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O FIM, DE ANTÔNIO PATRÍCIO

1. INTRODUÇÃO
A obra de teatro "O Fim" é uma fábula teatral, isto é, uma peça cujos personagens
narram aventuras e fatos.
A. Complemento
i. Fábula vem de fabulação, que é uma versão romanceada de uma série de
fatos; é substituir a verdadeira realidade por uma aventura imaginária.
B. Exemplo
i. O personagem "Desconhecido" narrando para a "Aia" as batalhas entre os
portugueses e os estrangeiros. Apesar de ser um "fato real" (dentro da peça)
o narrador traz um ar fantasioso para a história, o que acaba modificando a
realidade, como nas partes: "As torres a dobrar como possessas" e "quase se
ouvia as nuvens caminhar, tal o silêncio que os gelara a todos, que os fizera
de pedra a ouvir a noite". As torres não se dobram e não dá pra escutar as
nuvens e nem se tornar pedra, ou seja, ocorre uma quebra da realidade
utilizando a fabulação; o imaginário.

2. CONTEXTO HISTÓRICO
A obra foi criada por Antônio Patrício em 1909, quando Portugal estava passando
por uma conturbada crise social, econômica e política, devido a alguns fatores, como
os grandes gastos da família real, o enorme poder da igreja, a frequente instabilidade
financeira, a incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à
modernidade, etc.
A. Complemento
i. Tudo isso contribuiu para que em 1910, em 5 de Outubro, houvesse a
implantação de um regime republicano em Portugal, ou seja, Portugal
deixava de ser uma monarquia e passava a ser uma república (do latim res
publica, "coisa pública").

3. CARACTERÍSTICAS SIMBOLISTAS
"O Fim" é uma obra que se encaixa no simbolismo, pois valoriza o subjetivismo, a
musicalidade e o transcendentalismo.
A. Subjetivismo
i. É a ideia de que não há outra realidade além da realidade do sujeito
(valorização do "eu" e da "irrealidade").
1. Exemplo: a rainha velha, que só enxergava a sua realidade, a da
cerimônia de aniversário que ela tanto idealizava, não vendo que em
sua volta estava acontecendo uma invasão. Um bom exemplo disso é
no momento em que os sinos começam a badalar e ela acredita que já
estão festejando o seu aniversário, mas na verdade só estão avisando a
população de que estão sendo invadidos, ou seja, ela está dentro da
sua realidade, mas que é uma irrealidade.
ii. Os artistas que aderiram ao simbolismo passaram a ter maior interesse pelo
único, particular, individual, em detrimento da visão generalizada, ou seja,
sobre um conjunto.
1. Exemplo: a presença de espelhos durante a obra, sendo um objeto que
reflete o “eu”; o único; o particular. “Foi preciso levar para o quarto
quantos espelhos há no paço. Quer ainda mais.”
iii. Pode ser considerada como uma influência antropocentrista, onde o homem
é o centro de tudo, ou seja, ele deve ser estudado mais detalhadamente.
iv. "Rejeição do materialismo da vida moderna, pelo refúgio no interior da
casa."
1. Exemplo: o fato da história toda se passar dentro do paço velho da
rainha, fora do caos do mundo de fora; do mundo "real".
v. "A sua fonte de criação artística não é mais a realidade, mas antes o
imaginário".
1. Exemplo: o fato de não vermos nunca a realidade fora do paço velho,
apenas imaginamos como estaria a situação do mundo lá fora, se
auxiliando somente das descrições e narrações das personagens,
principalmente as das do "Desconhecido", que traz o imaginário para
a obra.
vi. “(…) a arte deve por isso deixar de ser objetiva e procurar a significação do
mundo para além das aparências".
1. Exemplo: no final da história, quando os estrangeiros exterminaram
os portugueses. Mesmo os estrangeiros terem “vencido” os
portugueses, foram eles os derrotados pelos próprios portugueses.
Diante de um olhar objetivo e sem horizonte, os portugueses foram
derrotados, enquanto os estrangeiros vitoriosos, mas no prisma de um
olhar que enxerga além de seu horizonte, os portugueses é quem
foram os vencedores, enquanto os estrangeiros os perdedores, por
terem fugido diante de monumentos lusófonos tão apoteóticos,
construído pelo mesmo povo que eles exterminaram.
B. Musicalidade
i. É uma das características que mais expressam o simbolismo em sua essência.
Muitos poetas, para poder aproximar a poesia da música, recorreram a
algumas técnicas.
ii. Musicalidade significa talento ou sensibilidade para criar ou executar
música, como a rainha, que começa a cantarolar durante suas falas, criando,
além de rimas, aliteração e assonância.

