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observação e a elaboração de teorias que depois são testadas, por vezes em laboratórios.
� A filosofia tem como objeto os conceitos mais básicos que usamos nas ciências, nas artes, nas
religiões e no dia a dia. A filosofia estuda conceitos como os seguintes: o bem moral, a arte, o
As definições deste tipo não são muito informativas. Para compreender o que é a filosofia o
melhor é ver alguns exemplos do que se faz em filosofia.
� Será que Deus existe realmente, ou será que os ateus têm razão e os crentes estão enganados?
Estes problemas surgem naturalmente da nossa capacidade para pensar, em contacto com o
mundo. Outros problemas surgem da nossa reflexão sobre as ciências, as religiões e as artes:
� Como poderemos conciliar a existência de um Deus bom e sumamente poderoso e sábio com
verdadeiras?
� Mas só começamos a fazer filosofia quando exigimos justificações públicas para essas
convicções.
� A filosofia é consequente;
O que significa dizer que a filosofia é uma atividade crítica? Significa que temos de justificar as
nossas conclusões. E justificar conclusões é apresentar argumentos.
� Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar não são meras
ilusões e confusões. Por exemplo, será que o problema do sentido da vida faz sentido? Porquê?
� Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filósofos e nós próprios damos aos
problemas da filosofia. Por exemplo, será que a resposta que Platão dá ao problema da
� E precisamos de saber avaliar argumentos porque os filósofos passam grande parte do seu
tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles acham que estão
erradas. Por exemplo, será que o argumento de Santo Anselmo a favor da existência de Deus é
bom?
Porque a filosofia é uma atividade critica, avalia cuidadosamente os nossos preconceitos mais
básicos.
O objetivo do estudo da filosofia não é repetir o que diz o professor ou o manual. O objetivo é
aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia.
Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adotar uma atitude
crítica:
� Ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é olhar com imparcialidade para todas as ideias para
� Ser crítico não é ser extravagante. Ser crítico não é dizer «Não» só para marcar a diferença.
Ser crítico é dizer «Sim», «Não», ou até «Talvez», mas com base em bons argumentos.
A filosofia é uma atividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A diferença entre uma
discussão filosófica e uma gritaria, por exemplo, é esta: em filosofia discutimos para chegar à
verdade das coisas, independentemente de saber quem «ganha» a discussão; numa gritaria discute-
se para «ganhar» a discussão, independentemente de saber de que lado está a verdade.
O pensamento filosófico é consequente. Ser consequente é aceitar as consequências das nossas
ideias.
� Somos livres para defender as posições que queremos; mas teremos de ser responsáveis pelas
consequências do que defendemos. Se defendemos que toda a vida é sagrada e que isso quer dizer
que nunca devemos matar um ser vivo, não podemos ao mesmo tempo defender que se pode
comer salada de alface. Se defendemos que tudo é relativo e que não há verdades, não podemos
� Problemas
� Teorias
� Argumentos
Os filósofos, ao longo dos séculos, têm proposto teorias que tentam resolver os problemas
filosóficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos.
Os problemas da filosofia não se resolvem olhando para o mundo para recolher informação. É por
isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori ou conceptual. Queremos dizer que a
filosofia se faz unicamente com o pensamento.
Exemplos: para saber se há vida em Marte é necessário enviar sondas e fazer observações. Para
Exemplos: para saber se 7 é um número par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado é um
número inteiro. Para saber se todos os objetos verdes têm cor basta pensar no conceito de verde e
de cor.
O estudo filosófico é a priori, mas temos de ter informações sobre tudo o que for importante para
a solução dos problemas que estamos a tratar.
� A filosofia é inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de justificações sensatas
� A filosofia opõe-se ao dogmatismo porque nenhuma ideia tem o direito de suplantar quaisquer
outras ideias, enquanto não mostrar que é realmente melhor do que as outras.
A filosofia é diferente da sua história. Em história da filosofia estudamos o que os filósofos dizem
só para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os filósofos dizem para discutir as
suas ideias.
� Estudar filosofia é como estudar música e estudar história da filosofia é como estudar história
da música. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peças musicais; no outro,
aprendemos apenas a apreciar a música do passado. Num caso, aprendemos a discutir ideias e a
propor ideias e a defendê-las; no outro, aprendemos apenas a formular as ideias dos outros.
� A filosofia serve para alargar a nossa compreensão das coisas, como as ciências, as artes e as
religiões.
� A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as ciências, as artes e as religiões.
Exemplos:
� John Stuart Mill, A Submissão das Mulheres (1869)
� Peter Singer, Libertação Animal (1975).
Comparações de utilidade:
� A religião é útil porque fornece orientação e conforto espiritual aos seus crentes. A filosofia
� A ciência é útil porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia ensina-nos a
� As artes são úteis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A filosofia produz
ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e põe a descoberto problemas que nos
As razões pelas quais a filosofia serve para alguma coisa são a razões pelas quais as artes, as
ciências e as religiões servem para alguma coisa.
� Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia não têm qualquer utilidade prática.
� Mas também a maior parte do que constitui as religiões, as artes e as ciências não tem qualquer
utilidade prática.
� E as coisas sem utilidade prática podem ter valor porque o conhecimento é algo suficientemente
� Mesmo que só as coisas úteis tivessem valor, nunca poderíamos saber à partida quais das nossas
� A filosofia é útil para a vida pública de um país porque nos ensina a pensar melhor sobre
Os argumentos
conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam as premissas.
Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente
apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante
da discussão filosófica.
2. Descobrir que razões ele dá para defender essa conclusão. Essas razões são as premissas.
humana.
� Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando apenas o que
� O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes descrevem e
Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos
frequentemente de forma irracional?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma ação?», analisemos
o seguinte exemplo:
1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo é matar o
seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir desajeitadamente o
seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não um parricídio?
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um acontecimento é uma
ação.
� Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem pessoas, mas
� Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue os
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a exibir a
presença de uma intenção no agente.
Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de estados
mentais intencionais.
� No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e parece que à
custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo aponta, pois, que se
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as ações umas
2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão todos a fazer a
mesma ação ou ações diferentes?
� Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa, no mesmo
� Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas matar a
fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos não são
1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato genérico
concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos
individualizados.
� Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação:
1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como Jaegwon Kim, a
concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a ideia de Triângulo) e que
pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal como exemplificamos a ideia de
2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a concebem
deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no tempo (têm lugar num certo
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a existência de
3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach. No entanto,
diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das suas preferências?
� Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas.
� O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem uma certa
relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de relação com uma entidade
1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é mais alto do
2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o pai da Joana!
� Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem racionais, deverão
ser transitivas:
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum?
das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que isto nem sempre
� Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força de vontade
se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma dada ação é a melhor
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender o fenómeno
Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor maneira
de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender que o continues a
comer tudo isto?
� Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só poderia ser
em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações com base nos seus
� Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como resultado de
Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e uma
motivação.
Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente), dotado de razão e
de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam um caminho
distinto;
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação;
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir;
Motivo: é a razão pela qual ele age.
II.A ação humana e os valores
� Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter sido livre
para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus se tiver pecado
quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da Justiça se tiver cometido um
Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo pela sua
«ação»?
� Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de condicionantes
da ação:
1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis naturais
circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam com outros
de causalidade.
� Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é causa do
acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento que o antecede:
� Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que têm lugar
no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são efeitos de acontecimentos
� Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que somos
responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não determinista da ação.
Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por acontecimentos remotos
que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo nós responsabilizáveis pelo que
fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas ações são aleatórias, pelo que também não
somos responsabilizáveis por elas.
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade.
� O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa com uma
"liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of the will", são enganosas, pois nem o
juízo nem a vontade são os fatores preponderantes. Menos comprometida seria a expressão
"liberdade de decisão" ou "liberdade de escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente),
"liberdade de ação".
� Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz respeito ao
conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo causal. Podemos introduzi-
� A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos para todo
evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece verdadeira: quando nos observamos
a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e ações são frequentemente livres. Também a
proposição 3 parece verdadeira: se as nossas ações fossem causalmente determinadas, elas não
� O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima formam
um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam verdadeiras! Se admitimos
que todo evento é causado e que a ação livre não é causalmente determinada (que as proposições 1
e 3 são verdadeiras), então não somos livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição
2 é falsa). Se admitimos que as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente
determinadas (que 2 e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o evento seja
causado (a proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é causado e que somos livres
(que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver a1go de errado com a ideia de
� Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A primeira delas é
chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da proposição 2, ou seja, que somos
realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A
segunda alternativa chama-se libertismo: ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso
redor é causalmente determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações,
que sendo livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal
segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas soluções, argumentando finalmente a favor
do compatibilismo.
1. Determinismo
� O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre encontrar
causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar causas para as nossas
ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos produtos de um processo de
evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações não fossem causadas do mesmo modo que
o são outros eventos biológicos, tais como a migração dos pássaros e o fototropismo das plantas.
Mesmo que o princípio da causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha
sido inclusive colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações,
pensamentos, decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto,
admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns poderão dizer que Napoleão
invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores consideram parte do seu
tomar essa funesta decisão. Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser
externas (alguém decide parar o carro diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve
tomar um refrigerante), sendo geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem rastreadas.
ações são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa.
� Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de que o livre-
arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela não seria determinada
por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que parecemos ter ao tomarmos as
nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma insuficiente consciência das suas causas. Mesmo
quando pensamos que poderíamos ter agido de outro modo, o que queremos dizer não é que
éramos realmente livres para agir de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro
modo se o sentimento mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc.
livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou remorso parece perder o
sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-nos das nossas ações, se não fomos
livres para escolhê-las? Também a responsabilidade moral perde a validade. Se nas nossas ações
somos tão determinados como uma pedra que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido
responsabilizar uma pessoa pelos seus atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter
2. Libertismo
� O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis. Ele também
como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua validade universal garantida.
Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo em geral para o mundo que nos circunda
e mesmo para muitas de nossas ações. Mas nada nele garante que a sua validade seja universal.
evento no universo surgindo sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós
simplesmente sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento
reflexo e um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso
defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria às vezes, ao menos,
o agente causa os seus atos sem qualquer mudança essencial em si mesmo, não necessitando de
condições antecedentes que sejam suficientes para justificar a ação. Isso acontece porque o eu é
uma entidade peculiar, capaz de iniciar uma ação sem ser causado por condições antecedentes
suficientes! Você poderá perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que
não pode haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o
próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve considerar objetivamente o eu
só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar interrogar o próprio eu é tentar, como o
barão de Münchausen, alçar-se sobre si mesmo pondo os pés sobre a própria cabeça. O eu da
teoria da ação é um eu esquivo [...]. Ele é um eu autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser
causado. Somos, quando agimos, semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas,
� Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de explicar o
obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem questionamento. A
pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória. A solução que veremos a
seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma maneira de tentar preservar as vantagens
3. Compatibilismo: definições
nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente determinados nas nossas
Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o mesmo que a capacidade de
produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas. Mas isso é falso. Se assim fosse, uma
pessoa que se comportasse arbitrariamente, mesmo que contra a sua própria vontade, seria um
exemplo de pessoa livre. Mas o comportamento arbitrário não é visto como um comportamento
livre. A diferença entre a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a
segunda ser causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de ações livres
como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais, como
1. Gandi passa fome porque quer libertar a Um homem passa fome num deserto porque não
Índia. há comida.
2. Uma pessoa rouba um pão porque está com Uma pessoa rouba porque o seu patrão a
fome. obrigou.
3. Uma pessoa assina uma confissão porque Uma pessoa assina uma confissão porque foi
quer dizer a verdade. submetida a tortura.
4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa de Uma pessoa toma uma dose de aguardente,
champanhe porque quer brindar ao Ano Novo. mesmo contra a sua vontade, porque é alcoólica.
� Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as colunas. Assim, a
coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos encontrar causas das ações, decisões
e volições dos agentes. E às causas apresentadas podemos adicionar ainda outras, como razões
psicológicas e biográficas de Gandi, o costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de
champanhe etc. Mesmo nos casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma
moeda no ar para que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente
� A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da coluna B é que
as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele defina a diferença entre a
vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as ações derivadas da vontade livre são
oporem à nossa vontade ou de serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a
Índia, se alguém rouba um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias;
mas se uma pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua
vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são livres.
� Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica satisfatoriamente
� No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora após ser
acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por decisão do
fornecer uma razão qualquer, como a de que está sentindo calor). � Nesse caso a pessoa realiza a
ação voluntariamente, pensando que o faz por livre e espontânea vontade, embora na verdade o
faça seguindo a instrução de quem a hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age
voluntariamente, e o mesmo poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de
pessoas presas a valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso
limitações na capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A ação livre deve
aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe de ser o caso.
� Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas colunas A e B é
que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição, coerção ou limitação externa
(exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6), enquanto nos casos da coluna A, em que a ação
é livre, o agente age motivado por razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que
sejam razões não-limitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de
Gandi e as razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou de
uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razões são
comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas. Admitindo essa distinção
A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem coagido na sua
vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la.
entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos têm liberdade para fazer
ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos limites ― ninguém acredita que
possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a ideia de que os seres humanos têm
vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a ideia (...) de que tudo o que acontece neste
aqueles que aceitam esta ideia que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes
deterministas. (De aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
� Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não podemos ter
livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são determinadas por
Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação, isto é, a nossa
ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto; correto/incorreto pelo
sujeito.
Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos objetos.
Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e achamos correto.
Os valores são:
� Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto podem ter
opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objeto bonito e outra feio).
hierarquia.
� Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.: beleza ≠
fealdade).
� Valor-fim e valores-meio:
Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da hierarquia);
Valores éticos/morais
Valores estéticos
� São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer que uns
� São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes continuarão
� Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma objetiva. Quando
(factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação sobre o mundo. São
objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os enuncia, dependendo exclusivamente
do objeto ou do facto.
� Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo do juízo
corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo contrário, não corresponde, é
falso.
� Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas)
� Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade.
Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos, porque
Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o mesmo tipo
� Assim temos:
Exemplos:
quaisquer sujeitos?
Subjetivismo
� Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade depende da
� Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes de aprovação
� Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada pessoa, então
� Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos sentimentos de
cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores que os de outra, tornamo-
Objeções ao subjetivismo:
Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa pessoa é
� O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em ensinar que
� O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço racional
Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de desacordo
moral:
� Se a
tradução
do
subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno entre o João e a Maria. Mas há um
desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a tradução do subjetivista não é correta.
Emotivismo
� Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os seus
sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos sentimentos nos outros.
� Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições.
� Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista como a tentativa
� Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a possibilidade
do debate moral.
� Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de aprovação ou
reprovação.
Relativismo moral
� Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros ou falsos.
� A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada sociedade.
� Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam que ele é
sociedade.
Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que variam de
sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de casamento ou o estilo de
vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de comer, casar ou vestir que seja
universalmente melhor do que todas as outras.
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto, a ideia
deixa de ser trivial.
Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos e culturas.
� Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são
Deus.
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus.
O dilema de Êutifron
A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância
� Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque existem em todas
Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos porque variam as qualidades que têm
de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto, todas as sociedades distinguem o bem do
mal, considerando o bem um valor positivo e o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o
conceito de bem e de mal é definido culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à
regimes políticos, das classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores universais
dependendo dos gostos e das preferências pessoais como é o caso dos valores estéticos, por
exemplo.
positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos. Isto não significa que não deva
haver valores universais a preservar para além desse relativismo como é o caso do valor da vida e
da dignidade da pessoa, qualquer que seja a sua condição (cultura que adotou, classe social, sexo,
religião, cor da pele, etnia, etc.). A todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida
igualdade de direitos e de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da
dignidade humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos direitos humanos
� Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos referirmos a
� A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os costumes, aquilo
que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindo-se, pois, à sua interioridade.
� Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito grego de
ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem orientar a ação humana,
para uma fundamentação das normas do agir, e também para a definição dos fins orientadores da
existência de cada um, tendo em vista a autoconstrução de si na prossecução duma vida boa e
feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à existência humana. A Ética remete, portanto,
para uma sabedoria de vida, algo que aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal
autónoma.
� A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias, da sua
sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é, uma deontologia, as
cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os costume geram as leis ou códigos que definem o
portanto, com uma função normativa, isto é, de institucionalização de normas que regulam a
conduta. A Moral responde-nos, pois, às questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal
circunstância?
� Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação humana, no
sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a alcançar. O sentido da palavra
«desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem, embora pela negativa, a sua importância: diz-se
«desmoralizado» de alguém a que perdeu a orientação e o interesse pela vida ou pelos seus
objetivos. E a Moral e a Ética apelam exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar
desta distinção conceptual, muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos.
responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar contas pelas consequências
perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta perante a nossa consciência pelos atos
� A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta autoria
implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de constrangimentos, isto
� A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com os outros
ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como nos diz F. Savater
«ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos humanos uns aos outros».
� Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e politica do ser
animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um louco», sendo por isso que a pena mais
cruel infligida a um indivíduo era a condenação ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado
dos outros.
� Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os interesses
� A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um ponto de vista
no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são afetados pelas nossas ações, isto
é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de universalidade do agir. A ação ética exige que
ultrapassemos o nosso ponto de vista pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar
do outro (entendendo-se por outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do
promove, elogia e estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade.
social, em que a existência individual ganha sentido na vivência partilhada com os outros.
� A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução, evidenciando
que a realização de cada um supõe também a realização dos outros, numa convergência de
� Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva ou biológica,
livremente definidos por cada sociedade. É esta convergência de ideais que procura dar sentido à
� Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de orientação e de
compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos, provocando-nos, em certas
situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos praticado uma ação considerada má (ter a
Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar (uma
Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os valores que
defendemos (index);
Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e das próprias
intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores e ideais a que aderimos
(judex);
CONSCIÊNCIA MORAL
Por um lado, cresce à medida que o Por outro, amadurece e assume-se como
indivíduo interioriza as regras e padrões uma dimensão pessoal no sentido em
do grupo (heteronomia). que cada um se autodetermina por
princípios racionalmente justificados
(autonomia).
� Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio social, uma
articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à transformação do indivíduo
em pessoa.
Noção de pessoa
Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo, para com
Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia não
Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa numa
� Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar princípios
universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e deveres, estar aberto
aos outros.
Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que visam
Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer, Stuart Mill
do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser uma utilidade altruísta e não
meramente egoísta.
� O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as
� O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns, predispõe-nos a
O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas.
O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões.
1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos nossos atos.
2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer.
O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas consequências
acabaríamos por não promover o bem.
O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que, de uma
maneira geral, serão boas.
� Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas decisões
quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às inclinações do nosso
� Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações em que as
regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar criticamente essas regras de
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios. É por isso,
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis. É por isso,
Integridade
Respeito e direitos
Dois egoísmos
� Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse pessoal.
� Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse pessoal.
Somos todos egoístas?
1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por isso, somos
todos egoístas.
2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem aos outros
para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos egoístas.
� Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a fazer aquilo
que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas.
� Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a expectativa desse
� O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste na atividade
de aconselhar e julgar.
� O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma egoísta, terá uma
Utilitarismo
J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas na medida
em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da
felicidade.»
resultados.
� O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si próprio.
� O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles que
� Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada a maior
utilidade esperada.
� Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas suas várias
Hedonismo
� Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da vida das
pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas pela duração e
intensidade.
� Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua natureza,
intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma forte preferência aos
prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade idêntica ou mesmo maior de
prazeres inferiores.
insuperavelmente aprazível.
experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real. Logo, o
hedonismo é falso.
Satisfação de preferências
falso.
Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia. As mais
notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a Crítica da Razão
Teorias deontológicas
� Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. As nossas
� Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. Muitas
ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas consequências.
Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas
ações.
� Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja, quando promove
tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o bem-estar é errada.
� Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente algum dos
nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem nada de errado.
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas:
� Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito.
� Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o mérito.
Deontologia
uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria racionalidade humana
autoridade final para a moralidade e esta não pode ter fundamento, isto é, não pode ser
estabelecida e justificada, na observação dos costumes ou modos habituais e culturais de agir com
os humanos. Todas as ações precisam ser determinadas por um sentido de dever ditado pela razão,
e nenhuma ação realizada por interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume
pode ser considerada como moral. A ação moralmente boa é a que obedece exclusivamente à lei
impulsos e tendências naturais ou sensíveis e está centrada sobre a noção de dever e não na noção
� Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve, pois, ser
� Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o que o
Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a moral Kantiana é
uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo; Kant afirma que a única coisa
simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo, por isso, a vida
moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma obrigação, como uma certa
coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a sua parte sensível. O dever obriga, força-
nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem
não é perfeito e sim dual. Assim, a moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser
obedecida por si mesma, uma lei cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da
razão, a que o sujeito moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é
preciso que o domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não ser a sua
própria) sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama vontade
santa à vontade que dominou por completo toda a influência e determinação oriunda dos
fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos, para sujeitá-la à lei moral. � Para uma
vontade desse tipo não haveria distinção entre razão e inclinação. Um ser possuído de uma
vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e não haveria lugar para o conceito de dever e
de obrigação moral, os quais somente têm sentido e existência porque o Homem é dual, razão e
desejo, e estes encontram-se em oposição. É por isso que o dever nos surge sob a forma de uma
incondicionalmente): “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao
mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. – Kant reconhece que esta é
� Como imperativo categórico, Kant forneceu-nos, na prática, um critério para o agir moral.
� Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente) – o que aliás tu tens de fazer –
age então de uma maneira realmente universalizável. A universalização das nossas máximas (em si
� A condição necessária para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a liberdade. A
vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão estabeleça, por si só, aquilo a
que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o que só é possível pressupondo que o Homem
� As ideias éticas de Kant são um resultado lógico da sua crença na liberdade fundamental do
indivíduo. Esta liberdade não é sinónimo de ausência de leis ou de anarquia; significa, antes,
autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razão ordena, isto é, obedecer ao imperativo
categórico.
� Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, tal como as causas
naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, é livre, legislador e membro de
uma sociedade ética: é legislador porque é ele que determina o que deve ser feito, e é membro ou
súbdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão fórmula. Neste sentido, ele não tem
um preço, mas uma dignidade, e é por isso que a segunda fórmula do imperativo categórico diz
para agirmos de modo a não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, como um meio,
mas sempre como um fim em si. A ética Kantiana é uma ética do respeito à pessoa. A ética
Kantiana é moderna porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade, condena todas as
pessoas, etc.) e reconhece à sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que sejam
� Kant também reflete sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para Kant a
felicidade é do domínio do sensível; é um desejo que está presente em todos os seres humanos mas
que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente. Ora se a lei moral tem origem na razão (a
condição da sua objetividade e universalidade) e se cada ser humano não concebe sempre do
mesmo modo aquilo que é ser feliz, alcançar a felicidade não pode ser o fim supremo da
humano e a felicidade e a virtude são apenas as consequências do esforço humano para praticar
atos moralmente bons. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido, a
tranquilidade da boa consciência. Temos obrigação de fazermos tudo para sermos felizes. A única
condição é que tudo o que fizermos possa ser universalizável. Não é a felicidade a qualquer preço.
� Ser feliz é, assim, uma aspiração que o homem concretiza através do seu mérito, mas mesmo
que esse aspiração existisse ou a felicidade não fosse concretizável e atingível através da
moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigação moral ou o dever de agir
Em conclusão de Kant:
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser inferidos de
um princípio ético fundamental.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais são os nossos
deveres.
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos: nunca podemos
desrespeitá-los.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por vezes
podemos desrespeitá-los.
Duas distinções
Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às distinções
� Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por exemplo, é pior
� Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem a um mal
que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará da nossa conduta. Por
exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em sofrimento como efeito colateral.
Fundamentação da Moral
dignidade.
II.A ação humana e os valores
3.1.4. Ética, direito e politica – liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e
equidade
Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristóteles (384-322 a.
C.) num livro intitulado Política. Neste livro, Aristóteles estuda os fundamentos e a organização da
cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo «política»). Naquele tempo, as principais
cidades gregas eram estados independentes – tinham os seus próprios governos e exércitos, além
de leis e tribunais próprios. Por isso lhes chamamos cidades-estado.
Aristóteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado é simplesmente impensável. Viver
numa sociedade governada pelo poder político faz parte da natureza humana. Quem conseguir
viver à margem da cidade-estado não é um ser humano: «é uma besta ou um deus», diz
Aristóteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e justificação do estado é naturalista.
O argumento central de Aristóteles é o seguinte: Faz parte da natureza dos seres humanos
desenvolver as suas faculdades. Essas faculdades só poderão ser plenamente desenvolvidas
vivendo no seio de uma comunidade (cidade-estado). Logo, faz parte da natureza humana viver
na cidade-estado.
Fora da cidade-estado seríamos, pois, incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso torna-se
claro, pensa Aristóteles, quando verificamos que os seres humanos não se limitaram a formar
pares de macho e fêmea para procriar, ao contrário dos outros animais. Constituíram também
comunidades de famílias (as aldeias) e estabeleceram a divisão entre governantes e súbditos,
com vista à autopreservação. Mas a comunidade mais completa, que contém todas as outras, é a
cidade-estado. Esta é auto-suficiente e não existe apenas para preservar a vida, mas sobretudo
para assegurar a vida boa, que é o desejo de todos os seres racionais. É por isso que a cidade-
estado é a comunidade mais perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos têm
tendência para se tornarem estados.
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristóteles: que a natureza de
uma coisa é a sua finalidade. Assim, a finalidade dos seres humanos é viver na cidade estado
porque ao estudarmos a origem destas verificamos que há um impulso natural dos seres
humanos para passar da vida em família para a vida em pequenas comunidades de lares, e destas
para a comunidade mais alargada e auto-suficiente da cidade-estado. Daí Aristóteles afirmar que
«o homem é, por natureza, um animal político».
Outra ideia importante para Aristóteles é que o todo é anterior à parte, no sentido em que fora
do todo orgânico a que pertence, a parte não seria o que é. O que o leva a dizer que a cidade
estado é por natureza anterior ao indivíduo, pois não há indivíduos auto-suficientes e, portanto,
nem sequer existiriam fora dela. Tal como uma mão não funciona separada do resto do corpo,
também não há realmente seres humanos isolados da comunidade.
Alguém que viva fora da sociedade sem estado, não chega a ser um ser humano (é uma besta) ou
é mais do que um ser humano (é um deus).
Assim, submetemo-nos à autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos tornamos
adultos. Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si. Daí que, para Aristóteles, o mais
importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado é melhor para garantir a vida boa.
Uma justificação do estado bastante mais influente do que a de Aristóteles é dada por John Locke
(1632-1704). Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie de contrato social em
que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de um governo civil. Locke
considera que esse contrato dá origem à transição do estado de natureza para a sociedade civil.
Por isso se diz que a teoria da justificação do estado de Locke é contratualista.
Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato? Vejamos, em primeiro lugar, como
eram as coisas antes do contrato, isto é, como eram as coisas antes de haver estado – quando
ninguém detinha o poder político e não havia governo nem tribunais nem polícias.
No estado de natureza as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada um era
«senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem depender da vontade
de seja quem for. As pessoas viviam também num estado de completa igualdade, não havendo
qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além disso, viviam segundo a lei natural, a qual
dispõe que ninguém infrinja os direitos de outrem e que as pessoas não se ofendam
mutuamente.
Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razão natural, pelo que é comum a
todas as pessoas e independente de quaisquer convenções humanas. Deste modo, Locke
distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. � � As leis positivas são
leis que resultam das convenções humanas; são as leis que realmente existem nas sociedades
organizadas em estados.
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada têm acima de si a não ser a lei natural, na
sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A única lei
que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei natural da lei positiva,
mas também da lei divina:
Locke não
encara a lei
natural como uma lei científica que descreve o funcionamento efetivo da natureza. Locke
defende que a lei natural é normativa: determina como as pessoas racionais devem agir e não
como de facto agem. Por outro lado, a lei natural e a lei divina, apesar de não serem a mesma
coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus é a origem de ambas.
Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os direitos
decorrentes da aplicação dessa lei. Assim:
1. Todas as pessoas são iguais, pois têm exatamente o mesmo conjunto de direitos naturais;
2. Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si que ações estão ou não de acordo com a lei
natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural nem autoridade especial para julgar
pelos outros;
4. Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a lei
natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita igualdade a
legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos.
O estado de natureza é não só diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do estado de
guerra, pois neste não há lei que vigore e as pessoas não têm direitos.
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e em que
cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu trabalho e
esforço. Sendo assim, que razões teriam as pessoas para abandonar o estado de natureza,
aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual têm de se submeter?
Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – excetuando os casos de autodefesa
ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento.
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos naturais.
Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou contrato, entre
pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E esse acordo só faz sentido
se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.
Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase perfeito,
não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que, mais cedo ou mais tarde, iriam tornar a vida
demasiado instável e insegura. Isto porque há sempre quem, movido pelo interesse, pela
ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural, ameaçando constantemente os
direitos das pessoas e a propriedade alheia. Locke dá o nome genérico de «propriedade» não
apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e
liberdades.
1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicação da lei natural. Isto
porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e divergir
quando se trata da sua aplicação a casos concretos.
2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja juízes
em causa própria. Isto porque quando as pessoas julgam em causa própria têm tendência para
ser parciais e injustas.
3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas,
evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número sejam
injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número.
É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos privilégios do
estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem escolhidos segundo as
regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém nos perguntou expressamente se
aceitamos viver numa sociedade civil, Locke defende que, a partir do momento em que
usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso consentimento tácito. Caso contrário,
teríamos de recusar os benefícios do estado e de viver à margem da sociedade.
Têm sido feitas várias críticas ao contratualismo de Locke. Vamos estudar brevemente algumas
das mais importantes.
Quando Locke fala do contrato social não está a pensar num procedimento formal, como quando
se assina um documento ou se faz um juramento público. O contrato a que se refere revela-se no
consentimento tácito das pessoas que, ao usufruírem dos benefícios do estado, dão
implicitamente o seu consentimento para que este tenha poderes sobre elas. Por exemplo, se
alguém pede proteção à polícia quando se sente ameaçado, está tacitamente a consentir que a
polícia tenha poder sobre si também.
Mas há boas razões para pensar que não há efetivamente qualquer consentimento tácito das
pessoas. Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado no consentimento
tácito das pessoas dessa altura, isso não inclui as gerações atuais, as quais não tiveram qualquer
palavra a dizer sobre isso. Há até pessoas que, apesar de estarem sujeitas a um dado governo, o
combatem e o consideram ilegítimo, pelo que tal governo não tem seguramente o seu
consentimento tácito.
Além disso, é incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso consentimento
seja livre e intencional. Mas para que seja intencional, uma pessoa tem de ter consciência
daquilo a que está implicitamente a dar o seu acordo. Todavia, parece claro que muitas pessoas
não têm consciência de terem dado qualquer acordo. De modo semelhante, há pessoas cujas
condições de vida não lhes permitem optar entre aceitar a autoridade do governo e mudar para
um território onde essa autoridade não exista.
Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condição de este matar o seu
marido e que o amante concorda com isso. Não é por ambos terem feito um contrato que as suas
ações se tornam legítimas. Assim, o consentimento inerente a qualquer contrato é, na melhor
das hipóteses, condição necessária para a sua legitimidade, mas não é suficiente. Analogamente,
o facto de o estado ter tido origem num contrato celebrado entre pessoas livres também não é
suficiente para legitimar a sua autoridade.
O contrato é desnecessário
Locke pensa que, no estado de natureza, cada indivíduo tem o direito de fazer cumprir a lei
natural e até de usar a força para punir quem a violar.
Imagine-se então que há apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza. Se, na opinião
de uma delas, a outra violar a lei natural, não precisa do consentimento do prevaricador para,
com todo o direito, o punir. Suponha-se agora que várias pessoas decidem organizar-se para
tornar a aplicação da lei natural mais efetiva e que é detetado alguém exterior a esse grupo que,
em sua opinião, está a violar a lei natural. Mesmo que a pessoa que viola a lei não tenha dado o
seu consentimento e nem sequer pertença ao grupo, este pode recorrer à sua força coletiva para
submeter e punir o prevaricador.
Locke defende precisamente que isso seria ilegítimo, a não ser que o prevaricador tivesse dado o
seu consentimento e que, portanto, estivéssemos já não no estado de natureza mas na sociedade
civil. Mas por que razão é ilegítimo um grupo organizado de pessoas impor a sua força sem o
consentimento do visado e não é ilegítimo no caso de ser uma só pessoa a fazê-lo?
Isto sugere que, além do poder coletivo das pessoas, não é necessário qualquer consentimento
contratual daqueles a quem se aplica a força. Nesse caso, o contrato não desempenha qualquer
papel na legitimação do uso da força.
Em conclusão:
Como é possível uma sociedade justa – a resposta de Rawls
Quando discutimos certas questões relacionadas com a organização social, é muito comum ouvir
expressões como «Isso é injusto» ou «Fazer isso não seria justo». De algum modo, todos temos
uma noção do que é justo e injusto, e todos queremos viver numa sociedade justa. Mas o que é
realmente uma sociedade justa?
Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas é muito pobre, mas em que
existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas. Será que uma sociedade assim pode
ser justa? Porquê?
Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma riqueza. Uma
sociedade como esta será forçosamente justa? Porquê?
A posição original
Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade, sabendo perfeitamente qual era o seu
estatuto social e quais eram os seus talentos naturais, propunha determinados princípios da
justiça. Nesse caso, o mais certo seria não se chegar a qualquer acordo. Os mais ricos, por
exemplo, tenderiam a opor-se a princípios da justiça que os forçassem a pagar impostos elevados
para benefício dos mais pobres. E os mais talentosos favoreceriam uma sociedade que premiasse
os seus talentos, sem se preocuparem muito com os que por natureza são menos talentosos.
Nestas circunstâncias, como poderíamos descobrir quais são os princípios da justiça corretos?
Rawls sugere que, para encontrar os princípios da justiça corretos, devemos fazer uma
experiência mental: temos de imaginar uma situação em que os membros de uma sociedade
sejam levados a avaliar princípios da justiça sem se favorecerem indevidamente a si próprios pelo
facto de serem ricos, pobres, talentosos ou poderosos. � Ou seja, temos de imaginar que os
membros de uma sociedade estão a avaliar princípios da justiça numa situação que garanta a
imparcialidade da sua avaliação. Rawls designa essa situação imaginária por posição original e
descreve-a na seguinte passagem:
Parto do princípio de que as partes estão situadas ao abrigo de um véu de ignorância.
Não sabem como as várias alternativas vão afetar a sua situação concreta e são obrigadas a
avaliar os princípios apenas com base em considerações gerais. […] Antes de mais, ninguém
conhece o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou estatuto social; também não é
conhecida a fortuna ou a distribuição de talentos naturais ou capacidades, a inteligência, a força,
etc. Ninguém conhece a sua conceção do bem, os pormenores do seu projeto de vida ou sequer
as suas características psicológicas especiais. […] Mais ainda, parto do princípio de que as partes
não conhecem as circunstâncias particulares da própria sociedade. […] É dado adquirido, no
entanto, que conhecem os factos gerais da sociedade humana.
John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 1971,trad. de Carlos Pinto Correia, p. 121
As «partes» a que Rawls se refere são pessoas singulares, e não pessoas coletivas, como
associações ou empresas. Aquilo que as caracteriza na posição original é o facto de estarem sob
um véu de ignorância: sofreram uma espécie de amnésia que as faz desconhecer quem são na
sociedade e quais são as suas peculiaridades individuais. Por isso, são forçadas a avaliar princípios
da justiça com imparcialidade. Como quem está na posição original não sabe, por exemplo, se é
rico ou talentoso, não vai escolher princípios da justiça que favoreçam indevidamente os ricos ou
os talentosos.
Na posição original, as partes não sabem sequer qual é o seu «projeto de vida». Não sabem,
portanto, o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas. No entanto, estão interessadas
em escolher o que é melhor para si. Por isso, diz-nos Rawls, têm interesse em obter bens
primários, ou seja, coisas que sejam valiosas seja qual for o seu projeto de vida específico. A
liberdade, as oportunidades e a riqueza destacam-se entre os bens primários.
Os princípios da justiça
Os princípios da justiça corretos são aqueles que seriam escolhidos na posição original.
Nessa posição, os membros da sociedade, estando todos sob o mesmo véu de ignorância, ficam
numa situação equitativa – daí que Rawls nos esteja a propor uma teoria da justiça como
equidade. A questão que se coloca agora é saber que princípios da justiça seriam escolhidos na
posição original. Rawls defende que esses princípios são os seguintes:
Primeiro princípio: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de
liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para
todos.
Segundo princípio: as desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas de forma
que, simultaneamente:
John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 1971, trad. de Carlos Pinto Correia, p. 239
Dado que o segundo princípio se decompõe em dois princípios distintos, a teoria da justiça de
Rawls oferece-nos, na verdade, três princípios da justiça. Estes princípios não têm a mesma
importância, pois Rawls estabelece prioridades entre eles. Apresentando-os em função da sua
prioridade, obtemos a seguinte lista:
O princípio da liberdade tem prioridade sobre os restantes. Diz-nos que numa sociedade justa
todos os indivíduos beneficiam das mesmas liberdades básicas. Entre estas, Rawls inclui a
liberdade política (que se traduz no direito de votar e de concorrer a cargos públicos), a liberdade
de expressão e de reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, e ainda as «liberdades
da pessoa» (que proíbem, por exemplo, a agressão e a prisão arbitrária).
O direito de possuir escravos, por exemplo, não se pode contar entre as liberdades básicas, já que
a escravatura é incompatível com uma igual liberdade para todos.
Ao afirmar a prioridade do princípio da liberdade, Rawls defende que não se pode violar as
liberdades básicas dos indivíduos de modo a alcançar vantagens económicas e sociais.
Por exemplo, não se pode suprimir a liberdade de expressão com o objetivo de obter uma melhor
distribuição da riqueza. No entanto, nenhuma das liberdades básicas é absoluta.
Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para todos. Por
exemplo, em algumas circunstâncias pode justificar-se limitar a liberdade de expressão –
proibindo, suponhamos, a difusão de ideais políticos ou religiosos extremamente intolerantes –
de modo a proteger a liberdade política.
Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades, sustenta Rawls, o governo deve
providenciar, entre outras coisas, iguais oportunidades de educação e cultura para todos.
Para esclarecer o princípio da diferença, imaginemos duas sociedades: na primeira, todos têm a
mesma riqueza, mas todos são muito pobres; na segunda, há desigualdades na distribuição da
riqueza, mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos, de tal forma que nem mesmo os
mais desfavorecidos são muito pobres. O princípio da diferença sugere que a segunda sociedade
é, apesar das desigualdades que a caracterizam, preferível à primeira. Isto porque na segunda os
mais desfavorecidos vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitária.
Dado que o princípio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princípios da justiça, numa
sociedade justa não se promove a igualdade de oportunidades ou a distribuição da riqueza à
custa de um sacrifício das liberdades básicas iguais para todos. � No entanto, uma sociedade
justa não se caracteriza simplesmente pela existência de tais liberdades individuais: é também
uma sociedade em que a riqueza está equitativamente distribuída, já que as desigualdades
socioeconómicas são aceitáveis apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de
oportunidades e acabam por beneficiar os mais desfavorecidos.
O princípio maximin
Por que razão pensa Rawls que, na posição original, as partes escolheriam os princípios da justiça
por si indicados? Afinal, por que razão não escolheriam antes, por exemplo, um princípio da
justiça de caráter utilitarista? Se o fizessem, conceberiam uma sociedade justa simplesmente
como aquela em que há um maior total de bem-estar, sem que interesse o modo como este se
distribui pelas diversas pessoas.
Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princípios da justiça ao utilitarismo porque, na
posição original, as escolhas devem obedecer ao princípio maximin.
Segun
do
este
princípio de escolha, se não sabemos quais serão os resultados que cada uma das opções que se
nos colocam terá efetivamente, é racional jogar pelo seguro, fazendo a escolha como se o pior
nos fosse acontecer. Assim, devemos identificar o pior resultado possível de cada alternativa, e
depois optar pela alternativa cujo pior resultado possível seja melhor do que o pior resultado
possível de cada uma das restantes alternativas. Veja-se o seguinte cenário:
Imaginando-nos na posição original, a coberto do véu de ignorância, a escolha mais racional seria
optar por C. Apesar de nas opções A e B podermos vir a ser mais ricos, seria mais seguro optar
por C, caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a pobreza moderada.
Cada alternativa tem vários resultados possíveis, sendo uns melhores do que outros.
Entre as alternativas disponíveis, deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior resultado
possível.
Imaginemos agora que as partes estão a escolher entre o utilitarismo e os princípios da justiça de
Rawls. À partida, numa sociedade em conformidade com o utilitarismo poderiam existir grandes
desigualdades na distribuição do bem-estar, já que, sob esta teoria, a distribuição do bem-estar
não é intrinsecamente importante. Por exemplo, se a existência de alguns escravos resultasse
num maior bem-estar social, existiriam escravos numa sociedade utilitarista. Pelo contrário, os
princípios da justiça de Rawls são, como vimos, incompatíveis com a existência da escravatura.
Se eu escolher o utilitarismo, estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser um
escravo. No entanto, se eu escolher os princípios da justiça que Rawls propõe, nada de tão mau
poderá acontecer-me. Mesmo que acabe por ficar na pior situação possível, terei garantidamente
certas liberdades básicas que me permitirão desenvolver o meu projeto de vida, seja ele qual for.
Além disso, dificilmente serei muito pobre, já que numa sociedade em conformidade com os
princípios de Rawls as desigualdades na distribuição da riqueza só são aceitáveis se acabarem por
beneficiar os mais desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades. Por
isso, prefiro os princípios de Rawls ao utilitarismo.
Sob o véu de ignorância, o pior resultado possível de se escolher os princípios da justiça de Rawls
é muito melhor do que o pior resultado possível de se escolher um princípio utilitarista. Por esta
razão, raciocinando segundo o maximin, as partes escolheriam os princípios de Rawls em vez do
utilitarismo.
Em conclusão:
Justiça social: conceito ético-politico designa o objetivo genérico que as sociedades estabelecem
de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence, traduzindo assim a vontade da sociedade de
harmonizar o bem social (justiça legal) com o bem individual (justiça comutativa e distributiva),
promovendo o princípio da igualdade.
Sociedade civil: conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum, sinónimo de
comunidade estruturada por laços de interdependência recíproca com vista à realização desse
fim.
