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I.

Iniciação à Atividade Filosófica

1. Abordagem introdutória à filosofia e ao filosofar

1.3. A dimensão discursiva do trabalho filosófico

Define-se por vezes as disciplinas em termos de objeto e método:

� O objeto de estudo da aritmética elementar é as principais propriedades da adição, da subtração,

etc. O seu método é a demonstração matemática.

� O objeto de estudo da biologia é as propriedades dos organismos vivos. O seu método é a

observação e a elaboração de teorias que depois são testadas, por vezes em laboratórios.

Objeto e método da filosofia:

� A filosofia tem como objeto os conceitos mais básicos que usamos nas ciências, nas artes, nas

religiões e no dia a dia. A filosofia estuda conceitos como os seguintes: o bem moral, a arte, o

conhecimento, a verdade, a realidade, etc.

� O seu método é a troca de argumentos, a discussão de ideias.

As definições deste tipo não são muito informativas. Para compreender o que é a filosofia o
melhor é ver alguns exemplos do que se faz em filosofia.

Exemplos de problemas da filosofia:

� Será que tudo é relativo?

� Será que a vida tem sentido? E se tem, qual é?

� Como se justifica a existência do Estado, das Leis, e da Polícia?

� Será que não faz diferença fazer sofrer os animais?

� Será que Deus existe realmente, ou será que os ateus têm razão e os crentes estão enganados?

Estes problemas surgem naturalmente da nossa capacidade para pensar, em contacto com o

mundo. Outros problemas surgem da nossa reflexão sobre as ciências, as religiões e as artes:

� O que é realmente a arte? E o que é a música?

� Como poderemos conciliar a existência de um Deus bom e sumamente poderoso e sábio com

tanto sofrimento no mundo?


� O que é realmente uma lei da física? E como podemos ter a certeza que essas leis são

verdadeiras?

A filosofia é uma reflexão que surge naturalmente.


Mas nem toda a reflexão que surge naturalmente é filosófica.

� As respostas pessoais às perguntas filosóficas não são respostas filosóficas.

� Podemos e devemos partir das nossas convicções pessoais.

� Mas só começamos a fazer filosofia quando exigimos justificações públicas para essas

convicções.

Características importantes da filosofia:

� A filosofia é uma atividade crítica;

� A filosofia é consequente;

� A filosofia é um estudo conceptual ou a priori;

� A filosofia é diferente da história da filosofia.

O que significa dizer que a filosofia é uma atividade crítica? Significa que temos de justificar as
nossas conclusões. E justificar conclusões é apresentar argumentos.

A importância dos argumentos em filosofia:

� Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar não são meras

ilusões e confusões. Por exemplo, será que o problema do sentido da vida faz sentido? Porquê?

� Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filósofos e nós próprios damos aos

problemas da filosofia. Por exemplo, será que a resposta que Platão dá ao problema da

imortalidade da alma é boa?

� E precisamos de saber avaliar argumentos porque os filósofos passam grande parte do seu

tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles acham que estão

erradas. Por exemplo, será que o argumento de Santo Anselmo a favor da existência de Deus é

bom?
Porque a filosofia é uma atividade critica, avalia cuidadosamente os nossos preconceitos mais

básicos.

O objetivo do estudo da filosofia não é repetir o que diz o professor ou o manual. O objetivo é
aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia.

Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adotar uma atitude

crítica:

� Tem de sustentar o que defende com bons argumentos;

� Tem de aceitar discutir os seus argumentos.

� Ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é olhar com imparcialidade para todas as ideias para

podermos avaliar se são verdadeiras ou não.

� Ser crítico não é ser extravagante. Ser crítico não é dizer «Não» só para marcar a diferença.

Ser crítico é dizer «Sim», «Não», ou até «Talvez», mas com base em bons argumentos.

A filosofia é uma atividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A diferença entre uma
discussão filosófica e uma gritaria, por exemplo, é esta: em filosofia discutimos para chegar à
verdade das coisas, independentemente de saber quem «ganha» a discussão; numa gritaria discute-
se para «ganhar» a discussão, independentemente de saber de que lado está a verdade.
O pensamento filosófico é consequente. Ser consequente é aceitar as consequências das nossas
ideias.

� Somos livres para defender as posições que queremos; mas teremos de ser responsáveis pelas

consequências do que defendemos. Se defendemos que toda a vida é sagrada e que isso quer dizer

que nunca devemos matar um ser vivo, não podemos ao mesmo tempo defender que se pode

comer salada de alface. Se defendemos que tudo é relativo e que não há verdades, não podemos

defender que esta ideia é verdadeira.

Os três elementos centrais da filosofia:

� Problemas

� Teorias

� Argumentos
Os filósofos, ao longo dos séculos, têm proposto teorias que tentam resolver os problemas
filosóficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos.

O nosso papel perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia é duplo:

1. Saber formulá-los claramente.

2. Saber discuti-los com rigor.

Os problemas da filosofia não se resolvem olhando para o mundo para recolher informação. É por
isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori ou conceptual. Queremos dizer que a
filosofia se faz unicamente com o pensamento.

� Conhecimento empírico ou a posteriori: baseia-se na experiência.

Exemplos: para saber se há vida em Marte é necessário enviar sondas e fazer observações. Para

saber qual é a natureza da SIDA é necessário fazer observações e experiências laboratoriais.

� Conhecimento conceptual ou a priori: baseia-se no pensamento apenas.

Exemplos: para saber se 7 é um número par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado é um

número inteiro. Para saber se todos os objetos verdes têm cor basta pensar no conceito de verde e

de cor.

O estudo filosófico é a priori, mas temos de ter informações sobre tudo o que for importante para
a solução dos problemas que estamos a tratar.

� A filosofia é inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de justificações sensatas

para as nossas ideias mais básicas.

� A filosofia opõe-se ao dogmatismo porque nenhuma ideia tem o direito de suplantar quaisquer

outras ideias, enquanto não mostrar que é realmente melhor do que as outras.

A filosofia é diferente da sua história. Em história da filosofia estudamos o que os filósofos dizem
só para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os filósofos dizem para discutir as
suas ideias.

� Estudar filosofia é como estudar música e estudar história da filosofia é como estudar história

da música. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peças musicais; no outro,
aprendemos apenas a apreciar a música do passado. Num caso, aprendemos a discutir ideias e a

propor ideias e a defendê-las; no outro, aprendemos apenas a formular as ideias dos outros.

Para que serve a filosofia?

� A filosofia serve para alargar a nossa compreensão das coisas, como as ciências, as artes e as

religiões.

� A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as ciências, as artes e as religiões.

Exemplos:
� John Stuart Mill, A Submissão das Mulheres (1869)
� Peter Singer, Libertação Animal (1975).
Comparações de utilidade:

� A religião é útil porque fornece orientação e conforto espiritual aos seus crentes. A filosofia

fornece orientação a qualquer pessoa.

� A ciência é útil porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia ensina-nos a

enfrentar os problemas morais levantados pela ciência.

� As artes são úteis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A filosofia produz

ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e põe a descoberto problemas que nos

convidam a dar o nosso melhor para tentar resolvê-los.

As razões pelas quais a filosofia serve para alguma coisa são a razões pelas quais as artes, as
ciências e as religiões servem para alguma coisa.

� Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia não têm qualquer utilidade prática.

� Mas também a maior parte do que constitui as religiões, as artes e as ciências não tem qualquer

utilidade prática.

� E as coisas sem utilidade prática podem ter valor porque o conhecimento é algo suficientemente

importante para ter valor em si.

� Mesmo que só as coisas úteis tivessem valor, nunca poderíamos saber à partida quais das nossas

ideias se viriam a revelar úteis.

� A filosofia é útil para a vida pública de um país porque nos ensina a pensar melhor sobre

qualquer assunto, desde que se disponha da informação adequada.


Quem sabe argumentar bem toma melhores decisões, porque as decisões que tomamos são
baseadas em argumentos. A filosofia ajuda a tomar melhores decisões.

Os argumentos

� Um argumento é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a

conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam as premissas.

Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de proposições


organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão apresentada são argumentos.

Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente
apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante
da discussão filosófica.

Perante um texto que defende ideias devemos fazer o seguinte:

1. Descobrir o que o autor quer defender. Isso é a conclusão.

2. Descobrir que razões ele dá para defender essa conclusão. Essas razões são as premissas.

3. Se o autor omitiu premissas, acrescentá-las.

4. Formular o argumento de maneira completamente explícita.

Definição dos conceitos nucleares


Problema: algo que se pretende resolver;
Conceito: é uma abstração elaborada pela razão, a partir dos dados obtidos na experiência, e que
serve para designar toda uma classe de objetos ou seres;
Tese: é uma proposição que se apresenta para ser defendida, no caso de impugnação. Tema,
assunto a tratar;
Argumento: é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a conclusão
que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam premissas.
As disciplinas da Filosofia e os problemas de que tratam
II. A ação humana e os valores

1. A ação humana – análise e compreensão do agir

1.1. A rede conceptual da ação

� A Filosofia da Ação é uma área interdisciplinar que colhe contributos da Metafísica, da

Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Decisão.


� O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da crença na racionalidade da ação

humana.

� Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando apenas o que

está na base da ação – crenças, desejos, intenções, motivos e causas.

� O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes descrevem e

explicam o que fazem:

«Por que fizeste X?» - «Fiz X porque __________ »

� O problema central da Filosofia da Ação é o de saber:

Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos
frequentemente de forma irracional?

� Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Ação:

1. O que são ações? Que acontecimentos contam enquanto ações?

2. Como individuar ou distinguir as ações umas das outras?

3. Como explicar a existência de preferências irracionais?

4. Como compreender o fenómeno da acrasia?

� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma ação?», analisemos

o seguinte exemplo:

1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo é matar o
seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir desajeitadamente o
seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não um parricídio?

� A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai constitui, ou

não, uma ação de João.

Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um acontecimento é uma

ação.

� Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem pessoas, mas

que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.


� Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento corporal (estar

imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações (respirar).

� Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue os

acontecimentos que contam como ações:

Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a exibir a
presença de uma intenção no agente.

� O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula ou se

mantém um certo estado de coisas.

Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de estados

mentais intencionais.

� No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e parece que à

custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo aponta, pois, que se

trate de uma ação de João. Concordas?

� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as ações umas

das outras?», analisemos o seguinte exemplo:

2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão todos a fazer a
mesma ação ou ações diferentes?

� Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa, no mesmo

local e à mesma hora;

� Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas matar a

fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos não são

inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.

� Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta:

1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato genérico

definido como «ingestão de feijões».


2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado

concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos

individualizados.

� Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação:

1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como Jaegwon Kim, a

concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a ideia de Triângulo) e que

pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal como exemplificamos a ideia de

Triângulo ao desenharmos uma figura triangular);

2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a concebem

deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no tempo (têm lugar num certo

sítio e a uma dada hora) e são individualmente realizados

(feitas por alguém);

Qual destas conceções consideras correta? Porquê?

� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a existência de

preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo:

3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach. No entanto,
diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das suas preferências?

� Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas.

� O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem uma certa

relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de relação com uma entidade

Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a entidade Z. Exemplos:

1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é mais alto do

que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva.

2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o pai da Joana!

A relação ser pai de é não transitiva.

� Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem racionais, deverão

ser transitivas:
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum?

� É legítimo pensar que qualquer comportamento racional terá de se conformar à transitividade

das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que isto nem sempre

acontece, o que intriga muito os filósofos.

Como explicar a irracionalidade das preferências?

� Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força de vontade

se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma dada ação é a melhor

forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta ação.

� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender o fenómeno

da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo:

Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor maneira
de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender que o continues a
comer tudo isto?

� Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só poderia ser

feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse modelo explicativo

ficou conhecido como «silogismo prático»:

1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E.

2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E.

3. Logo, o agente faz A

� Neste modelo as premissas 1 e 2 são a justificação racional da ação enunciada na conclusão,

em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações com base nos seus

desejos e crenças, com os quais as ações devem ser coerentes.

� Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como resultado de

fraqueza irracional da vontade:


1. O António tem o desejo de ser saudável.

2. O António acredita que não fumar é a melhor maneira de ser saudável.

3. No entanto, o António fuma.

Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e uma

motivação.

Sendo resumido neste quadro:

Intenção Motivo Agente


� o mesmo que projeto, isto � identifica aquilo que explica e � o autor da intenção e da
é, aquilo que nos propomos permite compreender a intenção, ação ,isto é, o que pratica a
fazer ou o propósito da ação isto é, as suas razões; ação;
(implica a tomada de � refere-se ao porquê da intenção, � identifica aquele que, por
consciência do sentido dos ou seja, «o que é que levou A a sua iniciativa (livre e
nossos atos); fazer X»; voluntariamente), produz
� o sentido da ação, isto é, o � distingue-se do conceito de alterações no decorrer
significado atribuído a uma causa, porque ao identificarmos os normal das coisas;
ação, identificado através da motivos não podemos considerar � por ser o autor, isto é,
resposta à pergunta «o quê?»; que existe sempre entre eles e a aquele que pratica uma ação
� o objeto da decisão e a intenção uma relação necessária; há intencionalmente, é aquele a
estratégia escolhida para o que ter em conta a intervenção da quem se atribui a
concretizar. vontade. A causa faria ocorrer a responsabilidade da ação,
ação independentemente da vontade isto é, aquele que responde
do agente. por ela.

Definição dos conceitos nucleares

Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente), dotado de razão e
de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam um caminho
distinto;
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação;
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir;
Motivo: é a razão pela qual ele age.
II.A ação humana e os valores

1. A ação humana – análise e compreensão do agir

1.2. Determinismo e liberdade na ação humana

� A liberdade de ação é um importante tópico discutido em Filosofia. Na tradição ocidental

moral, religiosa e jurídica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e imputabilidade

estão vinculados ao de liberdade.

� Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter sido livre

para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus se tiver pecado

quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da Justiça se tiver cometido um

crime quando podia evitá-lo.

Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo pela sua

«ação»?

� Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de condicionantes

da ação:

1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis naturais

que regem os fenómenos do mundo;

2. Psicológicas: a personalidade, o caráter, a força de vontade ou a falta dela, os estímulos e as

motivações são aspetos que influenciam o tipo de ações que empreendemos;

3. Culturais: as vivências, as normas, as tradições, os hábitos e costumes, e todas as

circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam com outros

agentes, condicionam claramente as nossas ações.

� Será que as condicionantes da ação impossibilitam a liberdade de ação? Seremos realmente

livres ou a será a liberdade apenas uma ilusão?


Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noção essencial – a

de causalidade.

� Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é causa do

acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento que o antecede:

� Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que têm lugar

no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são efeitos de acontecimentos

anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de acontecimentos posteriores.

� Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que somos

responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não determinista da ação.

� Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»:

Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por acontecimentos remotos
que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo nós responsabilizáveis pelo que
fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas ações são aleatórias, pelo que também não
somos responsabilizáveis por elas.
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade.

� O problema do livre arbítrio pode agora ser precisamente formulado:

Como compatibilizar a crença de que todos os acontecimentos, incluindo as ações, são


causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crença de que o Homem é livre
e responsável pelas ações?

� As respostas tradicionais ao problema do livre-arbítrio podem ser divididas em teorias

compatibilistas e teorias incompatibilistas.

� As primeiras defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo; as segundas

defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo.


� Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio:

Exemplo do problema do livre-arbítrio

� O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa com uma

certa inadequação terminológica. A expressão portuguesa "livre-arbítrio", assim como a expressão

"liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of the will", são enganosas, pois nem o

juízo nem a vontade são os fatores preponderantes. Menos comprometida seria a expressão

"liberdade de decisão" ou "liberdade de escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente),

"liberdade de ação".

� Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz respeito ao

conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo causal. Podemos introduzi-

lo considerando as três proposições seguintes:


1. Todo o evento é causado.

2. As nossas ações são livres.

3. Ações livres não são causadas.

� A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos para todo

evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece verdadeira: quando nos observamos

a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e ações são frequentemente livres. Também a

proposição 3 parece verdadeira: se as nossas ações fossem causalmente determinadas, elas não

poderiam ser livres.

� O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima formam

um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam verdadeiras! Se admitimos

que todo evento é causado e que a ação livre não é causalmente determinada (que as proposições 1

e 3 são verdadeiras), então não somos livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição

2 é falsa). Se admitimos que as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente

determinadas (que 2 e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o evento seja

causado (a proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é causado e que somos livres

(que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver a1go de errado com a ideia de

liberdade expressa na proposição 3.

� Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A primeira delas é

chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da proposição 2, ou seja, que somos

realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A

segunda alternativa chama-se libertismo: ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso

redor é causalmente determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações,

que sendo livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal

do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Agostinho, Kant e Fichte.

Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de ação é perfeitamente

compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa na proposição 3.


Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos defensores do compatibilismo. No que se

segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas soluções, argumentando finalmente a favor

do compatibilismo.

1. Determinismo

� O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre encontrar

causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar causas para as nossas

ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos produtos de um processo de

evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações não fossem causadas do mesmo modo que

o são outros eventos biológicos, tais como a migração dos pássaros e o fototropismo das plantas.

Mesmo que o princípio da causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha

sido inclusive colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações,

pensamentos, decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto,

admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns poderão dizer que Napoleão

invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores consideram parte do seu

ofício encontrar as causas, procurando esclarecer as motivações e circunstâncias que o induziram a

tomar essa funesta decisão. Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser

externas (alguém decide parar o carro diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve

tomar um refrigerante), sendo geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem rastreadas.

No entanto, teorias biológicas e psicológicas (especialmente. a psicanálise) sugerem que as nossas

ações são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa.

� Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de que o livre-

arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela não seria determinada

por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que parecemos ter ao tomarmos as

nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma insuficiente consciência das suas causas. Mesmo

quando pensamos que poderíamos ter agido de outro modo, o que queremos dizer não é que

éramos realmente livres para agir de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro
modo se o sentimento mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc.

O argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado:

1. Todo o evento é causado.

2. As ações humanas são eventos.

3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.

4. As ações humanas só são livres quando não são causadas.

5. Portanto, as ações humanas não são livres.

� A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que somos

livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou remorso parece perder o

sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-nos das nossas ações, se não fomos

livres para escolhê-las? Também a responsabilidade moral perde a validade. Se nas nossas ações

somos tão determinados como uma pedra que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido

responsabilizar uma pessoa pelos seus atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter

caído. Tais dificuldades levam-nos a considerar a posição oposta.

2. Libertismo

� O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis. Ele também

rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princípio da causalidade, enunciável

como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua validade universal garantida.

Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo em geral para o mundo que nos circunda

e mesmo para muitas de nossas ações. Mas nada nele garante que a sua validade seja universal.

Não podemos pensar que A = ~A ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um

evento no universo surgindo sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós

simplesmente sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento

reflexo e um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso

somos livres, que podemos decidir sempre de outro modo.


� Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação, tal como foi

defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria às vezes, ao menos,

o agente causa os seus atos sem qualquer mudança essencial em si mesmo, não necessitando de

condições antecedentes que sejam suficientes para justificar a ação. Isso acontece porque o eu é

uma entidade peculiar, capaz de iniciar uma ação sem ser causado por condições antecedentes

suficientes! Você poderá perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que

não pode haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o

próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve considerar objetivamente o eu

só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar interrogar o próprio eu é tentar, como o

barão de Münchausen, alçar-se sobre si mesmo pondo os pés sobre a própria cabeça. O eu da

teoria da ação é um eu esquivo [...]. Ele é um eu autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser

causado. Somos, quando agimos, semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas,

motores imóveis. O argumento que conduz à teoria da ação tem a forma:

1. Não é certo que todo o evento é causado.

2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres.

3. As ações humanas livres não podem ser causadas.

4. Portanto, a ação humana não precisa de ser causada.

� Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de explicar o

obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem questionamento. A

pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória. A solução que veremos a

seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma maneira de tentar preservar as vantagens

das outras duas sem as correspondentes desvantagens.

3. Compatibilismo: definições

� Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou reconciliatório,

nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente determinados nas nossas

ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a forma:


1. Todo o evento é causado.

2. As ações humanas são eventos.

3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.

4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres.

5. Portanto, as ações livres são causadas.

� Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace, para quem

nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o determinismo.

Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o mesmo que a capacidade de

produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas. Mas isso é falso. Se assim fosse, uma

pessoa que se comportasse arbitrariamente, mesmo que contra a sua própria vontade, seria um

exemplo de pessoa livre. Mas o comportamento arbitrário não é visto como um comportamento

livre. A diferença entre a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a

segunda ser causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de ações livres

como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais, como

mostram os seguintes exemplos, os três primeiros tomados do texto de Stace:

A. Atos livres B. Atos não-livres

1. Gandi passa fome porque quer libertar a Um homem passa fome num deserto porque não
Índia. há comida.

2. Uma pessoa rouba um pão porque está com Uma pessoa rouba porque o seu patrão a
fome. obrigou.

3. Uma pessoa assina uma confissão porque Uma pessoa assina uma confissão porque foi
quer dizer a verdade. submetida a tortura.

4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa de Uma pessoa toma uma dose de aguardente,
champanhe porque quer brindar ao Ano Novo. mesmo contra a sua vontade, porque é alcoólica.

� Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as colunas. Assim, a

coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos encontrar causas das ações, decisões

e volições dos agentes. E às causas apresentadas podemos adicionar ainda outras, como razões
psicológicas e biográficas de Gandi, o costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de

champanhe etc. Mesmo nos casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma

moeda no ar para que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente

também possui alguma causa.

� A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da coluna B é que

as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele defina a diferença entre a

vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as ações derivadas da vontade livre são

voluntárias, enquanto as ações derivadas da vontade não-livre são involuntárias, no sentido de se

oporem à nossa vontade ou de serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a

Índia, se alguém rouba um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias;

mas se uma pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua

vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são livres.

� Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica satisfatoriamente

a alguns casos. Considere os seguintes:

A. Atos livres B. Atos não-livres

Uma pessoa abre a janela por efeito de sugestão


5. Uma pessoa abre a janela porque faz calor.
pós-hipnótica.

6. Um membro de uma equipa de cinema


Um psicopata explode uma bomba porque ouve
explode uma bomba para efeitos de
vozes que o convenceram a realizar essa ação.
filmagem.

