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Ernesto Reggio

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Neste capítulo, serão abordados os tumores de tes-
tículo. Existem diversos subtipos histológicos, com
peculiaridades no diagnóstico diferencial e na conduta.
A diferenciação principalmente entre os tumores semi-
nomatosos e não seminomatosos deve estar bem clara
para o aluno. O câncer de testículo é o mais prevalente
na população masculina jovem, entre 15 e 35 anos, com
alto índice de cura nos estágios iniciais. São fatores de
risco criptorquidia ou ectopia gonadal, tumor testicu-

Câncer de
lar contralateral, irradiação, exposição a hormônios
exógenos femininos no período pré-natal, parentes de
1º grau acometidos pela doença, síndrome de Klinefel-

testículo
ter e infertilidade. Quanto ao quadro clínico, o sinal mais
importante é a presença de nódulo ou massa testicular,
indolor, endurecida com crescimento progressivo, geral-
mente detectada pelo paciente em autoexame. Hidrocele
pode estar associada em 10 a 20%. A complementação
do exame clínico é feita pela ultrassonografia, que mos-
tra lesão sólida no parênquima testicular, com 95% de
sensibilidade na detecção. Marcadores tumorais, como
alfafetoproteína e beta-HCG, são mais frequentemente
elevados nos tumores não seminomatosos. São diagnós-
ticos diferenciais orquiepididimite, orquite, hidrocele,
torção de testículo, tuberculose, hérnia encarcerada.
Após as avaliações clínica e radiológica, deve-se abor-
dar a massa testicular por via inguinal para a realização
da orquiectomia e da análise patológica. Didaticamente
e por semelhança no diagnóstico e no tratamento, os
tumores germinativos são divididos em 2 grandes gru-
pos: seminomas e não seminomas. Os seminomatosos
não apresentam elevações de marcadores tumorais e
são muito responsivos a radioterapia. Já os não semi-
nomatosos muito comumente apresentam elevação de
alfafetoproteína e beta-HCG, o que permite o diagnós-
tico bioquímico e o seguimento do tratamento com a
dosagem desses marcadores. Para estadiamento, uti-
liza-se a classificação de Boden. O tratamento consiste
em orquiectomia radical com ligadura alta dos elemen-
tos do cordão, juntamente ao anel inguinal interno.
Seminomas nos estadios I e IIa apresentam excelente
resposta a radioterapia. No tumor não seminoma nos
estadios I e IIa, muitos são curados apenas com orquiec-
tomia, entretanto de 20 a 30% apresentam recorrência.
No caso das lesões avançadas, independentemente do
tipo histológico, são tratadas por quimioterapia. As
drogas mais comuns são bleomicina, cisplatina e eto-
posídeo. A quimioterapia é extremamente efetiva no
câncer testicular, com ótimas respostas, mesmo em
tumores metastáticos.
258 sic urologia

1. Introdução
O câncer de testículo apresenta características que o tornam único en-
tre todas as neoplasias que acometem o homem. É o tumor mais preva-
lente na população masculina jovem, entre 15 e 35 anos, com alto índice
de cura nos estágios iniciais; trata-se de uma neoplasia originária de cé-
lulas germinativas, altamente suscetíveis a quimioterapia, mesmo em
casos em que a doença já não se apresenta na fase inicial, que consiste
no melhor exemplo de sucesso do tratamento multimodal. O estudo do
câncer testicular merece destaque por tantas particularidades e pela
ótima resposta ao tratamento.

Quadro clínico 2. Diagnóstico


O sinal clínico mais A lesão costuma ser indolor, endurecida, com crescimento progressivo.
importante do câncer de Em 10%, a apresentação inicial já está acompanhada de sintomas e si-
testículo é a presença de nais decorrentes de lesão metastática, como hemoptise, massa cervi-
nódulo ou massa testicu- cal, lombalgia e massa abdominal. Dor testicular aguda é possível em
lar, geralmente detectada casos de infarto testicular decorrente do crescimento da neoplasia.
pelo paciente em autoe-
xame (Figura 1).

