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Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS - ABIA


Rua da Candelária, 79/10o andar - Centro
Cep: 20091-020 - Rio de Janeiro - RJ
Telefone: (21) 2223-1040
Fax: (21) 2253-8495
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DIRETORIA
Diretor-Presidente: RICHARD PARKER
Diretora Vice-Presidente: SONIA CORRÊA
Secretário Geral: OTÁVIO CRUZ NETO
Tesoureiro: JOSÉ LOUREIRO

Coordenador Geral: VERIANO TERTO JR.

REVISÃO TÉCNICA
Ivia Maksud

REVISÃO DA PUBLICAÇÃO
Ivia Maksud

TRADUÇÃO
Cláudia Pinheiro

PROJETO GRÁFICO
Wilma Ferraz
Juan Carlos Raxach

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E PRODUÇÃO GRÁFICA


Wilma Ferraz

A POIO
Horizons Project/The Population Council
Fundação Ford
Fundação John D. e Catherine T. MacArthur

IMPRESSÃO
Gráfica Lidador

TIRAGEM
1.500 exemplares

É permitida a reprodução total ou parcial do artigo desta publicação,


desde que citados a fonte e os autores.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 5

ESTIGMA, DISCRIMINAÇÃO E AIDS 7


I. INTRODUÇÃO 7
II. ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO COMO PROCESSOS SOCIAIS 9
II.1 - CULTURA, PODER E DIFERENÇA 12
II.2 - O USO ESTRATÉGICO DO ESTIGMA NA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA
DESIGUALDADE SOCIAL 14
II.3 - PARA UMA ECONOMIA POLÍTICA DO ESTIGMA E DA EXCLUSÃO SOCIAL 17
III. FONTES DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO RELACIONADAS
AO HIV E À AIDS 18
III.1 - FONTES ANTERIORES AO HIV/AIDS 20
III.2 - FONTES ESPECÍFICAS AO HIV/AIDS 22
III.3 - SINERGIA ENTRE DIFERENTES FONTES DE ESTIGMA 24
IV. FORMAS DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO FRENTE AO HIV E À AIDS 25
IV.1 - EXPERIÊNCIA COLETIVA (SOCIETÁRIA/COMUNITÁRIA) 25
IV.2 - EXPERIÊNCIA INDIVIDUAL 26
V. CONTEXTOS-CHAVE DE ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO AO HIV E À AIDS 28
V.1 - FAMÍLIAS E COMUNIDADES 29
V.2 - EDUCAÇÃO E ESCOLAS 30
V.3 - EMPREGO E LOCAL DE TRABALHO 31
V.4 - SISTEMA DE SAÚDE 32
V.5 - VIAGEM, MIGRAÇÃO E IMIGRAÇÃO 32
V.6 - PROGRAMAS PARA HIV/AIDS 33
VI. UMA NOVA AGENDA PARA PESQUISA E AÇÃO 35
VI.1 - PESQUISA 35
Estudos Conceituais 36
Novos Estudos Investigativos 36
Pesquisas Estratégicas e Orientadas para Políticas 37
VI.2 - INTERVENÇÃO 37
VII. BIBLIOGRAFIA 40

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ÍNDICE DE FIGURAS

FIGURA 1 - Três epidemias 8


FIGURA 2 - Nossos objetivos 9
FIGURA 3 - Estrutura do documento 9
FIGURA 4 - A natureza do estigma 12
FIGURA 5 - Conhecimento/poder e produção do estigma 13
FIGURA 6 - Estigma e estigmatização 14
FIGURA 7 - Poder e cultura 15
FIGURA 8 - Estigmatização 16
FIGURA 9 - Diferentes tipos de identidade 18
FIGURA 10 - Algumas metáforas da AIDS 19
FIGURA 11 - A produção do estigma relacionado ao HIV/AIDS 20
FIGURA 12 - Determinantes do estigma da AIDS
(segundo De Bruyn, 1999) 23
FIGURA 13 - Um círculo vicioso 24
FIGURA 14 - Contextos-chave para a estigmatização e a discriminação
relacionada ao HIV/AIDS 29
FIGURA 15 - Um esquema para a ação 38

4
APRESENTAÇÃO

A
série Cidadania e Direitos pretende disponibilizar à sociedade um
espaço de debate para questões que girem em torno dos direitos
humanos e da cidadania das pessoas que vivem com HIV/AIDS.
Para inaugurá-la, a ABIA elegeu como (desafiadores) temas de discussão o
estigma e a discriminação a que estão submetidas muitas das pessoas que
vivem com HIV ou AIDS.
Com base nesse objetivo, o texto que inicia a série investiga o fenô-
meno realizando uma revisão da literatura sócio-antropológica sobre estig-
ma e discriminação, de um modo geral, analisando os trabalhos sobre AIDS
e estigma, de modo mais específico, e avançando algumas questões para o
entendimento do processo de estigma a que estão submetidas as pessoas
que vivem com HIV e AIDS. Com base nessa primeira discussão, de cunho
mais teórico, os autores propõem alguns passos para a intervenção, elabo-
rando um esquema para a ação.
Esperamos que esse debate possa repercutir tanto nos espaços aca-
dêmicos quanto no movimento social e, em sendo assim, que a sua mensa-
gem final se traduza num maior fortalecimento das pessoas que vivem com
HIV/AIDS enquanto cidadãos.

Richard Parker Veriano Terto Jr.


Diretor-Presidente da ABIA Coordenador Geral da ABIA

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6
ESTIGMA, DISCRIMINAÇÃO E AIDS

RICHARD PARKER1
PETER AGGLETON2

I. INTRODUÇÃO ção que ele buscou caracterizar a pandemia de


rápida disseminação da AIDS (Mann, 1987).

A
o longo de quase duas décadas, enquan- Naquilo que logo se tornaria uma conceituação
to os países, em todo o mundo, lutam amplamente aceita, Mann observou que é possí-
para dar resposta à epidemia de vel identificar pelo menos três fases da epidemia
HIV/AIDS, as questões do estigma, da discri- de AIDS em qualquer comunidade – fases tão
minação e da negação vêm sendo alguns dos di- distintas que podem ser descritas como três epi-
lemas mais mal entendidos e mais persistentes demias diferentes. Ele descreveu a primeira des-
enfrentados pelo desenvolvimento dos progra- sas fases como a epidemia da infecção por HIV
mas de saúde e educação públicas. Na realidade, – uma epidemia que geralmente entra em todas
já no início da resposta global organizada à epi- as comunidades de forma silenciosa e sem ser
demia, quando Jonathan Mann, no papel de Di- notada, e freqüentemente se desenvolve ao lon-
retor Fundador do Programa Global de AIDS go de muitos anos sem ser amplamente percebi-
da Organização Mundial da Saúde, se dirigiu à da ou entendida. Ele descreveu a segunda fase
Assembléia Geral das Nações Unidas em 1987, como a epidemia de AIDS propriamente dita, a
foi, talvez mais do que em qualquer outro aspec- síndrome de doenças infecciosas que podem
to, em relação à estigmatização3 e à discrimina- ocorrer devido à infecção pelo HIV, mas tipica-
mente (devido à ação particular do vírus no sis-
1
ABIA, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Columbia tema imunológico humano) somente após um
University. certo número de anos. Finalmente, ele identifi-
2
Thomas Coram Research Unit, Institute of Education, cou o que descreveu como a terceira epidemia,
University of London.
3
N.RT.: O termo estigmatização refere-se ao processo de estig-
matizar, diferenciando-se assim do estigma em si. Sua utilização em português, para preservar a idéia e o sentido original em-
foi mantida no texto, embora o termo não apresente correlato pregado pelos autores.

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potencialmente a mais explosiva, como a epide- no caminho da ação conjunta, seja no nível co-
mia das respostas sociais, culturais, econômicas munitário, nacional ou global, de tal forma que a
e políticas à AIDS – reações que vêm se caracte- ação contra o estigma se ramifique para cada um
rizando, principalmente, por níveis excepcional- dos aspectos do trabalho com o HIV” (Piot,
mente altos de estigma, discriminação e, certas 2000).
vezes, negação coletiva que, para usar as pala- Apesar dos anos que separam essas duas
vras de Mann, “são uma questão tão central para declarações importantes, e apesar dos recursos
a AIDS global quanto a doença em si” (Mann, imensos que já foram mobilizados para contro-
1987) (Figura 1). lar a epidemia, a questão do estigma continua no
centro de toda a luta contra a pandemia global
de AIDS. Embora se tenham alcançado vitórias
Figura 1 - Três epidemias
claramente – particularmente no desenvolvimen-
to de tratamentos novos e mais eficazes e de te-
rapias para as pessoas que vivem com o HIV em
Epidemia Epidemia Epidemia do
do HIV da AIDS estigma, dis- ambientes que dispõem de recursos – muito
criminação e menos tem sido obtido na tentativa de superar o
negação impacto do estigma e da discriminação nas vi-
das dos afetados pela epidemia. Sendo biologi-
Inicialmente Mais tarde camente tão complexo como é o Vírus da
Imunodeficiência Humana, essa complexidade se
empalidece em comparação com a complexida-
Cerca de 15 anos depois, o Programa de de das forças sociais envolvidas na produção e
AIDS da OMS (WHO/GPA) não existe mais. reprodução do estigma em relação ao HIV e à
Em 1995, o WHO/GPA foi substituído pelo AIDS (ver Malcolm et al., 1998; UNAIDS, 2000).
Programa Conjunto das Nações Unidas para o Pelo menos em parte, a nossa incapacida-
HIV/AIDS (UNAIDS), que reúne seis órgãos de coletiva para enfrentar de forma mais ade-
diferentes das Nações Unidas com o objetivo quada a estigmatização, a discriminação e a ne-
explícito de reconhecer as dimensões múltiplas gação em relação ao HIV e à AIDS está ligada à
da epidemia. E, mesmo assim, quando Peter Piot, disponibilidade relativamente limitada de instru-
o Diretor Executivo da UNAIDS desde a sua mentos teóricos e metodológicos para lidarmos
criação, dirigiu-se à 10a reunião do Grupo de com o problema. O objetivo principal desta aná-
Coordenação de Programas do órgão, em de- lise é, portanto, examinar a literatura disponível
zembro de 2000, nas suas conclusões finais ele sobre o estudo do estigma e da discriminação,
delineou o que descreve como “o desafio contí- tanto independentemente do HIV/AIDS quan-
nuo”. O que encabeçava a sua lista dos “cinco to mais especificamente em relação a ele, para
itens mais prementes da sua agenda para a co- desenvolver uma estrutura conceitual mais ade-
munidade mundial” era a necessidade de um “es- quada à reflexão sobre a natureza desses proces-
forço renovado para combater o estigma” (Piot, sos. Objetivamos ainda apontar caminhos de
2000). E continuou enfatizando: “isto exige es- possíveis atividades de intervenção que poderi-
forço de nós todos, dos líderes e de cada um de am minimizar o impacto do estigma e da discri-
nós pessoalmente. O combate efetivo ao estig- minação e os seus efeitos prejudiciais em relação
ma removerá o que ainda é um bloco de pedra à epidemia (Figura 2).

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Figura 2 - Nossos objetivos perturbadora continuidade desses processos so-
ciais desde a metade da década de 80 até agora, e
Analisar a literatura relativa a estigma, estig- dando resposta àquilo que Jonathan Mann e Peter
matização e discriminação Piot identificaram como talvez o mais importante
Desenvolver uma estrutura conceitual para obstáculo para respostas sociais e de saúde pú-
entender esses processos em relação ao HIV blica efetivas à epidemia global (Figura 3).
e à AIDS
Identificar opções adequadas de intervenção Figura 3 - Estrutura do documento

Tendo isto em mente, nossa análise foi di- Histórico


vidida em seis seções principais. Após esta in- Estigma e discriminação como processos so-
trodução, passaremos a uma discussão da ciais
estigmatização e discriminação entendidas não Fontes de estigma a discriminação
tanto como coisas ou disposições psicológicas Formas de estigma e discriminação
da parte dos indivíduos, mas como processos Contextos de estigma e discriminação
sociais ligados às estruturas e funcionamentos Uma agenda para pesquisa e ação
do poder que só podem ser totalmente entendi-
dos e respondidos por meio de modelos sociais II. ESTIGMA E DISCRIMINAÇÃO COMO
de análise e intervenção. Na terceira seção, base- PROCESSOS SOCIAIS
ada neste entendimento da estigmatização e dis-
criminação como processos sociais, vamos exa- Muito do que já se escreveu sobre estigma,
minar as fontes sociais de tais processos, dando discriminação e (talvez em menor escala) nega-
particular atenção às fontes de estigma que já exis- ção no contexto do HIV e da AIDS enfatizou a
tiam antes do aparecimento do HIV e da AIDS; complexidade desses fenômenos, e atribuiu a
novas fontes que parecem ter surgido ou se adap- nossa incapacidade de reação a eles à sua nature-
tado especificamente em relação à epidemia de za complexa e ao seu alto grau de diversidade nos
HIV/AIDS; e a poderosa sinergia entre essas diversos ambientes culturais. Como enunciado
duas fontes, ao longo do desenvolvimento his- num Documento Conceitual recente da USAID:
tórico da epidemia. Na quarta seção da análise, “É um problema difícil, porque por trás da apa-
veremos em detalhe as formas que a rente universalidade do problema de ED&N (es-
estigmatização e a discriminação frente ao HIV tigma, discriminação e negação) relacionado ao
e a AIDS tomaram, tanto no nível coletivo das HIV/AIDS parece haver uma diversidade e uma
sociedades e comunidades como no nível da sub- complexidade difíceis de abordar de uma forma
jetividade e práticas individuais. Na quinta seção, programaticamente útil” (USAID, 2000).
exploraremos alguns dos contextos principais da Embora seja importante reconhecer que o
estigmatização relativa ao HIV e à AIDS – inclu- estigma, a discriminação e a negação estão longe
sive escolas, locais de trabalho e o sistema de saú- de ser construções individuais, e que se caracte-
de pública. E, finalmente, na sexta e conclusiva rizam por um alto grau de diversidade e com-
seção do documento, ofereceremos uma nova plexidade intercultural, um dos fatores mais im-
agenda de pesquisa e ação em resposta ao estigma portantes que limitam o nosso entendimento
e à discriminação ligados ao HIV/AIDS – uma desses fenômenos até agora poderá ser menos a
agenda que tem a finalidade de interromper a sua complexidade inerente do que a relativa sim-