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iii. Na obra temos figuras de efeitos sonoros, como a aliteração e assonância,
marcante em todas as falas em versos, promovendo a sonoridade, marcando,
além da rima, a cadência e o ritmo.
1. "Dona Morte dorme, / Dorme de mansinho. / Cresce, ó erva verde /
Mais devagarinho..."
a. Rimas: repetição dos sons no final de dois ou mais versos, como
"Mansinho" e "Devagarinho".
2. "Prendi a cauda num cipreste ao passear"
a. Aliteração: repetição de consoantes para dá um efeito son oro.
"Prendi a cauda num cipreste ao passear" (O "P" é a consoante que
mais prevalece no verso, juntamente com o "D" e o "S").
iv. "Já estátuas caídas em desgraça"
a. Assonância: repetição de sons vocálicos idênticos para também dá
um efeito sonora. "Já estátuas caídas em desgraça" (vogal "A"
prevalece no verso).
C. Transcendentalismo
i. Objetivava-se o uso da fantasia e do imaginário, deixando em segundo plano
a razão e a lógica. Por isso, os simbolistas utilizavam a intuição para
interpretar a vida em suas obras. Se a interpretação não vier, a indefinição, o
vago ou o impreciso é o que valem para essas obras.
1. Exemplo: o final quando a rainha diz está com fome e o desconhecido
vai embora, gerando algo totalmente indefinido para o público.
2. Exemplos: “Diz que amanhã é um grande dia, é um grande dia...”;
intuição.
ii. Para interpretar a realidade, os simbolistas se valem da intuição e não da
razão ou da lógica. Preferem o vago, o indefinido ou o impreciso. Por isso,
gostam tanto de palavras como: névoa, neblina, bruma, vaporosa, pois são
elementos misteriosos.
iii. Na poesia simbolista são frequentes palavras como alma, luz, névoa, neblina,
branco ou abismo.
1. Exemplo: “Como um morto, na cova desse paço / Onde a névoa dormia
de cansaço”.
iv. Para a arte simbolista mais importante que nomear as coisas era sugeri-las.
Segundo os simbolistas os leitores é que deveriam adivinhar o enigma de
cada obra.
v. Os simbolistas gostam de sugerir ideias, sem dizer ou nomear
explicitamente. São sugestões que aparecem nas obras através de símbolos e
metáforas originais e sutis.
1. Exemplo: “Aquele ruído magnetizou milhares de medulas: ressuscitou
o grande Lázaro da Raça!”
vi. O transcendentalismo é o gosto dessa corrente literária por qualquer
doutrina que eleja métodos não racionais (intuição, fé, revelação, etc.) como
vias prioritárias para a obtenção de conhecimento.

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1. Exemplo: “Às vezes, no seu desvario, diz coisas que me gelam... cheias
de verdade... profecias...”; revelação.
vii. Para os simbolistas a arte era uma forma de religião. Os textos simbolistas
apresentam muitas vezes uma visão cristã. Era comum a distinção entre
corpo e alma, e o desejo de purificação, de sublimação: anulação da matéria
para a libertação da alma. Era também comum a utilização de vocábulos
ligados ao místico e ao religioso, como missal, breviário, hinos, salmos, entre
outros.
1. Exemplo: “No Paço Grande... reza-se... espera-se em Deus...”.
viii. O transcendentalismo transparece nas obras no uso de substantivos escritos
com inicial maiúscula, como que a evocar realidades de um mundo imaterial,
povoado de entidades vagas ou misteriosas. A utilização de letras maiúsculas
no meio do texto sem que haja alguma razão gramatical para o seu uso
servem para que elas sejam usadas para enfatizar as palavras.
1. Exemplo: “Sou a ama da Morte.”
ix. Um traço do pensamento transcendentalista, além do respeito pelas
intuições e o do idealismo, é o personagem está morto ou paralisado em
essência, como ocorre com a rainha no final da história ou com os
portugueses que paralisaram-se diante dos estrangeiros.
1. Exemplo: “É menos que a memória duma morta: a criatura de um
espectro, não sei quê!...”.
2. Exemplo: “E um sentimento de impotência, irremissível, paralisou
algum tempo o desespero, como um colete de forças, anulante... ”.