Figura 1 - Autoexame com detecção de nódulo testicular

Tabela 1 - Alguns fatores de risco

- Criptorquidia ou ectopia gonadal;


Diagnóstico - Tumor testicular contralateral;

A complementação do - Irradiação;
exame clínico é feita pela - Exposição a hormônios exógenos femininos no período pré-natal;
ultrassonografia, que
- Parentes de 1º grau acometidos pela doença;
mostra lesão sólida no
parênquima testicular, - Síndrome de Klinefelter;
com 95% de sensibilidade - Infertilidade.
na detecção do câncer de
testículo.
A evolução dos métodos de imagem contribuiu muito para a avaliação
e para o tratamento, particularmente o estudo de metástases retrope-
ritoneais pela tomografia computadorizada.
Hidrocele pode estar associada em 10 a 20%, sendo muito útil a ultras-
sonografia, prevenindo violação do escroto para tratamento de sim-
ples hidrocele por escrototomia. Tomografia e ressonância de testículo
são solicitadas em casos muito selecionados, quando há dúvida não es-
clarecida na ultrassonografia.
câncer de testículo 259

Importante
Figura 2 - Ressonância nuclear magnética mostrando lesão pequena mal caracteri- A maioria dos tumores
zada à ultrassonografia de testículo origina-se a
partir de células germi-
nativas, que produzem
Tabela 2 - Diagnóstico diferencial das massas testiculares substâncias utilizadas
- Orquiepididimite; como marcadores
- Orquite; tumorais, como alfafe-
- Hidrocele; toproteína e beta-HCG,
- Torção de testículo; mais frequentemente
- Tuberculose; elevados nos tumores não
- Hérnia encarcerada. seminomatosos.

Outros marcadores, como desidrogenase láctica e fosfatase alcalina, tam-


bém podem estar aumentados, porém não são específicos dessas lesões.
Diante de uma lesão sólida característica de tumor testicular, é necessá-
ria a avaliação dos mais habituais sítios metastáticos. Nesse momento,
é importante recordar a embriologia dos testículos, inicialmente for-
mados no retroperitônio, e, durante o desenvolvimento do feto, com
migração relativa do órgão para o escroto. Assim, a drenagem linfá-
tica testicular se faz toda para a região retroperitoneal, e, como as me-
tástases linfonodais são frequentes nessa neoplasia, o retroperitônio
deve ser investigado por tomografia computadorizada (Figura 3). A
avaliação do tórax pode ser realizada com raio x simples; contudo, em
caso de dúvida, solicita-se tomografia de tórax.

Importante
Após as avaliações
clínica e radiológica,
deve-se abordar a massa
testicular por via ingui-
nal para a realização da
orquiectomia e da análise
patológica.
Figura 3 - Tomografia de abdome: metástase retroperitoneal obstruindo o ureter
esquerdo e provocando dilatação pielocalicial
260 sic urologia

Pergunta Quando há dúvida, pode-se recorrer a exame de congelação e, caso seja


confirmada a suspeita de câncer testicular, deve-se completar o proce-
dimento com orquiectomia radical (1º tempo do tratamento do tumor
testicular).
2013 - SANTA CASA-SP
1. Um paciente de 30 anos apresenta
aumento indolor do testículo esquerdo Tabela 3 - Orientações para diagnóstico
há cerca de 2 a 3 semanas, sem an- Clínico Massa endurecida e indolor
tecedente de traumatismo local. Ao Ultrassonografia Diferenciar tumor de outras lesões.
exame físico, o testículo esquerdo
Alguns tipos elevam alfafetoproteína e
encontra-se aumentado (aproximada- Marcadores
beta-HCG.
mente 6cm), indolor, sem nodulações
Tomografia de abdome e
palpáveis ou hidrocele, porém de con- Avaliar o retroperitônio.
pelve
sistência mais firme do que o testículo
direito, que não apresenta alteração. Radiografia simples de tórax Avaliar metástase pulmonar.
Além da ultrassonografia (USG) da Avaliar metástase quando há maior sus-
Tomografia de tórax
bolsa testicular, quais exames devem peita.
ser solicitados? Histologia É guiada, sempre, por inguinotomia.