9
plicidade das estruturas conceituais existentes. (Goffman, 1988). Embora o termo em si tenha
Para fazer um sério progresso na análise e na res- uma longa história (que remonta à Grécia Clássi-
posta a esses fenômenos, poderá ser necessário, ca, onde se referia a sinais corporais feitos com
portanto, não somente atender à sua complexi- cortes ou fogo no corpo dos excluídos), ele só
dade e especificidade transculturais, mas também entrou em grande escala na análise sociológica
repensar algumas estruturas aceitas indiscutivel- através do trabalho de Goffman (ver Marshall,
mente e dentro das quais temos sido estimula- 1998:642). Com base na experiência de pesquisa
dos a estudá-los. com pessoas que sofrem de doença mental, pos-
Como um primeiro passo nessa direção, e suem deformidades físicas ou têm práticas per-
para os fins desta análise, priorizaremos a dis- cebidas como socialmente desviantes (como o
cussão da estigmatização e da discriminação. De homossexualismo ou o comportamento criminal),
fato, nossa análise sugere que as origens sociais Goffman argumentou que o indivíduo estigma-
da estigmatização e da discriminação podem de tizado é visto, assim, como uma pessoa que pos-
fato ser bastante diferentes daquelas da negação, sui “uma diferença indesejável” (Goffman, 1988).
que é um construto muito mais psicológico (a Ele observa que o estigma é atribuído pela
não ser quando analisada distintamente como sociedade com base no que constitui “diferença”
negação coletiva). É notável observar, por exem- ou “desvio”, e que é aplicado pela sociedade por
plo, que enquanto o Oxford Dictionary of Sociology meio de regras e sanções que resultam no que ele
contém verbetes significativos sobre estigma e descreve como um tipo de “identidade deterio-
discriminação, reconhecendo a sua longa histó- rada” para a pessoa em questão (Goffman, 1988).
ria na análise social, não há verbete relativo à Tão úteis e importantes quanto as primei-
negação (ver Marshall, 1998).4 ras formulações de Goffman para esse proble-
Normalmente, as discussões sobre o estig- ma, é um entendimento mais completo da
ma, particularmente em relação ao HIV e à AIDS, estigmatização, pelo menos em relação ao seu
tomaram como seu ponto de partida o trabalho, funcionamento no contexto do HIV/AIDS, que
hoje clássico, de Erving Goffman, ao definir es- exige de nós que abramos esta categoria analíti-
tigma como “um atributo que é profundamente ca – e que repensemos as direções que ela coloca
depreciativo” e que, aos olhos da sociedade, no nosso trabalho de pesquisa e de intervenção.
serve para desacreditar a pessoa que o possui Acima de tudo, a ênfase colocada por Goffman
no estigma como um “atributo depreciativo” nos
4
De fato, embora a estigmatização, a discriminação e a negação levou a olhar para o estigma como se ele fosse
venham sendo lingüisticamente ligadas como um trio aparen-
temente unificado nos escritos sobre HIV e AIDS – e até po-
tencialmente reificadas pelo uso de designações abreviadas, como possa ter causas sociais e históricas bastante diferentes daquelas
“DSD” e “SD&D” (que remetem às iniciais dos termos na da estigmatização e da discriminação. Em resumo, sugerimos
língua inglesa) em muitos documentos programáticos – esta que a negação coletiva em relação ao HIV e a AIDS, da mesma
ligação tem sempre sido assumida implicitamente e não forma que as formas de “pânico moral” que receberam bem
investigada ou analisada. Argumentaríamos que essa hipótese maior atenção da pesquisa em relação à epidemia (ver Weeks,
pode muito bem ser contraproducente, e que à luz do estado 1989; Watney, 2000), mereça uma análise detalhada e um desen-
atual do conhecimento e do debate é mais produtivo examinar volvimento conceitual para vencer o seu uso altamente não sis-
a estigmatização, a discriminação e a negação como conceitos temático no discurso atual. Tal análise, entretanto, nos levaria
analiticamente separados, que merecem estruturas teóricas dis- bem além do espaço e dos recursos disponíveis para a presente
tintas. Embora se possa demonstrar que a negação tem, afinal, análise, e por essa razão decidimos focalizar a nossa atenção, na
ligações com a estigmatização e a discriminação, não existe a maior parte da presente discussão, nos conceitos mais clara-
priori razão para concluir que seja assim, bem como não há razão mente (e mais sistematicamente) interrelacionados de estigma-
para concluir que a negação em relação ao HIV e à AIDS não tização e discriminação relacionados à epidemia de HIV/AIDS.

10
um tipo de coisa (particularmente, um valor cul- mento injusto” – ocorre com mais freqüência na
tural ou mesmo individual) — uma característi- sociologia no contexto das teorias das relações
ca ou aspecto relativamente estático, embora étnicas e raciais. Os primeiros sociólogos… viam
culturalmente construído em algum nível. A ên- a discriminação como uma expressão de
fase que o trabalho de Goffman deu à posse de etnocentrismo — ou, em outras palavras, um fe-
uma “diferença indesejável” que leva a uma “iden- nômeno cultural de “não gostar dos diferentes”’
tidade deteriorada,” por sua vez, tende a enco- (Marshall, 1998:163). Ele continua, entretanto,
rajar uma análise altamente individualizada, na sugerindo que as análises sociológicas mais re-
qual as palavras vêm caracterizar as pessoas de centes de discriminação “se concentram em pa-
maneira relativamente não mediata. Dessa for- drões de dominação e opressão, vistas como
ma o estigma, entendido como um atributo ne- expressões de busca de poder e privilégio”
gativo, é mapeado sobre as pessoas, que por sua (Marshall, 1998:163).5
vez e em virtude de sua diferença entendem-se Esta ênfase sociológica nas dimensões es-
como negativamente valoradas na sociedade. truturais da discriminação é particularmente útil
É importante reconhecer que nenhuma para nos ajudar a pensar de forma mais sensível
dessas ênfases deriva diretamente de Goffman, sobre como a estigmatização e a discriminação
que, pelo contrário, tinha grandes preocupações se manifestam em relação ao HIV e à AIDS. Para
com as questões da mudança social e da cons- ir além das limitações do pensamento corrente
trução social das realidades individuais. Na rea- nessa área precisamos rever nossos entendimen-
lidade uma leitura do trabalho de Goffman po- tos sobre estigmatização e discriminação para
deria sugerir que, como conceito formal, a conceituá-los como processos sociais. Acima de
estigmatização capta mais uma relação de desva- tudo, precisamos enfatizar que esses processos
lorização do que um atributo fixo. Mesmo assim só podem ser entendidos em relação a noções
o fato de que a estrutura de Goffman tenha sido mais amplas de poder e dominação. Na nossa visão,
utilizada em muitas pesquisas sobre HIV/AIDS o estigma desempenha um papel central na pro-
como se o estigma fosse uma atitude estática e dução e na reprodução das relações de poder e
não um processo social em constante mutação de controle em todos os sistemas sociais. Faz
limitou seriamente as maneiras pelas quais se têm com que alguns grupos sejam desvalorizados e
abordado a estigmatização e a discriminação em que outros se sintam de alguma forma superio-
relação ao HIV e à AIDS. res. Em última análise, portanto, estamos falan-
É interessante notar que enquanto as refe-
rências ao estigma e a estigmatização no traba- 5
É interessante notar que no Oxford Dictionary of Sociology, o
lho sobre HIV e AIDS reconhecem tipicamente verbete discriminação está ligado, pelas associações típicas entre
Goffman e seu trabalho como precursores inte- os verbetes dos dicionários, não a estigma mas a preconceito e
sexismo. O preconceito, por sua vez, é descrito como “uma atitu-
lectuais, a discussão mais próxima da discrimi- de desfavorável em relação a um grupo ou aos seus membros
nação raramente se enquadra em qualquer tradi- individuais (Marshall, 1998:522). Na pesquisa sobre HIV/AIDS,
ção teórica. O significado da discriminação nor- embora o estigma tenha sido empregado extensivamente para
descrever atitudes relacionadas à AIDS, o termo preconceito
malmente é tomado como já dado, como se já parece ter sido usado com freqüência muito menor. Como ten-
tivesse sido definido ou fosse óbvio com base taremos explicar ao longo deste texto, estamos convencidos de
no uso comum. Como estipula o Oxford Dictionary que essas questões de uso lingüístico não são simplesmente
inconseqüentes. Elas têm, na realidade, implicações importantes
of Sociology, entretanto, ‘[este] conceito – que no sobre as maneiras pelas quais as sociedades vêm respondendo à
seu uso comum significa simplesmente “trata- estigmatização e à discriminação relacionadas ao HIV/AIDS.

11
do de desigualdade social. Para confrontar e enten- sobre quando ele aparece e sobre a forma que
der corretamente as questões da estigmatização ele assume. O entendimento desta história e de
e da discriminação, seja em relação ao HIV e à suas conseqüências prováveis para os indivíduos
AIDS ou a qualquer outra questão, é necessário, e comunidades afetados pode nos ajudar a de-
portanto, que pensemos de maneira mais ampla senvolver melhores medidas para combatê-lo e
sobre como alguns indivíduos e grupos vieram para reduzir os seus efeitos. Em segundo lugar, é
a se tornar socialmente excluídos, e sobre as for- importante entender melhor como o estigma é
ças que criam e reforçam a exclusão em diferen- usado pelos indivíduos, comunidades e pelo Es-
tes ambientes. tado para produzir e reproduzir desigualdade
Felizmente existem muitos trabalhos em social. Terceiro, é importante reconhecer como
ciências sociais e ciência política relacionados o entendimento do estigma e da discriminação
diretamente a essa tarefa,6 mas até agora pouco nestes termos encoraja o foco sobre a economia
tem sido utilizado na pesquisa de HIV/AIDS. política da estigmatização e suas ligações à ex-
Isso, suspeitamos, é o resultado do estigma e da clusão social (Figura 4).
discriminação concebidos como processos indi-
viduais – ou como algo que certos indivíduos Figura 4 - A natureza do estigma
fazem a outros. Embora tais visões possam pa-
recer lógicas em culturas altamente individuali- O estigma é contextual
zadas (tais como os EUA e certas partes da Eu- O estigma é histórico
ropa) onde se ensina às pessoas que elas são agen- O estigma é empregado estrategicamente
tes livres, elas não fazem muito sentido em ou- O estigma produz e reproduz relações e desi-
tros ambientes. Em grande parte do mundo em gualdades sociais
desenvolvimento, por exemplo, as ligações e ale-
gações ligadas à família, vizinhança e comunida- II.1 - CULTURA, PODER E DIFERENÇA
de explicitam que o estigma e a discriminação,
onde e quando aparecem, são fenômenos sociais Indo além das visões que a obra de
e culturais ligados às ações de grupos inteiros de Goffman proporciona, é útil valer-se de algumas
pessoas, e não conseqüências de comportamen- das visões teóricas mais amplas de autores como
to individual (UNAIDS, 2000). Michel Foucault no que diz respeito à relação
Um dos nossos objetivos principais, por- entre a cultura ou conhecimento, poder e noções
tanto, é demonstrar como tal trabalho pode ser de diferença. Embora o trabalho de Foucault
relevante para a análise da estigmatização e discri- tenha sido realizado mais ou menos na mesma
minação ligadas ao HIV e à AIDS. Nós o faremos época que o de Goffman (anos 60 e 70) e focado
lançando a nossa atenção sobre três conjuntos- em preocupações semelhantes – questões como
chave de assuntos. Primeiro, é importante reco- doença mental, crime e castigo, e a construção
nhecer que o estigma e a estigmatização se for- social do desvio de forma mais geral – havia ori-
mam em contextos específicos de cultura e po- gens culturais, intelectuais e disciplinares diver-
der. O estigma nunca surge em um vácuo social. sas. Enquanto a obra de Goffman foi muito in-
Ele tem sempre uma história, que tem influência fluenciada pela sociologia dos EUA da época, e
teve seu foco na construção social dos significa-
6
Em particular, a obra de autores como Michel Foucault, Pierre dos pela interação, a obra de Foucault se formou
Bourdieu, Antonio Gramsci e Manuel Castells, descritas a seguir. em contexto muito diverso. Particularmente, e

12
alinhado com os projetos contemporâneos da ligada aos regimes estabelecidos de conhecimen-
filosofia social européia, ele queria entender me- to e poder. O assim chamado excêntrico é ne-
lhor como formas diferentes de conhecimento cessário para a definição do natural, o anormal é
se constituem em períodos históricos diversos. necessário para a definição da normalidade, e
Para Foucault, campos como a psiquiatria assim por diante (Figura 5).
e a biomedicina são mais bem entendidos como
sistemas culturais que oferecem reivindicações Figura 5 - Conhecimento/poder e
diversas à verdade. As provas que coletam e os produção do estigma
entendimentos que promovem não são “fatos”
ou “verdades” no sentido comum, e sim produ- Conhecimento/ Sujeição e conformidade
Poder
tos sociais ligados ao poder das profissões. Esta
visão radical do conhecimento e entendimento
humano leva a um nível de humildade em face
da “prova” sobre o mundo – os entendimentos Conhecimento/ Produção cultural da diferença
são contextuais e provisórios (e isso se aplica Poder
mesmo às “ciências duras/naturais” e à
biomedicina), e devem ser sempre entendidos
assim. Com a evolução do seu trabalho, entre- Estigma
tanto, Foucault começou a dirigir a sua atenção (Diferença social valorizada
negativamente)
não somente ao conhecimento em si, mas tam-
bém à relação entre conhecimento e poder. Ele
estava particularmente interessado no que cha- Ao se deter em questões similares àquelas
mava de regimes de poder embutidos nos diver- examinadas por Goffman na sua obra sobre o
sos sistemas de conhecimento, e as formas de estigma (por exemplo, a psiquiatria e os doentes
controle exercidas por tais sistemas sobre os mentais; as prisões e os criminosos; a sexologia
corpos individuais, assim como sociais. e os desviantes sexuais ou “pervertidos” etc.), o
Os estudos mais influentes que Foucault fez trabalho de Foucault enfatizou mais claramente
sobre o poder, Vigiar e Punir (Foucault, 1977) e a produção cultural da diferença a serviço do
A História da Sexualidade, volume I: A Vontade de poder. Embora a obra de Goffman sobre o es-
Saber (Foucault,1988), enfatizavam o que ele de- tigma mal mencione a noção de poder, e a obra
finia como novo regime de conhecimento/po- de Foucault sobre o poder pareça não estar pre-
der que caracterizou as sociedades européias ocupada com o estigma em si, quando os dois
modernas (e depois grande parte do mundo) trabalhos são lidos concomitantemente vem à
durante o final do século dezenove e começo do tona, inevitavelmente, a questão da estigma-
século vinte. Dentro desse regime, a violência fí- tização culturalmente construída (ou seja, a pro-
sica ou a coerção foram cada vez mais dando dução da diferença valorizada negativamente)
lugar ao que ele descreveu como “sujeição”, ou como central para o trabalho do poder – e, por-
controle social exercido não através da força fí- tanto, para o estabelecimento e a manutenção da
sica, e sim pela produção de sujeitos adestrados ordem social. E embora o trabalho do próprio
e corpos dóceis. Ele explicou como a produção Foucault tenha se detido claramente no que po-
social da diferença (o que Goffman e a tradição deria ser descrito como o mundo “moderno”
sociológica dos EUA definem como desvio) está formado no Ocidente industrializado, e nos sis-