� No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora após ser

acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por decisão do

hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a esse tipo de experiência costuma

fornecer uma razão qualquer, como a de que está sentindo calor). � Nesse caso a pessoa realiza a

ação voluntariamente, pensando que o faz por livre e espontânea vontade, embora na verdade o

faça seguindo a instrução de quem a hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age
voluntariamente, e o mesmo poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de

pessoas presas a valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso

limitações na capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A ação livre deve

aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe de ser o caso.

� Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas colunas A e B é

que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição, coerção ou limitação externa

(exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6), enquanto nos casos da coluna A, em que a ação

é livre, o agente age motivado por razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que

sejam razões não-limitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de

Gandi e as razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou de

uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razões são

comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas. Admitindo essa distinção

de grau entre razões limitadoras e não-limitadoras, chegamos a uma definição inerentemente

negativa da ação livre, que é mais abrangente do que a de Stace:

A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem coagido na sua
vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la.

Livre-arbítrio versus determinismo

� O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente contradição

entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos têm liberdade para fazer

ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos limites ― ninguém acredita que

possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a ideia de que os seres humanos têm

vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a ideia (...) de que tudo o que acontece neste

universo é causado, ou determinado, por acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de

aqueles que aceitam esta ideia que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes

deterministas. (De aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
� Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não podemos ter

livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são determinadas por

acontecimentos ou circunstâncias anteriores.

Definição dos conceitos nucleares


Determinismo: princípio segundo o qual todo o fenómeno é rigorosamente determinado por
aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: físicas e biológicas) ou (plano
sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua ocorrência necessária e não
dependente da vontade do agente;
Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios, que tipo de
pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e condicionalismos circunstanciais
que o contexto vivencial nos proporciona e que são simultaneamente limitações e desafios;
Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a necessidade de
sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar a nossa personalidade,
tendo em conta as condicionantes da ação;
Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal;
Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal.

II.A ação humana e os valores

2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa

2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos

Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação, isto é, a nossa

ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto; correto/incorreto pelo

sujeito.

Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos objetos.

Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e achamos correto.

Características dos valores

Os valores são:

� Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto podem ter

opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objeto bonito e outra feio).

� Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas


� São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua própria

hierarquia.

� Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.: beleza ≠

fealdade).

� Valor-fim e valores-meio:

 Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da hierarquia);

 Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim.

� Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível

 Valores éticos/morais

 Valores religiosos produzem prazer espiritual

 Valores estéticos

� São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer que uns

sejam mais corretos que outros.

� São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes continuarão

a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações.

Critério Valorativo: Juízos e Factos

� Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma objetiva. Quando

queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos de facto.

� Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa.

� Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da realidade

(factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação sobre o mundo. São

objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os enuncia, dependendo exclusivamente

do objeto ou do facto.

� Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo do juízo

corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo contrário, não corresponde, é

falso.

� Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas)
� Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade.

� Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou negativa,

que cada um de nós faz da realidade.

Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos, porque

dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade.

Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o mesmo tipo

de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente, normativos.

� Assim temos:

Exemplos:

� Os juízos morais são os juízos de valor mais discutidos pelos filósofos.

Estas são duas questões importantes sobre a natureza desses juízos:

1. Os juízos morais têm valor de verdade?

2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspetiva de

quaisquer sujeitos?

� As teorias objetivistas respondem afirmativamente a ambas as questões.

� Vamos examinar apenas teorias que não são objetivistas.

Subjetivismo

� Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade depende da

perspetiva do sujeito que faz o juízo.

� Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes de aprovação

ou reprovação das pessoas.


Duas razões para ser subjetivista:

� Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada pessoa, então

serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de cada indivíduo. O

subjetivismo preserva a liberdade individual.

� Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos sentimentos de

cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores que os de outra, tornamo-

nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às nossas preferências.

O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos.

Objeções ao subjetivismo:

� O subjetivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro.

Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa pessoa é

verdade que devemos torturar inocentes.

� O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em ensinar que

devemos agir de acordo com os nossos sentimentos.

� O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço racional

para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os outros.

Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de desacordo

moral:

� Se a

tradução

do

subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno entre o João e a Maria. Mas há um

desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a tradução do subjetivista não é correta.

(Portanto, o subjetivismo é falso.)

Emotivismo

� Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os seus

sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos sentimentos nos outros.
� Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições.

Vantagens do emotivismo sobre o subjetivismo:

� Não implica que qualquer juízo moral pode ser verdadeiro.

� Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista como a tentativa

de influenciar os sentimentos das crianças de várias maneiras.

� Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a possibilidade

do debate moral.

Duas objeções emotivismo:

� Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de aprovação ou

reprovação.

� Os juízos morais nem sempre exprimem emoções.

Definição dos conceitos nucleares


Valor: não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida por esse objetos
graças à sua relação dom o Homem como ser social, embora os objetos, para poderem valer,
tenham de possuir realmente certas propriedades objetivas.
Juízo de facto: são juízos que descrevem a realidade, sendo por isso considerados objetivos,
verificáveis e suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou falsos.
Juízo de valor: Expressam uma apreciação de alguém a respeito de algo, traduzindo uma opção
de natureza emotiva e afetiva; são subjetivos, discutíveis e relativos.

II.A ação humana e os valores

2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa

2.2. Valores e cultura – a diversidade e o dialogo de culturas

Relativismo moral
� Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros ou falsos.

Por isso, existem factos morais.

� A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada sociedade.

� Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam que ele é

verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso.


� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de cada

sociedade.

Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que variam de
sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de casamento ou o estilo de
vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de comer, casar ou vestir que seja
universalmente melhor do que todas as outras.
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto, a ideia
deixa de ser trivial.

Duas razões para ser relativista moral:

� O relativismo promove a coesão social. Esta coesão é fundamental para a sobrevivência da

sociedade e assim para o nosso bem-estar.

� O relativismo promove a tolerância entre sociedades diferentes.

Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos e culturas.

Objeções ao relativismo moral:

� O relativismo moral conduz ao conformismo. Um conformista limita-se a agir de acordo com

as ideias dominantes na sociedade. Na ausência de algum inconformismo, não pode haver

qualquer progresso moral.

� O relativismo moral só aparentemente promove a tolerância entre culturas diferentes:

 A afirmação do valor universal da tolerância é incompatível com o relativismo.

 Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerância se estas fossem consideradas

boas no interior de uma dada sociedade.

A teoria dos mandamentos divinos

� Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são

verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais.

� A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de

Deus.

� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus.

O dilema de Êutifron
A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância

� Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque existem em todas

as sociedades e porque há valores universalmente aceites, tais como os valores consignados na

Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos porque variam as qualidades que têm

de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto, todas as sociedades distinguem o bem do

mal, considerando o bem um valor positivo e o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o

conceito de bem e de mal é definido culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à

medida que a sociedade e a cultura se transformam (dependem da época, da geografia, dos

regimes políticos, das classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores universais

como o valor da vida ou da liberdade, há valores em que a subjetividade é predominante,

dependendo dos gostos e das preferências pessoais como é o caso dos valores estéticos, por

exemplo.

� A evolução e progresso social acarretam o aparecimento de novos problemas e novas

mentalidades e a necessária transformação dos valores. Hoje, o relativismo cultural é um valor

positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos. Isto não significa que não deva

haver valores universais a preservar para além desse relativismo como é o caso do valor da vida e

da dignidade da pessoa, qualquer que seja a sua condição (cultura que adotou, classe social, sexo,

religião, cor da pele, etnia, etc.). A todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida

igualdade de direitos e de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da
dignidade humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos direitos humanos

fundamentais em todos os países do mundo.

Definição dos conceitos nucleares


Absoluto (etnocentrismo): uma tendência para colocar no centro a nossa cultura, considerando os
seus valores e os seus padrões culturais como medida daquilo que é desejável e estimável para
todos.
Relativo (relativismo): aceita que comportamentos socialmente aprovados e os sistemas de
valores dos povos com os quais se entra em contacto sejam julgados e avaliados sem referencia a
padrões absolutos, a necessidade de tolerância pelas diferenças (raciais, étnicas, religiosas,
sexuais) e o valor do respeito mútuo.
Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de ordem
espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com base em formas de
vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há cultura. Mas sem cultura não há
homem.”

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.1. Intenção ética e norma moral

� Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos referirmos a

um código ou a um conjunto de princípios que as pessoas seguem na sua vida.

� A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os costumes, aquilo

que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindo-se, pois, à sua interioridade.

� Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito grego de

ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem orientar a ação humana,

para uma fundamentação das normas do agir, e também para a definição dos fins orientadores da

existência de cada um, tendo em vista a autoconstrução de si na prossecução duma vida boa e

feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à existência humana. A Ética remete, portanto,

para uma sabedoria de vida, algo que aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal

autónoma.
� A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias, da sua

hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade humana.

� Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos, traduzindo o

sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é, uma deontologia, as

normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na pratica social, no contexto de uma

cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os costume geram as leis ou códigos que definem o

que é desejável e o que é permitido ou proibido, distinguindo o bem do mal. Apresenta-se,

portanto, com uma função normativa, isto é, de institucionalização de normas que regulam a

conduta. A Moral responde-nos, pois, às questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal

circunstância?

� Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação humana, no

sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a alcançar. O sentido da palavra

«desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem, embora pela negativa, a sua importância: diz-se

«desmoralizado» de alguém a que perdeu a orientação e o interesse pela vida ou pelos seus

objetivos. E a Moral e a Ética apelam exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar

desta distinção conceptual, muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos.

Definição dos conceitos nucleares


Ética: (do conceito grego “ethos”) é o domínio da reflexão teórica sobre esses princípios e normas
tendo em vista a sua definição e, sobretudo, a sua justificação racional. À ética diz ainda respeito a
definição dos fins universais que deverão orientar a ação humana na autoconstrução de cada
indivíduo tendo em vista tornar-se pessoa. A ética pode então ser entendida como fundamentação
das normas morais do agir ou como definição dos fins orientadores da existência de cada um.
Moral: (do latim “mores”) designa o âmbito da formação das normas, da hierarquização e
aplicação a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do ser humano.

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições


� A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos praticados. A

responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar contas pelas consequências

perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta perante a nossa consciência pelos atos

e intenções dos mesmos.

� A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta autoria

implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de constrangimentos, isto

é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para se ser pessoa. A responsabilidade

implica maturidade moral.

� A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com os outros

ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como nos diz F. Savater

«ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos humanos uns aos outros».

� Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e politica do ser

humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao afirmar «o Homem é um

animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um louco», sendo por isso que a pena mais

cruel infligida a um indivíduo era a condenação ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado

dos outros.

� Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os interesses

individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses dos outros.

� A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um ponto de vista

no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são afetados pelas nossas ações, isto

é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de universalidade do agir. A ação ética exige que

ultrapassemos o nosso ponto de vista pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar

do outro (entendendo-se por outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do

egoísmo a Ética valoriza o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética

promove, elogia e estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade.

� Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a realização da vida

social, em que a existência individual ganha sentido na vivência partilhada com os outros.
� A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução, evidenciando

que a realização de cada um supõe também a realização dos outros, numa convergência de

vontades particulares tendo em vista a realização de fins comuns. Mas o antagonismo e a

conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se conseguem compatibilizar e, por

isso, as diferentes formas de relacionamento social expressas quer em competição/solidariedade,

que em cooperação/hostilidade, exigem o estabelecimento de regras de conduta, de normas e leis

que definam os direitos e deveres de cada um num espaço de convivência.

� Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva ou biológica,

antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de objetivos, valores e opções

livremente definidos por cada sociedade. É esta convergência de ideais que procura dar sentido à

existência da sociedade e de cada indivíduo.

� Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de orientação e de

critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral.

� Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral, costumamos

compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos, provocando-nos, em certas

situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos praticado uma ação considerada má (ter a

consciência pesada, ou ter um peso na consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e

paz interior quando agimos bem (estar de consciência tranquila).

� O conceito de consciência moral inclui, então:

 Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar (uma

«bússola» orientadora do sentido da ação);

 Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os valores que

defendemos (index);

 Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e das próprias

intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores e ideais a que aderimos

(judex);

 Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfação, conforme a nossa vivência

obedece ou não aos ideais e valores assumidos (vindex).


� Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos, a

consciência moral constitui-se na conjugação de duas orientações:

CONSCIÊNCIA MORAL
 Por um lado, cresce à medida que o  Por outro, amadurece e assume-se como
indivíduo interioriza as regras e padrões uma dimensão pessoal no sentido em
do grupo (heteronomia). que cada um se autodetermina por
princípios racionalmente justificados
(autonomia).

� Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio social, uma

articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à transformação do indivíduo

em pessoa.

Noção de pessoa

� Por pessoa entende-se o individuo humano que:

 Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo, para com

os outros e para com as instituições;

 Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social;

 Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e

responsavelmente, isto é, em nome próprio;

 Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia não

significa autossuficiência nem indiferença pelos outros;

 Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa numa

exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições.

� Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar princípios

universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e deveres, estar aberto

aos outros.

Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que visam

justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e que demonstram

a aceitação pelas sociedades da personalidade humana.

Definição dos conceitos nucleares


Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que significa
responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos praticados. A responsabilidade
pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil – referindo-se ao compromisso de ter de
responder perante a autoridade social; responsabilidade moral – referindo-se à obrigação de
responder perante a nossa própria consciência.

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas perspetivas


filosóficas

Ética utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C)

� Filósofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo inglês.

Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer, Stuart Mill

classifica os prazeres segundo um critério qualitativo, considerando em primeiro lugar a dignidade

do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser uma utilidade altruísta e não

meramente egoísta.

Duas objeções ao utilitarismo

� O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as

consequências das nossas ações.

� O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns, predispõe-nos a

fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar.

Uma resposta às objeções

O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas.
O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões.

Por isso, o utilitarismo não implica que:

1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos nossos atos.

2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer.
O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas consequências
acabaríamos por não promover o bem.
O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que, de uma
maneira geral, serão boas.

Dois níveis de pensamento moral

� Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas decisões

quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às inclinações do nosso

caráter, sem aplicar o princípio utilitarista.

� Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações em que as

regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar criticamente essas regras de

modo a determinar se elas promovem ou não o bem-estar.

Duas objeções ao utilitarismo que não afetam as teorias deontológicas:

1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios. É por isso,

em certos aspetos, uma teoria moral demasiado exigente.

2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis. É por isso,

noutros aspetos, uma teoria moral demasiado permissiva.

Integridade

A excessiva exigência do utilitarismo ameaça a nossa integridade pessoal: para agir em


conformidade com o utilitarismo, teríamos que abdicar de quase todos os nossos projetos e
compromissos pessoais.

Respeito e direitos

A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos morais


das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim do bem geral.

Dois egoísmos

� Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse pessoal.

� Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse pessoal.
Somos todos egoístas?

Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico:

1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por isso, somos

todos egoístas.

2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem aos outros

para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos egoístas.

Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão:

� Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a fazer aquilo

que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas.

� Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a expectativa desse

prazer tenha sido a causa ou motivo da ação.

Devemos ser egoístas?

Três objeções ao egoísmo ético:

� O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste na atividade

de aconselhar e julgar.

� O egoísmo ético é moralmente inconsistente: não pode ser adotado universalmente.

� O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma egoísta, terá uma

vida pior do que teria se não fosse egoísta.

Utilitarismo

J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas na medida
em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da
felicidade.»

� O utilitarismo, tal como o egoísmo ético, é uma perspetiva consequencialista.

� Segundo o consequencialismo, agir moralmente é apenas uma questão de produzir bons

resultados.

� O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si próprio.
� O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles que

poderão ser afetados pela sua conduta.

� Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada a maior

utilidade esperada.

� Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas suas várias

consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se verificarem.

Hedonismo

Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa?

� Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor.

� Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da vida das

pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas pela duração e

intensidade.

� Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua natureza,

intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma forte preferência aos

prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade idêntica ou mesmo maior de

prazeres inferiores.

O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo:

� A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma vida

insuperavelmente aprazível.

� Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à máquina de

experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real. Logo, o

hedonismo é falso.

Satisfação de preferências

Uma perspetiva alternativa ao hedonismo:

� O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências.

Os utilitaristas de preferências defendem esta teoria do bem-estar.


Sustentam que a melhor maneira de agir é maximizar a satisfação das preferências daqueles que
poderão ser afetados pela nossa conduta.

O argumento da maioria fanática contra o utilitarismo de preferências:

� Uma maioria fanática deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva.

� Se o utilitarismo de preferências é verdadeiro, seria bom exterminar a minoria inofensiva. Mas é

profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o utilitarismo de preferências é

falso.

Ética deontológica de Kant

Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia. As mais

notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a Crítica da Razão

Prática (sobre ética) e a Crítica da Faculdade de Julgar (sobre estética).

Teorias deontológicas

Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões:

1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?

2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas?

No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas:

� Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. As nossas

ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem imparcialmente o bem-estar.

� Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. Muitas

ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas consequências.

Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas

ações.

No que diz respeito à segunda questão, temos estas respostas:

� Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja, quando promove

tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o bem-estar é errada.

� Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente algum dos

nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem nada de errado.
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas:

� Fidelidade: Mantém as tuas promessas.

� Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito.

� Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem.

� Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o mérito.

� Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento.

� Beneficência: Faz bem aos outros.

� Não-maleficência: Não prejudiques os outros.

Deontologia

� É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que Kant

procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral.

� Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se estabelecer

uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria racionalidade humana

e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado na experiência. A razão é a

autoridade final para a moralidade e esta não pode ter fundamento, isto é, não pode ser

estabelecida e justificada, na observação dos costumes ou modos habituais e culturais de agir com

os humanos. Todas as ações precisam ser determinadas por um sentido de dever ditado pela razão,

e nenhuma ação realizada por interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume

pode ser considerada como moral. A ação moralmente boa é a que obedece exclusivamente à lei

moral em si mesma. A moral Kantiana é, assim concebida como independente de todos os

impulsos e tendências naturais ou sensíveis e está centrada sobre a noção de dever e não na noção

de virtude e felicidade como em Aristóteles.

� Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve, pois, ser

determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.

� Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o que o

Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a moral Kantiana é

uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo; Kant afirma que a única coisa

que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo é a vontade humana.


� A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem não é simplesmente racional. Ele é,

simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo, por isso, a vida

moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma obrigação, como uma certa

coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a sua parte sensível. O dever obriga, força-

nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem

não é perfeito e sim dual. Assim, a moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser

obedecida por si mesma, uma lei cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da

razão, a que o sujeito moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é

preciso que o domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não ser a sua

própria) sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama vontade

santa à vontade que dominou por completo toda a influência e determinação oriunda dos

fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos, para sujeitá-la à lei moral. � Para uma

vontade desse tipo não haveria distinção entre razão e inclinação. Um ser possuído de uma

vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e não haveria lugar para o conceito de dever e

de obrigação moral, os quais somente têm sentido e existência porque o Homem é dual, razão e

desejo, e estes encontram-se em oposição. É por isso que o dever nos surge sob a forma de uma

ordem ou de um mandamento – um imperativo categórico (categórico porque ordena

incondicionalmente): “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao

mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. – Kant reconhece que esta é

apenas uma fórmula e a única regra segura para podermos agir.

� Como imperativo categórico, Kant forneceu-nos, na prática, um critério para o agir moral.

� Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente) – o que aliás tu tens de fazer –

age então de uma maneira realmente universalizável. A universalização das nossas máximas (em si

subjetivas) é o critério moral. O imperativo categórico afirma a autonomia da vontade porque

fornece o único princípio de todas as leis morais.

A liberdade é condição da moralidade

� A condição necessária para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a liberdade. A

vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão estabeleça, por si só, aquilo a
que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o que só é possível pressupondo que o Homem

é um ser dotado de liberdade.

� As ideias éticas de Kant são um resultado lógico da sua crença na liberdade fundamental do

indivíduo. Esta liberdade não é sinónimo de ausência de leis ou de anarquia; significa, antes,

autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razão ordena, isto é, obedecer ao imperativo

categórico.

� Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, tal como as causas

naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, é livre, legislador e membro de

uma sociedade ética: é legislador porque é ele que determina o que deve ser feito, e é membro ou

súbdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão fórmula. Neste sentido, ele não tem

um preço, mas uma dignidade, e é por isso que a segunda fórmula do imperativo categórico diz

para agirmos de modo a não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, como um meio,

mas sempre como um fim em si. A ética Kantiana é uma ética do respeito à pessoa. A ética

Kantiana é moderna porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade, condena todas as

situações sociais de instrumentalização do Homem (a escravatura, a prostituição, o trafico de

pessoas, etc.) e reconhece à sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que sejam

expressão da lei moral racional.

A felicidade não é o bem supremo

� Kant também reflete sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para Kant a

felicidade é do domínio do sensível; é um desejo que está presente em todos os seres humanos mas

que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente. Ora se a lei moral tem origem na razão (a

condição da sua objetividade e universalidade) e se cada ser humano não concebe sempre do

mesmo modo aquilo que é ser feliz, alcançar a felicidade não pode ser o fim supremo da

moralidade nem a sua justificação. A moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser

humano e a felicidade e a virtude são apenas as consequências do esforço humano para praticar

atos moralmente bons. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido, a
tranquilidade da boa consciência. Temos obrigação de fazermos tudo para sermos felizes. A única

condição é que tudo o que fizermos possa ser universalizável. Não é a felicidade a qualquer preço.

� Ser feliz é, assim, uma aspiração que o homem concretiza através do seu mérito, mas mesmo

que esse aspiração existisse ou a felicidade não fosse concretizável e atingível através da

moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigação moral ou o dever de agir

respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categórico.

Em conclusão de Kant:

Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser inferidos de
um princípio ético fundamental.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais são os nossos
deveres.

Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos: nunca podemos
desrespeitá-los.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por vezes
podemos desrespeitá-los.

Duas distinções

Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às distinções

ato/omissão e intenção/previsão, defendendo o seguinte:

� Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por exemplo, é pior

matar uma pessoa que deixá-la morrer.

� Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem a um mal

que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará da nossa conduta. Por

exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em sofrimento como efeito colateral.