a) biópsia com agulha fina guiada por 3. Classificação


ultrassonografia
b) USG de rins e vias urinárias, USG de Os tumores primários de testículo desenvolvem-se, na maioria dos
próstata e dosagem de antígeno prostá- casos, a partir das células germinativas dos túbulos seminíferos; são
tico-específico (PSA) raros os provenientes de outra linhagem celular, como os tumores de
c) dosagem de DHL, alfafetoproteína e células de Sertoli, células de Leydig ou até mesmo sarcomas.
beta-HCG; tomografia de abdome total
e pelve; e radiografia de tórax Didaticamente e por semelhança no diagnóstico e no tratamento, os
d) urina I e urocultura tumores germinativos são divididos em 2 grandes grupos: seminomas
e) dosagem de amilase e sorologia IgG e e não seminomas, com prevalência conforme a Figura 4.
IgM para Rubulavirus (caxumba)
Resposta no final do capítulo

Importante Figura 4 - Prevalência dos tumores primários originados de células germinativas


Os tumores testiculares
seminomatosos não apresen-
tam elevações de marcadores 4. Estadiamento
tumorais e são muito res-
O estadiamento baseia-se na avaliação da peça cirúrgica proveniente
ponsivos à radioterapia. Já
da orquiectomia radical e na presença de metástases para linfonodos
os não seminomatosos muito retroperitoneais e viscerais. A classificação de Boden modificada é uma
comumente apresentam das mais utilizadas:
elevação de alfafetoproteína
e beta-HCG, o que permite o Tabela 4 - Classificação de Boden modificada
diagnóstico bioquímico e o
seguimento do tratamento Estadios Definições
com a dosagem desses Ia Intratesticular
marcadores. I - Tumor restrito ao escroto Invasão de túnica albugínea, epi-
Ib
dídimo ou cordão
câncer de testículo 261

Estadios Definições Pergunta


IIa Metástases microscópicas
II - Metástase em linfonodos
IIb Metástases <2cm 2009 - FMUSP-RP
retroperitoneais
2. Um paciente de 27 anos apresenta,
IIc Metástases >2cm
à palpação, massa endurecida no
III - Metástase supradiafrag- IIIa Metástase pulmonar testículo direito. Os níveis de alfafeto-
mática ou visceral proteína (AFP) e da fração (beta-HCG)
IIIb Metástase mediastinal ou visceral
da gonadotrofina coriônica humana
foram indetectáveis, e a tomografia
5. Tratamento computadorizada do abdome era nor-
mal. A conduta é:
Após a confirmação ultrassonográfica da lesão testicular com carac-
terística de câncer, deve ser realizada a orquiectomia radical com li- a) linfadenectomia retroperitoneal
gadura alta dos elementos do cordão, juntamente ao anel inguinal b) radioterapia inguinal ipsilateral e
interno. Esse procedimento permite o estadiamento primário, com ex- periaórtica
celente controle local e mínima morbidade. A orquiectomia parcial tem c) observação
sido proposta em lesões pequenas, menores do que 2cm, usualmente d) exploração do testículo direito por
em pacientes com testículo único, doença bilateral ou suspeita de lesão via inguinal
benigna. Definido o tipo histológico do tumor, seminoma ou não semi- Resposta no final do capítulo
noma, o tratamento é determinado conforme a presença da doença
metastática.

Tratamento
Nos estadios I e IIa do câncer
de testículo, muitos são cura-
dos apenas com orquiectomia,
entretanto de 20 a 30% apre-
sentam recorrência, geral-
mente aqueles com sinais de
Figura 5 - (A) Orquiectomia radical por via inguinal e (B) peça cirúrgica aberta maior agressividade tumoral
longitudinalmente
na peça cirúrgica, como in-
A - Seminoma vasão vascular, linfática e da
túnica albugínea ou histologia
O grupo dos estadios I e IIa apresenta excelente resposta à radiotera- desfavorável, como carcinoma
pia, visto que o tumor é extremamente radiossensível, e o volume tu- embrionário.
moral nesses casos é pequeno, com aproximadamente 100% de cura.