13
temas de conhecimento presentes neste contex- A estigmatização é legitimada pelas “estru-
to histórico e cultural muito específico, a sua ên- turas da verdade”
fase sobre a produção cultural de diferenças pode A estigmatização liga ao “posicionamento”
ser expandida com muita facilidade para a análi- de um grupo social na sociedade
se de ambientes sociais muito diversos por meio
do foco sobre aquilo que o antropólogo Clifford II.2 - O USO ESTRATÉGICO DO ESTIGMA NA
Geertz descreveu como sistemas de “saber local” PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DA DESIGUALDADE
(Geertz, 1997). Da mesma maneira que Foucault SOCIAL
demonstrou o caminho pelo qual as formas de
elite do conhecimento (psiquiatria, demografia, A colocação da cultura, poder e diferença
e outras) ajudam a constituir diferenças em soci- no centro do palco em relação ao estigma,
edades modernas e complexas, as formas de co- estigmatização e discriminação abre novas pos-
nhecimento mais localizadas ou populares (cren- sibilidades para a pesquisa e a intervenção. En-
ças religiosas, senso comum e outras) também tretanto, uma conceituação mais completa deste
produzem diferenças em ambientes sociais mais campo exige que entendamos as maneiras pelas
simples ou de menor escala (ver Geertz, 1997). quais esses processos sociais funcionam. Ainda
Dentro de tal estrutura, a construção do que as visões de Michel Foucault sejam impor-
estigma (ou, de forma mais simples, a estig- tantes para o entendimento do funcionamento
matização) envolve a sinalização de diferenças do poder, há algumas limitações em seu traba-
significativas entre categorias de pessoas e, por lho (principalmente quando procuramos aplicá-
meio de tal marcação, sua inserção nos sistemas lo às intervenções). Ao descentralizar o sujeito e
ou estruturas de poder. De fato, o estigma e a questionar as possibilidades do agenciamento
estigmatização funcionam, literalmente, no pon- humano, a conceituação dos usos intencional-
to de intersecção entre cultura, poder e diferença – e mente estratégicos do poder ou os tipos de ação
é somente explorando as relações entre essas ca- social que poderão estar envolvidos na resistên-
tegorias diferentes que se torna possível enten- cia aos efeitos negativos torna-se difícil de ser
der o estigma e a estigmatização não simplesmen- obtida (apesar da idéia foucaultiana que diz que
te como fenômenos isolados, ou como expres- onde quer que se encontre poder se encontrará
sões de atitudes individuais ou de valores cultu- resistência). Para construir um entendimento mais
rais, e sim como centrais para a constituição da completo da estigmatização como um processo
ordem social. Este novo entendimento tem im- social, portanto, precisamos tentar entender
plicações importantes sobre a maneira pela qual como o estigma é usado para produzir e repro-
poderemos investigar e dar resposta às questões duzir desigualdade social.
específicas envolvidas no estigma, na Entender o estigma como construído no
estigmatização e na discriminação relacionadas ponto de intersecção entre a cultura, o poder e a
ao HIV e à AIDS (Figura 6). diferença permite o uso de uma gama de novas
ferramentas analíticas através das quais pode-
Figura 6 - Estigma e estigmatização remos avançar no nosso entendimento dos mo-
dos pelos quais a estigmatização funciona ou
O estigma é auxiliar da sociedade da “ordem” opera. A esse respeito, as noções de violência sim-
O estigma não é uma atitude individual ou um bólica (associada, em particular, ao trabalho socio-
valor cultural lógico de Pierre Bourdieu) e hegemonia (inicial-

14
mente elaborada na teoria política de Antonio casos mais típicos sem gerar grande resistência
Gramsci, mas recentemente empregada com dos que estão sujeitos à dominação e, de fato,
proveito nas análises culturais empreendidas sem o reconhecimento consciente dos seus mem-
por autores como Raymond Williams, Stuart bros. Todos os significados e práticas culturais
Hall e outros) são particularmente úteis. Tais englobam interesses e funcionam de forma a au-
conceitos esclarecem não somente as funções da mentar as distinções sociais entre indivíduos, gru-
estigmatização em relação ao estabelecimento da pos e instituições. O poder, portanto, está no
ordem e do controle sociais, mas também os cerne da vida social e é usado para ela, mas é
efeitos de desconstrução da estigmatização nas empregado muito mais claramente para legitimar
mentes e corpos daqueles que são estigmati- desigualdades de status dentro da estrutura so-
zados. cial. A socialização cultural coloca os indivídu-
Tal como a obra de Foucault, a de Pierre os, bem como os grupos, em posições de com-
Bourdieu se ocupou das relações entre cultura e petição por status e por recursos valorizados, e
poder.7 Seu objetivo era examinar como sistemas ajuda a explicar como os atores sociais lutam e
sociais estratificados de hierarquia e dominação desenvolvem estratégias que têm por finalidade
persistiam e se reproduziam pelas gerações, nos obter interesses específicos (Figura 7).

Figura 7 - Poder e cultura

Sistemas de hierarquia e dominação

Classe Gênero Raça Sexualidade etc...

Criar, manter e reforçar diferenças sociais

Relações de Relações de Divisões Divisões etc...


classe gênero raciais e étnicas sexuais

que afetam

O que as coisas significam O que as pessoas podem fazer


SIGNIFICADOS CULTURAIS PRÁTICAS CULTURAIS

7
Enquanto Foucault tendia a priorizar a relação entre cultura,
poder e diferença de maneira relativamente estática (embora forma muito mais clara para as relações entre cultura, poder,
marcada por mudanças ou disjunções radicais de um período estrutura social e ação social (ver, por exemplo, Bourdieu, 1983,
histórico a outro), Bourdieu, por sua vez, dirigiu sua atenção de 1984; Bourdieu & Passeron, 1982).

15
A violência simbólica descreve o processo ela é parte das complexas lutas pelo poder que
pelo qual os sistemas simbólicos (palavras, ima- estão no coração da vida social. Dito de forma
gens e práticas) promovem os interesses dos gru- mais concreta, o estigma é empregado por
pos dominantes, bem como distinções e hierar- atores sociais reais e identificáveis que bus-
quias entre eles, ao mesmo tempo em que legiti- cam legitimar o seu próprio status dominan-
ma essa escala ao convencer os dominados da te dentro das estruturas de desigualdade
aceitação das hierarquias existentes. O conceito social existentes.
de violência simbólica, portanto, tem muito em Além de nos ajudar a entender que a
comum com a noção de hegemonia elaborada estigmatização é parte de um esforço social com-
por Gramsci e repensada por teóricos culturais plexo em relação às estruturas de desigualdade,
como Raymond Williams. Enquanto a ‘regra’ se as noções de violência simbólica e hegemonia
baseia na coerção direta, a ‘hegemonia’ se ob- também nos ajudam a entender como é que as
tém através de uma interação complexa entre pessoas freqüentemente estigmatizadas e discri-
forças políticas, sociais e culturais que organizam minadas pela sociedade aceitam e até
significados e valores dominantes no campo so- internalizam o estigma a que estão sujeitas. Pre-
cial para legitimar as estruturas da desigualdade cisamente porque estão sujeitas a um aparato
social, mesmo para os que são os objetos da simbólico opressivo cuja função é legitimar de-
dominação (Gramsci, 1970; Williams, 1977, sigualdades de poder com base em entendimen-
1982). tos diferentes de valor e valia, a capacidade dos
No que diz respeito à estigmatização e à indivíduos ou grupos oprimidos, marginalizados
discriminação, tais visões são importantes por e estigmatizados para resistir às forças que os
diversas razões. Primeiro, como argumenta discriminam, é limitada. Para soltar as amarras da
Bourdieu, se todos os significados e práticas cul- estigmatização e da discriminação que prendem
turais englobam interesses e sinalizam distinções os que estão sujeitos a elas é preciso questionar,
sociais entre indivíduos, grupos e instituições, portanto, as próprias estruturas de igualdade e
então poucos significados e práticas o fazem tão desigualdade em qualquer cenário social – e na
claramente quanto o estigma, a estigmatização e medida em que todas as sociedades conhecidas
a discriminação. O estigma e a discriminação, estão estruturadas sobre bases múltiplas (ainda
portanto, operam não somente em relação à di- que não necessariamente as mesmas) de formas
ferença (como as nossas leituras de Goffman e de hierarquia e desigualdade, colocar esta estru-
Foucault tenderiam a enfatizar), mas até mais cla- tura em questão é questionar os princípios mais
ramente em relação às desigualdades sociais e básicos da vida social (Figura 8).
estruturais. De fato, é possível ver a estigma-
tização desempenhando um papel chave na trans-
formação da diferença em desigualdade, e pode Figura 8 - Estigmatização
funcionar, em princípio, em relação a qualquer
dos eixos principais da desigualdade estrutural Ligada às desigualdades de poder
interculturalmente presente: classe, gênero, ida- Faz as desigualdades sociais parecerem ‘razo-
de, raça ou etnia, sexualidade ou orientação se- áveis’
xual, e assim por diante. Segundo, e mais impor- Cria uma hierarquia social (por exemplo, o es-
tante ainda, a estigmatização simplesmente não tigmatizado X o não estigmatizado)
ocorre de uma maneira abstrata. Pelo contrário, Cria e reforça a exclusão social

16
Esta nova ênfase sobre a estigmatização literatura não vem sendo utilizada, em sua maior
como processo ligado à competição pelo poder, parte, para tratar de questões relativas ao HIV e
legitimação da hierarquia e desigualdade social é à AIDS, e quase nunca foi usada para examinar e
especialmente importante para enfrentar a responder a estigmatização e discriminação re-
estigmatização e a discriminação relacionadas ao lacionadas a eles. Uma atenção maior a esta eco-
HIV e à AIDS. Ela encoraja um movimento para nomia política mais ampla da exclusão social po-
além dos tipos de modelos psicológicos e abor- deria nos ajudar a pensar, potencialmente, sobre
dagens que dominaram grande parte dos traba- contextos e funções do estigma relacionado ao
lhos executados nesse campo até agora (por HIV e a AIDS, bem como sobre estratégias mais
exemplo, Crawford, 1996; Herek, 1990; Herek e adequadas para respondê-lo.
Capitano, 1997; Kelley et al., 1987), modelos que Para fazê-lo, é imperativo situar historica-
muito freqüentemente vêem o estigma como uma mente a análise do HIV/AIDS, e observar que a
coisa que os indivíduos impõem uns aos ou- epidemia se desenvolveu durante o período de
tros. Isto dá nova ênfase às forças mais amplas, rápida mudança social que costuma ser descrito
sociais, culturais, políticas e econômicas que como globalização. A característica principal
estruturam o estigma, a estigmatização e a dis- deste período, que vem, aproximadamente, do
criminação como processos sociais inerentemente final dos anos 70 até hoje, tem sido uma
ligados à produção e reprodução de desigualda- reestruturação radical da economia mundial, li-
des estruturais. gada ao crescimento do que vem sendo descrito
como capitalismo informacional (ver, por exem-
II.3 - PARA UMA ECONOMIA POLÍTICA DO ESTIG- plo, Castells, 1999a, 1999b, 1999c). Essas trans-
MA E DA EXCLUSÃO SOCIAL formações vêm se caracterizando por processos
rapidamente acelerados de exclusão social, jun-
Um foco sobre as relações entre cultura, tamente com uma interação intensificada entre o
poder e diferença na determinação da que poderia ser descrito como forma “tradicio-
estigmatização motiva um entendimento da nal” e “moderna” de exclusão. Dentre os pro-
estigmatização e discriminação ligadas ao HIV e cessos mais vívidos descritos pelas pesquisas re-
à AIDS como parte do que talvez possa ser des- centes encontra-se o rápido aumento da
crito da melhor forma como economia políti- feminização, da pobreza e da bipolarização en-
ca da exclusão social presente no mundo con- tre ricos e pobres, tanto no chamado mundo
temporâneo. É importante lembrar que existe desenvolvido como no mundo em desenvolvi-
uma extensa literatura de pesquisa teórica e mento. Entretanto, as novas formas de exclusão,
empírica que examina o mecanismo e as conse- associadas à reestruturação econômica e às trans-
qüências da exclusão social, intercultural e inter- formações globais, reforçaram praticamente em
nacional (ver, por exemplo, a análise em relação todos os lugares as desigualdades e exclusões
à saúde em Purdy & Banks, 1999; sobre o parti- preexistentes, tais como o racismo, a discrimina-
cular impacto da pobreza sobre a saúde em ge- ção étnica e os conflitos religiosos. Esta interação
ral e sobre o HIV/AIDS especificamente, ver, intensa entre as formas múltiplas de desigualda-
também, World Bank, 1993, 1997). Infelizmen- de e exclusão oferece um modelo geral para uma
te, com apenas umas poucas exceções (ver, por análise da interação entre as formas múltiplas de
exemplo, Farmer, Connors & Simmons, 1996; estigma que tipificaram a história da epidemia
Parker & Camargo Jr., 2000; Singer, 1998), esta do HIV e da AIDS. Examinando a sinergia entre

17
as diversas formas de desigualdade e estigma, posição na sociedade e, por assim fazê-lo, bus-
poderemos estar em melhores condições de de- cam a transformação da estrutura social como
samarrar as complexas teias de significado e po- um todo’ (Castells, 1999b, p. 24) (Figura 9).
der que operam no estigma, na estigmatização e
na discriminação ao HIV e à AIDS. Figura 9 - Diferentes tipos de identidade
Segundo, e igualmente importante, o tra-
balho recente sobre a transformação do sistema
global e da economia política do informacio-
nalismo no final do século vinte e início do vinte
e um tem chamado a atenção para a importância Identidades Identidades
crescente da identidade (ou, muitas vezes, iden- de legitimação Projetos de legitimação
tidades) como central para a experiência contem- de
porânea. Isto é particularmente útil na busca do Identidades
confronto entre as questões da estigmatização,
precisamente porque essa consideração nos per- Identidades Identidades
mite a recuperação, e até a reposição, da visão de resistência de resistência
original de Goffman, de quase 30 anos atrás, re-
lativa ao impacto do estigma na construção de
um tipo de identidade deteriorada (ver
Goffman, 1988). Muitos trabalhos recentes so- Tais idéias oferecem importantes visões e
bre a natureza da identidade enfatizam o seu ca- caminhos para responder de forma mais efetiva
ráter construído e de mutação constante (ver a estigmatização e a discriminação relacionadas
Hall, 1990). Isto, por sua vez, tornou possível ao HIV e à AIDS no futuro – mas somente na
começar a teorizar a mudança das construções medida em que formos capazes de reconceituar
de identidade em relação à experiência de opres- as questões da estigmatização e da discrimina-
são e estigmatização, bem como quanto à resis- ção dentro de uma economia política mais am-
tência a ela.8 Tal visão foi mais claramente articu- pla de exclusão social como a que opera no mun-
lada por Manuel Castells, que distingue entre iden- do contemporâneo. É dentro deste contexto
tidades legitimadoras, que são ‘apresentadas pelas mais amplo que queremos explorar as fontes da
instituições dominantes da sociedade para esten- estigmatização relacionadas ao HIV e a AIDS,
der e racionalizar a sua dominação vis-à-vis os ato- bem como as formas que toma e os contextos
res sociais,’ identidades de resistência, que são ‘gera- em que opera. É também dentro desse contexto
das pelos atores que estão em posições/condi- mais amplo que argumentaremos que uma nova
ções desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela agenda para a pesquisa e a ação em resposta ao
lógica da dominação,’ e identidades de projeto, que estigma, à estigmatização e à discriminação rela-
são formadas ‘quando os atores sociais, com base cionados ao HIV à AIDS deve ser desenvolvida.
nos materiais culturais a que têm acesso, cons-
troem uma nova identidade que redefine a sua III. FONTES DE ESTIGMA E DISCRIMINA-
ÇÃO RELACIONADAS AO HIV E À AIDS