Equidade: A equidade é uma forma de aplicar o direito, mas sendo o mais próximo possível do
justo, do razoável. O fim do Direito é a justiça, além de valores suplentes como a liberdade e
igualdade. Mas é difícil definir o "justo", pois pode existir na conceção de quem ganhou a causa e
não existir na de quem perdeu. É necessário um ideal de justiça universal. Para isso existe a
equidade. Ela consiste no estudo do caso em suas peculiaridades, suas características próprias,
consequentemente originando uma decisão para aquele caso especificamente, aproximando-se
ao máximo possível do justo para as duas partes. É preciso salientar também, que a equidade é
fonte do direito. Ela é usada para no caso de existirem lacunas na lei. A partir dessa permissão, o
juiz pode utilizar a equidade em suas decisões para atingir a justiça. Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso prático, sem a necessidade de qualquer adaptação; outras se revelam
rigorosas para o caso específico. Nesse momento, surge o papel da equidade, que é o de adaptar
a norma jurídica geral e abstrata às condições do caso concreto. Equidade é a justiça do caso
particular.
II.A ação humana e os valores
Distinção da experiência estética dos outros tipos de experiência – a resposta de Kant e a noção
de desinteresse
� Uma das primeiras e mais importantes tentativas para distinguir o que é do que não é estético
foi levada a cabo pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804) Este filósofo começa por referir a
experiência estética para caracterizar o juízo estético, sendo impossível desligar uma noção da
outra. Kant defende que um juízo só é estético se for determinado por um prazer desinteressado.
Quando fala de prazer, Kant está a referir um determinado sentimento de que temos experiência.
E quando caracteriza essa experiência como desinteressada, está a diferenciá-la de outros tipos
� Assim, Kant pensa que o juízo estético assenta num determinado tipo de experiência, que ele
desinteressado? Será um prazer a que não damos importância ou a que não prestamos muita
atenção?
� Para esclarecer melhor a noção de desinteresse, Kant confronta os juízos estéticos com os
� Kant defende que os juízos cognitivos, como os expressos pelas frases «A relva é verde» ou «Os
nossas duas principais faculdades cognitivas. Kant defende que, isoladamente, nenhuma dessas
� A sensibilidade é a faculdade que os nossos sentidos têm de receber impressões dos objetos
que nos rodeiam; as impressões recolhidas são as sensações de cor, brilho, textura, etc. Por
entendimento é a faculdade racional que organiza essas impressões, dando-lhes forma através da
aplicação de conceitos. Kant defende que os dados dos sentidos fornecidos pela sensibilidade são
forma do conhecimento.
� Assim, o conteúdo da nossa experiência só pode referir-se aos objetos por meio de conceitos.
Só há conhecimento quando a sensibilidade fornece os seus dados com o propósito de lhes ser
exterior quando tocamos o metal e o sentimos quente, e quando olhamos para ele e vemos que
dilatou. Mas depende também de algo que está fora do alcance dos nossos sentidos: a aplicação
do conceito de causalidade para relacionar as sensações de calor com a de dilatação dos metais.
� Kant defende que os juízos de gosto, como o expresso pela frase «O pôr do sol é belo», que são
� Referem-se sim ao nosso próprio estado subjetivo de prazer ou desprazer acerca do conteúdo
da experiência.
� Kant pensa que o belo não é um objeto, pelo que não pode ser referido através de conceitos.
� Porém, pensa que as nossas faculdades cognitivas intervêm na mesma nos juízos estéticos. A
diferença é que essas faculdades estão agora livres de qualquer finalidade cognitiva, dado que
não é o conhecimento de objetos que está em causa. Referindo-se apenas ao nosso sentimento
de prazer, as faculdades entram numa espécie de jogo completamente livre, sem qualquer
propósito ulterior. Por isso, o entendimento nunca chega a aplicar qualquer conceito, devolvendo
entendimento – num processo que se repete continuamente. Kant pensa que é este livre jogo das
faculdades, decorrente da ausência de qualquer finalidade cognitiva ou outra, que nos coloca
prazer que a acompanha. Assim, dizer que algo é belo é dar voz a um determinado tipo de
experiência ou sentimento de prazer. Ou seja, dizer que algo é belo é só dar voz a uma certa
experiência e nada mais. Essa experiência não se pode descrever, ao contrário da experiência de
ver um copo, que podemos descrever através do juízo expresso pela frase «Está um copo à minha
frente». Não podemos descrever a experiência estética dizendo «Está uma beleza à minha frente»
porque o que está à minha frente é o objeto que provoca em mim a experiência estética, e não a
experiência estética. Ao contrário do prazer do belo, Kant defende que os outros dois tipos de
prazeres que refere – o prazer do bom e o prazer do agradável – não são independentes de
qualquer interesse.
O prazer do bom é o prazer que se obtém da satisfação de uma necessidade prática, como o
natural dos nossos sentidos, como o prazer que temos ao comer doces.
� Portanto, ambos são determinados por algum tipo de interesse – Kant pensa que a satisfação de
Em suma, Kant pensa que a experiência estética é desinteressada, mas não por não ser importante
experiência.
Em conclusão:
justificação. Quando uma pessoa afirma que algo é belo, que tipo de razões apresenta para
justificar o que afirma? O que nos faz dizer que algo é belo? Na verdade, este não é um problema
que ocupe apenas os filósofos. Ouvimos muitas vezes uma pessoa dizer que algo é belo (ou feio)
Por que razão algumas pessoas acham bonitas as canções do Tony Carreira e outras não? Será que
as pessoas estão todas a falar da mesma coisa quando usam a palavra «belo»? Será que todas as
opiniões acerca do que é ou não é belo são corretas? Será que quando afirmamos que uma pintura
é bela estamos a referir algo que está realmente na pintura, ou é apenas uma maneira de manifestar
� Há duas teorias rivais que procuram responder a esse problema: o subjetivismo estético e o
objetivismo estético.
Subjetivismo estético
� Para simplificar, pensemos apenas no caso particular do chamado «juízo do belo» – um dos
estético que defende basicamente que a beleza resulta do que sentimos quando observamos as
O subjetivismo estético defende que os objetos são belos em virtude do que sentimos quando
os percecionamos.
� Achar algo bonito ou feio é, segundo esta teoria, uma questão de gostos ou preferências
pessoais. Um dos heterónimos de Fernando Pessoa resume bem esta perspetiva nos seguintes
versos:
� Assim, os objetos são belos ou feios de acordo com os sentimentos de prazer ou desprazer que
fazem surgir em nós. Os juízos estéticos não são, neste caso, objetivos. Ou seja, o que está em
causa não são as propriedades dos objetos, mas antes os sentimentos que tais objetos despertam
Dizer «O Guardador de Rebanhos é belo» é, para o subjetivista, o mesmo que dizer «Gosto d’O
Guardador de Rebanhos». De maneira que se alguém perguntar a um subjetivista que razões tem
para dizer que O Guardador de Rebanhos é belo, ele dirá que sente prazer ao lê-lo. Ou, mais
Subjetivismo radical
� Uma forma extrema de subjetivismo defende que, na medida em que traduzem aquilo que cada
um sente, os gostos não se discutem. Mas esta forma de subjetivismo levanta quatro problemas
«X é belo» e «X não é belo» só seriam a negação uma da outra se fossem proferidas pela mesma
pessoa. Proferidas por pessoas diferentes – digamos, pela Rita e pelo Carlos, respetivamente –
apenas querem dizer «A Rita gosta de X» e «O Carlos não gosta de X»; assim, ambas podem ser
verdadeiras, não havendo qualquer contradição. Ora, isto não está de acordo com o modo como
falamos.
2. Torna impossível a comunicação. Se belo for simplesmente aquilo que cada um acha, então
quando utilizamos a palavra «belo» numa conversa não chegamos verdadeiramente a comunicar: a
palavra tem um significado diferente para cada pessoa, o que torna impossível a comunicação.
radical tiver razão, os juízos estéticos são autobiográficos: quando uma pessoa diz «X é belo» não
das discussões estéticas, admitindo implicitamente que qualquer debate sobre o valor estético das
obras de arte é irracional. Mas tanto as conversas mais banais como a autoridade que
Objetivismo estético
� O objetivismo estético defende que os objetos são belos em virtude das suas propriedades
� As propriedades intrínsecas dos objetos são independentes dos sentimentos ou das reações de
quem os observa.
é independente do modo como o vemos ou saboreamos. Mas o sabor dos morangos não depende
apenas dos morangos: depende também de quem os come. Pessoas com palatos diferentes podem
ter diferentes reações aos morangos, e há até pessoas que são alérgicas aos morangos.
� Os objetivistas não negam que temos certos sentimentos estéticos perante a arte; nem afirmam
que tais sentimentos estão nas próprias obras de arte, o que seria absurdo.
� Mas defendem que os nossos sentimentos estéticos são causados por certas características
� Assim, o objetivista defende que quando dizemos que um objeto é belo, o que sentimos não é
determinante. Quer o objeto nos agrade quer não, as propriedades que estão na base da beleza
existem mesmo nele; nós é que podemos ou não ser sensíveis a tais propriedades. A beleza não
depende, portanto, dos gostos pessoais: um objeto não é bonito ou feio consoante nos agrada ou
não. Ainda que as coisas belas nos agradem, não é por isso que são belas. Acontece apenas que há
certas características intrínsecas a esses objetos que provocam em nós uma sensação agradável.
Em termos populares, isto equivale a dizer que a beleza está nas coisas e não nos olhos de quem as
vê.
� O objetivista argumenta que se a beleza (e a fealdade) dependesse apenas dos nossos gostos
pessoais e não das características dos objetos, seria muito estranho e inexplicável haver objetos
que quase todas as pessoas acham bonitos (ou feios). Haverá alguém que ponha em causa a beleza
� O objetivista admite que ajuizar um objeto como belo não implica que o objeto seja considerado
belo por todas as pessoas que o avaliem esteticamente; pode haver quem não o considere belo.
Mas isso, pensa o objetivista, apenas significa que essas pessoas fazem juízos errados porque
partem de uma deficiente perceção do objeto. � Também um daltónico faz juízos errados se disser
que é azul aquilo que as outras pessoas dizem ser verde; o problema está apenas nele e não nos
� Além disso, o objetivista argumenta que é falacioso concluir que as coisas não são em si belas
só porque não há acordo entre as pessoas que as observam. É como dizer que no tempo de Galileu
o movimento da Terra era subjetivo só porque as pessoas discordavam acerca disso. Tem, pois, de
haver critérios objetivos que permitam justificar a verdade dos juízos estéticos. Afinal de contas,
até mesmo entre os cientistas há desacordo. E não é por isso que deixa de haver critérios objetivos
na ciência.
� O facto de o objetivismo defender a existência de critérios objetivos acerca dos juízos estéticos
torna-o atraente, pois permite resolver muitas das discussões aparentemente insolúveis sobre a arte
e a beleza. Pelo menos, permite colocar em termos mais racionais algumas dessas discussões. Sem
critérios objetivos tudo poderia ser afirmado e, nesse caso, não valeria a pena perder tempo com
discussões.
� Até ao séc. XVIII a maior parte dos filósofos identificavam-se naturalmente com o objetivismo
estético. Acreditavam que havia critérios ou regras gerais acerca das características que os objetos
tinham de possuir para terem valor estético. E até os artistas tinham em consideração essas regras
– a que se dava o nome de «cânones» – quando criavam as suas obras. Assim, era a própria arte a
objetivismo parecia ser um ponto de vista perfeitamente natural e bastante razoável para a época.
� Contudo, a arte contemporânea é muito diferente da arte dos séculos anteriores. Mesmo assim, o
objetivismo estético não é uma doutrina historicamente ultrapassada. Continua ainda a ser
Em conclusão:
Estética: disciplina filosófica que procura descobrir os princípios e os critérios gerais dos
chamados objetos estéticos (o que é belo, o que é uma obra de arte, etc.). O termo estética procede
do grego aísthesis, que significava sensação, remetendo, por isso, para uma experiência sensível.
O objeto torna-se estético quando é capaz de despertar e estimular a nossa sensibilidade e provocar
uma emoção. Assim, contemplar uma paisagem, ouvir musica, saborear uma boa refeição ou
apreciar um bailado podem ser experiências estéticas.
Experiência estética: sendo a atitude estética uma atitude valorativa, a experiência estética
consiste na capacidade, própria de qualquer ser humano dotado de uma sensibilidade, de reagir de
um certo modo perante determinadas formas, naturais ou artísticas (uma paisagem, a leitura de
uma poesia, a audição de uma sonata de Chopin, a contemplação de um bailado, etc.). A dimensão
sensorial e emocional desta experiência sobrepõe-se aos elementos cognitivos e racionais, o que
não dispensa os elementos cognitivos, embora haja quem considere desnecessária a sua presença
neste tipo de experiências. Na verdade, se para apreciar uma boa refeição não se exige nenhuma
intervenção do intelecto, já para apreciar um quadro de Van Gogh, um poema, ou uma cantata de
Bach, exige-se um certo tipo de conhecimentos e uma compreensão do significado que se
experimenta. Por isso, a experiência estética não se reduz a uma vivência meramente sensorial e
emocional. A experiência estética pode ser desencadeada pela contemplação de uma obra de arte
ou da própria Natureza, da sua beleza, do seu poder, grandiosidade e magnificência, e pode ser
experimentada pelo artista enquanto criador de uma obra de arte. A experiência estética a que
podemos aceder é sempre pessoal e subjetiva, uma verdadeira criação, realizada tanto pelo artista
como por quem contempla.
Juízo estético: são os que expressão uma apreciação pessoal e subjetiva acerca de um objeto,
considerando o sentimento de prazer e de agrado que ele nos proporciona.
Belo: que agrada aos olhos, que desperta agradavelmente os sentidos; que apraz à inteligência e ao
coração como obra de arte;
Gosto: sentido que nos permite distinguir o sabor das coisas; paladar, sabor;
O que é arte?
� Muitas pessoas que visitam museus de arte contemporânea, ou que assistem a concertos de
� Por que razão um urinol colocado num recinto de exposições pelo artista Marcel Duchamp é
arte e não são arte os urinóis das casas de banho da minha escola?
� Este é um problema filosófico, dado que não existe qualquer característica empírica que possa
ser diretamente observada nos objetos de arte e que nos permita distingui-los dos objetos que não
são arte.
� O que está em causa é o próprio conceito de arte. Conceito que deve poder aplicar-se a todos os
� Uma dificuldade em definir arte: chamamos arte a coisas tão diferentes entre si como uma
canção, um poema, um edifício, uma escultura, um filme, um quadro, uma fotografia, etc.
� A discussão acerca da definição de arte implica ter algum conhecimento da história da arte,
� Algumas teorias procuram dar definições explícitas de arte. Uma definição explícita deve
� Se as condições apresentadas não são necessárias, então a definição é demasiado exclusiva, pois
� Se as condições não são suficientes, então a definição é demasiado inclusiva, pois inclui coisas
Teoria da imitação
Teoria da expressão
Teoria formalista
� Esta não é, em bom rigor, uma verdadeira definição explícita, dado que só apresenta condições
necessárias. Se fosse uma definição explícita, em vez da expressão «só se» deveria estar «se, e só
se».
É esta expressão que indica que as condições são simultaneamente necessárias e suficientes.
� O que se quer dizer é, então, o seguinte: todas as obras de arte imitam algo, embora não seja
� Exemplos de comentários (em tom depreciativo) de quem encara a arte do ponto de vista desta
teoria:
Não vejo nada neste quadro a não ser riscos e manchas de tinta.
� Mas, ao contrário do que a definição indica, a imitação nem sequer uma condição necessária.
Há inúmeros casos de obras que todos consideramos arte e não imitam nada.
� Houve tempos em que os artistas procuravam sempre imitar algo com as suas obras, pelo que
esta teoria parecia plausível aos filósofos que apenas encontravam à sua volta obras de arte que
� As palavras de um romance, os sons de uma sinfonia e muita da arte abstrata não imitam nada
que se reconheça. Algumas obras podem até evocar certas coisas ou ideias, mas evocar algo não é
� Alguns defensores desta teoria procuraram melhorá-la e, em vez de afirmarem que a arte imita,
afirmam que a arte representa. Assim, as pinturas abstratas podem não imitar nada, mas
� Mesmo assim há contraexemplos: em muitas obras musicais e de arquitetura nada está a ser
representado.
� Mas a definição pode ainda ser melhorada: pode-se dizer que algo representa desde que tenha
� A definição seria então: x é um objeto de arte só se x tem um assunto acerca do qual diz
algo.
� A ideia é a de que se uma obra pode ser interpretada, então é porque é acerca de algo (tem
conteúdo semântico).
� Esta reformulação parece finalmente ser capaz de se aplicar a todas as obras de arte.
� Tudo indica que isso não é verdade: há obras de música repetitiva em que o que interessa é o
mero efeito sonoro, assim como pinturas em que nada mais conta a não ser o efeito estritamente
� Conclusão: esta teoria parece deixar de fora obras que são consideradas arte, embora seja
verdade que muita da arte imita ou representa algo. Contudo, isso é ainda insatisfatório.
colocado diante da natureza, no qual ela se reflete. A teoria da expressão (fortemente influenciada
� O que conta não é tanto a realidade exterior, mas os sentimentos que se encontram no interior
do artista. Era isso que interessava aos artistas românticos. Daí que a ideia de imitação já não
" Trata-se de uma obra sem chama, sem qualquer interesse artístico.
� Há diferentes versões da teoria da expressão, Tolstoi defende uma delas. Para ele a arte é uma
forma de comunicação. Mas a diferença entre, por exemplo, uma notícia de jornal e a arte é que
� A arte é um meio de unir as pessoas através desses sentimentos. Por isso há três condições sem
1. o artista
2. o público
� A teoria implica também a autenticidade das emoções do artista, pois se assim não for, não
� Mas não é suficiente transmitir sentimentos; é preciso que os mesmos sentimentos passem do
artista para o público de forma intencional e que tais sentimentos não sejam sentimentos
Exemplo: contas à tua mãe a tristeza que sentes por o teu namorado ter cortado contigo,
esperando que ela sinta a tua tristeza. Transmites intencionalmente um sentimento individualizado,
transmitir.
� O artista não se limita a apresentar os sentimentos tal como surgem: o seu trabalho é clarificar
� A ideia é a de que se a ciência nos dá a conhecer o mundo exterior, a arte dá-nos a conhecer o
mundo interior, descobrindo o mundo das emoções e das suas variações. Por isso atribuímos valor
à arte.
(embora não suficiente) para a arte, então há obras que são consideradas arte e não transmitem
� Outra objeção: outra das condições necessárias é o artista e o público partilharem os mesmos
sentimentos. Mas quando um ator de cinema está prestes a ser morto e isso transmite angústia ao
� Outra objeção: a autenticidade dos sentimentos do artista é também uma condição necessária
para a arte. Mas há obras de arte que provocam sentimentos no espectador que o artista não teve
� Outra objeção: clarificar emoções é uma condição necessária para a arte, diz o expressivista,
mas muita arte não clarifica emoções, limitando-se a apresentá-las em estado bruto. Exemplos:
� Será que a arte exprime, ao menos, sentimentos? Isso é muito duvidoso, por exemplo, no caso
� A explosão da arte moderna, nomeadamente da arte abstrata, veio mostrar que a diversidade de
obras de arte é maior do que as teorias da imitação e da expressão supunham. A teoria formalista
tem em vista dar uma definição de arte que não exclua as obras de arte moderna.
� O filósofo e crítico de arte Clive Bell defendeu que as obras de arte são aquelas que provocam
estética.
2. Diferentes obras de arte podem provocar diferentes emoções, mas essas emoções têm de ser do
mesmo tipo.
� A emoção estética é o ponto de partida porque é uma emoção que só temos quando estamos
� Mas as obras de arte não provocariam emoções estéticas em nós se não houvesse nelas qualquer
� A característica que existe em todas as obras de arte, e só nelas, capaz de provocar emoções
personagens.
� A forma significante na pintura reside numa certa combinação de linhas e cores; na música
� Objeção: há objetos que têm forma e a sua forma é significante mas não são considerados arte.
� Resposta: Mas a finalidade das placas de sinalização de trânsito é informar-nos de algo e não
exibir a sua forma, como acontece com as obras de arte. As obras de arte são concebidas apenas
� Para o formalista, mesmo que uma pintura represente algo, tal facto é esteticamente irrelevante.
� Uma das vantagens desta teoria é que pode incluir todo o tipo de obras de arte. Desde que
provoque emoções estéticas, qualquer objeto é arte. O caráter restritivo das teorias anteriores é
ultrapassado.
� Resposta: qualquer pessoa sensível percebe quando uma obra tem forma significante, pois
� Objeção: dizer que as pessoas que não têm emoções estéticas perante certas obras de arte são
insensíveis à forma significante é apenas uma maneira de evitar dificuldades. Por exemplo, que
diferença existe entre a Caixa de Brillo de Andy Warhol e as caixas vulgares que ela imita
rigorosamente?
na literatura, no cinema, na música, no teatro, etc. Ora, isso faz com que a forma significante seja
formada por um conjunto de características tão vasto que acaba por se tornar um conceito vago
� O formalista pode ainda dizer que a forma significante é a propriedade que provoca em nós
emoções estéticas. Mas isso levanta o problema de saber o que são emoções estéticas. Só que não
se pode agora dizer que uma emoção estética é aquele tipo de experiência provocada pela forma
� É um facto que as pessoas de todos os países e épocas dão valor à arte. O que tem a arte de
� O problema do valor da arte é um problema filosófico, pois não somos capazes de identificar
uma qualquer característica empírica nas obras de arte que lhes confira valor.
� O problema do valor da arte não deve ser confundido com o problema da avaliação das obras de
arte.