Quadro síntese da Ética utilitarista de Stuart Mill e a Ética deontológica de Kant

Fundamentação da Moral

Kant (deontológica) Stuart Mill (utilitarista)


 A felicidade é algo exterior à razão, é  O valor moral das ações está nas suas
subjetiva; consequências e nos seus efeitos

 A ação moral tem por base a boa práticos;

vontade;  Bem é aquilo que trouxer mais

 Só as ações por dever têm valor moral; felicidade global;

 As ações por dever impõem-se-nos pelo  O utilitarismo adota um relativismo

imperativo categórico; ético face à perca de critérios absolutos

 O imperativo categórico, ao impor leis e universais;

universais, constitui o fundamento da  O utilitarismo é um reflexo da

autonomia humana; tecnicização da produção e da sociedade

 O agir moral autónomo confere-nos pós – moderna.

dignidade.
II.A ação humana e os valores

3Dimensões da ação humana e dos valores

3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial

3.1.4. Ética, direito e politica – liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e
equidade

O que legitima a autoridade do estado – Respostas de Aristóteles e de Locke

A justificação aristotélica do estado

Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristóteles (384-322 a.
C.) num livro intitulado Política. Neste livro, Aristóteles estuda os fundamentos e a organização da
cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo «política»). Naquele tempo, as principais
cidades gregas eram estados independentes – tinham os seus próprios governos e exércitos, além
de leis e tribunais próprios. Por isso lhes chamamos cidades-estado.

Assim, ao falar da origem da cidade, Aristóteles está a falar da origem do estado.

Aristóteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado é simplesmente impensável. Viver
numa sociedade governada pelo poder político faz parte da natureza humana. Quem conseguir
viver à margem da cidade-estado não é um ser humano: «é uma besta ou um deus», diz
Aristóteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e justificação do estado é naturalista.

O argumento central de Aristóteles é o seguinte: Faz parte da natureza dos seres humanos
desenvolver as suas faculdades. Essas faculdades só poderão ser plenamente desenvolvidas
vivendo no seio de uma comunidade (cidade-estado). Logo, faz parte da natureza humana viver
na cidade-estado.
Fora da cidade-estado seríamos, pois, incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso torna-se
claro, pensa Aristóteles, quando verificamos que os seres humanos não se limitaram a formar
pares de macho e fêmea para procriar, ao contrário dos outros animais. Constituíram também
comunidades de famílias (as aldeias) e estabeleceram a divisão entre governantes e súbditos,
com vista à autopreservação. Mas a comunidade mais completa, que contém todas as outras, é a
cidade-estado. Esta é auto-suficiente e não existe apenas para preservar a vida, mas sobretudo
para assegurar a vida boa, que é o desejo de todos os seres racionais. É por isso que a cidade-
estado é a comunidade mais perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos têm
tendência para se tornarem estados.

Ou seja, a finalidade de todas as comunidades é tornarem-se estados.

Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristóteles: que a natureza de
uma coisa é a sua finalidade. Assim, a finalidade dos seres humanos é viver na cidade estado
porque ao estudarmos a origem destas verificamos que há um impulso natural dos seres
humanos para passar da vida em família para a vida em pequenas comunidades de lares, e destas
para a comunidade mais alargada e auto-suficiente da cidade-estado. Daí Aristóteles afirmar que
«o homem é, por natureza, um animal político».

Outra ideia importante para Aristóteles é que o todo é anterior à parte, no sentido em que fora
do todo orgânico a que pertence, a parte não seria o que é. O que o leva a dizer que a cidade
estado é por natureza anterior ao indivíduo, pois não há indivíduos auto-suficientes e, portanto,
nem sequer existiriam fora dela. Tal como uma mão não funciona separada do resto do corpo,
também não há realmente seres humanos isolados da comunidade.

Alguém que viva fora da sociedade sem estado, não chega a ser um ser humano (é uma besta) ou
é mais do que um ser humano (é um deus).

Assim, submetemo-nos à autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos tornamos
adultos. Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si. Daí que, para Aristóteles, o mais
importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado é melhor para garantir a vida boa.

Críticas ao naturalismo aristotélico

A principal crítica ao naturalismo é que a noção aristotélica de «natureza» é incoerente e


enganadora. Aristóteles encara a natureza das coisas como uma espécie de princípio interno de
movimento ou repouso que se encontra nelas. Neste sentido, a natureza da cidade-estado seria
comparável à natureza das plantas e de outros organismos vivos, que se desenvolvem a partir do
embrião até atingirem a maturidade. � Este desenvolvimento é meramente biológico, sem
qualquer intervenção da racionalidade.
Contudo, a finalidade da vida na cidade é permitir uma vida boa. Mas o desejo de ter uma vida
boa é um desejo racional, na medida em que é uma aspiração de seres racionais como nós – até
porque não se verifica nos outros animais. Assim, este desejo é fruto da deliberação racional dos
seres humanos e não simplesmente de um impulso biológico ou natural.

A justificação contratualista de Locke

Uma justificação do estado bastante mais influente do que a de Aristóteles é dada por John Locke
(1632-1704). Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie de contrato social em
que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de um governo civil. Locke
considera que esse contrato dá origem à transição do estado de natureza para a sociedade civil.
Por isso se diz que a teoria da justificação do estado de Locke é contratualista.

Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato? Vejamos, em primeiro lugar, como
eram as coisas antes do contrato, isto é, como eram as coisas antes de haver estado – quando
ninguém detinha o poder político e não havia governo nem tribunais nem polícias.

A lei natural e o estado de natureza

No estado de natureza as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada um era
«senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem depender da vontade
de seja quem for. As pessoas viviam também num estado de completa igualdade, não havendo
qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além disso, viviam segundo a lei natural, a qual
dispõe que ninguém infrinja os direitos de outrem e que as pessoas não se ofendam
mutuamente.

Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razão natural, pelo que é comum a
todas as pessoas e independente de quaisquer convenções humanas. Deste modo, Locke
distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. � � As leis positivas são
leis que resultam das convenções humanas; são as leis que realmente existem nas sociedades
organizadas em estados.
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada têm acima de si a não ser a lei natural, na
sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A única lei
que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei natural da lei positiva,
mas também da lei divina:

Locke não
encara a lei
natural como uma lei científica que descreve o funcionamento efetivo da natureza. Locke
defende que a lei natural é normativa: determina como as pessoas racionais devem agir e não
como de facto agem. Por outro lado, a lei natural e a lei divina, apesar de não serem a mesma
coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus é a origem de ambas.

Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os direitos
decorrentes da aplicação dessa lei. Assim:

1. Todas as pessoas são iguais, pois têm exatamente o mesmo conjunto de direitos naturais;

2. Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si que ações estão ou não de acordo com a lei
natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural nem autoridade especial para julgar
pelos outros;

3. Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender – usando a força, se


necessário – daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois esta
existiria em vão se ninguém a fizesse cumprir;

4. Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a lei
natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita igualdade a
legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos.

O estado de natureza é não só diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do estado de
guerra, pois neste não há lei que vigore e as pessoas não têm direitos.
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e em que
cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu trabalho e
esforço. Sendo assim, que razões teriam as pessoas para abandonar o estado de natureza,
aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual têm de se submeter?

O contrato social e a origem do governo

Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – excetuando os casos de autodefesa
ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento.

Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos naturais.

Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou contrato, entre
pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E esse acordo só faz sentido
se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.

Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase perfeito,
não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que, mais cedo ou mais tarde, iriam tornar a vida
demasiado instável e insegura. Isto porque há sempre quem, movido pelo interesse, pela
ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural, ameaçando constantemente os
direitos das pessoas e a propriedade alheia. Locke dá o nome genérico de «propriedade» não
apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e
liberdades.

Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteção e


estabilidade que só o governo pode garantir. Locke torna esta ideia mais precisa indicando três
coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder político está em condições de
garantir:

1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicação da lei natural. Isto
porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e divergir
quando se trata da sua aplicação a casos concretos.

2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja juízes
em causa própria. Isto porque quando as pessoas julgam em causa própria têm tendência para
ser parciais e injustas.

3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas,
evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número sejam
injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número.
É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos privilégios do
estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem escolhidos segundo as
regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém nos perguntou expressamente se
aceitamos viver numa sociedade civil, Locke defende que, a partir do momento em que
usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso consentimento tácito. Caso contrário,
teríamos de recusar os benefícios do estado e de viver à margem da sociedade.

Críticas ao contratualismo de Locke

Têm sido feitas várias críticas ao contratualismo de Locke. Vamos estudar brevemente algumas
das mais importantes.

O consentimento tácito é uma ficção

Quando Locke fala do contrato social não está a pensar num procedimento formal, como quando
se assina um documento ou se faz um juramento público. O contrato a que se refere revela-se no
consentimento tácito das pessoas que, ao usufruírem dos benefícios do estado, dão
implicitamente o seu consentimento para que este tenha poderes sobre elas. Por exemplo, se
alguém pede proteção à polícia quando se sente ameaçado, está tacitamente a consentir que a
polícia tenha poder sobre si também.

Mas há boas razões para pensar que não há efetivamente qualquer consentimento tácito das
pessoas. Mesmo que tivesse havido inicialmente um acordo original baseado no consentimento
tácito das pessoas dessa altura, isso não inclui as gerações atuais, as quais não tiveram qualquer
palavra a dizer sobre isso. Há até pessoas que, apesar de estarem sujeitas a um dado governo, o
combatem e o consideram ilegítimo, pelo que tal governo não tem seguramente o seu
consentimento tácito.

Além disso, é incoerente pensar que podemos consentir em algo sem que o nosso consentimento
seja livre e intencional. Mas para que seja intencional, uma pessoa tem de ter consciência
daquilo a que está implicitamente a dar o seu acordo. Todavia, parece claro que muitas pessoas
não têm consciência de terem dado qualquer acordo. De modo semelhante, há pessoas cujas
condições de vida não lhes permitem optar entre aceitar a autoridade do governo e mudar para
um território onde essa autoridade não exista.

Assim, não chega a haver verdadeiro consentimento.

Os contratos podem ser injustos


Outra crítica é que há contratos que não são justos, pelo que nem sempre devem ser cumpridos.
Assim, o facto de o estado ter resultado de um acordo entre pessoas livres não o torna, só por
isso, legítimo.

Imagine-se que uma mulher promete viver com o amante na condição de este matar o seu
marido e que o amante concorda com isso. Não é por ambos terem feito um contrato que as suas
ações se tornam legítimas. Assim, o consentimento inerente a qualquer contrato é, na melhor
das hipóteses, condição necessária para a sua legitimidade, mas não é suficiente. Analogamente,
o facto de o estado ter tido origem num contrato celebrado entre pessoas livres também não é
suficiente para legitimar a sua autoridade.

O contrato é desnecessário

Locke pensa que, no estado de natureza, cada indivíduo tem o direito de fazer cumprir a lei
natural e até de usar a força para punir quem a violar.

Imagine-se então que há apenas duas pessoas que vivem no estado de natureza. Se, na opinião
de uma delas, a outra violar a lei natural, não precisa do consentimento do prevaricador para,
com todo o direito, o punir. Suponha-se agora que várias pessoas decidem organizar-se para
tornar a aplicação da lei natural mais efetiva e que é detetado alguém exterior a esse grupo que,
em sua opinião, está a violar a lei natural. Mesmo que a pessoa que viola a lei não tenha dado o
seu consentimento e nem sequer pertença ao grupo, este pode recorrer à sua força coletiva para
submeter e punir o prevaricador.