8
Isto inclui a resistência por meio da mobilização mais ampla Antes de examinar as fontes específicas de
dos movimentos sociais (ver Castells, 1999b). estigmatização e discriminação relacionadas ao

18
HIV e à AIDS, é importante enfatizar que as rea- Figura 10 - Algumas metáforas da AIDS
ções negativas despertadas pelo HIV e AIDS não
são de forma alguma exclusivas. Precisamente AIDS como morte
por ser este o caso, devem ser examinadas em como horror
perspectiva histórica, se quisermos entender
como punição
como e porque surgiram (ver, por exemplo, Fee
& Fox, 1989). Em epidemias anteriores, o con- como crime
tágio real ou suposto da doença muitas vezes como guerra
resultou no isolamento e exclusão das pessoas como o Outro
que eram infectadas (Volinn, 1989; Gilmore & como vergonha
Somerville, 1994) e as doenças sexualmente
transmissíveis são notórias por despertar tais res-
postas e reações socialmente divisoras (Brandt, tamente inexatas) que fornecem bases podero-
1987; Carrara, 1994; Gilmore & Somerville, sas para reações estigmatizantes e discrimi-
1994; Goldin, 1994). natórias. Como argumentou o escritor e ativista
Desde o início da epidemia de HIV e AIDS da luta contra a AIDS no Brasil, Herbert Daniel,
mobilizou-se uma série de metáforas poderosas ao analisar a história da epidemia no seu país,
em torno da doença que servem para reforçar e devido a tais práticas culturais e lingüísticas,
legitimar a estigmatização. Elas incluem a AIDS particularmente pelo modo como são veicula-
vista como morte (por exemplo, por meio de das pela mídia e mais tarde integradas à cultura
imagens como a Grande Ceifeira); AIDS como popular, as pessoas são estimuladas a formar ima-
horror (fazendo com que os infectados sejam gens altamente complexas e freqüentemente im-
endiabrados e temidos); AIDS como punição precisas nos seus entendimentos sobre a epide-
(por exemplo, por comportamento imoral); mia sem ter tido qualquer contato real ou direto
AIDS como crime (por exemplo, em relação a com ela (ver Daniel & Parker, 1991). Essas mes-
vítimas inocentes e culpadas); AIDS como guer- mas imagens também permitem que algumas
ra (por exemplo, em relação a um vírus que pre- pessoas neguem que possam, pessoalmente, es-
cisa ser combatido); e, talvez mais do que tudo, tar infectadas pelo HIV ou contaminadas pela
AIDS como o Outro (no qual a AIDS é vista AIDS (ver Malcolm et al., 1998; UNAIDS, 2000).
como algo que aflige os que estão à parte) (ver Entretanto, o que é especialmente impor-
Malcolm et al., 1998; UNAIDS, 2000). De fato, tante enfatizar, no presente contexto, é o fato de
como argumenta Paula Treichler em uma análise que o estigma relacionado ao HIV e à AIDS ra-
que se tornaria clássica, o HIV/AIDS poderia ramente opera exclusivamente em relação ao
muito bem ser descrito como uma ‘epidemia de HIV e à AIDS. Pelo contrário, em praticamente
significação’ (Treichler, 1988) na qual o uso da todo país e cultura, a estigmatização, a discrimi-
linguagem nunca é simplesmente neutro, e serve nação e a negação operam, também, em relação
aos interesses de poder de diversas maneiras a uma série de formas preexistentes e/ou inde-
(Figura 10). pendentes de estigmatização e exclusão, refor-
Junto com a crença disseminada de que a çando o seu impacto e os seus efeitos, e ligando-
AIDS é algo vergonhoso (Omangi, 1997), tais os a reações novas e emergentes em resposta às
metáforas e manobras lingüísticas construíram condições específicas da infecção do HIV e
uma série de explicações “prontas” (embora al- AIDS. Para começar a entender as formas e con-

19
textos específicos nos quais a estigmatização e a na maior parte das sociedades teve seu impac-
discriminação ao HIV e à AIDS funcionam, é to inicial em relação a populações cujas práticas
sempre necessário, portanto, começar por des- e/ou identidades sexuais eram de alguma ma-
vendar a triste história da estigmatização e dis- neira fora das normas ou diferentes dos padrões
criminação que existia anteriormente, e indepen- hegemônicos existentes. Nesse caso, a relação
dentemente, à AIDS. complicada e contínua entre as formas preexis-
tentes de estigmatização sexual e o desen-
III.1 - FONTES ANTERIORES AO HIV/AIDS volvimento da estigmatização, discriminação e
negação relacionadas ao HIV e à AIDS foi espe-
Embora a gama de possíveis fontes cialmente profunda. Os primeiros entendimen-
preexistentes de estigmatização que têm sido li- tos sobre a AIDS estavam ligados às imagens da
gadas ao HIV e à AIDS varie muito e tome for- homossexualidade e das relações homossexuais
mas específicas em contextos sociais e culturais (Public Media Center, 1995). Entretanto, o seu
diversos, é possível, de qualquer forma, com base impacto intercultural e histórico nunca será sufi-
na literatura já existente (ver, por exemplo, cientemente ressaltado (ver Treichler, 1988,
Malcolm et al., 1998), identificar pelo menos qua- 1999). A associação do HIV e da AIDS à homos-
tro eixos ou domínios principais que parecem sexualidade, e depois a outras formas de estig-
estar quase que universalmente presentes em to- matização, como a prostituição, a promiscuidade e o
dos os países e culturas na evolução de suas res- desvio sexual (e a diferença sexual), marca mais
postas ao HIV e à AIDS: (1) estigma em relação amplamente toda a história da epidemia e
à sexualidade; (2) estigma em relação ao gênero; continua a funcionar ainda hoje como o aspecto
(3) estigma em relação à raça ou etnia; e (4) estig- mais enraizado do estigma, da estigmatização e
ma em relação à pobreza ou à marginalização da discriminação relacionados ao HIV e à
econômica. AIDS. Esses estigmas que associam o HIV e à
Normalmente, o primeiro destes domí- AIDS à homossexualidade e a outros “desvios
nios a se tornar visível é o estigma sexual. Pre- sexuais” são tipicamente tolerados e tacita-
cisamente porque a infecção pelo HIV tem sido mente aceitos nas sociedades em todo o mundo
intensamente associada à transmissão sexual, e (Figura 11).

Figura 11 - A produção do estigma relacionado ao HIV/AIDS

A AIDS é uma A AIDS é uma A AIDS é uma A AIDS é uma


‘doença de ricos’ ‘doença de mulher’ ‘peste negra’ ‘peste gay’
A AIDS é uma A AIDS é causada A AIDS é uma
‘doença de pobres’ pelo Homem ‘doença africana’

HIV/AIDS – estigma a ele relacionado

Relações e divisões Relações e divisões Relações e divisões Relações e divisões


de classe de gênero de raça de sexualidade

20
O que talvez seja mais importante enfatizar relacionadas à transmissão heterossexual, por
é até que ponto esta ligação com o estigma sexual exemplo, a disseminação inicial da infecção esteve
tornou possível que a estigmatização e a discrimi- ligada às ‘trabalhadoras do comércio sexual’, com
nação ligadas ao HIV/AIDS se apropriassem dos a prostituição sendo entendida como uma expres-
mecanismos sociais pelos quais a estigmatização são de comportamento feminino fora dos padrões
e a discriminação sexual funcionavam anterior- normais. Com a emergência do HIV/AIDS, os
mente, e independentemente, à AIDS. Como têm trabalhadores sexuais foram tipicamente identi-
enfatizado pesquisadores tanto de perspectivas ficados como ‘vetores de infecção’ cuja simples
ligadas ao interacionismo simbólico (ver Gagnon existência criava riscos inaceitáveis não somente
& Simon, 1973; Plummer, 1975) quanto para os seus clientes como também para os seus
foucaultianas (ver Foucault, 1988; Weeks, 1981), parceiros sexuais normativos ou não comerciais
tais formas de estigmatização – seja de homosse- e para a família de tais clientes.
xuais ou de qualquer outra categoria dos assim Mesmo fora do contexto das relações se-
chamados desviantes sexuais – funcionaram ti- xuais comerciais, as noções de “promiscuidade”
picamente pela rotulação e classificação da dife- sexual se traduziram tipicamente em normas de
rença dentro dos campos de poder e exclusão gênero inaceitáveis, e as mulheres promíscuas
existentes. E esses mesmos princípios de estig- vêm sendo consistentemente identificadas como
matização sexual têm sido rápida e eficientemente as “responsáveis” pela elevação dos números da
trazidos para trabalhar em relação à estigma- transmissão heterossexual. Isto tem acontecido
tização, discriminação e negação ao HIV e à AIDS, de forma totalmente independente da realidade
constituindo um campo complexo no qual o es- epidemiológica, como no caso do Brasil, onde
tigma sexual e o estigma frente ao HIV e à AIDS os dados da vigilância documentam altos índi-
são de difícil distinção (mesmo quando o estig- ces de transmissão heterossexual entre as mulhe-
ma sexual parece algo distante ou até ausente). res (formal ou informalmente) casadas, cujo úni-
Embora a estigmatização sexual venha sen- co parceiro sexual era o marido, enquanto a cul-
do consistente e interculturalmente a forma mais tura popular continuava a insistir que as mulhe-
freqüente e mais poderosa de estigmatização que res “fáceis”, com múltiplos parceiros sexuais,
trabalhe associada à estigmatização e à discrimi- eram a causa de origem da epidemia heterosse-
nação ligadas ao HIV e à AIDS, funcionou mui- xual (Parker & Galvão, 1996).
to freqüentemente juntamente com uma série de Resumindo, o estigma relacionado a com-
outras formas de estigma que existiam antes e portamentos de gênero socialmente inaceitáveis
independentemente da epidemia de HIV/AIDS. apresenta uma intersecção com a estigmatização
De fato, a estigmatização sexual tem sido forte- sexual e com a estigmatização ligada ao HIV e à
mente associada ao estigma relacionado a gêne- AIDS de forma que se reforçam mutuamente, e
ro como outro elemento-chave associado ao HIV é impossível entender totalmente ou responder
e à AIDS. Em muitas – senão na maior – partes ao estigma da AIDS sem levar em conta essas
das sociedades nas quais a infecção pelo HIV afe- interações. É através dessas formas de estig-
tou as mulheres, tal fato passou a ser tipicamente matização que a estigmatização ligada ao HIV e
associado a um comportamento sexual conside- à AIDS se insere em campos mais amplos de
rado inadequado em relação às normas de gêne- poder e estruturas de desigualdade social e es-
ro locais. Em muitas sociedades que experimen- trutural como parte de um processo mais com-
taram epidemias significativas de HIV/AIDS plexo de exclusão social e opressão.

21
Embora as maneiras pelas quais funcionam as respostas sociais à epidemia. Estes estão lon-
em relação ao HIV e à AIDS pareçam algo me- ge de serem tangenciais ao nosso entendimento
nos claras, a estigmatização e a discriminação dos efeitos negativos da estigmatização e discri-
baseadas em raça ou etnia também têm sido fon- minação à AIDS. Embora não sejam, com certe-
tes preexistentes importantes de estigma que vêm za, as únicas fontes de estigmatização que influ-
interagindo de formas poderosas com o estig- enciaram, simultaneamente, a vulnerabilidade à
ma associado à AIDS. As convicções racistas de infecção pelo HIV e as sanções sociais negativas
muitos dos primeiros discursos sobre a AIDS exercidas contra aqueles percebidos sob o risco
foram evidenciadas tanto em relação aos da infecção, sua interação com o estigma da do-
haitianos nos Estados Unidos quanto em decla- ença do HIV/AIDS talvez tenha sido a principal
rações espantosas sobre a “sexualidade africana” característica definidora que tipificou a história
típicas dos primeiros anos da epidemia. A da epidemia.
estigmatização e a discriminação têm sido armas
poderosas, interculturalmente utilizadas para III.2 - FONTES ESPECÍFICAS AO HIV/AIDS
policiar e manter as fronteiras étnicas, e não é de
surpreender que essas funções tenham se repro- Além dos tipos de estigma e estigmatização
duzido na história da epidemia de HIV/AIDS. que podem ser identificados como anteriores à
De fato, agora parece claro que a experiência de AIDS mas que deram forma à estigmatização do
marginalização e opressão causada pelo racismo HIV e da AIDS de formas poderosas, as socie-
e discriminação étnica contra as populações dades também têm os seus próprios significados,
minoritárias, tais como afro-americanos e latinos representações e explicações em relação à doen-
nos EUA, vem sendo intimamente ligada à sua ça, transmissão de doenças e similares. Muitos
vulnerabilidade diante da epidemia. desses sistemas explicativos podem ser altamen-
Com o “amadurecimento” da epidemia de te racionais e até cientificamente precisos. Ou-
HIV/AIDS nos últimos anos, fica igualmente tros podem ser ilógicos ou injustificáveis em re-
claro que a pobreza – muitas vezes associada lação a noções cientificamente aceitas de causali-
ou em conjunção com a opressão racial – se dade, e podem contribuir, também, para os pro-
tornou uma das maiores fontes de vulnerabi- cessos de estigmatização e discriminação. Tal
lidade e de estigma. Embora a estigmatização da como as formas preexistentes de estigmatização
pobreza e o papel do estigma no aprofunda- e discriminação em relação à sexualidade, ao gê-
mento e na reprodução da exclusão econômica nero, à raça e à pobreza, as crenças sobre a infec-
dos sem-teto, dos sem-terra, dos desemprega- ção por HIV e AIDS, e a estigmatização baseada
dos e de outros grupos marginalizados seja par- em tais entendimentos, vêm sendo muito impor-
ticularmente mal entendida, o fato de que tais tantes com a evolução da epidemia. Juntamente
formas de estigmatização preexistentes interse- com as outras formas de rotulação e estigma
cionaram, auxiliaram e apoiaram a estigmati- descritas acima, elas tornaram-se entrelaçadas em
zação e a discriminação ao HIV e à AIDS é cla- uma nova teia de significados relacionando HIV
ro, e bem documentado (ver Parker, Easton & e AIDS aos mecanismos de poder, desigualdade
Klein, 2000). e exclusão. Eles também se combinaram para
Juntos, esses eixos ou domínios preexisten- fazer do HIV e da AIDS em si as fontes ou a
tes de estigma, estigmatização e discriminação justificação para novas formas de exclusão den-
influenciaram as maneiras pelas quais evoluíram tro da sociedade.