� Os filósofos divergem em relação àquilo que torna uma obra de arte valiosa. Há dois tipos de
Esteticismo (ou teoria da arte pela arte): a arte tem valor em si mesma, independentemente
de quaisquer critérios exteriores.
� A arte é inútil e não tem qualquer finalidade ou função, o que, segundo Oscar Wilde, a coloca
� É certo que muitas obras de arte foram criadas com alguma finalidade (finalidades religiosas,
políticas, etc.), mas não é isso que as torna valiosas. Razão pela qual até um ateu pode valorizar
� Objeção: é uma teoria elitista, pois encara a arte como uma espécie de luxo a que só algumas
pessoas se podem dedicar. Mas a arte é valorizada por quase todas as pessoas.
� Outra objeção: conduz ao decadentismo, pois a arte torna irrelevantes quaisquer outros
Mas não são muitas as pessoas a dar valor à arte se, por exemplo, ela for manifestamente imoral.
� A teoria de que a arte tem valor em si mesma parece insatisfatória, pois as pessoas não dão valor
Há várias teorias que defendem que a arte tem valor porque tem uma função importante. Os que as
distingue é identificarem funções diferentes para a arte. São as teorias funcionalistas, também
chamadas instrumentalistas.
Arte e prazer: a arte tem valor porque é um meio de nos proporcionar prazer.
� Hume considerava que era a sensação de agrado que as obras de arte nos dão que as torna
� Objeção: mas o simples agrado não pode explicar por que razão dá-mos tanto valor à arte. Há
muitas outras coisas que nos agradam e a que não atribuímos a mesma importância: podemos ficar
deliciados com uma tablete de chocolate mas não a comparamos com Cem Anos de Solidão de
� Resposta: o agrado, ou prazer, devem ser entendidos como divertimento. Comer chocolate não
é um divertimento.
mesma maneira.
� Outra objeção: há muitas obras de arte que não proporcionam prazer; algumas provocam até
� Resposta: o prazer proporcionado pelas obras de arte é um prazer de tipo superior e não
meramente sensível.
� Ainda que a arte não tenha valor por proporcionar prazer, é um facto que muitas obras de arte
dão prazer.
Arte e moral: a arte tem valor porque exprime sentimentos que contribuem para o progresso
moral da humanidade.
� Já Platão e Aristóteles defendiam que a arte tinha importantes implicações morais. Platão
benéficas.
� Platão considerava que a arte leva a um comportamento pouco racional, na medida em que
apela à imitação de emoções. A arte apresenta-nos, pois, falsos modelos, moralmente reprováveis.
� Aristóteles considera, pelo contrário, que a imitação de tais modelos nos oferece a
possibilidade de, por um lado, exaltar os bons sentimentos e de, por outro, libertar os maus
� Mas uma coisa é dizer que muitas obras de arte têm implicações morais, outra diferente é
afirmar que o valor da arte em geral reside na sua função moral. É esta última a teoria defendida
por Tolstoi.
� Para Tolstoi a arte não tem valor em si mesma, nem tem valor porque proporciona prazer. A arte
tem valor porque o artista apela à união entre as pessoas, contagiando-as com os seus sentimentos.
Contribui, assim, para uma maior humanidade e harmonia social.
� Objeção: como já se viu antes, muitas obras de arte nem sequer procuram exprimir qualquer
sentimento, pelo que também não podem ter uma função moral.
� Resposta: essas obras são, de acordo com Tolstoi, obras de arte falhadas.
� Entre as obras de arte falhadas, Tolstoi inclui óperas de Wagner e até dois dos seus mais
importantes romances (consideradas por muitos como obras-primas da literatura universal). Mas
� Esta teoria é conhecida como cognitivismo estético. Para os cognitivistas, só o facto de a arte
contribuir para aumentar o nosso conhecimento pode explicar o valor que lhe atribuímos, pois o
conhecimento é algo que valorizamos muito (mais do que o prazer e do que o eventual conteúdo
� O cognitivista considera que podemos aprender com poemas, músicas, pinturas, peças de dança,
etc.
� Objeção: mas como pode um poema ou uma melodia ensinar-nos algo, uma vez que o
conteúdo dos poemas e melodias não é verdadeiro nem falso, como o das teorias científicas.
� Resposta: o conteúdo das obras de arte não deve ser interpretado em sentido literal. A arte,
argumenta o filósofo Nelson Goodman, funciona de modo simbólico, metafórico e não literal. É
desse modo que a arte consegue ensinar-nos algo que de outra maneira não seria fácil de
compreender.
� Além disso, a arte pode alargar o nosso conhecimento, pois enriquece muitos aspetos da
experiência humana, os quais acabam, por sua vez, por influenciar a maneira como olhamos para o
mundo.
� O conhecimento proporcionado pelas obras de arte pode não ser de tipo proposicional (como o
das teorias científicas), mas não deixa de ser conhecimento. Em vez de rivalizarem entre si, arte e
argumentos validos dos inválidos e identificar as regras que permitem afirmar se são ou não
validos. A lógica, ajuda-nos a aprender a construir e a avaliar argumentos validos, garantindo deste
modo que partindo de premissas verdadeiras consegue-se chegar a uma conclusão verdadeira. Ou
pensamento, independentemente dos seus possíveis conteúdos materiais. Dentro da lógica existe
também a lógica formal, que é uma ciência que estuda as leis que permitem estruturar
válidos.
� Um conceito é uma representação lógica abstrata que designa na mente, um conjunto ou uma
classe de objetos.
� Um juízo é a ligação mental de um ou mais conceitos. Desta forma, exprime-se por uma
ligação com os outros. No entanto, o raciocínio exprime-se por argumentos, os quais constituem
discursos de três diferenciados tipo: dedutivo, indutivo e analógico. Por exemplo, o raciocínio
analógico parte, então, de uma suposição inicial, que pode ser um pressentimento, uma ideia, uma
hipótese, para uma similaridade de estrutura, enquanto que o indutivo, parte de um certo numero
de casos estudados e induz que o que se verificou nos casos analisados também se verificará em
todos os casos do mesmo género. Finalmente, o raciocínio dedutivo é uma operação intelectual
relacionadas entre si, retira uma conclusão que deriva logicamente das primeiras.
A extensão e compreensão dos conceitos
abrangidos por ele, ou seja, são os elementos da classe lógica que é definida pelo conceito.
Ex: o conceito “ovo” abrange e estende-se a vários seres, pardais, melros, pintainhos, águias,
extensão, diminui a compreensão. Á medida que a extensão diminui, aumenta a compreensão. Por
outras palavras, quanto maior é o numero de elementos a que o conceito se aplica (extensão),
� Estes conceitos estão dispostos por ordem decrescente quanto á extensão e por ordem crescente
quanto à compreensão.
Ser
Animal
Vertebrado
Compreensão Mamífero
Cão
Assim sendo:
� Uma proposição/ juízo é uma frase ou enunciado que relaciona conceitos entre si, afirmando
Ex: A Física é uma ciência (é proposição porque relaciona entre si dois conceitos e tem valor de
verdade verdadeiro)
Argumento:
delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam as
premissas.
Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente
apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante
da discussão filosófica.
Validade e verdade:
O que é a argumentação?
sempre que pensamos e conversamos, mas não nos damos conta, geralmente, da sua existência. Só
ao estudar lógica somos levados a pensar diretamente em algo que estamos sempre a usar sem
reparar.
Tanto as ideias que queremos defender nos nossos argumentos como as razões que usamos para as
proposições porque não exprimem pensamentos que possam ter valor de verdade.
Como é evidente, uma pergunta não pode ser verdadeira nem falsa. E uma exclamação também
não pode ser verdadeira nem falsa; nem uma promessa ou uma ordem. Uma promessa, por
exemplo, pode ser cumprida ou não, e pode ser feita com a intenção de a cumprir ou não; mas não
pode ser verdadeira nem falsa. Só as frases declarativas podem exprimir proposições.
Não faz sentido dizer que a exclamação «Quem me dera ir a Marte!» é falsa ou verdadeira, mas
faz sentido perguntar se a frase declarativa «Há gelo em Marte» é verdadeira ou falsa.
� Uma frase é uma sequência de palavras que podemos usar para fazer uma asserção ou uma
Se vieres comigo.
Ou te calas ou.
Para compreender o que é um argumento vamos começar por ver o seguinte exemplo:
O argumento da Adriana tem duas premissas e uma conclusão. Mas os argumentos podem ter
apenas uma premissa, ou mais de duas; contudo, só podem ter uma conclusão.
� Uma premissa é uma proposição usada num argumento para defender uma conclusão.
argumentos. Para que um conjunto de proposições seja um argumento é necessário que essas
proposições tenham uma certa estrutura: é necessário que uma delas exprima a ideia que se quer
defender (a conclusão), e que a outra ou outras sejam apresentadas como razões a favor dessa ideia
(a premissa ou premissas).
Se nos limitarmos a apresentar ideias, sem as razões que as apoiam, não estamos a apresentar
argumentos a favor das nossas ideias. E se não apresentarmos argumentos, as outras pessoas não
terão qualquer razão para aceitar as nossas ideias. Argumentar é entrar em diálogo com os outros.
premissas.
A distinção validade-verdade
� Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros nem falsos.
� As proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem inválidas.
Este é um uso especializado da palavra «validade». Este uso da palavra, que se faz em lógica e
filosofia, é diferente do uso popular, que se faz no dia a dia. No dia a dia diz-se que uma
proposição é válida querendo dizer que é interessante ou verdadeira. E diz-se que um argumento é
verdadeiro quando é correto. Mas este uso tem de ser abandonado em filosofia e lógica, porque
Mas isto é diferente de dizer que o próprio argumento é verdadeiro ou falso. Um argumento não
Do facto de um argumento ser um conjunto de proposições não se segue que o próprio argumento
Um argumento limita-se a estabelecer uma relação entre proposições que afirmam coisas sobre a
realidade.
Não é necessário definir a noção de verdade. A noção normal, que usamos no dia a dia, é
suficiente.
Uma afirmação como «Só a ciência produz conhecimento» só é verdadeira se só a ciência produz
conhecimento; uma afirmação como «É errado torturar crianças inocentes por prazer» só é
verdadeira se é errado torturar crianças inocentes por prazer. A verdade e a falsidade aplicam-se a
Mas temos de definir a validade, pois trata-se de uma noção central da lógica, e uma noção
certo aspeto da correção do argumento. Há dois tipos de validade: a dedutiva e a não dedutiva.
Para já, vamos falar apenas da validade dedutiva. A validade não dedutiva será muito brevemente
conclusão falsa.
Este argumento também é dedutivamente válido. Não é difícil ver que é impossível a premissa ser
a definição de validade dedutiva. Pois desde que seja impossível que as premissas de um
argumento sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa, o argumento será dedutivamente válido —
mesmo que todas as suas premissas sejam falsas e mesmo que a sua conclusão seja igualmente
falsa.
Quando se diz que um argumento é dedutivamente válido estamos unicamente a excluir a seguinte
possibilidade: que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Isto é a única coisa que não
Se podemos ter argumentos dedutivamente válidos com conclusões falsas, qual é o interesse da
dedutiva correta; sem esse elemento não há argumentação dedutiva correta; mas, só por si, esse
Eis uma comparação útil: o processo de fazer um bolo, o modo como se misturam os ingredientes,
é importante para a qualidade do bolo. Mas só por si não chega, pois por melhor que se misturem
os ingredientes, se estes forem de má qualidade, o bolo será mau. Mas se os ingredientes forem
bons e os misturarmos mal, o bolo será também mau. Por isso, precisamos das duas coisas: bons
� A validade de um argumento sem a verdade das suas premissas tem como resultado um mau
argumento.
� A verdade das premissas de um argumento sem a sua validade tem como resultado um mau
argumento.
argumento não deixa de ser válido por não ter premissas verdadeiras. Retomemos os dois
argumentos anteriores:
mas ambos são válidos. O problema do segundo argumento não é faltar-lhe a validade; o que lhe
falta é a solidez.
Quando um argumento não é sólido, ainda que seja válido, a sua conclusão tanto pode ser
verdadeira como falsa. Mas se um argumento for sólido, a sua conclusão é verdadeira.
argumento tiver uma dada estrutura, será impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.
Assim, a validade e a verdade são coisas diferentes, mas estão relacionadas entre si.
Fala-se por vezes de dedução. Uma dedução é um argumento cuja validade pode ser determinada
Em suma,
Forma lógica
Além disso, não é difícil ver que tanto faz falar de gregos, lisboetas, franceses ou qualquer outra
É evidente que dizer «Platão e Sócrates eram gregos» é apenas uma forma abreviada e mais
válido:
argumento é válido:
— e __.
Logo, —.
(Também não é difícil ver que se a conclusão repetir o que vem depois do «e», o argumento será
igualmente válido.)
P e Q,
Logo, P.
As letras maiúsculas P, Q, R, etc., representam lugares vazios que só podem ser ocupados por
proposições. Se P for a proposição expressa pela frase «Platão era grego» e se Q for a proposição
expressa pela frase «Sócrates era grego», obtemos o primeiro argumento apresentado nesta secção.
� Chama-se variável proposicional às letras P, Q, R, etc., que representam lugares vazios que só
Chegámos, assim, à estrutura relevante dos argumentos apresentados. A essa estrutura ou padrão
lisboetas, de João e Maria, de ser alto ou baixo, todos os argumentos apresentados são válidos
a validade dedutiva.
Na lógica formal estudam-se os argumentos cuja validade depende exclusivamente da sua forma
lógica; é por isso que se chama «formal». A lógica informal estuda argumentos cuja validade não
depende exclusivamente da sua forma lógica; é por isso que se chama «informal».
Logo
Então
Daí que
Assim
Portanto
Por isso
Segue-se que
Por consequência
Por conseguinte
Infere-se que
Consequentemente
É por essa razão que
Contudo
Indicadores típicos de premissa:
Porque
Pois
Ora
Se
Uma vez que
Posto que
Visto que
Tendo em conta que
Em virtude de
Devido a
Considerando que
Dado que
Por causa de
Como
A razão é que
Dedução e Indução
Dedução
� A dedução é uma operação mental pela qual se conclui de uma ou mais premissas, tomadas
como antecedente uma proposição que delas deriva necessariamente, em virtude da observância de
regras lógicas.
O valor da dedução esta em ser rigorosa, dado que para alem de obedecer a regras formais, acaba
por dizer na conclusão algo, cerca de alguns, que se encontrava já presente em todos, ou seja, nas
premissas. Contudo, a dedução apresenta a desvantagem de não ampliar conhecimentos visto que
Indução
� A indução é a operação mental eu, partindo de um certo número de factos particulares, conclui
A indução, na medida em que parte de alguns casos particulares e chega a uma conclusão
Apresenta porem a desvantagem de não ser rigorosa, possibilitando, nesse sentido, o aparecimento
Argumento e proposição
Todos estes conceitos foram
Forma e conteúdo abordados de forma geral ao
longo deste tema, tendo sido
definidos
Validade e verdade
Dedução e indução
� A lógica aristotélica foi introduzida por Aristóteles (384-322 a. C.) e sistematizada na Idade
Média. A parte da lógica aristotélica que vou abordar é a lógica silogística, que se ocupa apenas da
Na lógica aristotélica reconhecem-se apenas proposições que tenham uma de quatro formas
lógicas:
1. Todos os A são B.
2. Nenhum A é B.
3. Alguns A são B.
4. Alguns A não são B.
Estas proposições são classificadas como se segue:
As proposições destes tipos incluem sempre dois termos. O termo sujeito é aquele que ocupa o
lugar de A. O termo predicado é aquele que ocupa o lugar de B. E diz-se que um juízo é a
Predicado). Por exemplo, o termo sujeito em «Todos os animais são seres vivos» é «animais» e o
� Uma proposição é particular quando abrange apenas uma parte da extensão do termo sujeito.
Afirmando, declara-se que determinado termo predicado se aplica a determinado termo sujeito;
negando, declara-se que determinado termo predicado não se aplica a determinado termo sujeito.
As proposições podem ser afirmativas (as de tipo A e de tipo I) ou negativas (as de tipo E e de tipo
O).
� Nem sempre as proposições aparecem na sua forma canónica. Por exemplo, a frase «Há homens
mortais» exprime uma proposição de tipo I, mas não está na forma canónica. De modo a colocá-la
na forma canónica das proposições de tipo I («Alguns A são B»), teríamos de a exprimir através da
� Um silogismo é uma forma particular de raciocínio (argumento) dedutivo, constituída por três
proposições categóricas (que afirmar ou negam algo de forma absoluta e incondicional): duas
� Além de terem duas premissas e unicamente proposições de uma das quatro formas silogísticas,
O termo maior é o termo predicado da conclusão e ocorre uma única vez na primeira
premissa (premissa maior).
O termo menor é o termo sujeito da conclusão e ocorre uma única vez na segunda premissa
(premissa menor).
O termo médio é o termo que surge em ambas as premissas, mas não na conclusão.
Assim,
Por exemplo, no argumento acima o termo maior é «sábios», o menor é «minhotos» e o médio é
«portugueses».
� Nem sempre os argumentos surgem na sua forma silogística (a que também se chama «forma
padrão»). Para colocar um argumento na forma silogística, é preciso apresentar as premissas pela
ordem correta. A premissa maior deve estar sempre acima da premissa menor. O argumento «Não
há filósofos dogmáticos, visto que qualquer filósofo é crítico; mas nenhum dogmático é crítico»
� Os silogismos têm uma dada forma lógica. Para representar essa forma lógica, temos de usar
símbolos. Para compreendermos melhor a noção de forma lógica vamos comparar dois silogismos:
1. 2.
� No
Todos os anfíbios são vertebrados. Todos os portugueses são europeus.
que
Todas as rãs são anfíbios. Todos os vimaranenses são portugueses.
Logo, todas as rãs são vertebrados. Logo, todos vimaranenses são europeus. respeita
ao
conteúdo, estes silogismos em nada se assemelham, pois as proposições que os constituem são
acerca de assuntos completamente diferentes. Mas têm exatamente a mesma forma lógica. Essa
forma é a seguinte:
Todos os A são B.
Todos os C são A.
Logo, todos os C são B.
importante distinguir o conteúdo dos argumentos da sua forma lógica, porque a validade dedutiva
dedutivamente válido, podemos ignorar o seu conteúdo e examinar apenas a sua forma. Os
argumentos 1 e 2 têm uma forma silogística válida, mas outros têm formas inválidas. Assim,
� Um silogismo é válido se, e apenas se, satisfaz todas as regras da validade silogística.
As regras da validade silogística distribuem-se por dois grupos: as regras para termos
(três regras) e as regras para proposições (quatro regras). Comecemos com as regras para
termos:
Regra 1: Um silogismo tem de ter exatamente três termos: termo maior, menor e médio.
Por vezes, um silogismo tem «disfarçadamente» mais de três termos, quando um dos termos é
� Neste caso, o termo «margaridas» é usado em dois sentidos diferentes (valendo por dois
Assim, o silogismo não é válido porque tem quatro e não três termos.
Regra 2: O termo médio tem de estar distribuído pelo menos uma vez.
� Por exemplo, na afirmação «todos os cães são carnívoros», o termo «cães» está distribuído pois
estamos a referir-nos a todos os cães. Mas o termo «carnívoros» não está distribuído já que não
estamos a referir-nos a todos os carnívoros. Podemos concluir que nas proposições de tipo A o
Para sabermos se, numa das proposições reconhecidas pela lógica aristotélica, o termo sujeito ou o
exemplo:
premissas.
Regra 6: Se as duas premissas forem afirmativas, a conclusão não pode ser negativa.
� Este argumento é inválido já que a conclusão é negativa, mas as premissas são afirmativas.
Regra 7: A conclusão tem de seguir a parte ou premissa mais fraca. A parte mais fraca é a
negativa e/ou a particular. Se uma premissa for negativa, a conclusão tem de ser negativa; se
uma premissa for particular, a conclusão tem de ser particular. Se houver uma premissa
� Este silogismo é inválido porque a conclusão é universal, mas uma das premissas é particular.
� Convém nunca esquecer que na lógica aristotélica não se pode usar classes vazias. Assim,
quaisquer argumentos que contenham termos como «lobisomens», «mulheres com mais de 10
metros de altura», «marcianos», etc., não podem ser analisados recorrendo à lógica aristotélica.
Nos casos em que não sabemos se uma classe é vazia ou não (como a classe dos extraterrestres
inteligentes) também não podemos usar a lógica aristotélica. Caso usemos classes vazias, a lógica
universal afirmativa «Todos os marcianos são portugueses» não nos obriga a concluir que alguma
vez tenham existido seres da classe dos marcianos. Deste modo, temos um silogismo constituído
por premissas verdadeiras e conclusão falsa – o que contraria a noção de validade dedutiva.
Figuras do Silogismo
Silogismo da 1ª figura
O termo maior é sempre o predicado da premissa maior e da conclusão e o termo menor é sujeito
da premissa menor.
Silogismo da 3ª figura
Silogismo da 4ª figura
Premissa
M M M M
S ] [ Z
Maior
M M Premissa
M M
Maior
1ª F. 2ª F. 3ª F. 4ª F.
� Subentenda-se que M é TERMO MÈDIO.
Falácias silogísticas
Existem quatro falácias associadas às regras de validade silogística para termos e que são as
seguintes:
1. Falácia dos quatro termos: falácia que ocorre quando um silogismo tem mais de três termos,
2. Falácia do médio não distribuído: esta falácia ocorre num silogismo cujo termo médio não
está distribuído.
