar a eficigncia (isto ¢, 0 uso) do capital antigo, assim como do nevo. Mas isto pode significar muitas coisas. Pode ser uma maquina destinada a forjar motores de carros, substituindo os antigos métodos manuais. Pode ser uma técnica fisica, como a construgao de uma rampa para levar pedras até o alto de uma pird- 33. Robert M. Solow, “Technical Change and the Aggregate Production Function", Review of Economics and Statisties, vol. 39 (agosto de 1957). Em sua andlise, Solow postulou a tecnologia como fator residual, segundo a computagio do capital ¢ dos insumos de trabalho, Mas os economistas gostam de considerar tude em termos de custos ¢ muitas vezes ndo thes agradam os fatores tomadas coma explicagies, Conseqiientemente, Jorgenson e Griliches Procuraram recomputar os dados a fim de mostrar que as alteragées nos insumos de trabalho ¢ de capital setiam responsiveis pela totalidade do aumento da produtividade. Escrevem eles: “Ao explicar o erescimento econdmico, sugerimos que se deposite uma confianga maior que a atual nos dois pilares do capital hhumano e nfo-humano, servindo cada um deles de esteio a uma parte importante da estratura do capital, Talvez nifo esteja longe o dia em que os economistas poderiio remover todo o trvvejamento intelectual da transformagio técnica.” Consultar Zvi Griliches ¢ D. Jorgenson, “Sources of Measured Productivity Changes: Capital Input”, American Ecouomic Review (maio de 1966). Se a “ala direita” questiona o significado da tecnologia, a “ala esquerda” afirma que estrutura de Sclow € por demais neoclissica ¢ nto di suficiente atensio nos fatores estruturais. so analisar as fungdes de produgio, Joan Ro- binson interessou-se pela estrutura capitalista, como cendric das récnicas de produgio, muita mais do que pelas \fbrio, Para uma revisio dessas questies, ver G.-C. Harcourt, Controversies in the Theory of Capital”, The Journal of Economic Literature, vol. VII, n° 2 (junho de 1969). 217 mide. Pode ser uma simples técnica sociolégica, como uma mera divisio de trabalho na fabricacio de um sapato, ou alguma técnica mais elaborada de engenharia industrial, como os estudos de tempoe- -movimento. Pode ser uma andlise légica, incorporada a operagées de pesquisa ou a uma férmula matemitica, como a programacao linear que ¢specifica as novas tabelas em listas ou as tabelas de producio cujas ordens devem ser executadas. Evidentemente, essas coisas todas sd0 incompativeis. Como poderiamos combinar coisas assim diferentes, colocando-as sob uma mesma rubrica ¢ buscar uma medida comum? ‘O que torna este problema ainda mais perturbador é que repeti- damente nos dizem que estamos vivendo numa época de “mudanga tecngjégica a uma taxa constantemente acelerada”, a qual esta criando novos ¢ “explosivos” problemas sociais. Bem; ninguém pode negar que ocorreu uma boa dose de mudangas tecnoldgicas depois da Segunda Guerra Mundial: energia atémica, computadores eletrénicos, engenhos a jato, ai esto trés das mais espetaculares introdugdes dos novos produtos e processos. Mas a dificuldade com o argumento publici- tério (e politico) vem do fato de que a palavra “indice” implica uma medida, do fato de que, de uma forma qualquer, as alteracées que véo sendo introduzidas podem ser medidas, digamos, em contrapo- sigao & introdugio do motor a vapor, da ferrovia, do telefone, do dinamo e de outros recursos tecnolégicos similares do século XIX, ‘Como distinguir a mudanga provocada pela eletricidade e a criada pela energia atémica? Nio o podemos fazer, Ambas representam “revolucionarias”. Nao existe porém nenhum modo de con- frontar seus efeitos de uma maneira comparativa. Mais do que isto: muitas modificagdes sociais esto ocorrendo simultancamente ¢ 08 escritores consideram-nas, com freqiiéncia, globalmente, como partes da noglo de répida mudanga tecnoldgica. A questZo de saber o que constitui a acelerada revolugio de nossa época é por demais ampla ¢ vaga. Evidentemente, trata-se de uma questiio em parte tecnolégica. Mas é também politica porque, pela