22
Pessoas vivendo com AIDS têm sido (e mas também à doença – e talvez mais do que
continuam a ser) vistas como infames em muitas tudo em relação àquilo que se entende como
sociedades. Onde a AIDS está associada a gru- comportamentos próprios e impróprios (ver
pos minoritários, já estigmatizados, ou com com- Warwick et al., 1998).
portamentos desviantes, – como por exemplo Em uma análise recente, De Bruyn (1999)
no caso da homossexualidade – a infecção por identificou cinco fatores que contribuem para o
HIV e AIDS pode ser ligada a noções de “per- estigma da AIDS: (1) o fato de que a AIDS é
versão” e pode gerar punição e até violência uma doença ameaçadora à vida; (2) o fato de que
física (Mejia, 1988; Daniel & Parker, 1991). as pessoas têm medo de contrair o HIV; (3) a
Particularmente em sociedades com sistemas associação do HIV e da AIDS a comportamen-
culturais que tendem a enfatizar o individualis- tos já estigmatizados em muitas sociedades (tais
mo, o HIV e a AIDS podem ser vistos como como sexo entre homens e o uso de drogas
resultado de irresponsabilidade pessoal (Kegeles injetáveis); (4) o fato de que as pessoas com HIV
et al., 1989). Em outras circunstâncias, onde há e AIDS são freqüentemente consideradas respon-
ideologias mais coletivas, o HIV e a AIDS po- sáveis por terem contraído a doença; e (5) cren-
dem ser vistos como portadores de vergonha ças religiosas ou morais que levam algumas pes-
para a família e a comunidade (Panos, 1990; ver, soas a concluir que ter HIV ou AIDS seja o re-
também, Warwick et al., 1998). A maneira pela sultado de uma falta moral (tal como a promis-
qual as pessoas reagem ao HIV e à AIDS, por- cuidade ou o “desvio” sexual) que merece puni-
tanto, varia com as idéias e os recursos ção (Figura 12).
disponibilizados pelas culturas locais. Embora as O argumento de De Bruyn é semelhante,
reações negativas ao HIV e à AIDS não sejam de em muitos aspectos, à posição defendida há mais
forma alguma inevitáveis, elas normalmente re- de uma década atrás por Herbert Daniel, que
forçam as ideologias dominantes de bem e mal enfatizou as noções inter-relacionadas de “con-
não somente no que diz respeito à sexualidade tágio” ou “infecção”, “incurabilidade”, e natu-

Figura 12 - Determinantes do estigma da AIDS (segundo De Bruyn, 1999)

Respostas sociais negativas

Estigma

AIDS é ameaça As pessoas têm A AIDS está ligada As pessoas com A AIDS é causada
à vida medo da AIDS a comportamentos AIDS são vistas por “falta” moral
já estigmatizados como pessoalmente
responsáveis

23
reza “inevitavelmente fatal” da infecção por HIV Os efeitos poderosamente negativos desta
(ver Daniel & Parker, 1991). De fato, a ambigüi- interação não podem ser manifestados de forma
dade do uso das noções de contágio e de infec- suficientemente forte – particularmente quanto
ção é especialmente importante aqui, precisamen- ao seu impacto sobre as pessoas que vivem com
te porque tal imprecisão lingüística possibilita, HIV e AIDS e à nossa capacidade de responder
para muitos, a confusão entre aquilo que é de fato à epidemia com programas mais eficientes de
uma forma não particularmente “eficiente” (em prevenção e cuidado. A interação entre as diver-
termos epidemiológicos) de transmissão viral sas fontes de estigma fez com que muitas vezes
com as noções de contágio ou contaminação atra- os indivíduos e grupos se tornassem alvo de cul-
vés do contato casual. Junte-se a isso o entendi- pa e castigo, gastando energia e capital social que
mento popular de que a AIDS é incurável e ine- seria empregado de forma mais produtiva no
vitavelmente fatal, e todos os estigmas associa- combate ao vírus responsável pela infecção. Pelo
dos a outras doenças sérias ou mortais têm sido menos em parte, é por isso que o HIV e a AIDS
reforçados com a ligação do medo da doença e foram observados, de início, entre pessoas já es-
da morte às noções estigmatizadas de sexualida- tigmatizadas e marginalizadas como membros de
de, gênero, raça e pobreza – descritas acima – comunidades e grupos socialmente oprimidos e
formando uma teia entrelaçada de significados indesejáveis. Sua continuada estigmatização e
que constituem novas formas de estigmatização. opressão, por sua vez, acentuaram sua constante
vulnerabilidade, criando o círculo vicioso da
III.3 - SINERGIA ENTRE DIFERENTES FONTES estigmatização e discriminação frente ao HIV e
DE ESTIGMA à AIDS que continua até hoje (Figura 13).

Considerado o que já foi dito, é importan- Figura 13 - Um círculo vicioso


te levar em conta a sinergia entre as fontes
preexistentes de estigma e estigmatização que se são vistos como responsáveis por
tornaram ligadas ao HIV e à AIDS, e as que se
seguem no curso da epidemia. Esta interação teve
o efeito de aprofundar simultaneamente as raízes Trabalhadoras do sexo,
e o impacto da estigmatização ligada ao HIV e à Usuários de drogas injetáveis, AIDS
AIDS, limitando a nossa capacidade de desen- Pessoas “promíscuas”,
volver respostas eficazes para isso. De fato, da Outros grupos marginalizados
mesma maneira em que a vulnerabilidade geral
das populações à infecção por HIV tem sido cada
vez mais entendida como o resultado de uma
o que causa maior marginalização
sinergia entre múltiplas formas de violência es-
trutural (ver Farmer, Connors & Simmons, 1996;
Singer, 1998; ver, também, Parker, Easton & Talvez a maior de todas as tragédias seja
Klein, 2000), a terceira epidemia de reações so- que a estigmatização relacionada ao HIV e à
ciais em resposta ao HIV e à AIDS também pode AIDS provoca o deslocamento de muito da ener-
ser entendida como um produto dos efeitos gia que poderia ser usada para prevenir a infec-
sinérgicos das diversas fontes de estigmatização ção. As pessoas são vitimadas e culpadas, as di-
que operam na epidemia. visões sociais são reforçadas e reproduzidas, e

24
novas infecções continuam a ocorrer enquanto HIV e à AIDS. Um grande número de países,
as pessoas continuam a entender mal, sistemati- por exemplo, aprovou legislação para controlar
camente, a natureza da epidemia e suas causas. É as ações dos indivíduos e grupos afetados pelo
importante lembrar que embora as respostas HIV (Tomasevski et al., 1992). Como indicaram
negativas da estigmatização e discriminação pa- Gostin e Lazzarini, essas medidas incluem legis-
reçam emprestar coesão às sociedades e comu- lação para (1) testagem obrigatória de grupos
nidades, elas conduzem, a longo prazo, a maio- e indivíduos; (2) proibição de certas ocupações
res instabilidades. O HIV/AIDS não pode ser e formas de emprego para pessoas com HIV;
contido pelas categorias sociais que até agora (3) exame médico, isolamento, detenção e trata-
foram construíram em torno dele. Isto exige mento compulsório dos infectados; (4) limitações
meios mais efetivos de prevenção, o que, por sua das viagens internacionais e migrações; e (5) res-
vez, exige um entendimento mais completo, não trição a certos comportamentos tais como o uso
somente das fontes de estigmatização e discri- de drogas injetáveis e a prostituição (Gostin &
minação relacionadas ao HIV e à AIDS, mas tam- Lazzarini, 1997).
bém das formas que tomam nas experiências A ampla experiência internacional hoje de-
coletiva e individual. monstra que tais medidas têm servido, na maior
parte dos casos, para aumentar e reforçar a
IV. FORMAS DE ESTIGMA E DISCRIMINA- estigmatização das pessoas com HIV e daqueles
ÇÃO FRENTE AO HIV E À AIDS mais vulneráveis à infecção. Em muitos países,
as práticas discriminatórias, tais como o exame
Uma das descobertas mais importantes de compulsório de certas populações consideradas
pesquisas realizadas até hoje sobre o estigma e como “grupos de risco” para a infecção por HIV
discriminação relacionados ao HIV e à AIDS é continuam a ocorrer, provocando maior
que há diversos níveis nos quais eles podem ser estigmatização desses grupos e um senso equi-
experimentados e sentidos (ver, por exemplo, a vocado de segurança por parte dos que não se
discussão em Malcolm et al., 1998; UNAIDS, vêem como membros dessas populações. E em-
2000). Esses diferentes níveis incluem o que pode bora uma análise recente feita por Gruskin,
ser descrito como experiência coletiva, das socie- Hendricks e Tomasevski (1996) tenha apontado
dades e comunidades, e experiência individual de para uma série de lacunas entre as políticas nacio-
atores sociais específicos. nais, em teoria mais progressistas, e a aplicação
de tais políticas e princípios na prática, mesmo
IV.1 - EXPERIÊNCIA COLETIVA (SOCIETÁRIA/ quando existe legislação de apoio, a sua aplica-
COMUNITÁRIA) ção pode ser parcial, desigual ou ignorada.
As medidas restritivas e coercitivas que são
No nível de sociedades ou comunidades, justificadas para “proteger” a sociedade mais
qualquer número de processos diferentes formais ampla da infecção invariavelmente discriminam
(bem como infor mais) pode resultar na ou excluem os já infectados. As leis que insistem
estigmatização de pessoas com HIV e AIDS. As na notificação compulsória dos casos de AIDS,
leis, regras, políticas e procedimentos adminis- na restrição do direito ao anonimato e à
trativos, por exemplo, foram identificados como “confidencialidade” das pessoas, e em alguns
tendo conseqüências importantes para a casos no direito de ir e vir dos infectados pelo
estigmatização e a discriminação relacionadas ao HIV, vêm sendo tipicamente justificadas pelas ra-

25
zões de que o HIV/AIDS constitui uma emer- valores culturais, poder e diferença percebida
gência de saúde pública (Kirp & Bayer, 1992; conforme descrito acima, isso pode levar a acu-
Manuel et al., 1990). No caso de algumas outras sações de culpa ou punição baseada nessas acu-
doenças infecciosas, tais respostas podem ser jus- sações (ver Farmer, 1992), e, em circunstâncias
tificáveis – mas no caso de uma condição já alta- extremas, pode levar a atos de violência e até ao
mente estigmatizada como a infecção pelo HIV, homicídio (Nardi & Bolton, 1991). Os ataques a
é amplamente aceito que as medidas punitivas homens que supostamente são gays aumentaram
que discriminam pessoas com HIV e AIDS po- em muitas partes do mundo e vêm sendo associ-
dem levar os infectados e os mais vulneráveis a ados ao crescimento da epidemia de HIV (Public
uma situação pior ainda (Gostin & Lazzarini, Media Center, 1995). As trabalhadoras do sexo
1997). e as crianças de rua em países como o Brasil tam-
Talvez devido a este entendimento, muitos bém vêm sendo vítimas específicas de violência
países agora aprovaram legislação de proteção e abuso (Daniel & Parker, 1991; Peterson, 1990;
aos direitos das pessoas com HIV e AIDS para Byrne, 1992). Homicídios relacionados ao HIV
protegê-las da discriminação (Kirp & Bayer, e à AIDS têm sido notificados em países diver-
1992; Mann, Tarantola & Netter, 1993; Mann, sos, como Colômbia, Brasil, Índia, Etiópia, Áfri-
Tarantola & Netter, 1996). Grande parte dessa ca do Sul e Tailândia (Panos 1990; AFAO, 1997).
legislação buscou assegurar direito à educação, Seja através de medidas e mecanismos con-
emprego, privacidade e “confidencialidade”, cretos codificados em sistemas legais e adminis-
bem como o direito ao acesso à informação, ao trativos, ou através de formas mais informais,
tratamento do HIV e ao apoio social e psicoló- mas nem por isso menos coletivas, de molesta-
gico. Infelizmente, em muitos casos, a falha dos mento a nível local ou comunitário, a estigmati-
governos na proteção das pessoas que vivem zação e a discriminação ao HIV e à AIDS vêm
com HIV e AIDS através da legislação, ou a fa- funcionando dentro de um sistema amplo de
lha no cumprimento da legislação já existente, exclusão social e desigualdade. Isto realça as dife-
constituem uma forma de discriminação pela renças percebidas e acentua o seu impacto sobre
negligência (Daniel & Parker, 1991; Watney, as vidas de indivíduos e grupos de maneira que
2000). E a falta de interesse que pelo menos al- os estigmatiza e os marginaliza ainda mais em
guns governos têm demonstrado, tanto histori- relação aos valores culturais normativos aceitos
camente quanto no presente, em proporcionar e às relações sociais. Em pelo menos alguns ce-
sistemas eficientes de prevenção, tratamento e nários surgiu um registro importante de respos-
cuidados relativos ao HIV/AIDS também pode tas positivas a tal estigmatização. Infelizmente,
advir de uma estigmatização mais profunda que esse registro continua a ser limitado em compa-
existe no nível da sociedade. ração com o uso muito mais extenso do estigma
O estigma e a discriminação também po- que tem marcado a história da epidemia em to-
dem resultar de uma variedade de reações da das as sociedades.
comunidade ao HIV e à AIDS. Há muitos rela-
tos de indivíduos que, sob suspeição de infecção IV.2 - EXPERIÊNCIA INDIVIDUAL
por HIV ou por pertencimento a um grupo es-
pecífico associado na imaginação popular à epi- A experiência dos indivíduos com a
demia, são molestados ou servem de “bode estigmatização e a discriminação relacionadas ao
expiatório”. Estimulados pela intersecção de HIV/AIDS é influenciada por crenças culturais

26
enraizadas, pelas formas de estigmatização exis- freqüentemente, isso cria o que Herbert Daniel
tentes na sociedade e por fatores tais como o tipo descreveu como “morte social”, na qual a pes-
de acesso que as pessoas têm às redes sociais e soa não se sente parte da sociedade civil, sem
de apoio nas suas comunidades, entre seus pares conseguir mais ter acesso aos serviços e ao apoio
ou nas suas famílias. Esta experiência pode tam- que necessita (ver Daniel & Parker, 1991).
bém ser influenciada pelo grau de evolução da Há evidências significativas que sugerem a
epidemia, pelo nível de conforto que as pessoas existência de dúvidas ligadas à revelação de si –
sentem ao falar sobre seu status sorológico, ida- a quem, porque e quando dizer acerca de seu
de, gênero, sexualidade e status social. No en- status sorológico – o que pode ser uma fonte
tanto, em geral a representação negativa de pes- potencial de medo e ansiedade para aquelas pes-
soas com HIV/AIDS, reforçada pela linguagem soas que vivem com HIV e pode impedir algu-
e metáforas que são usadas para falar e pensar mas de terem acesso ao tratamento e aos cuida-
sobre HIV e AIDS, tende a reforçar o medo, a dos médicos na comunidade onde vivem (ver
exclusão e o isolamento de pessoas afetadas. Em Malcolm et al., 1998; Moynihan et al., 1995,
muitos casos, o estigma é estendido à família e Omangi, 1997). Até mesmo quando existem leis
aos amigos.9 Esta estigmatização ‘secundária’ tem para proteger os direitos e a privacidade de pes-
sido parte do desenvolvimento do estigma, que, soas que vivem com HIV e AIDS, poucos estão
por sua vez, produz e reproduz estruturas mais dispostos a questionar em juízo com medo de
amplas de desigualdade social através e dentro que neste processo sua identidade e seu status
da epidemia de HIV/AIDS. soropositivo sejam revelados. Além disto os in-
Frente a estigmatização que os cerca, não é divíduos identificados pela sociedade como per-
de surpreender que muitas pessoas com HIV/ tencentes a grupos marginalizados e/ou
AIDS tendam a afastar-se do convívio social minoritários ligados ao HIV e à AIDS podem
como maneira de se proteger. Como acontece temer reações negativas ou hostis dos outros,
em outras formas internalizadas de estigma independentemente de seu status sorológico
(como por exemplo, a homofobia interiorizada), (Daniel & Parker, 1991; Panos, 1990; Public
este auto-isolamento imposto pode resultar na Media Center, 1995). Homossexuais soropo-
exclusão da vida social e de relacionamentos se- sitivos no Brasil e no México disseram temer re-
xuais e, em circunstâncias extremas, foram rela- velar à família tanto a sua opção sexual quanto
tadas mortes prematuras por meio de suicídio sua condição soropositiva. Interseções similares
ou da eutanásia (Gilmore & Somerville, 1994; de múltiplas formas de estigmatização foram
Hasan et al., 1994; Malcolm et al., 1998). Mais relatadas em várias culturas por trabalhadoras do
sexo, usuários de drogas e outras pessoas prove-
nientes de grupos percebidos como de alto ris-
9
Uma das características mais marcantes do estigma, particular- co para a infecção por HIV (ver Castro et al.,
mente com relação ao HIV e a AIDS, é a sua aparente capacidade 1998a, 1998b; Daniel & Parker, 1991; Terto Jr.,
de ‘espalhar-se’ ou de ‘ derramar-se’ sobre pessoas próximas 1999).
àqueles que são estigmatizados originalmente: os outros mem-
bros das suas redes de apoio mais próximas. Há mais de uma Embora o reforço do estigma em relação
década, o ativista e escritor brasileiro Herbert Daniel sugeriu que aos grupos já marginalizados como usuários de
o “vírus ideológico” implícito no discurso sobre a AIDS é de drogas injetáveis, trabalhadoras do sexo e ho-
fato mais poderoso que o “vírus biológico” – transmitido atra-
vés de contatos ocasionais, de maneira diferente do próprio mossexuais ativos tenha sido amplamente docu-
HIV (ver Daniel & Parker, 1991). mentado, o impacto da estigmatização e discri-