4. PESSIMISMO
Os simbolistas promovem uma visão pessimista da existência, associando-a de
acordo com o estado da sua nação e de sua época.
A. Exemplos
i. “Cá dentro não há conforto, nem sequer nos aposentos da Rainha. Quando o
vento sopra da barra, ouve-se o mar... Não calculas: é triste, muito triste...”.
ii. “A AIA: Vivemos então os dias últimos de um povo? O MINISTRO: O último.
As últimas horas. Decerto, ao cair da noite, os navios estrangeiros estão à
vista.”
iii. “A AIA: Tudo perdido então? O MINISTRO: Tudo. As nossas palavras agora
são tão inúteis como um necrológio.”

5. O TEATRO SIMBOLISTA
O Teatro simbolista é um teatro em que o espectador deve utilizar fortemente a sua
imaginação, na apreciação e recepção do que se encontra a ver.
A. Complemento

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i. O Teatro simbolista é “(…) um teatro de sonho em que as categorias do
tempo e do espaço se transformam, ou são abolidas”, onde a ação é “(…)
reduzida à sua menor expressão e situando-se num tempo e num espaço
indeterminados… Os caminhos apontados iriam desembocar num teatro da
espera, ou antes num teatro estático, aquele que melhor conseguiria
exprimir um mundo de silêncio e morte”.
B. Exemplos
i. “Que horas serão? (Olha as janelas do fundo) Os relógios pararam... e o fumo
tolda o ar de tal maneira, que se não faz ideia do tempo.”
ii. “O que me faz pior é o silêncio... Queria gritar para me ouvir e sinto que não
posso. Os criados mesmo, falam mais baixo: ninguém os ouve. Andam em
bicos de pés.”

6. CARACTERÍSTICAS DA OBRA
A ação da peça ‘O Fim’ tem como espaço um Palácio da Corte, designado por ‘Paço
Velho’, na Capital do Reino, isto é, em Lisboa.
A. Complemento
i. O tempo da ação na peça de António Patrício situa-se entre o período do
regicídio (1908) e a implantação da República (1910), organizada em dois
momentos (quadros).
ii. A Obra apresenta, na sua galeria de personagens, uma Condessa (a fazer de
Aia), um Duque, um Ministro, um desconhecido, alguns criados e criadas e,
em destaque, a Rainha-Velha, inspirada na figura da Rainha-Avó D.ª Maria
Pia (mãe de D. Carlos I e avó de D. Luís Filipe).
iii. O pessimismo, o sofrimento, a agonia e a dor psicológica, associados à
saudade e ao sebastianismo, são características presentes nas personagens e
no enredo.
1. Exemplo: “O cheiro à cera dos brandões, mil lumes, / E o cheiro que
ainda sinto, da gangrena... / Nas minhas mãos, na minha carne, / Por
mais que a macerei em mil essências, / Ainda o sinto, vago mas eterno:
/ Num tom misterioso. / Saudades, não sei quê, reminiscências... /
Como quem se recorda. / Foi então Rei meu filho!”
2. Exemplo: “É noite. / Atiro lenha de saudades, / E ponho-me a atiçar as
minhas brasas...”
3. Sebastianismo: foi um movimento místico-secular que ocorreu em
Portugal na segunda metade do século XVI como consequência da
morte do rei D. Sebastião na Batalha de Alcácer -Quibir, em 1578. Por
falta de herdeiros, o trono português terminou nas mãos do rei Filipe
II da rama espanhola da casa de Habsburgo. Basicamente é um
messianismo adaptado às condições lusas. Traduz uma
inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de
salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto
ilustre. O povo nunca aceitou a morte do rei, divulgando a lenda de
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que ele ainda se encontrava vivo, apenas esperando o momento certo
para voltar ao trono e afastar o domínio estrangeiro.
iv. A peça está organizada em dois momentos, designados ‘quadros’, tendo no
primeiro o seu início com a preocupação do Duque com a organização do
evento/recepção em homenagem à Rainha, até aos ataques das armadas
estrangeiras e a invasão de Lisboa.
v. O segundo quadro (ato) faz o enredo iniciar com o rescaldo (calor refletido
de um incêndio) do ataque ocorrido, o surgimento da personagem do
‘Desconhecido’, que aparece no Palácio em chamas e que incita o povo a lutar
para evitar o seu desaparecimento e ‘suicídio coletivo’ enquanto povo e
identidade, e contrapõe ‘aos últimos dias de um povo’ o heroísmo desse
povo, levantando-se em armas contra os invasores, até terminar o ato com a
retirada da personagem do ‘desconhecido’, após ver a figura e momento
tresloucado e surrealista a que a Rainha D.ª M.ª Pia se encontrava, perante a
realidade dos acontecimentos.
vi. O enredo trata da tragédia de uma velha Rainha louca (D. M.ª Pia),
enlouquecida pelo sofrimento após o Regicídio do seu filho e do seu neto,
que anda a vaguear pelo Palácio (Paço Velho) rodeada apenas por dois
aristocratas (os únicos que se mantêm fiéis, que são o Duque e a Condessa).
1. É evidente a alegoria do autor ao fim da Monarquia e do fim da
Nação, com a rainha solitária e o população portuguesa dizimada.
vii. O enredo desenrola-se à volta de um embuste (mentira ardilosa),
intencional, dos ‘serviçais’ que rodeiam e servem a Rainha D.ª M.ª Pia, na
organização e preparação, fictícia, de uma recepção de aniversário à mesma,
em sua homenagem, onde a Rainha aguarda a recepção que não se realizará,
em simultâneo com o país a ser invadido por potências estrangeiras
(esquadras da marinha).
viii. Esse complô com esse embuste, entre todas as personagens, é uma forma de
não revelar a verdade à Rainha D.ª M.ª Pia, para não agravar o seu estado de
saúde mental, já por si bastante débil e frágil, fazendo deste embuste
consentido pelas personagens, um momento simbólico de loucura
consentida e, perpetuada, até à desgraça final, com a revelação previsível da
verdade, extrapolando este enredo localizado, como uma amostragem da
situação real do país de então.
ix. Adicionalmente, a tentativa da resistência popular contra as forças
ocupantes e a perturbante personagem épica do Desconhecido, que relata a
batalha mortal que ocorre nas ruas, à maneira de um mensageiro de tragédia
grega, faz desta obra (e o seu título) uma alegoria que antecipa, em jeito de
profecia, uma antevisão da queda apocalíptica e o respectivo fim iminente do
regime monárquico em Portugal, e o que isso representa simbolicamente – o
fim histórico de Portugal – com um sentido apocalíptico de uma profecia
(perpétua) de uma Nação sempre ameaçada, pela possibilidade de extinção
ou, do seu decadente declínio.
x. Adepto de Nietzsche, o autor estabelece uma intertextualidade da ideia do
crepúsculo dos ídolos e dos deuses, por exemplo.