primeira vez, e falando de um modo geral, estamos presenciando a inclusio de vastas massas de povo na sociedade, processo que envolve a redefinicio dos direitos sociais, civis e politicos. Tratase de uma questo sociolégica, por pressagiar uma enorme oscilaglio na sensi- bilidade e nos costumes: nas atitudes sexuais, na definigio das rea- lizagées, nos lagos sociais e nas responsabilidades, ¢ assim por diante. Cultural, como também j4 observamos. Esté claro que nao existe uma maneira conceitual simples de colocar tudo isto junto ¢ de encontrar uma medida comum. £ simplesmente impossivel — se nos restringirmos & idéia de “mudanca" — medir o “ritmo de trans- 1”. Nao dispomos de um indice miiltiplo; temos de ser mais delimitados. Se tivermos de nos restringir 4 medida da dimensio tecnoldgica e de investigar o ritmo da mudanca, deveremos antes de tudo retornar 218 ao dominio onde sic expressos os seus valores (a comegar pelo sentido monetério): & Economia. Para © economista, mudanga tecnolégica ¢ a que ocorre na “fungao da produgSo”.84 De maneira mais simples, a fungéo de produgio é uma relagéo entre insumos ¢ produtos, relagio que indica, em qualquer momento, a taxa maxima de produg’io que poderd ser obtida, com determinadas quantidades de fatores de producao. Nos casos mais simples, admite-se que tais fatores de produgio sejam o capital e o trabalho e que a fungao de produgdo indicaria qual a combinagdo mais eficiente (as proporgdes dtimas) de fatores a determinados custos. 35 Os acréscimos no rendimento real por homenrhora estio em fungdo tanto dos relativos aumentos de capital como do uso mais eficiente dos recursos. A teoria econémica classica salientava que os niveis mais altos de rendimento real sao gerados quando se aumentam os fundos de capitais, Mas os saldrios reais também podem ser aumen- tados gracas a um deslocamento para cima na fungio de producao, resultante de uma pesquisa que leve a melhores combinagées de re- curses, a novas técnicas, e assim por diante. Na realidade, admjgmos, hoje, que a transformagso tecnolégica, e nao a acumulagao de fundos, constitui o mais efetivo determinante de saldrios reais mais elevados. Robert Solow, por exemplo, em seu ensaio de 1957, j4 mencionado, criou uma “fungio de produgio agregada” (que tem sido criticada por suas hipdteses de homogeneidade e de elevado grau de elasticidade da substituigao do trabalho pelo capital e do capital pelo capital), fungdo que procura separar o aumento da produtividade, causado pelo aumento do capital, e 0 provocada pela mudanca tecnolégica. Solow verificou que, entre 1909 e 1949, o aumento de capital foi responséivel por aproximadamente 125% do aumento de produtividade, enquanto 34. Essa definigio bascia-se no trabalho de Edwin Manficld, “Technological Change: Measurement Determinants and Diffusion", preparado para «, National Commission on Technology, Automation and Economic Prostess, ¢publicade 0 Apindice T 20 relatério da Comissao, Techvology and the American Economy (Washington, D.C., 1965). 35. Richard R. Nelson, Merton J, Peck ¢ Edward D, Kalachek, em seu interessante livto, Tecbwology, Economic Growth and Public Policy, The Broo kings Institution’ (Washington, D.C., 1967}, apresentam uma teotia mais desa- gregada de uma funcio da producio para o progresso tecnoldgico. Buscando de- Signar os tipos © quantidades de insumos de pesquisa e derenvelvimento neces. ios para toraar operacfonal uma idéia de projeto, cles afirmam que a quanti dade de recursos indapenivc depande des vasiveihnves: (1) 4 magnitude do progresso que se busca, com relagio aos: produtos semelhantes ja existentes; (2) a natureza do campo ‘do produto, particularmente o tamanho ¢ a comple- xidade do sistema; (3) a soma de conhecimentos relevantes susceptiveis de originar ow deduzit moves. téenicas, assim como a quantidade de materials € componentes colocados i disposigio dos plancjadores e com os quais eles possamn twabilhar (p. 23). 219

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