27
minação sobre as mulheres é particularmente com HIV podem vir a ser abandonadas pelos
severo. Em muitos (senão na maioria) países em maridos que as infectaram, e rejeitadas pelos
desenvolvimento, as mulheres estão em desvan- conhecidos e pelos membros da família (Bharat
tagem econômica, cultural e social e carecem de & Aggleton, 1999; Parker & Galvão, 1996).
acesso a tratamento, apoio financeiro e educa- Em alguns países africanos, as mulheres cujos
ção, e essas estruturas desfavoráveis vêm pioran- maridos morreram de doenças relacionadas ao
do ao longo das últimas décadas por meio da HIV foram culpadas pela sua morte, e os paren-
feminização da pobreza em muitos países. Por- tes dos maridos podiam ser capazes de expulsá-
que são excluídas das estruturas de poder e dos las de suas próprias casas (Henry, 1990). Por
processos decisórios existentes, as mulheres se temerem essas situações, algumas mulheres
vêem freqüentemente sem oportunidade de par- preferem não saber a sua condição sorológica, e
ticipar na comunidade de igual para igual, e es- se souberem, preferem compreensivelmente
tão sujeitas com freqüência a leis, normas e prá- mantê-la em segredo.
ticas punitivas que exercem controle sobre seus Seja entre grupos já estigmatizados e mar-
corpos, suas relações sexuais e seu potencial ginalizados como usuários de drogas injetáveis,
reprodutivo. Em várias sociedades, as mulheres trabalhadoras do sexo, homens homossexuais ou
são culpadas erroneamente pelas infecções sexu- bissexuais ativos, ou outros, como mulheres, cuja
almente transmissíveis (ISTs), que são até consi- posição de desigualdade dentro de uma socie-
deradas “doenças femininas” (ver Carrara, 1994; dade é reforçada pelo impacto do HIV e da
De Bruyn, 1992; Gogna & Ramos, 2000). Junto AIDS, o resultado final deste estigma e da discri-
com os significados culturais locais e as crenças minação é, deste modo, uma epidemia margina-
sobre sexo, sangue e outras causas de doenças, lizada, efetivamente prejudicando os esforços de
essas percepções fornecem um estímulo pode- prevenção, cuidados e apoio, e reafirmando o
roso para o processo de estigmatização, através círculo vicioso da epidemia (Mann, 1987).
da qual se reproduz uma desigualdade estrutural
das mulheres no contexto da epidemia do HIV e V. CONTEXTOS-CHAVE DE ESTIGMA E DIS-
da AIDS (Ingstad, 1990; Parker & Galvão, 1996; CRIMINAÇÃO AO HIV E À AIDS
Peterson, 1990; Mushingeh, Chana & Mulikelela,
1991; Thant, 1993). Assim como o estigma ligado ao HIV e à
Pesquisas recentes da UNAIDS sobre a rea- AIDS, a estigmatização e a discriminação têm
ção ao HIV e à AIDS nos lares e nas comunida- diversas causas de origem e podem ter diferen-
des de países em desenvolvimento (Warwick et al., tes formas, podendo também surgir em vários
1998; Aggleton & Warwick, 1999) documenta- contextos. Neste relatório, gostaríamos de res-
ram que a reação de mulheres é bem diferente saltar seis contextos como centrais entre os con-
daquela dos homens, seja em sua família ou na juntos severamente mais afetados pela
comunidade de modo mais amplo. Enquanto os estigmatização e discriminação ao HIV e à AIDS:
homens são freqüentemente ‘perdoados’ pelo (1) famílias e comunidades locais, (2) escolas e
comportamento que resultou na contaminação, outras instituições de ensino, (3) emprego e local
é comum que as mulheres sejam respon- de trabalho, (4) sistemas de saúde, (5) viagens,
sabilizadas (mesmo quando tinham pouco ou migração e imigração, e (6) dentro do próprio
nenhum controle sobre o seu comportamento). contexto de programas de controle e prevenção
Na Índia e no Brasil, por exemplo, as mulheres de HIV/AIDS (Figura 14).

28
Figura 14 - Contextos-chave para a estigmatização e a
discriminação relacionada ao HIV/AIDS

Comunidade
local

Famílias Escolas
Estigma e
Programas discriminação
de HIV/AIDS relacionados ao Trabalho
HIV/AIDS

Viagem e Cuidados
imigração de saúde

Escolhemos salientar esses contextos espe- (Bharat & Aggleton, 1999) e parentes que não
cíficos em parte porque eles são os cenários nos são heterossexuais (Castro et al., 1998a, 1998b)
quais a estigmatização e a discriminação ao HIV sejam mais comumente discriminados do que
e à AIDS têm sido freqüentemente identificadas crianças ou homens.
e documentadas na literatura de pesquisa dispo- Os esforços da família para “administrar”
nível, mas também porque eles são potencialmen- a estigmatização produzida pela comunidade ao
te os contextos nos quais a intervenção poderia redor podem também afetar o tipo de cuidado
ser mais rápida e efetivamente implementada. fornecido ao doente. É comum ver famílias pro-
tegendo seus parentes afetados da comunidade
V.1 - FAMÍLIAS E COMUNIDADES mantendo-os dentro de casa ou impedindo que
eles sejam questionados (Lwihula et al, 1993). O
Hoje em dia em todas as sociedades, e sucesso dessas estratégias dependerá do nível
talvez especialmente na maioria dos países em sócio-econômico da família do doente e da sua
desenvolvimento, as famílias têm uma responsa- capacidade de ajudá-lo sem ter que depender
bilidade importante no que diz respeito ao cui- de outras pessoas da comunidade para oferecer
dado dos doentes, e há claras evidências de seu suporte.
papel fundamental no apoio e no cuidado às pes- O medo da rejeição e da estigmatização
soas com HIV e AIDS (Aggleton & Warwick, dentro de casa e da comunidade local impede
1999; Warwick et al., 1998; World Bank, 1997). que pessoas com HIV e AIDS revelem seu status
Lamentavelmente, no contexto da epidemia de sorológico aos seus familiares (McGrath et al,
HIV/AIDS, nem todas as respostas familiares 1993). As famílias podem vir a rejeitar os seus
são positivas – pelo contrário, o oposto é o mais membros soropositivos não só devido à associa-
comum. Pessoas infectadas e membros das fa- ção do estigma ao HIV e a AIDS, mas também
mílias ainda sofrem estigma e discriminação den- em virtude das conotações de homossexualida-
tro dos seus lares e é comum que mulheres de, uso de drogas e promiscuidade que a AIDS

29
carrega (Panos, 1990; Misra, 1999; Mpundo, direitos humanos e civis. Os primeiros casos de
1999; Mujeeb, 1999). violência e discriminação contra crianças
infectadas nos Estados Unidos, por exemplo,
V.2 - EDUCAÇÃO E ESCOLAS levaram à implementação de legislação contra
discriminação em muitas comunidades e vários
Sendo a escola e outras instituições de en- estados, e a legislação mais importante dos
sino uma extensão da família no que diz respeito Estados Unidos que criou verbas para preven-
à socialização dos jovens (bem como à reprodu- ção de HIV/AIDS e para atividades de controle
ção das hierarquias sociais, como foi discutido ainda utiliza o nome de Ryan White, um jovem
anteriormente em relação à obra de Pierre menino com hemofilia que, nos primeiros anos
Bourdieu), não é de surpreender que tais institui- da epidemia, virou noticia em virtude da sua ba-
ções possam ser potenciais locus de estigmati- talha contra o HIV e do sofrimento que passou
zação e discriminação ao HIV e à AIDS. De fato, por ter sido discriminado inúmeras vezes (Public
no inicio da epidemia, um dos locais mais con- Media Center, 1995).
troversos vinculados à estigmatização e à discri- No Brasil, o ‘caso Sheila’, no qual uma
minação foi a escola, e as questões levantadas menina com AIDS que foi expulsa de uma esco-
nesse contexto demonstraram algumas das mais la primária privada a pedido dos pais de outros
difíceis contradições inerentes à estigmatização estudantes e dos funcionários da escola, foi igual-
relacionada à AIDS. Por um lado, precisamente mente coberto pela mídia. Isto levou o Ministé-
por não fazerem parte de outros grupos estig- rio da Saúde e o Ministério da Educação a ado-
matizados ou populações associadas à infecção tarem rapidamente uma política para prevenir a
por HIV, as crianças soropositivas são retrata- estigmatização e a discriminação em instituições
das amiúde (num tipo de forma contrária de públicas e privadas de educação (Galvão, 2000).
estigmatização) como “vítimas inocentes” que Portanto, este mesmo modelo parece estar se
foram afetadas pela epidemia sem querer. Por repetindo tanto nos países desenvolvidos como
outro lado, quando se toma conhecimento que em países em desenvolvimento, principalmente
há crianças soropositivas em uma escola, reações quando as pessoas estigmatizadas são jovens,
histéricas (normalmente motivadas pelo medo “vítimas inocentes” da epidemia, que não estive-
ou pela falta de informação) têm levado os pais ram sujeitas à infecção do HIV por sua culpa ou
das outras crianças, e às vezes até os professores conta própria (Kirp, et al. 1989).
ou outros funcionários da escola, a discriminá- Infelizmente, as instituições de ensino rara-
las – com freqüência exigem que essas crianças mente têm demonstrado interesse pelos direitos
sejam excluídas das atividades coletivas e, em ou pelo estigma sofrido pelos jovens quando
alguns casos, sua completa expulsão da escola esses jovens são percebidos como responsáveis
(ver, por exemplo, Kirp et al., 1989). pela infecção por HIV através de seu comporta-
No entanto, possivelmente em virtude da mento. Nos Estados Unidos, por exemplo, na
associação contraditória de inocência e culpa que mesma sociedade que fez de Ryan White um
parece ser evocada nessas situações, as escolas herói nacional por causa de seu sofrimento pro-
têm sido freqüentemente o foco de discussões e vocado pela injusta estigmatização e discrimina-
debates extensos, e talvez sejam o contexto no ção, jovens homossexuais identificados como
qual a discriminação ao HIV e à AIDS tem resis- soropositivos não só são expulsos da escola como
tido categoricamente em nome da razão e dos às vezes forçados a sair da cidade onde vivem

30
quando o seu status soropositivo é revelado. Em trabalho, elas sofrem discriminação com freqüên-
alguns casos, eles estiveram sujeitos a atos de cia (Panos, 1990; Gostin, 1992; Gostin &
extrema violência e agressão (Kirp, et al., 1989). Lazzarini, 1997). Por causa disto, o ambiente de
Além disto, políticas oficiais do governo têm trabalho tem sido identificado como um local
freqüentemente sancionado a estigmatização e a importante para intervenções de prevenção ao
discriminação aos jovens de maneira formal, HIV, com um enfoque particular na necessidade
sobretudo ao negar-lhes as informações e os de reduzir a estigmatização e a discriminação.
recursos necessários para reduzir o risco à infec- O uso de testes anti-HIV no processo de
ção pelo HIV. seleção de candidatos para um emprego é um
Mais uma vez nos EUA, a legislação patro- exemplo importante de prática discriminatória
cinada por políticos conservadores tem bloquea- que foi relatada em várias empresas, principal-
do os fundos públicos para materiais educativos mente em países onde os recursos disponíveis
e programas que discutem homossexualidade e para os testes são disponíveis. E até nos países
HIV/AIDS. Os programas de educação sexual mais pobres ou em desenvolvimento, isso tem
que enfatizam a abstinência têm negado aos jo- sido freqüentemente relatado, principalmente
vens heterossexuais e homossexuais ativos o di- nas empresas e nas indústrias onde alguns fun-
reito à informação completa sobre práticas que cionários têm seguro-saúde (Parker, 1991;
possam reduzir o risco de contrair o HIV. En- Jackson & Pitts, 1991). Os programas de saúde
quanto os Estados Unidos podem ser extremos patrocinados pelo empregador fornecendo assis-
entre os países do primeiro mundo a sancionar tência médica e pensão aos funcionários têm
políticas estigmatizantes e discriminatórias em sofrido pressão constante em países severamen-
relação aos jovens sexualmente ativos, infelizmen- te afetados pela AIDS. E é evidente que alguns
te não são o único país a condenar as práticas empregadores têm usado esta pressão como um
sexuais e o uso de drogas por pessoas jovens pretexto para negar trabalho a pessoas com
enquanto simultaneamente os discrimina ne- HIV e AIDS (Williams & Ray, 1993; Whiteside,
gando recursos e informações necessárias sobre 1993).
a prevenção, baseada na idade e no status Apesar dos anos de experiência lidando
sorológico. com esses assuntos, somente umas poucas em-
presas têm desenvolvido estratégias para com-
V.3 - EMPREGO E LOCAL DE TRABALHO bater o medo, o estigma e a discriminação no
ambiente de trabalho, e um número igualmente
Apesar da transmissão do HIV ser impro- pequeno parece ter começado a definir as res-
vável na maioria dos locais de trabalho, o supos- ponsabilidades do empregador para com os
to risco de transmissão tem sido usado por em- funcionários que têm HIV/AIDS (Jackson &
pregadores como um meio de despedir ou de Pitts, 1991; Bezmalinovic, 1996). Devido a fre-
recusar emprego a pessoas vivendo com HIV e qüência de relatos sobre estigmatização e discri-
AIDS – consideradas sob risco da infecção por minação ao HIV e à AIDS nesses ambientes, a
HIV (ver por exemplo, Barragán, 1992; Gostin, ausência de uma intervenção eficiente e de res-
1992; Panos, 1992; Shisam, 1993; Hasan et al, postas políticas torna os locais de trabalho um
1994; Omangi, 1997). Existem claras evidências dos contextos principais nos quais devem ser
de que quando pessoas vivendo com HIV/AIDS implementadas ações que visam reduzir a
se abrem e divulgam o seu status sorológico no estigmatização.