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xi. No seu teatro, António Patrício busca uma decifração da divindade da vida,
privilegiando os sonhos, as loucuras, as paixões, os desejos humanos, como
em “O Fim”, em que alegoricamente se lê o “fim da Monarquia” ou, mais
apocalipticamente, o luto perpétuo de uma nação sempre ameaçada pela
possibilidade de extinção.
xii. Ao trazer em epígrafe um fragmento de Crepúsculo dos Ídolos, de Nietzsche,
Patrício dá ao seu texto dramático justamente a ideia – por meio da tragédia
de uma rainha enlouquecida pelo sofrimento e que depois do regicídio
vagueia pelo palácio, rodeada apenas por dois aristocratas – do crepúsculo
dos ídolos e dos deuses. É na figura do “desconhecido” que aparece no
palácio em chamas e que concita o povo a lutar para evitar o “suicídio
coletivo” e contrapõe “aos últimos dias de um povo” o heroísmo desse povo
levantado em armas contra o invasor. Ao toque insistente dos sinos, a “Raça”
desperta numa vitória conseguida sobre os escombros.
1. Exemplo: “A AIA, com desespero: Ouviu bem? Ouviu?... Isto é de
endoidecer. De um lado uma esperança absurda, do outro uma visão
de manicómio... (Pondo-se em frente dele) Não é evidente para si, não
é evidente para que ainda mesmo que se realizasse o impossível de
evitar o desembarque das esquadras, outras viriam, mais, até
esmagar-nos?... Quem exige um suicídio coletivo, um heroísmo
monstruoso e inútil? O DESCONHECIDO: A lógica da Raça. É
inevitável.”
xiii. Através de sua afirmação, a vida torna-se justificada, o mundo redimido,
quando toda a dura realidade for percorrida por uma vontade de potência
múltipla.
xiv. As personagens, são assim fortemente vincadas à simbologia saudosista, ao
terem um figurino psicológico de fidelidade inabalável à Rainha D.ª M.ª Pia,
(com um fervor patriótico até, como se vê mais no caso da personagem do
Duque) preservando a tradição, os costumes (não esquecer que são
personagens já com idade avançada), o trato e todo o protocolo até à
fatalidade do regicídio, representam o não confronto com a verdade, a
negação da verdade, por mais dolorosa que ela seja.
1. Exemplo: “O Duque, desta vez doido varrido, levava nas mãos um
tocheiro, ao lado dela, e a cada instante parava para curvar -se, com
reverências de clown, arrepiantes... Os criados seguiam-nos com
velas... E mais cómico ainda e mais horrível, eram as nossas sombras
nas paredes...”
xv. Mas, simultaneamente, representam a piedade e a misericórdia, até à
hipótese de uma eventual melhoria ou, acontecimento inesperado que venha
alterar o rumo da tragédia que vinha a ser desenhar, para o evitar, traços
típicos do saudosismo também.
xvi. Os acontecimentos das invasões das armadas estrangeiras representam o
confronto com a realidade, com a desgraça que se previa, mas num plano da
nação. A reação do povo, de que não tem quem lhes acode, pela incapacidade