3. Falácia da ilícita maior: ocorre num silogismo quando o termo maior está distribuído na
4. Falácia da ilícita menor: ocorre num silogismo quando o termo menor está distribuído na
2. Argumentação e retórica
Demonstração e argumentação
Ambos os argumentos são dedutivamente válidos; logo, é impossível, em qualquer dos casos, que
Contudo, as premissas dos dois argumentos são muito diferentes. No argumento 1, trata-se de
verdades estabelecidas, que ninguém põe em causa. Mas a primeira premissa do argumento 2 é
muitíssimo disputável. Até pode ser verdadeira, mas não é uma verdade solidamente estabelecida e
dialética» ao segundo:
Uma dedução é um argumento que, dadas certas coisas, algo além dessas coisas necessariamente
se segue delas. É uma demonstração quando as premissas das quais a dedução parte são
verdadeiras e primitivas, ou são tais que o nosso conhecimento delas teve originalmente origem
em premissas que são primitivas e verdadeiras; e é uma dedução dialética se raciocina a partir de
opiniões respeitáveis.
Aristóteles, Tópicos, p. 100a
estabelecidas e indisputáveis.
� Uma dedução dialética é um argumento dedutivo válido cujas premissas são plausíveis mas
Quando temos uma demonstração, no sentido de Aristóteles, nada mais há para discutir: a
O mesmo não acontece no argumento 2. É perfeitamente racional não aceitar a conclusão desse
argumento — basta recusar a primeira premissa, que é muitíssimo discutível, ainda que seja uma
«opinião respeitável».
Claro que o ideal seria encontrar sempre premissas indisputáveis para os nossos argumentos; mas
isso nem sempre é possível. E quando não é possível, temos de nos contentar com as premissas
Isto, por sua vez, significa que esses argumentos não são conclusivos. É sempre possível disputar
(com outros argumentos) que a primeira premissa é falsa. A esta troca de argumentos chama-se
argumentação.
Uma demonstração, neste sentido, é o ponto final da argumentação. Mas não podemos esquecer
que o que está demonstrado foi originalmente estabelecido por argumentação; pura e
Em conclusão:
Argumentação
Utiliza a retórica e a dialética;
É pessoal, dirige-se a indivíduos para obter a sua adesão;
É necessariamente situada, já que o orador depende do auditório;
Persuadir outrem exige: reconhecê-lo como interlocutor, agir sobre ele intelectualmente e não
pela força, tem de ter em conta as reações para adaptar o discurso;
Não é um monólogo mas um diálogo;
Pretende um efeito imediato ou, no mínimo, predispor a uma ação eventual;
Utiliza uma linguagem natural que pode levar a equívocos;
Ao pretender a adesão a uma tese por parte do auditório, torna-se variável, daí que a
intensidade da adesão possa ser acrescida;
O valor e a quantidade de uma argumentação não pode medir-se unicamente pelos resultados,
depende igualmente da qualidade do auditório que se ganha pelo discurso.
Demonstração
É um cálculo formal;
Diz respeito à verdade de uma conclusão a partir das premissas com que necessariamente se
relaciona;
A prova demonstrativa é impessoal;
A sua validade depende das deduções efetuadas;
É insulado do contexto;
É impessoal
Utiliza uma linguagem artificial;
A sua linguagem, porque é formal, não conduz a equívocos;
A verdade é uma propriedade da proposição e daí que não haja variação de intensidade.
Nota: complementam-se no discurso argumentativo.
O auditório e as premissas
Este é um argumento válido. Mas será sólido? Não sabemos, porque pelo menos a segunda
� O auditório são as pessoas com quem estamos a falar, ou para quem estamos a escrever.
O argumento não tem em conta o estado cognitivo do auditório porque a sua conclusão é mais
evidente e menos disputável, para qualquer pessoa, do que as suas premissas. Mesmo partindo da
premissas não são mais plausíveis, seja para quem for, do que a conclusão. Mesmo que sejamos
Diz-se, assim, que o argumento é fraco ou não é bom porque as suas premissas não são mais
� Um argumento bom ou forte é um argumento sólido cujas premissas são mais plausíveis do
� Um argumento mau ou fraco é um argumento que não é sólido ou cujas premissas não são
plausível. Argumentar bem implica descobrir bons argumentos a favor de uma ideia baseados em
Alguns argumentos são maus ou bons para quaisquer pessoas, como o argumento acima. Mas
outros argumentos poderão ser bons para certas pessoas e maus para outras.
Por exemplo:
Se o Papa defende que não devemos tomar a pílula, não devemos tomar a pílula.
O Papa defende que não devemos tomar a pílula.
Logo, não devemos tomar a pílula.
ache mais plausível do que a conclusão. Mas para uma pessoa que não partilhe as suas crenças
religiosas, o argumento é fraco, pois essa pessoa não aceita a primeira premissa (apesar de ser
possível que essa premissa seja verdadeira, sem que ela o saiba).
argumento é relativa aos estados cognitivos das pessoas: depende do que as pessoas pensam que é
irrelevante». Assim, uma inferência como «Está a chover; logo, está a chover», apesar de válida,
não é informativa. E uma inferência que parte de proposições menos plausíveis do que a conclusão
é irrelevante.
Em conclusão:
Lógica Formal/Dedutiva/Demonstrativa:
- Objetivo: estudo da validade dos argumentos segundo a sua forma;
- Distingue argumentos válidos de inválidos;
- Há uma relação de necessidade entre as premissas e conclusão. Se a forma do argumento é
válida e se as suas premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser verdadeira;
- Um argumento sólido (válido com premissas verdadeiras) não pode ser refutado;
- O estudo da validade prescinde de referências ao conteúdo das proposições e ao contexto da
argumentação (na qual um orador tenta persuadir um auditório);
- Procura argumentos válidos, mas sobretudo sólidos (com premissas verdadeiras)
- As regras derivam de sistemas formais.
Lógica Informal/Indutiva/Argumentativa:
- Objetivo: estudo dos argumentos fortes (argumentos que, apesar de inválidos, dão algum
sustento à conclusão) e dos seus graus;
- Distingue graus de força dos argumentos;
- Um argumento forte com premissas verdadeiras justifica, mas não garante a verdade da
conclusão;
- A conclusão do argumento forte é apenas provável ou plausível. Está sempre aberta a
possibilidade de ser refutada;
- O estudo da força dos argumentos não prescinde de referências ao conteúdo das proposições e
ao contexto da argumentação (em que um orador tenta persuadir um auditório);
- Procura a adesão do auditório, mas sobretudo no discurso argumentativo filosófico, preocupa-se
com a questão da verdade para lá da adesão;
- As regras não derivam de sistemas formais e pode haver argumentos com a mesma forma e
graus de força diferentes.
Ethos, pathos e logos
Responsável
discurso.
� Segundo Aristóteles, o orador necessita de dar a impressão de uma pessoa que integra 3
características essenciais:
Excelência e benevolência – estas devem associar-se à razão para mostrar que o orador não
deturpa os acontecimentos, não tem ideias reservadas ou segundas intenções, nem se dispõe a
enganar os ouvintes.
� É o modo como o orador provoca a adesão (entoação, repetições, figuras de estilo, gestos,
� Refere-se àquilo que é dito, ao discurso argumentativo, aos argumentos que o orador utiliza na
� É o aspeto mais desenvolvido por Aristóteles (segundo ele, é o que deve prevalecer num
discurso).
Eis como Aristóteles explica esta distinção:
2. Argumentação e retórica
formais, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica, ao passo que nos informais a
Fala-se por vezes de argumentos dedutivos ou de dedução e de argumentos não dedutivos (que
argumento dedutivo válido é impossível as suas premissas serem verdadeiras e a sua conclusão
falsa. Mas nos argumentos não dedutivos válidos não é impossíveis as suas premissas serem
� Assim, um argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras garante a verdade da sua
conclusão. Mas um argumento não dedutivo válido com premissas verdadeiras torna provável,
� Alguns argumentos dedutivos são informais, mas outros são formais. Os argumentos dedutivos
1. Induções;
3. Argumentos de autoridade.
� Geralmente usa-se o termo «indução» para falar de dois tipos diferentes de argumentos: as
� Para que uma generalização seja válida tem de obedecer a algumas regras. Por exemplo, os
casos em que se baseia têm de ser representativos e não pode haver contraexemplos. Defender que
todos os portugueses vão regularmente ao cinema porque os meus amigos vão regularmente ao
cinema viola estas duas regras: os meus amigos não são representativos dos portugueses em geral
exemplo:
� Num argumento por analogia pretende-se concluir que algo é de certo modo porque esse algo
� Não se deve confundir os argumentos por analogia com as analogias propriamente ditas. Uma
analogia é apenas uma semelhança entre coisas; os argumentos por analogia baseiam-se nesta
desejada semelhança, mas não são, eles mesmos, analogias. Como se pode ver, nos argumentos
� Este argumento é problemático, pois a analogia entre casas e o mundo não é mais plausível do
que a própria conclusão. Um argumento por analogia tem de se basear numa analogia mais
plausível do que a hipótese de a conclusão ser verdadeira. Contesta-se um argumento por analogia
tentando mostrar que há diferenças entre as duas coisas comparadas que derrotam a conclusão.
� A falácia da falsa analogia ocorre quando há diferenças entre as duas coisas comparadas que
derrotam a conclusão.
seguinte:
especialistas não discordem dele. Por isso, em filosofia os argumentos de autoridade são quase
sempre falaciosos, dado que os filósofos discordam quase sempre uns dos outros relativamente a
filósofos, quanto à questão em causa, não discordem do filósofo que estamos a invocar.
� Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente
apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante
da discussão filosófica.
Em conclusão:
Diferença fundamental entre os argumentos formais e informais:
Nos argumentos formais, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica, enquanto que
nos argumentos informais a sua validade não depende exclusivamente da sua forma.
Dedução/Indução:
Dedução e indução são procedimentos racionais que nos levam do já conhecido ao ainda não
conhecido, isto é, permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a conhecimentos já
adquiridos.
Dedução:
- raciocínio com base formal que, se for válido, o é pela sua forma, e se as suas premissas forem
verdadeiras, a conclusão também o é necessariamente, porque esta se segue necessariamente delas
- parte-se de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela se aplica a todos os casos
particulares iguais. Por isso também se diz que a dedução vai do geral ao particular ou do
universal ao individual
- ponto de partida: ideia verdadeira ou teoria verdadeira
- costuma-se representar a dedução pela seguinte fórmula:
Todos os A são B (definição ou teoria geral);
x é A (caso particular);
Portanto, x é B (dedução).
Ex.:
Todos os homens (A) são mortais (B);
Sócrates (x) é homem (A);
Portanto, Sócrates (x) é mortal (B).
- A razão oferece regras especiais para realizar uma dedução e, se tais regras não forem
respeitadas, a dedução será considerada inválida.
Indução:
- raciocínio lógica e formalmente inválido (sendo a sua fundamentação um problema clássico da
filosofia)
- partimos de casos particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a definição geral
ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares.
- a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão, mas tão só esta pode ser dita
provável ou plausível
- a sua aceitação depende do grau de força do argumento
- pode haver argumentos com formas idênticas e força argumentativa diferente
Ex.:
1 – Todos os cães que eu vi são mamíferos.
Logo, todos os cães são mamíferos.
2 – Todos os cães que eu vi foi em Portugal.
Logo, todos os cães estão em Portugal.
- pode ter premissas singulares, particulares (“Alguns”) ou gerais (“Todos”)
- o âmbito e extensão da conclusão é sempre maior que o das premissas
- pode ser encarado de duas perspetivas: generalização e previsão
- a razão também oferece um conjunto de regras precisas para guiar a indução; se tais regras não
forem respeitadas, a indução será considerada falsa.
Generalização:
Consiste em atribuir a todos os casos possíveis de certo tipo aquilo que se verificou em alguns
casos desse tipo. A generalização justifica, portanto, uma conclusão universal a partir de premissas
menos gerais. As premissas são menos abrangentes que a conclusão.
Ex.:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
A generalização não garante a verdade da conclusão, pois a conclusão é mais geral do que a
premissa. Só podemos considerá-la muito provável.
Regras:
A amostra deve ser relevante.
A relação entre o conteúdo das premissas e o conteúdo da conclusão deve ser representativa de
toda a classe.
- a amostra deve representar toda a classe e não apenas algumas das suas espécies
- a conclusão não pode esquecer aspetos significativos e já conhecidos da classe
A amostra deve ser ampla.
- Quanto maior for a amostra observada, mais forte o argumento será
Não omitir informação relevante
- Um argumento, mesmo sendo baseado numa amostra grande e relevante, será mau se omitir
informação relevante.
Consequências:
Devemos avaliar uma generalização, tendo em conta o conjunto do nosso conhecimento.
A generalização deve ser rejeitada se já forem conhecidos contraexemplos
Falácias:
Falácia da generalização precipitada ou amostra insuficiente:
Ocorre quando os casos em que nos apoiamos não são representativos, ou seja, baseia-se num
número muito limitado de casos.
É uma violação da regra: a amostra deve ser ampla
Previsão:
As premissas baseiam-se no passado e a conclusão é um caso particular.
Ex.:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o próximo corvo que observarmos será preto.
Num argumento dedutivo válido é impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a
conclusão falsa. Num argumento não dedutivo válido não é impossível que as suas premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa; é apenas muito improvável. Assim, um argumento dedutivo
válido com premissas verdadeiras garante a verdade da sua conclusão, enquanto que um
argumento não dedutivo válido com premissas verdadeiras torna provável, mas não garante, a
verdade da sua conclusão. Todos os argumentos não dedutivos são informais.
� As falácias formais são erros de raciocínio que resultam exclusivamente da forma lógica. As
falácias informais são erros de raciocínio que não resultam exclusivamente da forma lógica. O
número de falácias informais é muito elevado. Vamos estudar brevemente algumas das mais
comuns.
Este argumento é dedutivamente válido, mas esconde uma falácia: a primeira premissa é um falso
Sem dúvida que além de as verdades serem relativas ou absolutas há outras possibilidades: talvez
Como é evidente, do facto de nunca se ter provado que há extraterrestres nada se segue: não se
segue que há nem que não há extraterrestres. Uma forma menos óbvia de cometer esta falácia é a
seguinte:
Os filósofos nunca conseguiram provar que Deus existe nem que não existe.
Logo, não se pode provar que Deus existe nem que não existe.
Devia ser óbvio que se trata de uma falácia. Na véspera da descoberta da cura da tuberculose as
pessoas também poderiam ter dito que era impossível curar a tuberculose, com o mesmo tipo de
argumento. Poderão existir outros argumentos a favor da ideia de que é impossível provar que
� A falácia da petição de princípio ocorre sempre que se admite nas premissas o que se deseja
Deus existe.
Logo, Deus existe.
Este tipo de argumento é sempre falacioso, apesar de dedutivamente válido, dado que a premissa
Normalmente, esta falácia não é formulada de forma tão evidente. Em vez disso, a premissa
falaciosa surge disfarçada com variações gramaticais da conclusão ou misturada com outras
premissas:
Quando as autoridades de trânsito depois de terem esgotado os demais recursos persuasivos para
levar os condutores a não ultrapassarem os limites de velocidade estabelecidos, lhes recordam que
as multas a pagar pelas infrações são elevadas. (ex: opressão psicológica, ameaças)
� A falácia do apelo à misericórdia (argumentum ad misercordiam) consiste habitualmente em
tentar convencer alguém a fazer algo com base no estado lastimoso do autor do argumento. O
argumento é falacioso quando o estado lastimoso do autor do argumento não tem qualquer
Este argumento é um apelo ilegítimo à misericórdia porque as notas são atribuídas não em função
do esforço do estudante mas sim dos resultados, tal como numa prova desportiva.
� A falácia de ad hominem é uma falácia contra a pessoa, sendo o argumento que pretende
mostrar que uma afirmação é falsa atacando e desacreditando a pessoa que a emite.
O Roberto disse que amanhã não há aulas, mas de certeza que há porque ele é mal criado e um
grande preguiçoso.
� A falácia Post hoc, consite em ver uma relação de sequencia causal (causa/efeito) onde só
Francisco diz: - Acho que hoje me vai correr mal o teste de Filosofia.
Ana diz: - Porquê?
Francisco diz: - Porque fui ao futebol e o meu clube perder.
3. Argumentação e Filosofia
A Pólis grega
encontravam nas mãos dos cidadãos. No entanto, o conceito de cidadão não era tão vasto como
hoje em dia, sendo que apenas um décimo da população era considerado cidadão. Para se obter o
estatuto de cidadão não se podia ser mulher, escravo ou meteco, e tinha que se obedecer a um
conjunto de regras.
Nessa sociedade fazer parte da vida política era uma espécie de obrigação para qualquer cidadão.
Todos os cidadãos reuniam-se em assembleia popular para decidirem por eles mesmos os assuntos
A democracia grega apresenta-se como uma base para as democracias atuais, embora com
duas democracias.
A argumentação racional, logos, era a chave da autoridade, sendo que quem exercia o poder
político necessitava sempre apresentar razões aceitáveis;
Existia uma relação intrínseca entre cidadania e participação,
Havia a submissão à lei e não a uma pessoa;
Dava-se grande importância à educação cívica e solidariedade.
� Ao longo da história, a convivência entre retores e filósofos nem sempre foi fácil, lutando
A retórica foi descoberta pelos gregos como forma democrática de resolver os problemas da
cidade.
A via da filosofia
� Parménides e Platão tinham uma abordagem ontológica da retórica (ontos=ser). Consideravam
Parménides segue a via abstrata da reflexão pura. Investe e confia no poder que a razão tem de,
A via da retórica
homem). Consideravam que a única via para a verdade era a investigação pela argumentação
interpessoal.
Nesta altura a retórica é vista como uma prática ajustada às necessidades do tempo.
Os sofistas apareceram no final do séc. V a.C., numa época em que a vida democrática reclamava
a participação dos cidadãos que se mostrassem aptos a fazê-lo. Vinham de vários pontos da Grécia
política e as qualidades que os homens devem possuir para serem bons cidadãos. Andam de cidade
em cidade proporcionando aos jovens que desejam alargar os seus horizontes intelectuais uma
formação prática dos homens, tentando torná-los bons cidadãos e políticos eficientes, ensinando
� Os sofistas põem de lado a procura da verdade em si mesma para insistirem na arte de expor,
argumentar e convencer. A verdade torna-se assim subjetiva e relativa a cada um. A insistência
neste subjetivismo e relativismo fomenta a liberdade intelectual que leva as pessoas a questionar
No entanto, este reduzir o caráter absoluto e universal da verdade a meras opiniões relativas, faz
com que os sofistas comecem a ser expulsos do grupo dos filósofos. Apesar de tudo, hoje em dia
considera-se que o mérito dos sofistas reside na sua reflexão centrada no homem, formação
� Com Platão a retórica sujeita-se ao papel de escrava da filosofia. Este vê na retórica uma forma
desrespeitando a verdade.
Platão opõe-se o verdadeiro conhecimento, procurado pelo filósofo, ao pseudo- saber da retórica
� Apesar de tudo, Platão serve-se da dialética, atribuindo-lhe efeitos persuasivos para banir a
explicação da verdade. A retórica platónica está assim ao serviço da verdade e não das opiniões
� A retórica não é tida só como a arte de bem falar, mas também como a teoria dessa mesma arte.
prova específicos. Nas ciências teoréticas utiliza-se a intuição para a dedução lógica de
afirmações, e nas ciências práticas usa-se a retórica. Sendo assim, o campo da ação não se pode
Retórica e oratória
� Após a morte de Platão e Aristóteles dá-se na Grécia uma decadência política e social que se
reflete na filosofia. Esta abandona os grandes problemas teóricos e passa a centrar-se na reflexão
� Com a decadência política e social dos gregos e a sua anexação ao Império Romano, a retórica
passa a ser cultivada como oratória, a arte de bem orar e discursar, sendo utilizada pela sua
� Uma vez que na democracia todos os homens devem tomar parte ativa na resolução dos
problemas postos pela vida em comum, a argumentação é t ida como o processo mais favorável à
descoberta de soluções. A retórica torna-se num modelo de resolução das questões prioritárias e a
Em conclusão:
Há uma ligação natural entre o nascimento da filosofia e um clima social e político que favorecia a
discussão pública de ideias. Contudo, ao longo da história, tanto a filosofia como as ciências
foram cultivadas em regimes contrários à liberdade de estudo e pensamento.
� A retórica pode ser utilizada devida ou indevidamente, sendo considerados o bom e o mau uso
da retórica.
� O bom uso da retórica consiste em permitir ao auditório decidir por ele mesmo de um modo
� O mau uso da retórica é quando o auditório não é deixado a decidir livremente, mas sim em
Persuasão
� Persuadir consiste em convencer alguém a aceitar ou a decidir-se por algo sem que isso
� Na persuasão pressupõe-se que quem é persuadido conhece o objeto sobre o qual incide a
argumentação, está a par de todas as soluções possíveis sobre as quais é chamado a optar e está
consciente das consequências positivas e negativas decorrentes de cada uma das escolhas.
� A aceitação de uma doutrina passa, por vezes, não só por aquilo que consideramos verdadeiro
mas também pelo que é do nosso agrado. Para isso, o orador serve-se do logos, ethos e pathos.