31
V.4 - SISTEMA DE SAÚDE soropositivas foram confiscados e seus nomes
foram divulgados para a imprensa e para a
Tal como no ambiente de trabalho, exis- polícia sem o seu consentimento (Panos, 1990;
tem vários relatos de pessoas e grupos que estão Singh, 1991).
sendo estigmatizados e discriminados pelo sis- O conceito de “confidencialidade” também
tema de saúde. Há muitas descrições de recusa varia entre países e culturas. Em alguns lugares,
de tratamento aos pacientes (ver por exemplo, por exemplo, a privacidade pode ser um assun-
Tirelli et al., 1991; Carvalho et al, 1993; AIDS to que diz respeito mais à comunidade e ao cole-
Bhedbhan Virdhi Andolan, 1993; Panebianco et tivo do que ao indivíduo. Entretanto, o termo
al., 1994), de pacientes que foram deixados na ‘confidencialidade compartilhada’ foi criado para
cama de um hospital sem atendimento (ver, por descrever uma situação onde a família e os mem-
exemplo, Daniel & Parker, 1991; Ogola, 1990; bros da comunidade acreditam que têm o direito
Masini & Mwampeta, 1993), da realização de de saber sobre a condição sorológica de familia-
testagem de HIV sem consentimento, violações res, amigos e vizinhos (Campbell et al., 1997).
de privacidade, e negação ao acesso a hospitais e Precisamente, o modo como funcionam as dife-
medicamentos (ver por exemplo, Panebianco et al., renças ligadas a esses conceitos entre culturas e
1994) em países e culturas por todo o mundo. como essas diferenças são utilizadas para enco-
Entre os fatores principais que têm sido brir ou justificar o estigma e/ou as práticas
identificados como responsáveis por estas res- discriminatórias são questões que permanecem
postas discriminatórias estão a ignorância e a falta difíceis de responder e que no final das contas
de conhecimento sobre a transmissão do HIV podem ser respondidas somente através da con-
(Kegeles et al., 1989; Herek & Capitano, 1993; dução de cuidadosas pesquisas comparativas,
Herek et al., 1998), o medo (Blendon & Donelan, sensíveis às diferenças entre culturas.
1988; Tesch, Simpson & Kirby, 1990; Rosasco
Dulato, 1992), as crenças moralistas a respeito da V.5 - VIAGEM, MIGRAÇÃO E IMIGRAÇÃO
culpa (Cole, Zhang & Chen, 1993; Daniel & Parker,
1991; Masini & Mwampeta, 1993), e a incurabi- Embora seja consenso que as leis e as polí-
lidade do HIV e da AIDS, que induz pessoas a acha- ticas que restringem a liberdade de movimento
rem que oferecer tratamento de qualidade para de pessoas com HIV e AIDS constituem medi-
os doentes é insensato (Daniel & Parker, 1991). das de saúde pública ineficientes, vários países
A ausência de privacidade, e em alguns ca- têm criado legislação restritiva às viagens e à
sos, de sigilo, tem sido repetidamente citada migração. Essas políticas foram adotadas para
como um problema recorrente nos ambientes de supostamente proteger as fronteiras interna-
cuidado à saúde (ver Malcolm et al., 1998). Sabe- cionais mesmo contrastando com as políticas
mos que na prática existem muitas diferenças domésticas mais liberais que visam impedir a
entre países e entre os seus estabelecimentos de discriminação aos sistemas de prevenção para o
cuidados à saúde, apesar da insuficiência de es- HIV (ver Malcolm et al., 1998).
tudos comparativos sistemáticos. Em alguns lu- Em muitos países, ‘estrangeiros’ foram cul-
gares, são colocados cartazes próximos a pes- pados pela expansão da infecção por HIV. Estu-
soas com HIV e AIDS com dizeres como ‘HIV dantes estrangeiros tornaram-se rapidamente o
positivo’ e ‘AIDS’ (Bharat, Aggleton & Tyrer, alvo de políticas discriminatórias e da atenção
2001). Em outros lugares, registros de pessoas do governo, principalmente os estudantes afri-

32
canos que estudam em universidades na Índia, provação da condição soropositiva, podem ser
na antiga União Soviética e em alguns países da discriminadas pelo simples fato de levarem con-
Europa Ocidental. Existem vários relatórios des- sigo medicamentos essenciais para o tratamento
ses países que mostram que estudantes foram do HIV e AIDS (Duckett & Orkin, 1989). Por-
detidos, isolados e até mesmo expulsos dos pro- tanto, até manifestações indiretas de uma
gramas universitários por diversas razões, den- sorologia positiva podem acarretar a imposição
tre elas seu status soropositivo (ver Sabatier, de restrições para viagens em alguns contextos
1988). Em muitos países pessoas que procuram (Malcolm et al., 1998).
por trabalhos podem ser testadas para o HIV Novamente, como se vê em muitos outros
antes de darem autorização para isso. Esta é uma domínios de estigmatização e discriminação ao
prática que tem sido comumente relatada nos HIV e a AIDS, a interação de fontes múltiplas de
países do Golfo, onde muitas pessoas do Sul e estigma afeta com freqüência as pessoas quando
do Sudeste da Ásia são empregadas e fre- elas tentam viajar, migrar ou emigrar. Os viajan-
qüentemente sujeitas a testagem obrigatória tes cuja aparência externa os identifica, aos olhos
(AIDS Bhedbhav Virodhi Andolan, 1993; Solon das autoridades de imigração, como homens
& Barrazo, 1993). Além disto, pessoas buscando homossexuais ou trabalhadores do sexo podem
vistos turísticos para visitarem alguns países, estar sujeitos a interrogatórios e até inspeções
como os Estados Unidos, são habitualmente so- físicas com base apenas em sua aparência, e à
licitadas a declarar seu status sorológico e, se negação de entrada formalizada quando são en-
soropositivas, após o recebimento do visto têm contradas “provas” concretas como medicamen-
seu passaporte carimbado com uma advertên- tos para AIDS entre seus objetos pessoais
cia indicando que carregam uma infecção (Duckett & Orkin, 1989).
transmissível – uma política que na prática iden- Paralelamente, a repressão policial e os es-
tifica as pessoas que têm HIV, já que de fato a forços de controle social direcionados a várias
AIDS é a única doença transmissível que inte- populações marginalizadas, como mulheres e
ressa aos funcionários do consulado. homens trabalhadores do sexo, também podem
Em situações de extrema discriminação se sobrepor ao estigma relacionado a AIDS,
com relação a viagens, migração e imigração, os como no caso dos estrangeiros que trabalham
estrangeiros são deportados de vários países, in- nessas práticas e são presos para trabalhar no
cluindo a Austrália, a China, a Índia, a Arábia mercado sexual e então selecionados para depor-
Saudita, a África do Sul e os Estados Unidos, tação por causa do risco à infecção por HIV que
após a descoberta da sua condição de soropo- supostamente apresentam para a clientela local.
sitivo (AIDS Bhedbhav Virodhi Andolan, 1993; A estigmatização e a discriminação relacionadas
Malcolm et al., 1998; Panos, 1990). Além de resi- ao HIV/AIDS escapam, amiúde, das limitações
dentes estrangeiros de longo prazo, como estu- das análises racionais. Infelizmente, esta é preci-
dantes, ou viajantes a países como os Estados samente a característica que dificulta uma resposta
Unidos, que exigem uma declaração de condi- ao estigma e à discriminação.
ção sorológica no visto de turista, viajantes e
turistas também estão sujeitos à discriminação V.6 - PROGRAMAS PARA HIV/AIDS
mesmo após sua entrada em alguns países. Na
realidade, pessoas com HIV e AIDS que viajam Finalmente, já que esta é uma área na qual
para alguns países onde não é exigida uma com- se deve intervir rápida e diretamente, vale a pena

33
pensar no potencial dos próprios programas e e outros julgamentos de valor existem em abun-
políticas de combate ao HIV/AIDS, que às ve- dância onde esses programas e políticas são
zes contribuem sem querer para a produção e a implementados, apesar das melhores intenções
reprodução da estigmatização. Enquanto a maio- daqueles que os formulam e os implementam.
ria dos programas para combate ao HIV/AIDS Infelizmente, assim como nos programas e
tenta seguir diretrizes para impedir e lutar con- políticas voltadas para o HIV/AIDS e nos pro-
tra o estigma, infelizmente, nos próprios progra- cessos discriminatórios e estigmatizantes em ge-
mas e políticas do governo podemos encontrar ral, as políticas de linguagem também fazem par-
a reprodução e a acentuação de formas de te de uma estrutura mais complexa e entrelaçada
estigmatização e discriminação. das práticas sociais que produzem e reproduzem
Não existe melhor exemplo disso do que a a desigualdade social e a exclusão como compo-
tendência da maioria dos programas governamen- nentes importantes da própria reação à AIDS.
tais para a prevenção e controle do HIV/AIDS de Um dos exemplos mais claros disso, passível de
priorizar ações que visam reduzir a infecção de observação em múltiplos e diferentes ambientes
parte da chamada “população geral”, freqüente- de trabalho, é a irracionalidade epidemiológica
mente às custas das populações consideradas de que parece guiar a distribuição de fundos e prio-
‘alto risco’, que são vistas como pessoas alheias ridades de programas, principalmente porque
ou à parte da população como um todo – e cuja isto reproduz o que parece ser uma lógica pre-
vulnerabilidade à contaminação pelo HIV é existente de homofobia e estigma sexual (Public
vista implícita, senão explicitamente, como algo Media Center, 1995). As manobras usadas para
menos importante e de menor prioridade do que justificar essas políticas são inacreditáveis, como
a inocente e insuspeita população geral. no Brasil no final da década de 80, quando os
Enquanto há um esforço para justificar programas para homens homossexuais e
esses atos através de argumentos no sentido de bissexuais foram explicitamente não incluídos
preservar a saúde pública (isto é, a saúde da nas estratégias de intervenção para as popula-
parcela estatisticamente dominante da popula- ções de alto risco por razões de que incluir ho-
ção em qualquer sociedade), os efeitos são cla- mens homossexuais (em uma época quando a
ramente diferentes, sugerindo implicitamente, transmissão homossexual do HIV era a forma
por meio do uso de metáfora e eufemismo, que mais comum de transmissão no país) os sujeita-
a saúde pública não inclui os setores já margina- ria potencialmente ao estigma e à discriminação
lizados e estigmatizados da sociedade. É claro – este raciocínio levou os ativistas da AIDS a
que essas metáforas e esses eufemismos, tal como sugerir que o não fornecimento de serviços de pre-
empregados em quase todas as formas de venção era na realidade a verdadeira expressão
estigmatização, encobrem as reais pressuposições de estigma e discriminação (ver Parker, 1994).
existentes: o termo ‘população geral’ é de fato Além do mais, no início da década de 90,
um sofisma para ‘ mulheres e homens heterosse- em cidades como São Francisco, Londres e
xuais ativos’, o termo ‘grupos de alto risco’ nor- Amsterdã, por exemplo, a despeito do fato de
malmente faz referência à ‘homens homossexu- aproximadamente 80% das mortes relaciona-
ais ativos’, ‘mulheres trabalhadoras do sexo’, das ao HIV/AIDS terem sido entre homens gays
‘usuários de drogas injetáveis’, e assim por e bissexuais, menos de 5% dos fundos alocados
diante. Pressuposições de inocência e culpa, de para os serviços de prevenção ao HIV foram
comportamento digno em oposição ao indigno destinados às atividades de prevenção e educa-

34
ção para essas populações (Watney, 2000). Mais VI. UMA NOVA AGENDA PARA PESQUISA E
recentemente este tipo de planejamento irra- AÇÃO
cional está se repetindo em vários países em
desenvolvimento, principalmente na América No final das contas, a nova concepção que
Latina, onde a grande maioria dos infectados pelo defendemos aqui com relação à estigmatização e
HIV é composta por homens homossexuais e à discriminação ligadas ao HIV e à AIDS sugere
bissexuais e os programas de governo conti- uma série de mudanças importantes na manei-
nuam ignorando isto (ver Frasca et al., 2000; Piot, ra em que a pesquisa e a intervenção relacio-
2000). nadas ao estigma devem ser concebidas e im-
Resumindo, as preocupações epidemioló- plementadas. Levar a sério a noção de que a
gicas e de saúde pública vêm sendo repetidamen- estigmatização e a discriminação devem ser en-
te sujeitas a linhas de raciocínio que são quase tendidas como processos sociais ligados à re-
sempre irracionais, antes de tudo baseadas nas produção da desigualdade e da exclusão nos
manobras do estigma e do preconceito por par- encaminha para além dos modelos comporta-
te daqueles que são responsáveis pela preser- mentais e psicológicos que têm dominado a área
vação da saúde e do bem-estar da população. In- de trabalho até então. Enquanto esses modelos
felizmente, apesar dessas políticas serem mais co- proporcionarem algumas visões e continuarem
muns a níveis nacionais ou até locais onde os a ter um papel nas pesquisas mais amplas e nas
ativistas e as organizações de advocacy têm conse- respostas programáticas que tratam da epide-
guido monitorar e denunciar os efeitos das prá- mia, eles precisam ser complementados com
ticas discriminatórias, o mesmo tem acontecido novas maneiras de entender e de superar o estig-
repetidamente nos programas intergover- ma, a estigmatização e a discriminação ao HIV
namentais e nas agências bilaterais, que têm mui- e a AIDS.
tas vezes priorizado ações baseadas menos na
necessidade e mais na aceitabilidade de seus VI.1 - PESQUISA
financiadores e líderes políticos (ver Panos, 1996;
Parker, 2000). Enquanto é impossível elaborar uma
Dada essa situação, talvez não seja surpre- agenda de pesquisa completa sobre a
sa que essas mesmas instituições tenham, em estigmatização relacionada ao HIV e à AIDS no
grande parte, efetivamente falhado ao lidar com âmbito deste estudo, que teve como seu primei-
as grandes questões de estigmatização e discri- ro objetivo repensar o esquema conceitual no
minação relativas à epidemia de HIV/AIDS qual abordamos assuntos difíceis, nessa seção
desde seu início. De fato, isso requer também conclusiva traçaremos algumas das direções que
lançar um olhar crítico sobre suas próprias prá- esta agenda poderia explorar. Enfatizaremos
ticas potencialmente incertas de modo que essa ao menos três linhas de investigação social que
questão poderia ser estendida à indústria da poderiam nos ajudar a desenvolver de forma
AIDS (Patton, 1991) que freqüentemente tem mais completa o tipo de perspectiva sobre a
reproduzido e até mesmo aprofundado as for- estigmatização e a discriminação ligadas ao HIV
mas de desigualdade e exclusão que poderiam e à AIDS que tentamos avançar neste trabalho:
bem ser entendidas, ainda, como poderosas alia- (1) estudos conceituais, (2) novos estudos
das da epidemia na sua entrada na terceira investigativos, e (3) pesquisas estratégicas e ori-
década. entadas para políticas.