Locke defende precisamente que isso seria ilegítimo, a não ser que o prevaricador tivesse dado o
seu consentimento e que, portanto, estivéssemos já não no estado de natureza mas na sociedade
civil. Mas por que razão é ilegítimo um grupo organizado de pessoas impor a sua força sem o
consentimento do visado e não é ilegítimo no caso de ser uma só pessoa a fazê-lo?

Isto sugere que, além do poder coletivo das pessoas, não é necessário qualquer consentimento
contratual daqueles a quem se aplica a força. Nesse caso, o contrato não desempenha qualquer
papel na legitimação do uso da força.

Em conclusão:
Como é possível uma sociedade justa – a resposta de Rawls

Quando discutimos certas questões relacionadas com a organização social, é muito comum ouvir
expressões como «Isso é injusto» ou «Fazer isso não seria justo». De algum modo, todos temos
uma noção do que é justo e injusto, e todos queremos viver numa sociedade justa. Mas o que é
realmente uma sociedade justa?

Consideremos uma sociedade em que a grande maioria das pessoas é muito pobre, mas em que
existe um pequeno grupo de pessoas extremamente ricas. Será que uma sociedade assim pode
ser justa? Porquê?

Imaginemos agora uma sociedade em que todas as pessoas usufruem da mesma riqueza. Uma
sociedade como esta será forçosamente justa? Porquê?

Este é o problema da justiça social. Para responder às questões acima precisamos de


compreender o que é uma sociedade justa. Muitos filósofos entendem que isso implica
identificar os princípios da justiça corretos. Entre esses filósofos destaca-se John Rawls (1921-
2002), que desenvolveu a teoria da justiça como equidade. É essa teoria que vamos agora
apresentar e discutir.

A posição original

Imagine-se que cada um dos membros de uma sociedade, sabendo perfeitamente qual era o seu
estatuto social e quais eram os seus talentos naturais, propunha determinados princípios da
justiça. Nesse caso, o mais certo seria não se chegar a qualquer acordo. Os mais ricos, por
exemplo, tenderiam a opor-se a princípios da justiça que os forçassem a pagar impostos elevados
para benefício dos mais pobres. E os mais talentosos favoreceriam uma sociedade que premiasse
os seus talentos, sem se preocuparem muito com os que por natureza são menos talentosos.
Nestas circunstâncias, como poderíamos descobrir quais são os princípios da justiça corretos?

Rawls sugere que, para encontrar os princípios da justiça corretos, devemos fazer uma
experiência mental: temos de imaginar uma situação em que os membros de uma sociedade
sejam levados a avaliar princípios da justiça sem se favorecerem indevidamente a si próprios pelo
facto de serem ricos, pobres, talentosos ou poderosos. � Ou seja, temos de imaginar que os
membros de uma sociedade estão a avaliar princípios da justiça numa situação que garanta a
imparcialidade da sua avaliação. Rawls designa essa situação imaginária por posição original e
descreve-a na seguinte passagem:
Parto do princípio de que as partes estão situadas ao abrigo de um véu de ignorância.

Não sabem como as várias alternativas vão afetar a sua situação concreta e são obrigadas a
avaliar os princípios apenas com base em considerações gerais. […] Antes de mais, ninguém
conhece o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou estatuto social; também não é
conhecida a fortuna ou a distribuição de talentos naturais ou capacidades, a inteligência, a força,
etc. Ninguém conhece a sua conceção do bem, os pormenores do seu projeto de vida ou sequer
as suas características psicológicas especiais. […] Mais ainda, parto do princípio de que as partes
não conhecem as circunstâncias particulares da própria sociedade. […] É dado adquirido, no
entanto, que conhecem os factos gerais da sociedade humana.

John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 1971,trad. de Carlos Pinto Correia, p. 121

As «partes» a que Rawls se refere são pessoas singulares, e não pessoas coletivas, como
associações ou empresas. Aquilo que as caracteriza na posição original é o facto de estarem sob
um véu de ignorância: sofreram uma espécie de amnésia que as faz desconhecer quem são na
sociedade e quais são as suas peculiaridades individuais. Por isso, são forçadas a avaliar princípios
da justiça com imparcialidade. Como quem está na posição original não sabe, por exemplo, se é
rico ou talentoso, não vai escolher princípios da justiça que favoreçam indevidamente os ricos ou
os talentosos.

Na posição original, as partes não sabem sequer qual é o seu «projeto de vida». Não sabem,
portanto, o que querem fazer na vida para se sentirem realizadas. No entanto, estão interessadas
em escolher o que é melhor para si. Por isso, diz-nos Rawls, têm interesse em obter bens
primários, ou seja, coisas que sejam valiosas seja qual for o seu projeto de vida específico. A
liberdade, as oportunidades e a riqueza destacam-se entre os bens primários.

Os princípios da justiça

Os princípios da justiça corretos são aqueles que seriam escolhidos na posição original.

Nessa posição, os membros da sociedade, estando todos sob o mesmo véu de ignorância, ficam
numa situação equitativa – daí que Rawls nos esteja a propor uma teoria da justiça como
equidade. A questão que se coloca agora é saber que princípios da justiça seriam escolhidos na
posição original. Rawls defende que esses princípios são os seguintes:

Primeiro princípio: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de
liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para
todos.
Segundo princípio: as desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas de forma
que, simultaneamente:

A. Redundem nos maiores benefícios para os menos beneficiados […];

B. Sejam a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos, em


circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades.

John Rawls, Uma Teoria da Justiça, 1971, trad. de Carlos Pinto Correia, p. 239

Dado que o segundo princípio se decompõe em dois princípios distintos, a teoria da justiça de
Rawls oferece-nos, na verdade, três princípios da justiça. Estes princípios não têm a mesma
importância, pois Rawls estabelece prioridades entre eles. Apresentando-os em função da sua
prioridade, obtemos a seguinte lista:

1. Princípio da liberdade (primeiro princípio).


2. Princípio da oportunidade justa (segundo princípio B).
3. Princípio da diferença (segundo princípio A).

O princípio da liberdade tem prioridade sobre os restantes. Diz-nos que numa sociedade justa
todos os indivíduos beneficiam das mesmas liberdades básicas. Entre estas, Rawls inclui a
liberdade política (que se traduz no direito de votar e de concorrer a cargos públicos), a liberdade
de expressão e de reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, e ainda as «liberdades
da pessoa» (que proíbem, por exemplo, a agressão e a prisão arbitrária).

O direito de possuir escravos, por exemplo, não se pode contar entre as liberdades básicas, já que
a escravatura é incompatível com uma igual liberdade para todos.

Ao afirmar a prioridade do princípio da liberdade, Rawls defende que não se pode violar as
liberdades básicas dos indivíduos de modo a alcançar vantagens económicas e sociais.

Por exemplo, não se pode suprimir a liberdade de expressão com o objetivo de obter uma melhor
distribuição da riqueza. No entanto, nenhuma das liberdades básicas é absoluta.

Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para todos. Por
exemplo, em algumas circunstâncias pode justificar-se limitar a liberdade de expressão –
proibindo, suponhamos, a difusão de ideais políticos ou religiosos extremamente intolerantes –
de modo a proteger a liberdade política.

De acordo com o princípio da oportunidade justa, as desigualdades na distribuição da riqueza


são aceitáveis apenas na medida em que resultam de uma igualdade de oportunidades.
Se numa sociedade há grandes desigualdades que se devem, por exemplo, ao facto de os mais
pobres não terem acesso à educação, então essa sociedade não é justa.

Para garantir uma efetiva igualdade de oportunidades, sustenta Rawls, o governo deve
providenciar, entre outras coisas, iguais oportunidades de educação e cultura para todos.

O princípio da diferença favorece também uma distribuição equitativa da riqueza. No entanto,


este princípio não afirma que a riqueza deve estar distribuída tão equitativamente quanto
possível. Se as desigualdades na distribuição da riqueza acabarem por beneficiar todos,
especialmente os mais desfavorecidos, então justificam-se.

Para esclarecer o princípio da diferença, imaginemos duas sociedades: na primeira, todos têm a
mesma riqueza, mas todos são muito pobres; na segunda, há desigualdades na distribuição da
riqueza, mas essas desigualdades acabam por beneficiar todos, de tal forma que nem mesmo os
mais desfavorecidos são muito pobres. O princípio da diferença sugere que a segunda sociedade
é, apesar das desigualdades que a caracterizam, preferível à primeira. Isto porque na segunda os
mais desfavorecidos vivem melhor do que os membros da sociedade estritamente igualitária.

Dado que o princípio da liberdade tem prioridade sobre os outros dois princípios da justiça, numa
sociedade justa não se promove a igualdade de oportunidades ou a distribuição da riqueza à
custa de um sacrifício das liberdades básicas iguais para todos. � No entanto, uma sociedade
justa não se caracteriza simplesmente pela existência de tais liberdades individuais: é também
uma sociedade em que a riqueza está equitativamente distribuída, já que as desigualdades
socioeconómicas são aceitáveis apenas na medida em que resultam de uma efetiva igualdade de
oportunidades e acabam por beneficiar os mais desfavorecidos.

O princípio maximin

Por que razão pensa Rawls que, na posição original, as partes escolheriam os princípios da justiça
por si indicados? Afinal, por que razão não escolheriam antes, por exemplo, um princípio da
justiça de caráter utilitarista? Se o fizessem, conceberiam uma sociedade justa simplesmente
como aquela em que há um maior total de bem-estar, sem que interesse o modo como este se
distribui pelas diversas pessoas.

Rawls sustenta que as partes prefeririam os seus princípios da justiça ao utilitarismo porque, na
posição original, as escolhas devem obedecer ao princípio maximin.

Segun
do
este
princípio de escolha, se não sabemos quais serão os resultados que cada uma das opções que se
nos colocam terá efetivamente, é racional jogar pelo seguro, fazendo a escolha como se o pior
nos fosse acontecer. Assim, devemos identificar o pior resultado possível de cada alternativa, e
depois optar pela alternativa cujo pior resultado possível seja melhor do que o pior resultado
possível de cada uma das restantes alternativas. Veja-se o seguinte cenário:

Imaginando-nos na posição original, a coberto do véu de ignorância, a escolha mais racional seria
optar por C. Apesar de nas opções A e B podermos vir a ser mais ricos, seria mais seguro optar
por C, caso em que o pior que nos poderia acontecer seria a pobreza moderada.

Em suma, o princípio maximin diz-nos o seguinte:

Cada alternativa tem vários resultados possíveis, sendo uns melhores do que outros.

Entre as alternativas disponíveis, deve-se escolher aquela que tenha o melhor pior resultado
possível.

Imaginemos agora que as partes estão a escolher entre o utilitarismo e os princípios da justiça de
Rawls. À partida, numa sociedade em conformidade com o utilitarismo poderiam existir grandes
desigualdades na distribuição do bem-estar, já que, sob esta teoria, a distribuição do bem-estar
não é intrinsecamente importante. Por exemplo, se a existência de alguns escravos resultasse
num maior bem-estar social, existiriam escravos numa sociedade utilitarista. Pelo contrário, os
princípios da justiça de Rawls são, como vimos, incompatíveis com a existência da escravatura.