B - Não seminoma
Nos estadios I e IIa do câncer de testículo, muitos são curados ape-
nas com orquiectomia, entretanto de 20 a 30% apresentam recorrên-
cia, geralmente aqueles com sinais de maior agressividade tumoral na
peça cirúrgica, como invasão vascular, linfática e da túnica albugínea
ou histologia desfavorável, como carcinoma embrionário. Assim, o tra-
Dica
tamento adicional tem sido proposto, sendo as opções linfadenectomia A linfadenectomia retrope-
retroperitoneal ou quimioterapia.
ritoneal primária tem caráter
Devido a cerca de 70% dos pacientes evoluírem para cura após a or- de tratamento e estadiamento
quiectomia, muitos oncologistas propõem apenas observação vigi- do câncer de testículo.
lante, com tomografia periódica. Entre aqueles com dificuldade de
acesso a serviço médico, deve ser realizado tratamento adicional.
262 sic urologia

Pergunta
Cerca de 30% dos pacientes em estadio I e 60% dos em IIa apresenta-
rão metástases linfonodais retroperitoneais. A linfadenectomia retro-
peritoneal pode ser feita por laparoscopia, com redução da morbidade,
apresentando atualmente resultados idênticos aos da cirurgia con-
2011 - UFMS vencional. As técnicas atuais de linfadenectomia preservam a inerva-
3. O sítio linfonodal primário de ção retroperitoneal e evitam o surgimento de ejaculação retrógrada, a
drenagem do testículo direito são: maior complicação das técnicas antigas.

a) os linfonodos lombares
intercavoaórticos
b) os linfonodos inguinais super-
ficiais direitos
c) os linfonodos inguinais profun-
dos direitos
d) os linfonodos ilíacos comuns
direitos
e) os linfonodos no hilo renal
direito
Resposta no final do capítulo

Figura 6 - Limites utilizados para a linfadenectomia retroperitoneal modificada (em


amarelo)

C - Tratamento de lesões avançadas (IIb, IIc e III)


Lesões retroperitoneais pós-quimioterapia são de difícil avaliação, pois
Tratamento podem ser recorrências do tumor primário, teratomas (que não res-
pondem a quimioterapia) ou fibroses.
Independentemente do
A linfadenectomia retroperitoneal pós-quimioterapia é indicada; trata-
tipo histológico de câncer -se de uma cirurgia mais complexa do que o procedimento primário,
de testículo, as lesões pois os tecidos frequentemente estão muito aderidos, devido à intensa
avançadas são tratadas reação desmoplásica e ao fato de a lesão ser ressecada e estar em ín-
por quimioterapia. As timo contato com estruturas vasculares. Mais recentemente, centros
drogas mais comumente de referência em cirurgia minimamente invasiva têm realizado tal pro-
utilizadas são bleomicina, cedimento por via laparoscópica, porém a morbidade ainda é elevada,
cisplatina e etoposídeo. principalmente pelo risco de sangramento de grandes vasos.

Figura 7 - Linfadenectomia pós-quimioterapia


câncer de testículo 263

A quimioterapia é extremamente efetiva no câncer testicular, com óti-


mas respostas, mesmo em tumores metastáticos. Muitos pacientes
com lesões pulmonares ou no sistema nervoso central apresentam re-
solução completa da lesão.

Figura 8 - Lesões pulmonares: (A) pré-quimioterapia e (B) pós-quimioterapia


264 sic urologia

Resumo
Quadro-resumo
Diagnóstico Nódulo ou massa testicular

Exames complemen- Ultrassonografia, tomografia computadorizada de retroperitônio, raio x ou tomografia


tares computadorizada de tórax, marcadores tumorais

Tipo histológico Seminomatosos e não seminomatosos

- Orquiectomia e, a seguir, tratamento conforme histologia e estadiamento;

- Seminoma localizado; estadios I e IIa: orquiectomia e radioterapia do retroperitônio;


Tratamento - Não seminomatoso; estadios I e IIa: orquiectomia; linfadenectomia retroperitoneal ou
quimioterapia;

- Estadios IIb, IIc e III: independentemente da histologia – quimioterapia.

Respostas
das questões do capítulo

1. C
2. D
3. A

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