Apoia-se na força dos seus argumentos logos, na credibilidade da sua pessoa ethos, e nos
� O fenómeno da persuasão dá-se por 6 etapas, que no seu conjunto formam um todo indivisível:
1. Exposição à mensagem: é necessário que a pessoa tenha contacto com a mensagem, que pode
televisão,...
2. Atenção à mensagem: a atenção é seletiva. Não basta ser exposto à mensagem para que ele
são próprias.
Aceitação da mensagem:
5. Persistência da mudança: Se a mensagem provocar uma nova atitude esta deve permanecer,
para que se verifique se se efetuou realmente a persuasão.
6. Ação: a nova atitude concretiza-se através de novos comportamentos baseados na nova opinião.
Manipulação
desvalorizar os fatores racionais, apelando a uma adesão emocional. O próprio discurso é baseado
� Do ponto de vista filosófico, manipular corresponde ao uso abusivo da retórica, onde o orador,
munido de ideia que não apresenta a discussão, concentra os seus esforços no desenvolvimento de
técnicas adequadas à sua imposição. Faz dos seus pontos de vista autênticos dogmas.
� Para melhor perceber a manipulação há que definir corretamente os conceitos de erro, mentira
e engano:
Erro: o erro é factual. Errar é dizer uma falsidade sem se ter consciência disso, é estar-se
Mentira: a mentira é psicológica. Mentir consiste em dizer uma falsidade com intenção de tal.
Engano: o engano é psicológico e factual. Enganar pressupõe mentir e que essa mentira seja
aceite pelo auditório, ou seja, ele adire à falsidade apresentada. O engano já pressupõe
manipulação.
deve respeitar-se certos princípios que foram sendo enunciados por diversos filósofos ao longo da
história:
diálogo, não omitindo possíveis informações úteis mas evitando a apresentação de informações
excessivas.
Princípio da precisão: nenhum interveniente pode distorcer as afirmações feitas pelos outros,
deformando-lhes o sentido.
Princípio da coerência: os participantes devem manter-se fiéis aos pontos de vista que
Princípio do modo: os intervenientes devem expor claramente os seus pontos de vista, evitando
Em conclusão:
� Persuadir alguém é fazer essa pessoa mudar de ideias.
3. Argumentação e Filosofia
� Platão afirma que há dois usos distintos da retórica, um bom e um mau uso e se o bom uso
consiste em usar a capacidade persuasiva do discurso para dizer o que é verdade. Temos que
� O pressuposto de que Platão parte é que há de facto uma verdade e que ela é a expressão de
uma realidade imutável e perfeita – o mundo do ser – de que a realidade que continuamente
captamos através dos nossos sentidos e da experiência quotidiana é apenas um reflexo ou uma
cópia. Para Platão existe uma verdade universal e absoluta a respeito de cada assunto, quando o
nosso discurso traduz adequadamente essa realidade ideal. Neste contexto a retórica só será
legítima quando o orador colocar a sua capacidade oratória ao serviço da descoberta e da partilha
� Os sofistas, pelo contrário, partem do pressuposto de que, pelo menos no que se refere aos
valores morais e políticos, não existe “verdade” segura e unívoca; existem unicamente opiniões e
argumentos mais ou menos convincentes. Assim sendo, o dever e direito de quem está convencido
da qualidade da sua perspetiva são usar uma argumentação convincente para conquistar a
aceitação das outras pessoas. Para os sofistas a “verdade filosófica” é múltipla pois, sendo humana
nunca é certa senão para aquele que a possui e enuncia e para os que nela acreditam.
tal como ela é, tem interessado os filósofos desde os gregos e continua em aberto e a suscitar
Se qualquer filósofo:
Aspira a partilha a verdade em que acredita, a torná-la acessível e admitida pelas outras
Não pode impor as suas ideias aos outros nem pela força ou pela violência;
Então ele não pode pôr de lado a retórica, pois o que ele pode fazer é por interpretações, isto é,
opiniões ou teses, e usar a argumentação para justificar essas opiniões, procurando persuadir o
seu auditório da verdade dessas teses ou, pelo menos, da sua razoabilidade.
pressuposto de que a verdade tem de ser reconhecida por todos (universalmente) com base num
� Claro que nada nos garante que a habilidade retórica não seja usada para manipular e enganar.
Porém, contra esse perigo, o melhor remédio é, justamente, a posse de um apurado sentido
crítico e de uma capacidade argumentativa que nos permita conhecer os meios para nos
analisar as intenções e o alcance dos discursos, ponderar a pertinência dos argumentos, de modo
a podermos assumir uma posição crítica, esclarecida e ativa face seja a que discurso for”.
Em conclusão:
� Se o estudo for livre e as capacidades críticas das pessoas forem estimuladas e bem-vindas, os
argumentos falaciosos, por mais atraentes que sejam, acabarão por ser denunciados, no processo
de avaliação crítica de ideias.
� Se o estudo for iniciático, se os estudantes e os professores forem encorajados a seguir Gurus e
Mestres, mas não a pensar por si, quaisquer ideias serão aceites como Verdades Absolutas, dado
que ninguém terá coragem de as criticar — por mais que os argumentos que as sustentam sejam
maus.
IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica
Tipos de conhecimento
Que tipos de conhecimento há? Saber tocar piano, por exemplo, não é como saber que os pianos
Saber andar de bicicleta é diferente de saber que andar de bicicleta é saudável. Mas existe algo em
comum entre estes tipos de conhecimento: nos dois casos há um sujeito (que conhece) e um
Por exemplo:
Ambas as frases exprimem uma relação de conhecimento entre o João e as coisas que ele sabe. No
primeiro caso, o objeto de conhecimento é andar de bicicleta; no segundo, a ideia de que andar de
bicicleta é saudável. Diz-se que o João é o sujeito do conhecimento ou o agente cognitivo. Por
vezes, o objeto e o sujeito de conhecimento coincidem, pois o João também sabe que ele próprio
atividade (andar de bicicleta). Este é o tipo de conhecimento a que os filósofos chamam «saber-
fazer».
Saber andar de bicicleta não é como conhecer Luís Figo. O objeto de conhecimento no caso 2 é
um objeto concreto (Luís Figo) e em 1 é uma atividade. Além disso, conhecer Luís Figo é ter
algum tipo de contacto direto com ele, conhecê-lo pessoalmente. Podemos saber muitas coisas
sobre Luís Figo, mas se não o conhecermos pessoalmente não dizemos que o conhecemos. O
mesmo acontece com o conhecimento de uma cidade, por exemplo. Podemos saber muitas coisas
sobre Paris, mas se nunca lá fomos, não dizemos que conhecemos Paris. A este tipo de
conhecimento que temos quando conhecemos uma pessoa, uma cidade, etc., chama-se
Alguns filósofos, como Bertrand Russell, defendem que não conhecemos realmente por contacto
uma cidade ou uma pessoa, mas apenas as sensações que temos de uma cidade ou de uma pessoa.
Contudo, hoje em dia, os filósofos usam a noção de conhecimento por contacto num sentido
menos restrito.
fazer, o objeto do conhecimento é uma atividade. No caso do conhecimento por contacto, o objeto
é uma pessoa ou lugar (um objeto concreto). No caso do saber-que, o objeto do conhecimento é
uma proposição. Como vimos no uma proposição é aquilo que é expresso por uma frase
declarativa.
Quando dizemos que o João sabe que Londres é uma cidade, o que o João sabe é que a proposição
expressa pela frase que está depois da palavra «que» («Londres é uma cidade») é verdadeira. Por
outras palavras, saber que Londres é uma cidade ou que Luís Figo é um jogador de futebol é saber
que é verdade que Londres é uma cidade ou que Luís Figo é um jogador de futebol.
primeiro rei de Portugal, que o Sol é uma estrela, que Portugal fica no continente europeu, etc.
Praticamente todo o nosso conhecimento científico, histórico, matemático, literário, etc. é deste
tipo.
Não é portanto de estranhar que os filósofos tenham centrado a sua atenção nesta noção de
conhecimento. Por este motivo, iremos também centrar a nossa atenção neste tipo de
conhecimento.
A definição de conhecimento
Conhecimento e crença
Para responder à questão de saber o que é o conhecimento temos de refletir sobre as coisas que
conhecemos para identificarmos o que há de comum entre elas. A primeira coisa que podemos
conhecimento.
Uma crença (ou convicção ou opinião) é também uma relação entre o sujeito que tem a crença e o
objeto dessa crença. Por «crença» os filósofos não querem dizer unicamente a fé religiosa, mas
sim qualquer tipo de convicção que uma pessoa possa ter. Por exemplo, podemos acreditar que
Aristóteles foi um filósofo, ou podemos acreditar que a Terra é maior do que a Lua.
Dado que tanto a crença como o conhecimento relacionam um agente cognitivo com uma
Por outras palavras, quando sabemos algo, acreditamos nesse algo. Uma razão para dizer isto é
que as afirmações do género das seguintes são contraditórias, num certo sentido:
Estas afirmações são contraditórias num certo sentido porque não parece possível saber algo sem
acreditar no que se sabe. Assim, diz-se que a crença é uma condição necessária para o
Por exemplo, viver em Portugal é uma condição necessária para viver em Lisboa porque todas as
pessoas que vivem em Lisboa vivem em Portugal. E viver em Portugal é uma condição suficiente
para viver na Europa porque todas as pessoas que vivem em Portugal vivem na Europa.
Eis então aquilo que descobrimos até agora acerca da natureza do conhecimento:
Por exemplo, se o João souber que a neve é branca, então acredita que a neve é branca. Mas será a
crença uma condição suficiente para o conhecimento? Evidentemente que não, dado que as
pessoas podem acreditar em coisas que não podem saber, nomeadamente falsidades. Uma pessoa
pode acreditar que existem fadas, por exemplo, mas não pode saber que existem fadas porque não
há fadas.
Como a crença é uma condição necessária mas não suficiente para o conhecimento, a crença e o
Ao tentar definir uma coisa, procuramos as condições necessárias e suficientes dessa coisa. Se
tivermos descoberto uma condição necessária mas não suficiente, continuamos a procurar outras
condições necessárias porque em muitos casos um conjunto de condições necessárias acaba por
Por exemplo, uma condição necessária para ser um ser humano é ser um hominídeo. Mas não é
uma condição suficiente, dado que muitos hominídeos não são seres humanos. Outra condição
necessária para ser um ser humano é ser racional; mas também não é suficiente, dado que poderão
existir seres racionais extraterrestres, por exemplo, e eles não serão seres humanos. Mas se
juntarmos as duas condições necessárias, obtemos uma condição suficiente, pois basta ser racional
É isso que iremos fazer em relação à definição de conhecimento. Dado que ser uma crença é uma
condição necessária mas não suficiente de conhecimento, vamos ver se haverá outras condições
Alguns termos da linguagem são factivos. Por exemplo, o termo «ver» é factivo. Isto quer dizer
que se o João viu a Maria na praia, a Maria estava efetivamente na praia. Se a Maria não estava na
praia, o João não a viu lá — apenas pensou que a viu lá, mas enganou-se.
O mesmo acontece com o conhecimento. Se o João sabe que a Maria está na praia, a Maria está na
praia. Se a Maria não está na praia, o João não pode saber que a Maria está na praia — pode
pensar, erradamente, que a Maria está na praia, mas isso será apenas uma crença falsa. Como é
óbvio, nenhuma crença falsa pode ser conhecimento, mesmo que a pessoa que tem essa crença
Dizer que não se pode conhecer falsidades não é o mesmo que dizer que não se pode saber que
1 e 2 são muito diferentes. O exemplo 1 não viola a factividade do conhecimento. Mas a afirmação
2 viola a factividade do conhecimento: a Mariana não pode saber que o céu é verde, pois o céu não
é verde.
Dizer que o conhecimento é factivo é apenas dizer que sem verdade não há conhecimento.
Não se deve confundir as seguintes duas coisas: pensar que se sabe algo e saber realmente algo.
Se de facto soubermos algo, então temos a garantia de que isso que sabemos é verdade. Mas
podemos pensar que sabemos algo sem o sabermos de facto. Por exemplo, no tempo de Ptolomeu
pensava-se que a Terra estava imóvel no centro do universo. E as pessoas estavam tão seguras
disso que pensavam que sabiam que a Terra estava imóvel no centro do universo.
Contudo, mais tarde descobriu-se que essas pessoas estavam enganadas: elas não sabiam tal coisa,
apenas pensavam que sabiam. Claro que quando hoje pensamos que sabemos que essas pessoas
Será que basta que uma crença seja verdadeira para ser conhecimento?
Por outras palavras, será que uma crença verdadeira é suficiente para o conhecimento?
Catarina: Acabei de jogar no totoloto, e algo me diz que é desta que vou ganhar.
João: Espero que sim!
Alguns dias depois...
Catarina: João, ganhei o totoloto! Não te disse que sabia que ia ganhar o totoloto?
João: Parabéns Catarina! Mas como podias saber tal coisa? Não quererás antes dizer que tinhas
uma forte convicção de que ias ganhar?
Catarina: Bom, saber, saber, não sabia. Mas achava que sim, e a verdade é que isso acabou por se
verificar.
João: Mas isso só quer dizer que tinhas uma crença verdadeira. Mas será que tinhas de facto
conhecimento? Sabias mesmo que ias ganhar o totoloto? É que se soubesses, não precisavas de
estar com esperança nisso, e nem sequer precisavas de verificar os números do sorteio.
Catarina: Como assim?
João: Por exemplo, se sabes quando nasceste, não precisas de consultar o teu bilhete de identidade
para verificar o ano. Do mesmo modo, se soubesses que ias ganhar o totoloto, não precisavas
verificar que números saíram: já sabias que números eram esses.
Catarina: Sim, tens razão: o facto de as nossas crenças se revelarem verdadeiras não implica que
tivéssemos conhecimento prévio dessas coisas.
Do facto de a crença da Catarina se ter revelado verdadeira não se segue que ela soubesse que ia
ganhar o totoloto. Crenças que por acaso se revelam verdadeiras não são conhecimento. O
João lhe perguntava qual a raiz quadrada de quatro. Imagine-se que ele achava que era dois, mas
não tinha a certeza. Será que ele sabia qual é raiz quadrada de quatro, ou será que ele apenas teve
sorte ao acertar na resposta? Para haver conhecimento uma pessoa não pode apenas ter sorte em
acreditar no que é efetivamente verdade; tem de haver algo mais que distinga o conhecimento da
mera crença verdadeira. Para haver conhecimento, aquilo em que acreditamos tem de ser verdade,
mas podemos acreditar em coisas verdadeiras sem saber realmente que são verdadeiras.
Portanto, nem todas as crenças verdadeiras são conhecimento. Por outras palavras:
Conhecimento e justificação
Platão foi um dos primeiros filósofos a distinguir a crença do conhecimento. O Teeteto é um dos
seus diálogos mais importantes. É nele que se encontra a definição clássica de conhecimento, que
Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não
nos contradizermos?
[...]
Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é
infalível e tudo o que dela resulta é belo e bom.
[...]
Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem
como a crença verdadeira não é conhecimento.
Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?
Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais
indivíduos, com a sua arte, produzem convicção, não ensinando mas fazendo as pessoas acreditar
no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão
habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra sejam capazes de ensinar devidamente
a verdade acerca de um roubo ou qualquer outro crime a ouvintes que não foram testemunhas do
crime?
Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.
Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto: Sem dúvida.
Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de factos que só uma
testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses factos por
ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo
desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correta?
Teeteto: Com certeza.
Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa,
nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é
que se trata de duas coisas distintas.
Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas
voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão (logos) é
conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do conhecimento [...].
Platão, Teeteto, 201a-c.
Aquilo que Platão designa por «logos» é o que tradicionalmente se passou a designar
«justificação». Assim, além de verdadeira, diz-nos Platão, a crença tem de ser justificada, para que
Vimos que o facto de alguém ter uma crença verdadeira não significa que tenha conhecimento. Por
exemplo, do facto de a crença do António de que vai passar de ano ser verdadeira não se segue que
ele saiba realmente que vai passar de ano. Mas se, além de possuir uma crença verdadeira, o
António tiver razões que suportem a sua crença, ele sabe-o. Por exemplo, se ele acreditar que vai
passar de ano porque tem boas notas a todas as disciplinas, então a sua crença verdadeira não é
mero fruto do acaso, mas está justificada por boas razões: a sua crença é conhecimento. Eis,
vemos que ter uma justificação para acreditar numa coisa não significa que se tenha conhecimento
dessa coisa. Ptolomeu tinha boas justificações para pensar que a Terra estava parada no centro do
universo. Mas não sabia que a Terra estava parada no centro do universo.
Como vimos diferentes pessoas estão em diferentes estados cognitivos. No estado cognitivo em
que se encontrava Ptolomeu, havia justificação para pensar que a Terra estava parada no centro do
universo. Mas os estados cognitivos das pessoas não são perfeitos e por isso as pessoas podem ter
eram brancos. Os europeus tinham por isso uma justificação para pensar que todos os cisnes do
Mas depois descobriu-se cisnes negros na Austrália. Logo, podemos ter crenças justificadas sem
ter conhecimento.
Note-se que para que a crença de alguém esteja justificada não é necessário que essa pessoa saiba
justificar a sua crença. Isso seria absurdo, dado que a justificação mais profunda para pensar que
está uma árvore à minha frente inclui complexos mecanismos da visão que a maior parte das
pessoas desconhece. E mesmo para justificar a crença de que todos os corvos são negros muitas
A crença de alguém pode estar justificada sem que essa pessoa a consiga justificar explicitamente.
O que importa é que a sua crença esteja justificada e não que ela saiba justificar explicitamente a
sua crença. Vejamos mais um exemplo: o Pedro é uma criança de 7 anos e tem uma crença
justificada de que o irmão está a beber leite com chocolate. Mas o Pedro não consegue justificar
explicitamente a sua crença. O que importa é que há uma justificação que legitima a crença do
Pedro: nomeadamente, o Pedro está justificado a acreditar que o irmão está a beber leite com
chocolate porque está a vê-lo beber leite com chocolate e nada há de errado com a sua visão.
Vimos até agora três condições necessárias para algo ser conhecimento: ser uma crença, ser
verdadeira e ser justificada. E vimos também que, separadamente, nenhuma dessas condições era
Apesar de, separadamente, nenhuma das condições ser suficiente para o conhecimento, tomadas
conjuntamente parecem suficientes. Se alguém tiver uma crença, se essa crença for verdadeira e se
além disso essa crença estiver justificada, parece impossível que essa pessoa não tenha
conhecimento.
A definição tradicional de conhecimento foi aceite durante mais de dois mil anos tendo sido
disputada em 1963 pelo filósofo americano Edmund Gettier (n. 1927). Gettier forneceu um
conjunto de contraexemplos que mostram que podemos ter uma crença verdadeira justificada sem
que essa crença seja conhecimento. Vejamos então o tipo de contraexemplos em causa.
Imaginemos também que a crença do João está justificada. Por exemplo, suponhamos que a Ana
lhe tinha dito que ia levar o manual para a festa porque a Rita lho tinha pedido emprestado.
Portanto, o João não só acredita que a Ana tem A Arte de Pensar na Mochila como a sua crença
está justificada:
2. A crença do João de que a Ana tem a A Arte de Pensar na mochila está justificada.
Imaginemos que a Rita tinha telefonado à Ana para lhe dizer que afinal já não precisava que ela
lhe emprestasse o manual. Suponhamos agora que o António tinha encontrado a Ana antes da festa
e lhe tinha pedido para levar o manual para a festa para tirar umas dúvidas com ela. Portanto, a
Ana tinha de facto A Arte de Pensar na mochila, mas não o tinha por causa da Rita, mas por causa
do António.
com a definição tradicional de conhecimento, o João sabe que a Ana tem A Arte de Pensar na
Não! O João não pode saber tal coisa. Aquilo que justifica a crença do João não é o levou Ana a
levar A Arte de Pensar para a festa. É por mera sorte que a crença do João é verdadeira. Por outras
palavras, a razão pela qual o João acredita que a Ana tem A Arte de Pensar na mochila não é a
Assim, temos um caso em que alguém tem uma crença verdadeira justificada mas em que essa
noção de justificação, para bloquear os contra exemplos. Mas este é um tema para um estudo mais
aprofundado.
Em conclusão:
Que tipos de conhecimento há?
O que é o conhecimento?
� A crença é uma condição necessária para o conhecimento.
� O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidades.
� A verdade é uma condição necessária para o conhecimento.
�
�
Objeções: Os contraexemplos de Gettier. Estes mostram que podemos ter uma justificação para
acreditar em algo verdadeiro sem que esse algo seja conhecimento.
de que 2 + 2 = 4 é diferente da fonte do conhecimento de que a neve é branca. Para sabermos que
2 + 2 = 4 basta pensarmos sobre isso. Mas para sabermos que a neve é branca temos de ver neve.
No primeiro caso, parece que estamos justificados a acreditar que 2 + 2 = 4 pelo pensamento
apenas, ou pela razão. No segundo caso, estamos justificados a acreditar que a neve é branca pela
� Um sujeito sabe que P a priori se, e só se, sabe que P pelo pensamento apenas.
� Um sujeito sabe que P a posteriori se, e só se, sabe que P através da experiência.
mas foi com Immanuel Kant (1724-1804) que se tornou mais clara:
[…] designaremos, doravante por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta ou daquela
experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer
experiência. A estes opõem-se o conhecimento empírico, o qual é conhecimento apenas possível a
posteriori, isto é, através da experiência.
Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, 1787, B2-B3.