Nestas circunstâncias, uma pessoa raciocinaria do seguinte modo, se estivesse na posição


original:

Se eu escolher o utilitarismo, estarei a optar por uma sociedade na qual poderei vir a ser um
escravo. No entanto, se eu escolher os princípios da justiça que Rawls propõe, nada de tão mau
poderá acontecer-me. Mesmo que acabe por ficar na pior situação possível, terei garantidamente
certas liberdades básicas que me permitirão desenvolver o meu projeto de vida, seja ele qual for.
Além disso, dificilmente serei muito pobre, já que numa sociedade em conformidade com os
princípios de Rawls as desigualdades na distribuição da riqueza só são aceitáveis se acabarem por
beneficiar os mais desfavorecidos e resultarem de uma efetiva igualdade de oportunidades. Por
isso, prefiro os princípios de Rawls ao utilitarismo.
Sob o véu de ignorância, o pior resultado possível de se escolher os princípios da justiça de Rawls
é muito melhor do que o pior resultado possível de se escolher um princípio utilitarista. Por esta
razão, raciocinando segundo o maximin, as partes escolheriam os princípios de Rawls em vez do
utilitarismo.

Em conclusão:

Definição dos conceitos nucleares

Estado: organização e estrutura de governo de um país e de uma nação. Conjunto de instituições


que zelam pela administração do poder numa dada sociedade.

Justiça social: conceito ético-politico designa o objetivo genérico que as sociedades estabelecem
de atribuir a cada um o que por direito lhe pertence, traduzindo assim a vontade da sociedade de
harmonizar o bem social (justiça legal) com o bem individual (justiça comutativa e distributiva),
promovendo o princípio da igualdade.

Liberdade: pode ter dois sentidos:

 Sentido relativo, a liberdade é a capacidade humana de autodeterminação, pois a vontade


humana, embora condicionada, pode e tem de fazer opções. Refere-se à
capacidade/possibilidade de agir num quadro de constrangimentos externos ou internos.

 Em sentido absoluto ou metafísico, expressa a possibilidade ideal de agir na ausência de


qualquer coação e constrangimentos, isto é, a possibilidade de fazer o que se quer
independentemente das circunstancias e das condições concretas em que decorre a nossa
integração no mundo. Trata-se daquilo a que, numa linguagem mais filosófica, se designa
o poder de agir independentemente de quaisquer obstáculos ou determinismos, uma
conceção designada por alguns filósofos como «livre-arbitrio» e que se traduz na
possibilidade inerente à nossa natureza humana de poder ou não fazer alguma coisa.

Ao falar de liberdade podemos distinguir liberdade jurídico-política (é a possibilidade de agir no


quadro das leis estabelecidas pela sociedade que definem o conjunto dos direitos e deveres e a
responsabilidade civil) e liberdade moral (manifesta-se na adesão a valores e implica a orientação
da conduta pela razão, que estabelece metas para a própria existência).

Sociedade civil: conjunto de pessoas associadas com vista a um fim comum, sinónimo de
comunidade estruturada por laços de interdependência recíproca com vista à realização desse
fim.

Equidade: A equidade é uma forma de aplicar o direito, mas sendo o mais próximo possível do
justo, do razoável. O fim do Direito é a justiça, além de valores suplentes como a liberdade e
igualdade. Mas é difícil definir o "justo", pois pode existir na conceção de quem ganhou a causa e
não existir na de quem perdeu. É necessário um ideal de justiça universal. Para isso existe a
equidade. Ela consiste no estudo do caso em suas peculiaridades, suas características próprias,
consequentemente originando uma decisão para aquele caso especificamente, aproximando-se
ao máximo possível do justo para as duas partes. É preciso salientar também, que a equidade é
fonte do direito. Ela é usada para no caso de existirem lacunas na lei. A partir dessa permissão, o
juiz pode utilizar a equidade em suas decisões para atingir a justiça. Algumas normas se ajustam
inteiramente ao caso prático, sem a necessidade de qualquer adaptação; outras se revelam
rigorosas para o caso específico. Nesse momento, surge o papel da equidade, que é o de adaptar
a norma jurídica geral e abstrata às condições do caso concreto. Equidade é a justiça do caso
particular.
II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.2. A dimensão estética – Análise e compreensão da experiência estética

3.2.1. A experiência e o juízo estéticos

Distinção da experiência estética dos outros tipos de experiência – a resposta de Kant e a noção

de desinteresse

� Uma das primeiras e mais importantes tentativas para distinguir o que é do que não é estético

foi levada a cabo pelo filósofo Immanuel Kant (1724-1804) Este filósofo começa por referir a

experiência estética para caracterizar o juízo estético, sendo impossível desligar uma noção da

outra. Kant defende que um juízo só é estético se for determinado por um prazer desinteressado.
Quando fala de prazer, Kant está a referir um determinado sentimento de que temos experiência.

E quando caracteriza essa experiência como desinteressada, está a diferenciá-la de outros tipos

de experiência. O facto de o juízo estético se referir a um sentimento e não a um objeto indica-

nos que se trata de um juízo subjetivo.

� Assim, Kant pensa que o juízo estético assenta num determinado tipo de experiência, que ele

identifica como um sentimento de prazer desinteressado. Mas o que é exatamente um prazer

desinteressado? Será um prazer a que não damos importância ou a que não prestamos muita

atenção?

� Para esclarecer melhor a noção de desinteresse, Kant confronta os juízos estéticos com os

juízos cognitivos (ou juízos de conhecimento).

� Kant defende que os juízos cognitivos, como os expressos pelas frases «A relva é verde» ou «Os

metais dilatam quando são aquecidos», resultam da colaboração entre a sensibilidade e o

entendimento com vista ao conhecimento objetivo. A sensibilidade e o entendimento são as

nossas duas principais faculdades cognitivas. Kant defende que, isoladamente, nenhuma dessas

faculdades permite chegar ao conhecimento dos objetos.

� A sensibilidade é a faculdade que os nossos sentidos têm de receber impressões dos objetos

que nos rodeiam; as impressões recolhidas são as sensações de cor, brilho, textura, etc. Por

outras palavras, a faculdade da sensibilidade é aquilo a que hoje chamamos de perceção. O

entendimento é a faculdade racional que organiza essas impressões, dando-lhes forma através da

aplicação de conceitos. Kant defende que os dados dos sentidos fornecidos pela sensibilidade são

a matéria-prima do conhecimento; os conceitos que o entendimento aplica a essa matéria são a

forma do conhecimento.

� Assim, o conteúdo da nossa experiência só pode referir-se aos objetos por meio de conceitos.

Só há conhecimento quando a sensibilidade fornece os seus dados com o propósito de lhes ser

aplicado um conceito, e quando um conceito lhes é efetivamente aplicado.

� Por exemplo, o juízo expresso pela frase


«Os metais dilatam ao ser aquecidos» depende dos dados que os nossos sentidos obtêm do

exterior quando tocamos o metal e o sentimos quente, e quando olhamos para ele e vemos que

dilatou. Mas depende também de algo que está fora do alcance dos nossos sentidos: a aplicação

do conceito de causalidade para relacionar as sensações de calor com a de dilatação dos metais.

� Kant defende que os juízos de gosto, como o expresso pela frase «O pôr do sol é belo», que são

um dos tipos de juízos estéticos, não se referem à existência dos objetos.

� Referem-se sim ao nosso próprio estado subjetivo de prazer ou desprazer acerca do conteúdo

da experiência.

� Kant pensa que o belo não é um objeto, pelo que não pode ser referido através de conceitos.

� Porém, pensa que as nossas faculdades cognitivas intervêm na mesma nos juízos estéticos. A

diferença é que essas faculdades estão agora livres de qualquer finalidade cognitiva, dado que

não é o conhecimento de objetos que está em causa. Referindo-se apenas ao nosso sentimento

de prazer, as faculdades entram numa espécie de jogo completamente livre, sem qualquer

propósito ulterior. Por isso, o entendimento nunca chega a aplicar qualquer conceito, devolvendo

a matéria recebida à imaginação – uma faculdade intermédia entre a sensibilidade e o

entendimento – num processo que se repete continuamente. Kant pensa que é este livre jogo das

faculdades, decorrente da ausência de qualquer finalidade cognitiva ou outra, que nos coloca

perante a simples representação dos objetos, provocando em nós um sentimento de prazer

contemplativo. � Este prazer é desinteressado precisamente porque é meramente contemplativo.

Isto significa que:

 Não visa satisfazer qualquer interesse prático ou propósito ulterior.

 Não se funda em conceitos.

 Não depende sequer da existência real do objeto representado.

� Tudo o que conta é a simples contemplação da representação em si e o livre sentimento de

prazer que a acompanha. Assim, dizer que algo é belo é dar voz a um determinado tipo de

experiência ou sentimento de prazer. Ou seja, dizer que algo é belo é só dar voz a uma certa

experiência e nada mais. Essa experiência não se pode descrever, ao contrário da experiência de
ver um copo, que podemos descrever através do juízo expresso pela frase «Está um copo à minha

frente». Não podemos descrever a experiência estética dizendo «Está uma beleza à minha frente»

porque o que está à minha frente é o objeto que provoca em mim a experiência estética, e não a

experiência estética. Ao contrário do prazer do belo, Kant defende que os outros dois tipos de

prazeres que refere – o prazer do bom e o prazer do agradável – não são independentes de

qualquer interesse.

 O prazer do bom é o prazer que se obtém da satisfação de uma necessidade prática, como o

prazer que se tem ao resolver um problema doméstico.

 O prazer do agradável é o que se obtém da satisfação de algum desejo pessoal ou inclinação

natural dos nossos sentidos, como o prazer que temos ao comer doces.

� Portanto, ambos são determinados por algum tipo de interesse – Kant pensa que a satisfação de

desejos é a satisfação de um interesse pessoal.

Em suma, Kant pensa que a experiência estética é desinteressada, mas não por não ser importante

ou valiosa; é desinteressada porque é completamente livre e independente dos nossos desejos,

necessidades ou conhecimentos. Tudo o que conta para a experiência estética é a própria

experiência.

Em conclusão:

A justificação do juízo estético: subjetivismo estético e objetivismo estético


� O principal problema que os filósofos costumam discutir acerca deste tipo de juízos é a sua

justificação. Quando uma pessoa afirma que algo é belo, que tipo de razões apresenta para

justificar o que afirma? O que nos faz dizer que algo é belo? Na verdade, este não é um problema

que ocupe apenas os filósofos. Ouvimos muitas vezes uma pessoa dizer que algo é belo (ou feio)

e, surpreendidos, queremos saber porquê.

Por que razão algumas pessoas acham bonitas as canções do Tony Carreira e outras não? Será que

as pessoas estão todas a falar da mesma coisa quando usam a palavra «belo»? Será que todas as

opiniões acerca do que é ou não é belo são corretas? Será que quando afirmamos que uma pintura

é bela estamos a referir algo que está realmente na pintura, ou é apenas uma maneira de manifestar

os nossos sentimentos ao ver a pintura?

� Entre os filósofos, este é conhecido como o problema da justificação do juízo estético.

� Em termos mais populares costuma-se formular através da seguinte pergunta:

A beleza está nas coisas ou nos olhos de quem a vê?