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de o país o fazer, elenca-se com o drama vivido no ‘Paço Velho’, encaixando
na perfeição, a metáfora que António Patrício pretendeu montar.
xvii. Há poucos objetos físicos, descritos na peça - como os simbolistas gostam –
mas os que existem, são sempre símbolos com um significado ligado à
grandeza. Neste caso concreto, o trágico é o da aparência de grandeza, numa
realidade atroz que a contradiz, de fragilidade dessa grandeza. São várias as
características simbólicas nos ‘objetos’ na peça.
xviii. Há uma profusão de imagens, bastante descritivas, quer nas vestes
(trabalhadas e ornamentadas), quer nos adornos das personagens, quer na
decoração do Palácio (tapeçarias, mobiliário, etc.) numa construção de
sistemas semióticos com fortes referências simbólicas, como
sugestionabilidade para a sua interpretação, onde vemos a “(…) beleza
plástica das imagens, da musicalidade das palavras, das simetrias em que
«sons e cores se respondem»”.
xix. O jogo de contrastes luz/sombra, na peça, sugerem o ambiente a ser
interpretado, nos momentos certos do enredo, dando ênfase à atmosfera, ao
ambiente psicológico criado, com a utilização da noite, para dar ênfase à
morte, numa dicotomia vida periclitante/morte.
xx. As mímicas faciais, as posturas corporais e os tons na fala das personagens,
dão enfoque a uma didascália muito própria.
xxi. Encontramos o dualismo da prosa/poesia que se expressa explicitamente na
linguagem, através da ausência/presença do verso e de uma prosa
predominantemente poética.
xxii. Vemos a supremacia do texto, afirmando-se através das palavras (um Teatro
do Verbo), onde os elementos usados não pretendem obter uma
representação concreta, pois a preferência simbolista é por um teatro
estático, dando-nos mais a ilustração de uma ideia, do que uma ação efetiva,
concreta.
xxiii. Os pavões (aves de origem asiática) que habitam o jardim do ‘Paço Velho’,
enquanto os seus companheiros prediletos, simbolizam o Oriente, o requinte
do exótico, tendo a Rainha até indicado que quando morrer, quer ir vestida
de pavão. Há até no seu traje de rainha certos traços de algo de oriental,
como também na “máscara” da Rainha. Os movimentos das personagens de
forma muito contida, com grande acentuação na gestualidade, é outra
característica simbólica dessa idealização do oriente, da orientalidade, na
peça.
xxiv. A mensagem da peça é bastante forte, com a demência de uma rainha
enlouquecida, fora da realidade do contexto do momento que se vivia, onde o
paralelismo com a alegoria entre a agonia, com a tragédia do estado da
Rainha nesse momento crítico para o País, com o mesmo estado quasi-senil
com que a nação inteira se encontrava também.
xxv. Perante esta tragédia, soma-se a “(…) falta de capacidade do povo aqui
retratado, o qual, habituado a esperar por D. Sebastião, deixara de ter
capacidade de defesa e se rendera à invasão estrangeira.”

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xxvi. António Patrício, espelha bem o que pretendia caracterizar: “Portugal é um
navio naufragado em que a tripulação espera há séculos... ”
xxvii. A Obra continua a ter uma atualidade absoluta, pelo momento específico no
presente, em que Portugal tem uma perca de soberania financeira e maior
grau de dependência externa junto do ‘Outro’, fazendo emergir o simbolismo
desta peça. Verificamos, com este fenómeno, que é uma recorrência, por
parte dos nossos autores literários, esta tentativa de chamar a atenção, de
alertar a consciência coletiva de um Povo, para este equilíbrio-desequilíbrio
permanente com a nossa independência e, principalmente, a nossa
identidade cultural, enquanto nação.

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