Não precisamos de recorrer à experiência para saber que 1 é verdade: basta pensar. Mas o próprio
conceito de azul, de vermelho e de cor teve de ser adquirido pela experiência, vendo cores. Apesar
experiência para saber que um objeto todo azul não pode ser vermelho. A partir do momento em
que temos os conceitos de azul, vermelho e cor, sabemos que 1 é verdadeira. Possuir os conceitos
necessários não é mais do que um pré-requisito para o nosso conhecimento proposicional. Mas
apesar de possuirmos os conceitos de céu e de azul, não é possível saber que o céu é azul sem
argumentos a posteriori.
� Um argumento é a posteriori se, e só se, pelo menos uma das sua premissas é a posteriori.
Em conclusão:
� Um sujeito sabe que P a priori se, e só se, sabe que P pelo pensamento apenas.
� Um sujeito sabe que P a posteriori se, e só se, sabe que P através da experiência.
“A perceção através dos sentidos não depende exclusivamente dos atributos fisiológicos imediatos
do olho ou do ouvido. Depende, sim, de um contexto muito mais vasto, que envolve a disposição
global do indivíduo. No caso da visão isso foi investigado segundo numerosas e diferentes
perspetivas, tendo os cientistas demonstrado que a visão requer o movimento ativo tanto do corpo
como da mente. A perceção visual é, portanto, um ato intencional e não passivo.
Um exemplo claro de como a visão opera sempre num contexto vasto e geral é o da pessoa que
nasceu cega e, mediante uma operação, adquire subitamente a capacidade de ver. Em tais
circunstâncias, a visão clara não é um processo instantâneo, porque tanto o paciente como o
médico têm de realizar um árduo trabalho, até que a confusão de impressões visuais desprovidas
de significado possa ser integrada numa “visão” verdadeira. Este trabalho implica, entre outras
coisas, a exploração dos efeitos dos movimentos do corpo nas experiências visuais ainda frescas e
a aprendizagem do relacionamento das impressões visuais de um objeto com as sensações tácteis
que foram previamente associadas a ele. Em particular, o que o paciente aprendeu por outras vias
afeta fortemente o que ele vê. A disposição global da mente para apreender objetos por vias
particulares desempenha um papel no ato de selecionar e de dar forma ao que é visto.
Estas conclusões são confirmadas pela análise neurológica do sistema nervoso. Para se ver algo
em absoluto, o lho tem de se lançar em movimentos rápidos que o ajudam a extrair da cena alguns
elementos de informação. Sabe-se que o modo pelo qual estes elementos se integram depois numa
imagem global, conscientemente percebida, depende em grande parte dos conhecimentos e
hipóteses gerais, por parte de quem vê, acerca da natureza da realidade. Diversas experiências
incisivas revelaram que o fluxo de informação proveniente dos níveis cerebrais elevados para as
áreas de formação de imagens excede, na realidade, a quantidade de informação que chega dos
olhos. Isto é, aquilo que se “vê” resulta tanto dos conhecimentos previamente adquiridos como dos
dados visuais acabados de receber.
A perceção dos sentidos é, portanto, fortemente determinada pela disposição total da mente e do
corpo. Mas, por sua vez, esta disposição relaciona-se, de maneira significativa com a cultura geral
e a estrutura social. Do mesmo modo, a perceção através da mente é também governada por todos
estes fatores. Por exemplo, um grupo de pessoas a passear numa floresta vê e responde de maneira
diversa ao ambiente. O lenhador vê a floresta como uma fonte de madeira, o artista como algo
digno de ser pintado, o caçador como um esconderijo para a caça.
Em cada caso, o bosque e as suas árvores individuais são percebidos de modo muito diferente, na
dependência da formação e expectativas dos passeantes.”
David Bohm e David Peat
conhecer?
No texto encontramos tentativas de resposta para estas questões. Todos os seres vivos são dotados
de sentidos, isto é, de órgãos que lhes permitem captar, interpretar esses sinais e responder-lhes
No homem o processo de conhecer não é muito diferente dos outros animais mas atinge níveis de
la.
O que é que nos diz o texto? (vejamos uma perspetiva a respeito do conhecimento, talvez a mais
dos nossos sentidos – das sensações. Os nossos sentidos recebem e dão significado a determinados
estímulos, ignorando outros. Todo o conhecimento tem origem ou constitui-se a partir da sensação.
2. As sensações, ou dados dos sentidos, são interpretado por cada indivíduo - o sujeito do
conhecimento. Esta interpretação implica uma organização das sensações num todo significativo
mesma.
3. O conhecimento percetivo implica um sujeito (aquele que conhece) e um objeto (aquilo que é
dados a que confere significado, construindo assim uma representação mental ou objeto (em
sentido gnoseológico).
4. O objeto construído pelo sujeito não é uma mera soma dos dados sensoriais apreendidos num
dado momento; como se diz no texto “aquilo que se vê resulta tanto dos conhecimentos
previamente adquiridos como dos dados visuais acabados de receber”. Quer isto dizer que o
sujeito que conhece atribui um significado aos dados recebidos em função da sua própria estrutura,
das experiências já vividas, dos conhecimentos anteriormente adquiridos, dos interesses pessoais,
etc.
5. São todos estes fatores (fatores de significação percetiva) que explicam que cada sujeito possa
O ser humano não se limita a conhecer perceptivamente a realidade, desta forma imediata e
vivencial. Também somo capazes de pensar sobre o vivido, elaborando conhecimentos abstratos
que provêm justamente da capacidade de refletir sobre o que percecionamos. Assim, construímos
leis gerais e teorias acerca da realidade. Com base neste conhecimento abstrato e racional,
Para alguns autores, há uma estrutura invariante no sujeito que determina a construção, a
configuração e o sentido do objeto. Para outros autores, esta estrutura da mente que conhece
(sujeito gnoseológico) vai-se constituindo ao longo da vida a partir das características biológicas.
Para outros ainda, é o objeto que determina a sua própria representação, reservando para o sujeito
o papel de mero recetor considerando o conhecimento como uma tomada de consciência das
determinações do objeto.
aquilo que é conhecido é o objeto. Por objeto de conhecimento não se entende a realidade em si
� Ao longo da história da filosofia houve várias tentativas para explicar o modo como o homem
história da filosofia. O modo como se tem respondido a estas questões conduziu à existência de
O racionalismo cartesiano
Da dúvida ao cogito
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, quis supor que nada há que seja tal
como eles o fazem imaginar. E, porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais
simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar
sujeito a enganar-me como qualquer outro todas as razoes de que até então me servia nas
demonstrações. Finalmente, considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos
podem ocorrer também quando dormimos, se que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi
supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro
que as ilusões dos meus sonhos.
Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o
pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade – eu penso, logo existo,
era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos seriam impotentes para
a abalar, julguei que podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que
procurava.
Depois, examinando atentamente que coisa eu era, e vendo que podia supor que não tinha corpo e
que não havia qualquer mundo ou qualquer lugar onde eu existisse; mas que, apesar disso, não
podia admitir que não existia; e que antes, pelo contrario, por isso mesmo que pensava, ao duvidar
da verdade das outras coisas, tinha de admitir como muito evidente muito certo que existia; ao
passo que bastava que tivesse deixado de pensar para não ter já nenhuma razão para crer que
existia, ainda que tudo o que tinha imaginado fosse verdadeiro; por isso, compreendi que era uma
substância, cuja essência ou natureza é apenas o pensamento, que para existir não tem necessidade
de nenhum lugar nem depende de nenhuma coisa material. De maneira que esse eu, isto é, a alma
pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo, mais fácil mesmo de conhecer que este,
o qual, embora não existisse, não impediria que ela fosse o que é.
Depois disso, considerei duma maneira geral o que é indispensável a uma proposição para ser
verdadeira e certa; porque, como acabava de encontrar uma com esses requisitos, pensei que devia
saber também em que consiste essa certeza. E tendo notado que nada há no que eu penso, logo
existo, que me garanta que digo a verdade, a não ser que vejo muito claramente que, para pensar, é
preciso existir, julguei que podia admitir como regra geral que é verdadeiro tudo aquilo que
concebemos muito claramente e muito distintamente; havendo apenas alguma dificuldade em
notar quais são as coisas que concebemos distintamente.
René Descartes, Discurso do Método
� O texto foi escrito por um filósofo francês do século XVII que se dedicou ao estudo dos
de Descartes. Ora Descartes tinha uma formação matemática e desejava garantir a existência de
um conhecimento verdadeiro.
No texto, extraído do Discurso do Método, uma das suas obras mais divulgadas:
2. Refere a decisão de não aceitar nada como verdadeiro ate encontrar uma verdade que resista a
capaz de resistir à dúvida mais exagerada. Por isso se considera que a dúvida cartesiana é
3. Enuncia a primeira verdade a que Descartes chegou: o cogito ou a existência de um ser pensante
� Esta primeira verdade vai ser aceite por Descartes que sobre ela assentará o seu sistema
filosófico.
Trata-se de uma verdade de natureza puramente racional, ou seja, que depende unicamente do uso
da razão humana e na sua descoberta não foi necessária a contribuição dos sentidos. A existência
do cogito é a primeira informação segura a que Descartes chegou depois de deliberadamente ter
posto tudo em dúvida e encerra o sujeito que conhece em si mesmo, reduzindo-o a ser “uma coisa
Duvida ainda da existência dos outros seres humanos e das coisas materiais, incluindo o seu
próprio corpo.
momento em que se rompe com o sensível e com o conhecimento até então constituído e se
Contrariamente ao nosso conhecimento vulgar que nos leva a acreditar mais facilmente na
existência das coisas e do corpo do que na existência da mente, Descartes conclui que o
conhecimento desta é mais acessível e é anterior ao conhecimento das coisas corpóreas; o corpo
5. Apresenta, finalmente, o critério de verdade válido para Descartes. Serão aceites como
verdadeiras unicamente aquelas ideias que se apresentem à razão como sendo claras e distintas,
� Como verificamos Descartes parte da dúvida e alcança uma primeira verdade por via
existência de um eu cuja natureza se resume a produzir pensamento. Será que existe alguma coisa
fora e para além do seu eu? Como vai conseguir sair para fora do cogito e demonstrar a existência
da realidade material?
� Descartes não pode basear-se nos sentidos uma vez que os excluíra como fonte fiável de
conhecimento.
Só lhe resta refletir sobre si mesmo e procurar na mente, no cogito, a possibilidade de provar a
existência de algo para além do seu próprio pensamento. O que é que esta reflexão lhe vai permitir
descobrir?
Diferentes tipos de ideias: ideias que “nasceram comigo” (ideias inatas); outras que vieram de fora
(ideias adventícias); outras que foram feitas e inventadas por mim (ideias factícias).
� Ao examinar a natureza das ideias, Descartes valoriza as que são inatas e entre elas descobre a
ideia de Deus como ser perfeito e como o homem é um ser imperfeito, que não pode por si só
criar a ideia de perfeição, esta ideia é inata e só pode ter origem no próprio Deus que a colocou na
nossa mente. Esta ideia ao fazer-nos conceber Deus como um ser perfeito, incapaz de nos enganar,
passa a ser garantia de que o conhecimento construído pela razão é verdadeiro. Assim, alem da
O racionalismo
das quais deduz todos os outros conhecimentos que devem ser logicamente necessários e
universalmente válidos.
4. Rejeita a experiência como fonte de conhecimento por considerar que ela é enganadora e
conhecimento).
racionalistas têm tendência para um certo exclusivismo (apenas admitindo uma única fonte
O empirismo
� O empirismo opõe ao racionalismo a tese de que todo o conhecimento, incluindo o mais geral e
abstrato, tem origem e deriva da experiência. A razão não contém nenhum princípio ou ideia que
A origem do conhecimento
Podemos, pois, dividir todas as perceções da mente em duas classes ou tipos, que se distinguem
pelos seus diferentes graus de força e de vivacidade. As menos intensas e vivas são comummente
designadas pensamentos ou ideias. Ao outro tipo (…) chamemos-lhe impressões (…). Pelo termo
impressão significo todas as nossas perceções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos,
amamos, odiamos, desejamos ou queremos. E as impressões distinguem-se das ideias, que são as
impressões menos intensas, das quais somos conscientes quando refletimos sobre qualquer das
sensações ou movimentos acima mencionados.
D. Hume, Investigação sobre o entendimento humano
� Assim sendo todas as nossas ideias têm que encontrar uma impressão que lhes corresponda e só
� A indução é uma operação da mente que faz parte de factos observáveis e alcança um
conhecimento mais geral; esta é a única operação da razão que permite superar o particular e o
contingente mas que, ao fazê-lo, só pode alcançar um conhecimento provável. Podemos encontrar,
num empirista do século XX, Bertrand Russell, um exemplo disto mesmo: “O homem que
regularmente alimenta o frango acaba por um dia lhe torcer o pescoço, mostrando quão útil seria
ao frango lançar-se a teorias de maior subtileza acerca das uniformidades do universo” (B. Russell,
traduzem. Os juízos universais obtidos por indução não podem ser confrontados com os factos,
uma vez que a observação nunca permite verificar todos os casos, pelo que a sua verdade não é
� Os princípios que, para os racionalistas, estão contidos na razão humana não existem para os
empiristas que têm dificuldade em explicar, por exemplo, a existência de um nexo causal
“Para os empiristas como David Hume, todos os nossos conhecimentos provêm da experiência e a
razão não possui princípios inatos anteriores à experiência.
Mas é preciso, então, explicar porque a todo o momento o nosso espírito se projeta além da
experiência imediata. Ao colocarmos leite no fogo, por exemplo, dizemos: o leite vai ferver. A
todo o momento, nós fazemos previsões análogas e os nossos juízos excedem a “esfera restrita dos
nossos sentidos”. Se tomamos a experiência, o dado, por guia único, temos o direito de dizer “o
leite ferve” no momento em que o vemos ferver, mas nada nos autoriza anteciparmo-nos ao curso
das coisas, a exceder o que nos é dado no momento e a fazer previsões do tipo: o leite vai ferver.
Se prevemos alguma coisa, é porque vamos além da experiência presente, em nome de um
princípio da razão: o princípio de causalidade. O aquecimento é a causa da ebulição; supomos,
entre aquecimento e ebulição, uma relação necessária de tal modo que, ao aquecermos o leite,
possamos prever que ele vai ferver passados alguns instantes. É pelo facto de admitirmos esta
relação necessária que pensamos que o aquecimento necessariamente produzirá a ebulição, que
ultrapassamos audaciosamente a experiência presente: o leite vai ferver.
Portanto, David Hume, para justificar o seu empirismo integral, depara-se com um problema
difícil. É-lhe necessário demonstrar que os próprios princípios da razão, por exemplo, o princípio
de causalidade, provêm da experiência.
À primeira vista, não se depreende como o princípio de causalidade pode ter origem na
experiência.
É certo que verificamos que o leite ferve, após ter sido levado ao fogo. Comprovamos que ele
aquece e depois ferve. Mas não podemos afirmar que ele ferve porque foi aquecido. É verdade que
diariamente podemos fazer a mesma comprovação. O aquecimento é sempre seguido de ebulição.
Mas o que verificamos é uma “conjunção constante” e não uma “conexão necessária”, não vemos
a ação causal, o “porquê”. (...)
E, no entanto, não nos limitamos a dizer que os acontecimentos se sucedem, mas afirmamos que
eles se produzem e se determinam uns aos outros, que existem causas e efeitos. Qual será, então, a
origem do princípio de causalidade?
Hume explica-o a partir do hábito e da associação de ideias. Porque esperamos ver a água a ferver
quando a aquecemos? É porque, responde Hume, aquecimento e ebulição sempre estiveram
associados na nossa experiência passada. Formou-se um hábito deste modo. Quando levamos um
líquido ao fogo aguardamos a ebulição porque a nossa experiência passada habituou-nos a isto. Ao
dizermos que o leite vai ferver, tiramos “uma conclusão que excede, no futuro, os casos passados”
de que já tivemos experiência; é que a imaginação, irresistivelmente arrastada pela força do
hábito, passa de um acontecimento dado àquele de ordinário o acompanha. Assim, o passado
impulsiona a imaginação que, “como uma galera acionada pelos remos, desliza sem necessidade
de novo impulso”. A experiência passada orienta a imaginação e esta, adestrada pelo hábito,
projeta-a sobre o acontecimento que está para vir, quando em face do aquecimento. O leite vai
ferver. Ao afirmar isto, aparentamos ultrapassar a experiência, mas o que fazemos na realidade é
seguir uma tendência criada pelo hábito.
Somente o hábito nos faz imaginar uma ligação necessária entre o aquecimento e a dilatação.
Tal explicação é puramente psicológica e não traz à ideia de causalidade qualquer garantia
objetiva; por outras palavras, Hume explica porque acreditamos na causalidade, mas não mostra a
razão pela qual acreditamos. Ele mostra porque esperamos irresistivelmente que se produza a
ebulição, quando assistimos ao aquecimento. Mas não demonstra que temos razão em fazê-lo, não
justifica logicamente a nossa expectativa. Teoricamente, diz ele, poderia acontecer que o leite não
fervesse. Pois nada prova que a experiência de amanhã confirmará a de ontem e a de hoje.
Teoricamente, nada prova que o leite levado ao fogo não se congelará!
Efetivamente, segundo a teoria de Hume, não podemos falar de causas e efeitos, mas apenas de
factos que, na nossa experiência passada, se sucederam uns aos outros. Consequentemente, se o
princípio de causalidade é apenas um resumo dos nossos hábitos, ele poderá ser desmentido pela
experiência futura. Em rigor, ele não passa de uma ilusão explicável pela psicologia do hábito e da
expectativa. Não estamos mais certos de coisa alguma e o empirismo de Hume desemboca num
verdadeiro ceticismo.”
Huisman & Vergez, O conhecimento
2. Na razão não existe nada que não tenha a sua origem nas impressões.
conhecimento universal. Como há uma generalização a todos os casos daquilo que foi
observado apenas em parte, não temos garantia lógica de que as verdades gerais sejam
não sendo impossível que se venha a revelar falso no confronto com a observação de novos
5. Com base na observação e na experiência apenas podemos afirmar que dois fenómenos se
sucedem habitualmente um ao outro. Por isso, Hume conclui ser impossível afirmar que exista
uma relação necessária de causa efeito entre esses dois fenómenos, isto é, nega a existência do
princípio de causalidade por não haver uma impressão que lhe corresponda.
6. Do mesmo modo que retira fundamento lógico ao princípio de causalidade, David Hume
verdadeiro.
Em
conclusão:
Descartes:
Objetivo Reformar os princípios do conhecimento (pretende reformar o conhecimento (criar
novos métodos que se querem científicos)
� Como?
Procurando um princípio evidente incondicionado
Deste decorre o conhecimento de tudo o mais, mas não reciprocamente
Método Dúvida (metódica)
� Como se chega a algo evidente? Duvidando
� Na dúvida como método rumo à evidência (racional):
Considera falso o que for, por mínimo, duvidoso (e obviamente o que for falso);
Considera enganador aquilo que alguma vez nos enganou.
Características da dúvida cartesiana:
metódica é apenas um método para chegar a algo evidente;
provisória porque apenas corresponde a uma suspensão temporária dos conhecimentos;
hiperbólica porque há uma análise radical e total dos conhecimentos possíveis (excessiva).
� Na época de Descartes surge a ciência moderna.
A dúvida aplica-se a:
conhecimento sensível
A dúvida vai aplicar-se, em primeiro lugar, às informações dos sentidos. Os sentidos enganam-nos
algumas vezes. Aplicando o principio hiperbólico que orienta a aplicação da dúvida: se devemos
considerar enganador aquilo que alguma vez nos enganou, então os sentidos não merecem
qualquer confiança.
existência do mundo
Descartes põe em causa outros dos fundamentos essenciais do saber tradicional: a convicção ou
crença imediata na existência das realidades físicas ou sensíveis. Mas como encontrar uma razão
para duvidar daquilo que parece ser tão evidente? Como duvidar da existência das realidades
sensíveis ou corpóreas?
Descartes inventa um argumento engenhoso que se baseia na impossibilidade de encontra um
critério absolutamente convincente que nos permita distinguir o sonho da realidade. Há
acontecimentos que, vividos durante o sonho, são vividos com tanta intensidade como quando
estamos acordados.
Se assim é, não havendo uma maneira clara de diferenciar o sonho da realidade, pode surgir a
suspeita de que aquilo que consideramos real não passe de um sonho. Deste modo, posso supor
que os acontecimentos e as coisas que julgo reais nada mais são do que figurantes de um sonho.
Basta esta suspeita, basta esta mínima dúvida, para transformar os acontecimentos e as coisas que
eu julgava absolutamente reais em realidades meramente imaginárias: todas as coisas sensíveis
podem não passar de realidades que só existem em sonho (incluindo o meu corpo).
Se os sonhos são ilusórios por que é que o mundo exterior não é também? põe em causa a
existência do mundo.
conhecimento das matemáticas e existência de Deus como um ser bom e não enganador
As matemáticas são produtos da atividade do entendimento e por isso constituem a dimensão dos
objetos inteligíveis. Sendo estas realidades inteligíveis consideradas as mais evidentes, se as
pudermos pôr em causa, todos os outros produtos do entendimento serão postos em dúvida. A
estratégia é simples e sempre a mesma: devemos encontrar um motivo, uma razão, um argumento,
para suspeitar, por muito pouco que seja, da validade dos conhecimentos matemáticos. Se essa
suspeita, essa dúvida, for possível, esses conhecimentos serão considerados falsos, como manda o
princípio hiperbólico que rege o exercício da dúvida.
