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As narrativas estão presentes em diversos momentos de nosso dia:

desde a leitura de uma notícia, o folhear de um livro antes dormir ou mesmo ao


ouvir o relato de uma briga conjugal que um colega de trabalho acabou de
contar.

Com a História não é diferente, não ao menos desde seus primórdios na


Antiguidade Clássica Grega, sempre se colocando de forma paralela a outras
formas de conhecimento como a Matemática ou as Ciências da Natureza por
uma certa particularidade: o conhecimento histórico tem origem no testemunho,
na experiência narrada.

Esse aspecto narrativo se vê de forma clara nos escritos de Heródoto,


nos quais o historiador grego narra a invasão persa da Grécia no século V a.C.,
considerando o passado como uma questão filosófica e científica.

Ao longo da modernidade, ainda que não se desaparecesse da escrita


da História, a narrativa foi gradativamente sendo posta à prova, como um
elemento a ser suprimido da produção historiográfica.

A busca pela objetividade ou pela verdade dos fatos, fundamentos


básicos durante o século XIX para garantir o estatuto científico à História,
produziu formas de se representar o passado que abandonaram, ou pelo
menos tentaram abandonar, quaisquer aproximações com a ficção ou a poesia.

Conhecimento científico era incompatível com a experiência literária,


repleta de intencionalidades e paixões, distante da neutralidade necessária do
rigor metodológico e da linguagem forma e científica, imparcial e técnica.

Essas concepções foram amplamente utilizadas pela escola alemã


historicista e pelo positivismo francês, que compartilhando dessas idéias
construíram uma forma de produção historiográfica que se pretendeu objetiva e
neutra. História nesta perspectiva é um relato lógico de fatos do passado,
encadeados em ordem cronológica, via de regra sobre acontecimentos
políticos relacionados ao Estado e a homens de prestígio.
No século XX, apesar das severas críticas direcionadas ao modo se de
fazer História no século anterior, não há um processo de abertura imediato
para a narrativa dentro do campo dos historiadores.

As primeiras gerações dos Annales, causando um impacto muito grande


com a sua proposta de História-Problema, tentaram afastar ainda mais o
caráter narrativo da ciência histórica. Para esses historiadores, mesmo com a
pretensão de buscar a objetividade por meio do abandono aos elementos
literários e uma estrutura cronológica, a historiografia do século XIX fez uso
aberto da narrativa na sua forma de produzir História.

Mais uma vez a narrativa é acusada de ser um recurso que carece de


cientificidade, que deve desaparecer em face de grandes modelos estruturais
para a explicação das sociedades ao longo do tempo.

Já na década de 1970, o debate sobre um retorno à narrativa volta à


cena no mundo acadêmico. O entendimento era de que a História nunca havia
se divorciado da narrativa, e que toda a História em certa medida era filha da
narração, e que ademais, lhe caía bem uma dose narrativa.

Não mais apenas relatar rigorosamente era necessário, mas saber como
contar também agora interessa. Vale ressaltar que a incorporação de estilos
literários não significa a perda de cientificidade da História. O historiador não
escreve seu texto tendo como ponto de partida exclusivamente sua
imaginação, mas recolhe vestígios do passado como provas para a construção
de sua narrativa.

Para tanto, o novo conceito de narrativa na História pode facilitar


estratégias que de outra forma dificilmente teriam lugar nas pesquisas
históricas. Imaginemos a produção de um texto que tem por base a análise de
relações estabelecidas no interior de um engenho de açúcar no Nordeste
brasileiro do período colonial.

Elementos literários ou estilísticos da narrativa têm a possibilidade de


trazer detalhes até o leitor que uma perspectiva estrutural ou exaustivamente
cronológica deixa escapar.
Uma condução que leve as linhas do texto para passear por entre os
cheiros das moendas, os sons e as cores da senzala ou ainda pelos sabores ali
encontrados, cria uma atmosfera que carrega a capacidade de estabelecer
uma ilusão de presença da realidade histórica a qual se está lendo. Algo de
potencialidade, que anda lado a lado com a narrativa histórica.

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