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Há pelo menos duas teorias éticas, como ensina magistralmente Max Weber:
1. A ética da convicção, entendida como deontologia (tratado dos deveres);
2. A ética da responsabilidade, conhecida como teleologia (estudo dos fins
humanos)1
Escreve Weber:
“toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas
máximas totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode
orientar-se pela ética da responsabilidade ou pela ética da
convicção. Isso não quer dizer que a ética da convicção seja
idêntica à ausência de responsabilidade e a ética da
responsabilidade à ausência de convicção. Não se trata evidente-
mente disso. Todavia, há uma oposição abissal entre a atitude de
quem age segundo as máximas da ética da convicção – em
linguagem religiosa diremos: ‘O cristão faz seu dever e no que diz
respeito ao resultado da ação remete-se a Deus’ – e atitude de quem
age segundo a ética da responsabilidade, que diz: ‘Devemos
responder pelas conseqüências previsíveis de nossos atos.” 2
De forma simplificada, a máxima da ética da convicção diz: "cumpra suas
obrigações" ou "siga as prescrições". Implicitamente, celebra variados maniqueísmos ou
impecáveis dicotomias quando advoga: "tudo ou nada; sim ou não; branco ou preto".
Argumenta que não há meia gravidez nem virgindade relativa; descarta meios-tons e não
tolera incertezas. É uma teoria que se pauta por valores e normas previamente estabeleci-
dos, cujo efeito primeiro consiste em moldar as ações que deverão ser praticadas. Em um
mundo assim regrado, deixam de existir dilemas ou questionamentos, não restam
dúvidas a dilacerar consciências e sobram preceitos a serem implementados; tal qual a
mãe católica que nega a priori qualquer cogitação de aborto. Essa matriz, todavia,
desdobra-se em duas vertentes:
1. A de princípio, que se atém rigorosamente às normas morais estabelecidas, em
um deliberado desinteresse pelas circunstâncias, e cuja máxima sentencia:
"respeite as regras, haja o que houver";
2. A da esperança, que ancora em ideais, moldada por uma fé capaz de mover
montanhas, pois convicta de que todas as coisas podem melhorar, e cuja máxima
preconiza: "o sonho antes de tudo".
Essas vertentes correspondem a modulações de deveres, preceitos, dogmas ou
mandamentos introjetados pelos agentes ao longo dos anos. [...] O modo de decidir e de
agir que a ética da convicção prescreve comporta e conforma muitas morais. Isso
significa que, embora as obrigações se imponham aos agentes, estes não perdem seu
livre arbítrio nem deixam de dispor de variadas opções: em tese, podem até deixar de
orientar-se pelos imperativos morais que sempre os orientar e preferir outros caminhos.
1. Podem adotar outros valores ou princípios, sem deixar de obedecer à mesma
mecânica da teoria da convicção e que consiste em aplicar prescrições, cumprir
ordens, curvar-se a certezas, imbuir-se de rigor, roçar o absoluto;
1
WEBER, Max. Le Savant et le Politique. Paris: Union Générale d’Éditions, 1959, pp. 166-1885.
2
WEBER, Max. Idem, p. 172.
2. podem percorrer a árdua via-crúcis da ética da responsabilidade, assumindo o
ônus das conseqüências das decisões que tomam;
3. podem abandonar toda ética e enveredar pelos desvios tortuosos da vilania,
pois fazer o bem ou o mal é uma escolha, não um destino.[...]
A máxima da ética da responsabilidade, por sua vez, apregoa que somos
responsáveis por aquilo que fazemos. Em vez de aplicar ordenamentos previamente
estabelecidos, os agentes realizam uma análise situacional: avaliam os efeitos previsíveis
que uma ação produz; planejam obter resultados positivos para a coletividade; e
ampliam o leque das escolhas ao preconizar que "dos males, o menor" ou ao visar "fazer
mais bem ao maior número possível de pessoas".A tomada de decisão deixa de ser
dedutiva, como ocorre na teoria da convicção, para ser indutiva. E Por quê?
Porque a decisão:
1. deriva de uma reflexão sobre as implicações que cada possível curso de ação
apresenta;
2. obriga-se ao conhecimento das circunstâncias vigentes;
3. configura uma análise de riscos;
4. supõe uma análise de custos e benefícios;
5. funda-se sempre na presunção de que serão alcançados conseqüências ou fins
muito valiosos, porque altruístas imparciais. [...]
A ética da responsabilidade não converte princípios ou ideais em práticas do
cotidiano, tal como o faz a ética da convicção, nem aplica normas ou crenças
previamente estipuladas, independentemente dos impactos que possam ocasionar. Como
procede então? Analisa as situações concretas e antecipa as repercussões que uma
decisão pode provocar. Dentre as opções que se apresentam, aquela que
presumivelmente traz benefícios maiores à coletividade acaba adotada, ou seja,ganha
legitimidade a ação que produz um bem maior ou evita um mal maior. [...]
De modo similar à ética da convicção, duas vertentes expressam a ética da
responsabilidade:
1. a utilitarista exige que as ações produzam o máximo de bem para o maior
número, isto é, que possam combinar a mais intensa felicidade possível
(critério da qualidade ou da eficácia) com a maior abrangência populacional
(critério da quantidade ou da eqüidade); sua máxima recomenda: "faça o maior
bem para mais gente";
2. a da finalidade que determina que a bondade dos fins justifica as ações
empreendidas, desde que coincida com o interesse coletivo, e supõe que todas
as medidas necessárias sejam tomadas; sua máxima ordena: “alcance
objetivos altruístas, custe o que custar”. [...]
O contraponto fica claro, embora ambas as teorias encontrem no altruísmo imparcial um
denominador comum:
1. as ações cometidas pelos praticantes da ética da convicção decorrem imediatamente
da aplicação de prescrições anteriormente definidas (princípios ou ideais);
2. as ações cometidas pelos praticantes da ética da responsabilidade decorrem da
expectativa de alcançar fins almejados (finalidade) ou conseqüências presumidas
(utilitarismo).
As duas teorias éticas.
Máximas éticas
CONVICÇÃO RESPONSABILIDADE
É uma ética dos deveres, das obrigações É uma ética dos propósitos, da razão, dos
de consciência, das certezas, dos resultados previsíveis, dos prognósticos,
imperativos categóricos, das ordenações das análises de circunstâncias, dos fatores
incondicionais. condicionantes.
Repousa no conforto das respostas Enfrenta a vertigem das perguntas e o
acabadas e das verdades absolutas. desafio das soluções relativistas.
Resta uma importante observação a fazer, relativa ao enfoque teórico adotado aqui: não
é a subjetividade dos agentes que tem o condão de definir o que obedece a tal ou qual orientação
ética, mas os padrões culturais, objetivos e observáveis. A perspectiva, portanto, é sociológica,
macrossocial, e toma as coletividades como referenciais. Não basta alguém imaginar
universalizável uma norma para que ela se torne ética; o juízo moral individual não possui a
faculdade de outorgar "caráter ético” a decisões ou ações.
Fonte: SROUR, Robert Henry. Ética empresarial. A gestão da reputação. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2003, p.106-142