35
Estudos Conceituais HIV e à AIDS, as maneiras em que esses pro-
Os estudos conceituais são talvez os mais cessos contribuem para a vulnerabilidade do
claramente relacionados ao tipo de trabalho HIV/AIDS e as possibilidades de resposta e de
desenvolvido no contexto desta análise. Esses participação positivas por parte da comunidade
estudos têm por objetivo identificar e trabalhar na redução da estigmatização e da discrimina-
com conceitos, idéias e novas formas mais rele- ção. Investigações contextuais e empíricas deste
vantes de compreender os programas e ativida- tipo, que examinam as contribuições já feitas,
des nacionais e internacionais que focalizam o tendem a melhor explicar os sucessos e os fra-
estigma ligado ao HIV e à AIDS. Eles procuram cassos do passado, identificar as oportunidades
questionar a adequação das vias de explicação do presente e indicar prioridades do futuro,
existentes em relação às evidências disponíveis. contribuindo assim ao desenvolvimento de
Contribuem para o desenvolvimento de novos novas teorias. Num plano ideal, no entanto, es-
conceitos e idéias de relevância à estigmatização sas investigações devem ser conduzidas junto
e à discriminação relacionadas ao HIV e à AIDS. com trabalhos comparativos mais abrangentes
Também proporcionam novas maneiras de para nos permitir um melhor entendimento da-
apreender processos de mudança, movimen- queles aspectos da estigmatização e da discri-
tos sociais e transformações culturais em reação minação ligadas ao HIV e à AIDS locais, além
à estigmatização e à discriminação relacionadas daqueles que podem atravessar fronteiras nacio-
ao HIV e à AIDS. nais e culturais.
Os estudos conceituais têm um papel fun- Há um número grande de modelos bem
damental ao garantir que o conhecimento exis- desenvolvidos, mesmo no histórico existente da
tente seja constantemente reavaliado conforme pesquisa social ligada ao HIV/AIDS, para este
sua adequação e conveniência à luz das necessá- equilíbrio entre a preocupação com o específico
rias transformações e de circunstâncias enquan- e com o comparativo. O programa de pesquisa
to influenciam o estigma ligado ao HIV e à AIDS. desenvolvido pelo Centro Internacional de
Os estudos garantem o desenvolvimento de novas Pesquisa da Mulher focalizando a mulher e a
categorias de pensamento junto com novas ma- AIDS (Gupta & Weiss, 1995), ou os estudos do
neiras de identificar prioridades. Permitem uma Programa Global da AIDS da OMS e depois da
nova visão e um novo papel da teoria. Enquanto ONUSIDA sobre o risco sexual entre jovens, a
devem continuar a incluir trabalhos que focali- aceitabilidade da camisinha feminina ou as repos-
zem as dimensões psicológicas do estigma liga- tas da comunidade e dos lares ao HIV e à AIDS
do ao HIV e à AIDS, estes estudos devem tam- (Aggleton et al., 1999) proporcionam modelos
bém ir além deste esquema para analisar os úteis neste sentido. Ademais, estudos da
determinantes e as conseqüências sociais, cultu- estigmatização e da discriminação ligadas ao
rais, políticas e econômicas da estigmatização e HIV e à AIDS na Índia e na Uganda recentemen-
da discriminação. te promovidos pela UNAIDS (UNAIDS, 2000)
proporcionam um importante ponto de partida
Novos Estudos Investigativos para pensar sobre o potencial de trabalhos mais
Os novos estudos investigativos têm por integrados e comparativos no futuro. Agora, a
objetivo adotar novos padrões de pensamento e tarefa mais importante seria encontrar maneiras
explicação e identificar os processos essencial- de aumentar as oportunidades para tais estudos
mente sociais existentes no estigma ligado ao e para o envolvimento de uma gama cada vez

36
maior de metodologias e disciplinas das ciências gado diretamente à intervenção, os estudos des-
sociais no desenvolvimento de pesquisas critivos e conceituais sobre o estigma e a discri-
interdisciplinares e transculturais. minação ligadas ao HIV e à AIDS precisam ser
elaborados de maneira a motivar o desenvol-
Pesquisas Estratégicas e Orientadas para Políticas vimento da defesa e da intervenção direcionadas
Em contraste com a investigação concei- a reduzir os níveis de estigmatização e dos efei-
tual e com os novos estudos investigativos, as tos da discriminação sobre os indivíduos e os
pesquisas estratégicas e orientadas para políticas grupos.
focalizando a estigmatização e a discriminação A nossa capacidade de alcançar maior su-
ligadas ao HIV e à AIDS têm por objetivo cesso neste sentido, no entanto, está diretamen-
identificar e descrever os elementos de progra- te ligada à nossa vontade de ir além dos esque-
mas que contribuem para o sucesso de resposta mas conceituais e dos modelos de intervenção
a esses fenômenos, as circunstâncias em que es- que, na maior parte, têm dominado o campo
ses elementos são mais bem implementados até então (ver Trujillo/Horizons, 2000). Tanto
(junto com os atores envolvidos) e os resultados as teorias utilizadas em boa parte da pesquisa de
prováveis de formas específicas de implementar intervenção focalizando a estigmatização e a
programas. É essencial que a pesquisa estra- discriminação ligadas ao HIV e à AIDS como
tégica e orientada para políticas seja sensível ao os desenhos de pesquisa utilizados para testar
contexto político maior. Os programas que tra- essas intervenções raramente têm rompido com
tam do estigma e da discriminação ligadas ao o padrão que domina de maneira mais geral a
HIV e à AIDS são raramente implementados maior parte da pesquisa de intervenção relacio-
num contexto ideologicamente neutro. A com- nada ao HIV/AIDS: modelos cognitivos-
preensão da relação entre a implementação do comportamentais e psicológicos (como ‘indução
programa e o contexto social mais amplo é cen- de empatia’) têm predominado nos esquemas
tral ao sucesso dos esforços para disseminar e/ teóricos empregados e os desenhos de avaliação
ou melhorar sucessos já existentes. experimentais ou quase-experimentais têm sido
a norma. No entanto, mesmo breves reflexões
podem demonstrar que tais intervenções a nível
VI.2 - INTERVENÇÃO individual, enquanto úteis em si mesmas, nunca
poderiam ser expandidas da maneira necessária
No final das contas, é claro, o objetivo prin- a uma resposta eficaz na África, Ásia, América
cipal de tais pesquisas deve ser de contribuir para Central e América do Sul. Os recursos não exis-
o desenvolvimento de programas e políticas tem e, além do mais, o esquema individual em
direcionadas à redução eficaz do sofrimento hu- que elas operam é estranho, talvez, à maioria das
mano (tanto em termos de novas infecções, quan- culturas do mundo. Essas intervenções devem
to em termos de qualidade de vida para as pes- ser complementadas por ações que têm como
soas com o vírus do HIV, assim como para aque- seu ponto de partida as causas sociais, políticas e
las com risco de infecção), que é um resultado econômicas mais profundas do estigma e da
direto da estigmatização e da discriminação ili- estigmatização que envolvem coletividades e
mitadas relacionadas ao HIV e à AIDS. Enquan- comunidades – pois este é o nível em que opera
to há certamente um papel importante para a a maior parte do estigma ligado ao HIV e à AIDS
pesquisa básica que não está necessariamente li- (Figura 15).

37
Figura 15 - Um esquema para a ação

Da Compreensão
Reconhecer dimen- Reconhecer o papel
Compreendendo a sões coletivas e do estigma no fortaleci-
estigmatização e a individuais do mento e na reprodução
discriminação ligadas estigma de desigualdades sociais
ao HIV e à AIDS

Proteção legal para pessoas com


Tomando medidas HIV/AIDS
eficazes
Advocacy Mobilização da
comunidade
Para a ação
Trabalho para
Trabalho com construir
identidades de identidades de
resistência projeto

Apoio Ação
individual política

Se a estigmatização e a discriminação liga- dade e à transformação social – uma literatura


das ao HIV e à AIDS devem ser re-concebidas de pesquisa que certamente é igualmente exten-
menos como uma questão de psicologia indivi- siva, apesar de, na maior parte, não a termos
dual ou até social e mais como uma questão de aproveitado na pesquisa sobre o HIV/AIDS
poder, desigualdade e exclusão, é igualmente (ver Parker, 1996).
necessário que repensemos os tipos de bases Especificamente, a teorização das identi-
teóricas e de desenhos de pesquisa de avaliação dades de resistência e de projeto (Castells, 1999b)
que podem ser necessários para responder ade- discutidas anteriormente pode oferecer impor-
quadamente aos assuntos abordados. Devería- tantes insights para se repensar o desenvolvimen-
mos começar a procurar inspiração menos na lite- to da mobilização da comunidade dirigida à luta
ratura associada à mudança de comportamento contra o estigma e a discriminação ao HIV e à
do que naquela ligada à mobilização da comuni- AIDS. A vasta maioria das intervenções existen-

38
tes tem procurado reduzir a incidência da respostas dirigidas à resistência da estigmatização,
estigmatização por parte da ‘comunidade’ ou da da discriminação e da negação ligadas ao HIV e
‘população geral’, ou reduzir a experiência do à AIDS, eles devem necessariamente ser conce-
estigma por parte dos ‘grupos de alto risco’ que bidos como parte de um programa de interven-
têm sido atingidos pela estigmatização e pela dis- ção multidimensional. Cada vez mais, está claro
criminação (Trujillo/Horizons 2000). No entan- que as estratégias localizadas de intervenção
to, em ambos os casos, os planos de intervenção dirigidas à mobilização da comunidade e à
parecem ter funcionado em grande parte de transformação social (neste caso, em resposta à
acordo com o que Paulo Freire (1970) há muito estigmatização e à discriminação ligadas ao HIV
tempo identificou como a teoria ‘bancária’ da e à AIDS) devem ser concebidas, quando possí-
educação, na qual o que se percebe como os vel, sucessivamente com o que foi descrito como
deficits daqueles que estão sendo ‘educados’ são intervenções ambientais ou estruturais
de algum modo ‘supridos’ pelos especialistas de direcionadas à transformação do contexto em
intervenção que presumem saber a verdade sobre que indivíduos e comunidades operam como a
o que é necessário. As intervenções concebidas resposta ao HIV e à AIDS (ver Sweat &
com o objetivo de motivar o poder de resistên- Dennison, 1995; Parker, Easton & Klein, 2000).
cia das populações e das comunidades estigma- Em poucas áreas as possibilidades de in-
tizadas têm sido mais raras – apesar disto, os es- tervenção estrutural são tão claras quanto no caso
tudos empíricos a respeito do empowerment e da do estigma e da discriminação ligadas ao HIV e
mobilização social em resposta ao HIV e à AIDS à AIDS. De fato, enquanto a pesquisa disponível
demonstram claramente que as respostas mais sobre a intervenção ligada à estigmatização tem
poderosas e eficazes à epidemia (ou ‘experiên- mostrado, na melhor das hipóteses, resultados
cias naturais’ se preferirmos a linguagem de boa muito limitados em relação à mudança das atitu-
parte da pesquisa de saúde pública) têm ocorri- des que produzem estigma (seja através da
do precisamente quando as comunidades afeta- ‘indução de empatia’ ou de outras teorias psico-
das têm se mobilizado para lutar contra a lógicas) por parte de setores dominantes da so-
estigmatização e a opressão relacionadas às suas ciedade, as intervenções judiciais ou políticas
vidas (ver Altman, 1995; Daniel & Parker, 1991; têm, em muitos contextos, demonstrado real efi-
Epstein, 1996; Parker et al., 1995; Stoller, 1998). cácia ao impedir o pior impacto da estigmatização
O momento é, portanto, oportuno de se acres- e da discriminação ligadas ao HIV e à AIDS. As
centar à evidência empírica existente, assim como proteções legais para pessoas que vivem com o
à literatura sobre a organização e a formação de HIV e a AIDS, junto com mecanismos apropria-
comunidades, tanto de maneira independente da dos de execução (que vão dos serviços de assis-
área específica de saúde (Delgado, 1994) quanto tência legal às linhas diretas para a relação de atos
em relação direta a ela (Minkler, 1998), come- de violência e discriminação contra pessoas com
çando assim a criar novos modelos para advocacy HIV e AIDS, homens homossexuais, mulheres
e para transformação social em resposta à sofrendo violência doméstica etc.), têm propor-
estigmatização e à discriminação ligadas ao HIV cionado meios rápidos e poderosos de minimizar
e à AIDS. os piores efeitos das relações desiguais de po-
Se os modelos de mobilização de comuni- der, da desigualdade social e da exclusão que es-
dades, advocacy e transformação social oferecem tão no centro dos processos de estigmatização e
uma base importante para o desenvolvimento de de discriminação ligados ao HIV e à AIDS.

39
39
No final das contas, junto com a nova ên- documentados fracassos empíricos à procura de
fase sobre a mobilização comunitária dirigida a respostas à estigmatização e à discriminação li-
motivar a resistência à estigmatização e à discri- gadas ao HIV e à AIDS através das abordagens
minação, as intervenções estruturais baseadas em existentes utilizando os desenhos de pesquisa
direitos devem ser uma alta prioridade para experimentais e quase-experimentais que têm
criar um clima social transformado em que atitu- dominado o setor até agora, chegou a hora de
des de estigmatização e discriminação não sejam adotar novas estratégias de intervenção e méto-
mais toleradas. Dentro desse esquema, a discri- dos alternativos para a investigação científica (a
minação se torna uma violação de uma obriga- despeito dos interesses enraizados que impedi-
ção ligada aos direitos humanos, concretizada na ram tais mudanças até então).
legislação de direitos civis para impedir e proi- Para construir uma nova agenda para pes-
bir o exercício da estigmatização e da discrimi- quisa e ação, baseada num novo esquema
nação ligadas ao HIV e à AIDS. conceitual, e para responder ao sofrimento que
É importante, no entanto, notar que abor- continua a ser causado pela estigmatização e dis-
dagens como a mobilização comunitária, a resis- criminação ligadas ao HIV e à AIDS, essas são
tência coletiva e a intervenção estrutural não se algumas das abordagens que devem ser explora-
ajustam aos procedimentos de avaliação que até das agora, urgentemente.
agora têm sido os mais populares no campo de
pesquisa e de programação do HIV/AIDS, e
que raramente podem ser avaliados utilizando
Agradecimentos
os tipos de desenho experimentais ou quase-
experimentais que as ciências do comportamento Os autores gostariam de agradecer ao apoio conce-
dido pelo Projeto HORIZONS e pela UNAIDS para
têm procurado importar do modelo biomédico
o trabalho de conceituação do estigma e da discrimi-
de testes de novas medicações e intervenção no nação relacionados ao HIV/AIDS. As idéias expres-
corpo de pacientes individuais. No entanto, isto sadas no texto são de inteira responsabilidade dos
não significa que tais abordagens sejam impossí- autores, e não refletem necessariamente as idéias das
veis de serem avaliadas. Pelo contrário, elas são organizações ou agências que eles representam.
abertas ao desenvolvimento de investigações
comparativas junto com estudos de caso cuida-
dosamente concebidos para tirar conclusões mais
gerais com base em análises comparativas que
possam oferecer um fundamento mais sólido VII. BIBLIOGRAFIA
para o desenvolvimento de ações programáticas,
se forem levadas a sério em seus próprios ter- AFAO (Australian Federation of AIDS Organizations).
mos. Seria ilusório, no entanto, presumir que um (1997). Human rights: from policy to practice.
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