O argumento que vai abalar a confiança depositada nas noções e demonstrações matemáticas
baseia-se numa hipótese ou numa suposição: a de que Deus, que supostamente me criou, criando
ao mesmo tempo o meu entendimento, sendo um ser omnipotente, pode fazer tudo, mesmo criar o
meu entendimento, ao depositar nele as verdades matemáticas, pode tê-lo criado “virado do
avesso” sem disso me informar. Por outras palavras, logo à partida, o meu entendimento pode
estar radicalmente pervertido, tomando como verdadeiro o que é falso e por falso o que é
verdadeiro.
Enquanto a hipótese de Deus enganar não for rejeitada, não podemos ter a certeza de que as mais
elementares “verdades” matemáticas são realmente verdadeiras. Se isso vale para as “verdades”
mais elementares e simples, mais se aplica ainda às mais complexas.
� Parece que chegamos ao ceticismo radical, em que não há um princípio racional no mundo para
chegar à primeira verdade:
Se há dúvidas, há alguém que duvida
Se alguém que dúvida, alguém pensa (não pode duvidar que é o sujeito da dúvida)
Se pensa, tem consciência de si enquanto ser que pensa
Logo, há um 1º princípio indubitável e evidente
O “eu” que pensa é a primeira evidência racional
EU PENSO, LOGO EXISTO 1ª verdade epistemológica
(sou um ser que pensa)
David Hume:
� Origem do conhecimento experiência sensível imediata (é daqui que deriva todo o nosso
conhecimento)
(não há ideias inatas, porque tudo o que conhecemos no mundo é baseado no
contacto/experiência sensível)
� Perceções:
Impressões sensações que temos ao observar um objeto; emoções; extraímos de um
contacto mais imediato são a base em que assenta todo o conhecimento (por contacto)
Aparência
Perceções:
Ideias são imagens mais fracas das impressões, pois são resultados das impressões; marcas
deixadas pelas impressões, uma vez estas desaparecidas; representação/cópia da impressão
As ideias são mais fracas que as impressões (a diferença entre impressões e ideias é
simplesmente de grau e não de natureza)
Corre o risco de ser errada qualquer proposição que enunciemos acerca do que a
experiência imediata nos leva realmente a conhecer
Proposições:
“Estou a ter uma sensação de castanho”
“A mesa é castanha” (supõe-se que a mesa tem uma existência independente de nós)
Não quer dizer que a mesa seja castanha ou até mesmo que ela exista
� Porque pessoas diferentes e o mesmo sujeito têm perspetivas diferentes sobre o suposto mesmo
objeto sensações (cor, som,forma)
que não é garantido por elas não há razão para que uma das perspetivas seja mais correta do que
outra
Conhecimento proposicional (remete para as perceções):
Conhecimento de ideias:
� Não é preciso recorrer à experiência sensível para saber se algo é verdade ou não; basta recorrer
à razão
Ex.: “O triângulo tem 3 lados” (proposição analítica predicado faz análise do sujeito)
Verdades de razão (a razão fundamenta a afirmação sendo uma verdade de
razão a sua contraditória é falsa (Ex.: “O triângulo não tem 3 lados”))
� A razão opera naquilo que é baseado na experiência (só se adquirem ideias das impressões)
� Não há necessidade de recorrer à experiência para avaliar a verdade da proposição
� Partimos da experiência sensível para ter as ideias; mas existem certos conceitos que, quando
falamos deles, não é preciso recorrer à experiência para avaliar a sua verdade
O conhecimento de ideias não diz nada de novo sobre o mundo
Conhecimento de factos:
� São proposições cujo valor de verdade tem que ser analisado pela experiência
Ex.: “O martelo é pesado” (proposição sintética o predicado acrescenta algo ao sujeito)
� Só pelos conhecimentos de facto podemos acrescentar algum conhecimento do mundo
permite ter algum conhecimento do mundo
A experiência não nos dá um conhecimento universal
� Todo o conhecimento de factos (conhecimento empírico) é meramente provável, se entendido
que a experiência não fornece universalidade e que o contrário de uma verdade de facto é sempre
logicamente possível)
Hume o problema da causalidade:
Conhecimento (origem):
� Impressão sensível Ideia Conhecimento
1- Tacada na bola A (impressão sensível)
2- Acompanhamento do trajeto da bola A (impressão sensível)
3- Bola A toca em B
4- Bola B desloca-se
Após a sucessão de impressões podemos concluir:
A causa B De que impressão sensível resulta a causa?
Não há impressão sensível de causa há uma sucessão de movimentos
� Há uma relação necessária entre A e B, de modo a que, sempre que surge A, esperamos que B
lhe suceda
Causa:
� Há uma causa quando um objeto sucede a outro e entendemos que isso acontece de forma
necessária
Sempre acontecerá o futuro assemelha-se ao passado
Como adquirimos a ideia de causa?
� Há uma conexão necessária entre dois ou mais eventos
� Problema:
Não há nenhuma impressão sensível da qual derive a ideia de causa
Contudo, observamos:
a) a contiguidade espacial (espaço onde a bola A toca na bola B)
ESPAÇO
b) sucessão temporal (A sempre anterior a B)
TEMPO
c) conjunção constante e regular entre A e B (quando surge A e B, A desloca-se e toca em
B, que se desloca)
Chamamos causa ai que precede e efeito ao que sucede
> Da observação desta constante conjunção como formamos a ideia de causa?
a) haverá algum poder concreto na causa que fez com que o efeito lhe suceda? Talvez, mas
não o podemos observar (pois só vemos a impressão sensível e não conhecemos a verdadeira
natureza das coisas)
Vemos só o movimento e não o que está por trás deste
b) a memória só nos dá informação sobre os acontecimentos particulares que recordamos
Só a memória por si, não nos diz nada em relação ao futuro (só em relação ao passado)
c) Não é contraditório, dedutivamente, que B não suceda a A
d) Indutivamente, não podemos afirmar que o futuro será como o passado utilizando o
raciocínio indutivo porque este assume que o futuro será como o passado. Seria dizer que o futuro
será como o passado, porque no passado o futuro era como o passado.
A ideia de causa não deriva da observação de algo nos fenómenos, mas do
desenvolvimento de um costume ou de um hábito mental (desenvolvemos o hábito de esperar que
B aconteça mal vemos A acontecer)
1ª 2ª 3ª
n
= = =
=
� Nada muda nos fenómenos; muda aquilo que nós pensamos que vemos (ao observar
repetidamente os fenómenos muda a nossa mente, que vai criando a ideia de causalidade)
� Surge um novo sentimento ou emoção que a mente cria por ela mesma imaginação
impressão interna
“O que tenho a dizer sobre a ciência pode ser formulado, muito abreviadamente, do
seguinte modo: a ciência não é a digestão dos dados sensoriais que recebemos através
dos nossos olhos, ouvidos, etc., e que combinamos de um modo ou de outro, que
ligamos através de associações e depois transformamos em teorias. A ciência é
constituída por teorias, que são obra nossa. Nós fabricamos as teorias, saímos com elas
pelo mundo, analisamos o mundo ativamente e vemos qual a informação que podemos
extrair, arrancar do mundo. O universo não nos dá qualquer informação se não
partirmos para ele com esta atitude interrogativa: nós perguntamos ao universo se esta
ou aquela teoria é verdadeira ou falsa.”
Karl Popper
atenção para o facto de o cientista não poder partir da observação vulgar para elaborar
O Senso Comum
“O senso comum é um diabinho que tem mau aspeto. A tirania que exerce sobre o nosso
juízo é dissimulada, discreta e anónima. Regularmente diverte-se a enganar-nos. É
verdade que a nossa ingenuidade tem poucas desculpas. Numerosos filósofos puseram-
nos na defensiva contra as insuficiências do senso comum, revelando a sua natureza
demasiado rudimentar e denunciando os seus estratagemas. (...)
Desde o poema de Parménides (século V antes da nossa era), (...) que a opinião comum
é submetida a julgamento e pesadamente condenada: “nada há nela que seja verdadeiro
ou digno de crédito”, foi assim um dos primeiros a dizer que é preciso não acreditar
demasiado nas crenças; a opinião não é a verdade e os nossos sentidos estão repletos de
inexatidões. (...)
O senso comum é necessariamente insidioso. Ninguém lhe escapa completamente. É
aliás o que o define.
Certamente seria ridículo negar que o senso comum nos é quotidianamente de uma
grande utilidade prática. Aliás a vida corrente encarrega-se de chamar à ordem quem
dele seja desprovido, por vezes com uma certa crueza. Ele tem também uma utilidade
funcional que nos é essencial. Que seria da atividade do pensamento se não tivéssemos,
à partida, uma pequena provisão de preconceitos para alimentar? Que faria o nosso
cérebro se não tivesse grão para moer? Sem dúvida, nada de grandioso, mas é forços
reconhecer que o domínio de validade do senso comum é muito limitado.”
Etienne Klein
� Quais são então as características do senso comum? Podemos defini-lo como o modo
Permite ao homem resolver os problemas com que se depara no dia a dia, adaptar-se o
sobreviver. Características:
criticado e, segundo outros, tem mesmo de operar uma rutura pois são duas formas de
compreender e explicar a realidade. Que características deve ter este conhecimento para
Características da Ciência
realidade, como se diz no texto, o “como” e o “porquê” dos factos através da construção
de leis, princípios e teorias que devem ser objetivas, isto é, capazes de dizer
adequadamente como as coisas que acontecem e serem válidas para todos; deve ainda
ser um conhecimento claro e racional, construído através de um método rigoroso e
articulado.
Em conclusão:
Ciência atividade desenvolvida pela comunidade científica, num dado contexto
histórico, em laboratórios de universidades e outros centros de investigação.
� Elabora teorias ou hipóteses para explicar de forma racional/justificada/provada
experimentalmente e objetiva os fenómenos que estuda. (a ciência deve eliminar tudo
aquilo que é subjetivo)
� É uma construção do homem Resulta da sua imaginação para pensar respostas.
Objeto: encontrar respostas para questões sobre o ser humano e o mundo, através
do uso de métodos de prova e de justificação que sejam racionais, objetivos e
públicos.
Resultados: leis e teorias. Estas teorias ou leis podem sempre sofrer revisão uma
vez que não são incontestáveis, ou seja, dogmas. A ciência não cria verdades
absolutas ou teorias definitivas.
Leis científicas: hipóteses que não foram desmentidas por facto algum. São
proposições gerais (válidas para todos os casos do mesmo género) que descrevem e
explicam por que algo acontece. Elas apenas verificam a ocorrência dos factos,
analisando as causas e os efeitos relacionados com o evento. Se uma lei científica é
verdadeira, então nada no universo lhe desobedece. São, por isso, universais. As leis
científicas não são, contudo, verdadeiras; são sempre suscetíveis de revisão, pois a
ciência baseia-se no pensamento crítico. Por vezes, as leis científicas não são
verdadeiras, mas são as maias adequadas para o fenómeno.
Teorias científicas: conjuntos organizados e sistemáticos de leis que explicam um
determinado tipo de fenómenos. Na Ciência, uma teoria é o ponto máximo a que
pode chegar uma hipótese. Se uma proposição se tornou uma teoria, é explica
suficientemente um fenómeno e, nas tentativas de falseá-la, não foi possível refutá-
la.
O que torna científica uma teoria ou uma lei?
1.Uma teoria é científica se, não negada pelos factos, tem valor explicativo e preditivo,
isto é, permite predizer novos fenómenos e factos dando conta deles.
2.Tem de ser testável. Deve ser possível confirmá-la ou refutá-la. (se não for testável
será, por exemplo, metafísica)
Senso comum:
Conhecimento relativamente superficial e acentuadamente prático que é partilhado por
uma certa cultura e transmitido de forma acrítica, de geração em geração, ou seja, este
tipo de conhecimento está estreitamente ligado às atividades quotidianas, resultando de
generalizações que se baseiam na experiência e na prática.
� Como se formam as crenças, técnicas e costumes característicos do senso
comum?
1. experiência pessoal
2. por meio de testemunho dos outros
� Uma pessoa transmite-nos uma coisa confiando no seu testemunho, podemos
beneficiar das observações e generalizações empíricas por eles realizadas tradição
transmissão
3. popularização dos conhecimentos científicos
� Através dos meios de comunicação muitos conhecimentos científicos podem
incorporar-se no conhecimento comum, formando-se assim, conhecimentos mais ou
menos vagos sobre genética, astronomia, etc.
� Características do senso comum:
1. Caráter relativamente acrítico o senso comum tende a aceitar a correção dos
conhecimentos tal qual como foram transmitidos.
2. Predomínio da descrição sobre a explicação é próprio do senso comum indicar ou
descrever o que acontece e não o motivo por que acontece ou então as explicações
oferecidas são incompletas e por vezes fantasiosas.
3. Falta de sistematização os seus conteúdos não estão relacionados entre si, não
formam um conjunto organizado e coerente.
4. É um conhecimento essencialmente prático, tratando principalmente de como temos
de agir, o que fazer para construir algo, que regras de comportamento devemos cumprir
na relação com os outros.
� Na sua tentativa de explicar e prever alguns aspetos daquilo que acontece no mundo,
experiência — ou, como se costuma dizer para evitar confusões com a noção de
observação.
Método Cientifico
Indução
Diremos que sim, porque até agora o Sol sempre apareceu no horizonte
passado não quer dizer que irá nascer amanhã (nada nos garante que o futuro será como
o passado).
� Porque acreditamos que o futuro será como o passado, isto é, que a natureza se
a natureza terá princípios uniformes (foi e sempre será) a natureza comporta-se sempre
da mesma maneira
Não é válido porque é baseado na indução
Não serve de justificação para o raciocínio indutivo (só tivemos experiência de casos
particulares)
� Se a experiência não pode justificar a nossa crença na indução será que a nossa razão
o consegue?
Existe um princípio racional à priori que prove que os raciocínios
indutivos são válidos?
Não Conclusão: Não há nenhum princípio racional nem empírico
seguro que fundamente o conhecimento baseado na indução.
� As observações empíricas são pensadas como se não houvesse nada por trás. Só havia
Método Hipotético-Dedutivo
Uma das primeiras perspetivas sobre o método foi a de Francis Bacon, no século XVII,
que teorizou o método científico partindo da ideia de que não haveria ciência sem
observação, uma vez que esta era o próprio ponto de partida tanto para a formulação das
teorias como para a sua verificação posterior. Assim se deu origem a uma perspetiva
sobre o método científico de inspiração empirista e que podemos resumir nas seguintes
regras:
1. Observação
quando a contradiz, isto é, põe em causa a sua capacidade explicativa vai contra o que
Ex.:
extraírem água de uma cisterna sucedeu que, enquanto se mantinha a cisterna a nível de
Contraria a teoria de Aristóteles: “a natureza tem horror ao vazio”
2. Lavoisier observa que o chumbo depois de queimado pesa mais do que o chumbo
inicial
de um corpo metálico faz com que seja libertada uma substância chamada “flogístico”.
Surge uma hipótese existência do oxigénio a combustão de um corpo implica a
prévia
2. Formulação de hipóteses;
Hipótese enunciado que se propõe como base para explicar por que motivo ou como
de fenómenos interligados
importante para clarificar o conhecimento científico é algo que não é assim tão claro e
nítido.
Para explicar os fenómenos são utilizadas suposições, analogias, imaginação
todas no teste
totalidade)
podemos dizer que é verdadeira porque ela pode vir a ser refutada
Verificabilidade ideia de que é possível tentar provar que uma teoria é verdadeira
Como é claro, neste tipo de método valoriza-se a indução como a operação da razão que
permite passar de um certo número de casos observado para uma lei universal.
Outras perspetivas sobre o método científico valorizavam a dedução. Nestas se inclui o
necessidade da contribuição dos sentidos, defende poder deduzir das ideias todos os
outros conhecimentos.
Com o aparecimento da física de Galileu (um pouco antes de Descartes), surge uma
“As leis da física galilaica são, com efeito, leis “abstratas”, que sem mais não têm
validade para os corpos reais. Sem dúvida que respeitam a uma realidade; mas essa
realidade não é a experiência quotidiana; é uma realidade ideal e abstrata. Nós não
precisamos que nos lembrem isto; estamos demasiado habituados a essa abstração.
Precisamos até do contrário: de que nos recordem que o mundo ideal da física
matemática não é, para falar verdade, o mundo real.”
A. Koyré
deu origem a uma nova perspetiva sobre este tipo de conhecimento e sobre o método da
sua construção.
originariamente apresentada por Galileu, inclina-se mais para considerar que o método
indutivo não permite alcançar as finalidades que a ciência pretende atingir e propõe, em
alternativa, aquilo que se pode designar por método hipotético-dedutivo. Este, como
vimos no texto anterior, considera não se poder partir da observação empírica mas de
momentos:
1. Formulação de um problema;
4. Verificação da hipótese;
Em conclusão:
O modelo nomológico-dedutivo
Método falsificacionista o cientista deve tentar refutar a sua teoria e não tentar
confirmá-la porque por mais vezes que a teoria passe no teste não pode ser considerada
verdade.
Contra a verificabilidade
Partimos de hipóteses/teorias/conjeturas
comporta agora, no passado e no futuro (para sempre) mas como o confronto com a
experiência ou verificação é um caso particular, não nos diz que será válida para
sempre
Como não sabemos como o Mundo é, formulamos hipóteses para chegar à verdade, mas
Não podemos querer dizer que uma teoria é verdadeira (nem provavelmente verdadeira)
Verificabilidade
TC
verificabilidade é falacioso
Logo, T
TC
NC Modus Tolens
Logo, NT
Consequências da falsificabilidade
ou e falsa
ou é corroborada
O cientista já não deve procurar a verdade da teoria mas sim tentar falsificá-la. Só pode
dizer que uma teoria é falsa. Se uma teoria resiste aos testes, diz-se-á corroborada (ainda
ciência/não ciência)
refutações ou por ensaio/tentativa e erro quando mostramos que as nossas teorias não
Quanto mais as teorias resistirem, mais fortes são, mas não temos a certeza que seja
objetividade
As teorias que não são falsificadas são corroboradas (não há diferentes níveis)
Ex.:
Teoria de Newton
Segundo Newton, a órbita de Mercúrio deveria comportar-se de certo modo, mas foi
verificado que a órbita era outra
Problema: Desvio na órbita do planeta Mercúrio
Teoria de Einstein
O problema é resolvido pela teoria de Einstein (que a teoria de Newton não explicava)
Ao ser resolvido o problema podemos dizer que a ciência avança numa crescente e
progressiva aproximação à verdade? É preciso que a teoria de Einstein resolva o
problema que a teoria de Newton não explicava e que explique tudo o que a teoria de
Newton já explicava
As novas teorias têm que dar conta dos erros que a outra dava e tem que explicar o que
a antiga já explicava
Crítica à indução:
Não há indução porque não há observação pura toda a observação tem por trás sempre
uma expectativa/perspetiva/teoria/hipótese
Temos sempre alguma carga que nasce connosco que vai condicionar a maneira como
Acontece desde o plano mais básico (biológico) até à ciência. A ciência, como os
Há medida que se aproxima da verdade vai tendo uma visão mais objetiva do mundo (a
ciência)
Indução:
generalização
Método hipotético-dedutivo
Hipótese Consequências experimentação (observação conforme a hipótese prevê)
confirmar/verificar
O que há de comum?
É a ideia de que a experiência é que dita a última palavra sobre a verdade ou validade
das hipóteses
Assim sendo:
Em conclusão:
� Uma teoria do método científico procura responder às seguintes questões:
1) Qual é o ponto de partida das teorias científicas?
2) Como se chega à formulação das teorias científicas?
3) O que se faz às teorias científicas depois de terem sido formuladas?
Objeções ao indutivismo
� Não é possível registar e classificar factos empíricos sem atender a qualquer
perspetiva teórica.
� As leis científicas que dizem respeito ao inobservável não podem resultar de simples
generalizações indutivas baseadas na observação.
Objeções ao falsificacionismo
� Muitas vezes os cientistas trabalham sobretudo com o objetivo de confirmar as teorias
e continuam a defendê-las mesmo quando as previsões empíricas delas deduzidas não
ocorreram.
� Não é fácil refutar conclusivamente uma teoria. Dado que as previsões empíricas são
deduzidas de um vasto conjunto de hipóteses, se estas fracassarem podemos apenas
concluir que pelo menos uma dessas hipóteses (que pode nem pertencer à teoria) é falsa.
prolonga a anterior) ou descontínuo (em que a nova teoria não é comparável com a
anterior)
constrói?
paradigma
revolução científica
a teoria dominante
princípios filosóficos
conceção metodológica
Ciência normal:
� Período de vigência de um paradigma período em que os cientistas investigam
� Durante este período podem surgir anomalias começam a haver desvios no que a
crise/momentos críticos
Instabilidade na prática científica conflito/ausência de consenso
tipo de respostas
� O paradigma utilizado começa a ser posto em causa, mas ainda não há um novo
Surgimento da descontinuidade (incomensurabilidade)
Consequências:
cai-se numa perspetiva relativista (as respostas que um paradigma dá são relativas a
aura e prestígio dos cientistas que inventam uma nova teoria e a defendem
O conceito de objetividade acaba por se diluir em parte porque alguns dos critérios são
subjetivos
Em conclusão
O modelo da evolução da ciência de Thomas Kuhn
� No período da pré-ciência várias escolas rivais discutem incessantemente os
fundamentos da disciplina em questão.
� Esse período termina quando uma teoria bem sucedida institui um paradigma.