� Há duas teorias rivais que procuram responder a esse problema: o subjetivismo estético e o

objetivismo estético.

Subjetivismo estético

� Para simplificar, pensemos apenas no caso particular do chamado «juízo do belo» – um dos

vários juízos estéticos. O subjetivismo estético é a perspetiva acerca da justificação do juízo

estético que defende basicamente que a beleza resulta do que sentimos quando observamos as

coisas; ou seja, a beleza está nos olhos de quem a vê.

 O subjetivismo estético defende que os objetos são belos em virtude do que sentimos quando

os percecionamos.

 Percecionar um objeto é obter informação dele através dos sentidos.

� Achar algo bonito ou feio é, segundo esta teoria, uma questão de gostos ou preferências

pessoais. Um dos heterónimos de Fernando Pessoa resume bem esta perspetiva nos seguintes

versos:

A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe,


Que eu dou às coisas em troca do agrado que elas me dão.
Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos, XXVI, 1912

� Assim, os objetos são belos ou feios de acordo com os sentimentos de prazer ou desprazer que

fazem surgir em nós. Os juízos estéticos não são, neste caso, objetivos. Ou seja, o que está em

causa não são as propriedades dos objetos, mas antes os sentimentos que tais objetos despertam

em nós. Por isso se diz que são juízos de gosto.

Dizer «O Guardador de Rebanhos é belo» é, para o subjetivista, o mesmo que dizer «Gosto d’O

Guardador de Rebanhos». De maneira que se alguém perguntar a um subjetivista que razões tem

para dizer que O Guardador de Rebanhos é belo, ele dirá que sente prazer ao lê-lo. Ou, mais

simplesmente, que gosta desse poema.

Subjetivismo radical

� Uma forma extrema de subjetivismo defende que, na medida em que traduzem aquilo que cada

um sente, os gostos não se discutem. Mas esta forma de subjetivismo levanta quatro problemas

óbvios. Vejamos quais.

1. Contraria o modo como falamos. De acordo com o subjetivismo radical, as frases

«X é belo» e «X não é belo» só seriam a negação uma da outra se fossem proferidas pela mesma

pessoa. Proferidas por pessoas diferentes – digamos, pela Rita e pelo Carlos, respetivamente –

apenas querem dizer «A Rita gosta de X» e «O Carlos não gosta de X»; assim, ambas podem ser

verdadeiras, não havendo qualquer contradição. Ora, isto não está de acordo com o modo como

falamos.

2. Torna impossível a comunicação. Se belo for simplesmente aquilo que cada um acha, então

quando utilizamos a palavra «belo» numa conversa não chegamos verdadeiramente a comunicar: a

palavra tem um significado diferente para cada pessoa, o que torna impossível a comunicação.

3. Torna os juízos estéticos autobiográficos. No seguimento da objeção anterior, se o subjetivista

radical tiver razão, os juízos estéticos são autobiográficos: quando uma pessoa diz «X é belo» não

está, em rigor, a falar de X, mas de si própria e das suas preferências.

Porém, não é assim que as coisas são geralmente entendidas.


4. Torna irracional a discussão estética. Esta forma de subjetivismo parece esvaziar grande parte

das discussões estéticas, admitindo implicitamente que qualquer debate sobre o valor estético das

obras de arte é irracional. Mas tanto as conversas mais banais como a autoridade que

reconhecemos aos críticos de arte e especialistas parecem contradizer tal coisa.

Objetivismo estético

� A teoria oposta ao subjetivismo estético é o objetivismo. Chama-se por vezes «realismo

estético» a esta teoria, mas esta designação é enganadora.

� O objetivismo estético defende que os objetos são belos em virtude das suas propriedades

intrínsecas e independentemente do que sentimos quando os observamos.

� As propriedades intrínsecas dos objetos são independentes dos sentimentos ou das reações de

quem os observa.

� Por exemplo, o tamanho é uma propriedade intrínseca de um morango: o tamanho do morango

é independente do modo como o vemos ou saboreamos. Mas o sabor dos morangos não depende

apenas dos morangos: depende também de quem os come. Pessoas com palatos diferentes podem

ter diferentes reações aos morangos, e há até pessoas que são alérgicas aos morangos.

� Os objetivistas não negam que temos certos sentimentos estéticos perante a arte; nem afirmam

que tais sentimentos estão nas próprias obras de arte, o que seria absurdo.

� Mas defendem que os nossos sentimentos estéticos são causados por certas características

intrínsecas dos objetos.

� Assim, o objetivista defende que quando dizemos que um objeto é belo, o que sentimos não é

determinante. Quer o objeto nos agrade quer não, as propriedades que estão na base da beleza

existem mesmo nele; nós é que podemos ou não ser sensíveis a tais propriedades. A beleza não

depende, portanto, dos gostos pessoais: um objeto não é bonito ou feio consoante nos agrada ou

não. Ainda que as coisas belas nos agradem, não é por isso que são belas. Acontece apenas que há

certas características intrínsecas a esses objetos que provocam em nós uma sensação agradável.

Em termos populares, isto equivale a dizer que a beleza está nas coisas e não nos olhos de quem as

vê.
� O objetivista argumenta que se a beleza (e a fealdade) dependesse apenas dos nossos gostos

pessoais e não das características dos objetos, seria muito estranho e inexplicável haver objetos

que quase todas as pessoas acham bonitos (ou feios). Haverá alguém que ponha em causa a beleza

do Ave Maria, de Schubert?

� O objetivista admite que ajuizar um objeto como belo não implica que o objeto seja considerado

belo por todas as pessoas que o avaliem esteticamente; pode haver quem não o considere belo.

Mas isso, pensa o objetivista, apenas significa que essas pessoas fazem juízos errados porque

partem de uma deficiente perceção do objeto. � Também um daltónico faz juízos errados se disser

que é azul aquilo que as outras pessoas dizem ser verde; o problema está apenas nele e não nos

outros, pois algo se passa que o impede de percecionar corretamente as cores.

� Além disso, o objetivista argumenta que é falacioso concluir que as coisas não são em si belas

só porque não há acordo entre as pessoas que as observam. É como dizer que no tempo de Galileu

o movimento da Terra era subjetivo só porque as pessoas discordavam acerca disso. Tem, pois, de

haver critérios objetivos que permitam justificar a verdade dos juízos estéticos. Afinal de contas,

até mesmo entre os cientistas há desacordo. E não é por isso que deixa de haver critérios objetivos

na ciência.

A influência do objetivismo estético

� O facto de o objetivismo defender a existência de critérios objetivos acerca dos juízos estéticos

torna-o atraente, pois permite resolver muitas das discussões aparentemente insolúveis sobre a arte

e a beleza. Pelo menos, permite colocar em termos mais racionais algumas dessas discussões. Sem

critérios objetivos tudo poderia ser afirmado e, nesse caso, não valeria a pena perder tempo com

discussões.

� Até ao séc. XVIII a maior parte dos filósofos identificavam-se naturalmente com o objetivismo

estético. Acreditavam que havia critérios ou regras gerais acerca das características que os objetos

tinham de possuir para terem valor estético. E até os artistas tinham em consideração essas regras

– a que se dava o nome de «cânones» – quando criavam as suas obras. Assim, era a própria arte a

conformar-se aos princípios do objetivismo estético.


� Não admira, pois, que o desacordo entre os críticos de arte da altura fosse bastante reduzido. O

objetivismo parecia ser um ponto de vista perfeitamente natural e bastante razoável para a época.

� Contudo, a arte contemporânea é muito diferente da arte dos séculos anteriores. Mesmo assim, o

objetivismo estético não é uma doutrina historicamente ultrapassada. Continua ainda a ser

defendido por filósofos contemporâneos, como Monroe Beardsley (1915-1985).

Em conclusão:

Definição dos conceitos nucleares

Estética: disciplina filosófica que procura descobrir os princípios e os critérios gerais dos
chamados objetos estéticos (o que é belo, o que é uma obra de arte, etc.). O termo estética procede
do grego aísthesis, que significava sensação, remetendo, por isso, para uma experiência sensível.
O objeto torna-se estético quando é capaz de despertar e estimular a nossa sensibilidade e provocar
uma emoção. Assim, contemplar uma paisagem, ouvir musica, saborear uma boa refeição ou
apreciar um bailado podem ser experiências estéticas.
Experiência estética: sendo a atitude estética uma atitude valorativa, a experiência estética
consiste na capacidade, própria de qualquer ser humano dotado de uma sensibilidade, de reagir de
um certo modo perante determinadas formas, naturais ou artísticas (uma paisagem, a leitura de
uma poesia, a audição de uma sonata de Chopin, a contemplação de um bailado, etc.). A dimensão
sensorial e emocional desta experiência sobrepõe-se aos elementos cognitivos e racionais, o que
não dispensa os elementos cognitivos, embora haja quem considere desnecessária a sua presença
neste tipo de experiências. Na verdade, se para apreciar uma boa refeição não se exige nenhuma
intervenção do intelecto, já para apreciar um quadro de Van Gogh, um poema, ou uma cantata de
Bach, exige-se um certo tipo de conhecimentos e uma compreensão do significado que se
experimenta. Por isso, a experiência estética não se reduz a uma vivência meramente sensorial e
emocional. A experiência estética pode ser desencadeada pela contemplação de uma obra de arte
ou da própria Natureza, da sua beleza, do seu poder, grandiosidade e magnificência, e pode ser
experimentada pelo artista enquanto criador de uma obra de arte. A experiência estética a que
podemos aceder é sempre pessoal e subjetiva, uma verdadeira criação, realizada tanto pelo artista
como por quem contempla.
Juízo estético: são os que expressão uma apreciação pessoal e subjetiva acerca de um objeto,
considerando o sentimento de prazer e de agrado que ele nos proporciona.
Belo: que agrada aos olhos, que desperta agradavelmente os sentidos; que apraz à inteligência e ao
coração como obra de arte;
Gosto: sentido que nos permite distinguir o sabor das coisas; paladar, sabor;

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.2. A dimensão estética – Análise e compreensão da experiência estética

3.2.2. A criação artística e a obra de arte

O que é arte?

� Muitas pessoas que visitam museus de arte contemporânea, ou que assistem a concertos de

música experimental e a espetáculos de dança moderna perguntam-se: Mas isto é arte?

� Por que razão um urinol colocado num recinto de exposições pelo artista Marcel Duchamp é

arte e não são arte os urinóis das casas de banho da minha escola?

� Este é um problema filosófico, dado que não existe qualquer característica empírica que possa

ser diretamente observada nos objetos de arte e que nos permita distingui-los dos objetos que não

são arte.

� O que está em causa é o próprio conceito de arte. Conceito que deve poder aplicar-se a todos os

objetos que geralmente são classificados como objetos de arte.

� Uma dificuldade em definir arte: chamamos arte a coisas tão diferentes entre si como uma

canção, um poema, um edifício, uma escultura, um filme, um quadro, uma fotografia, etc.

� A discussão acerca da definição de arte implica ter algum conhecimento da história da arte,

principalmente das artes moderna e contemporânea.

� As teorias da definição de arte são teorias descritivas e não normativas.


� Uma boa maneira de testar as teorias propostas é procurar contraexemplos (daí a importância

de ter conhecimentos de história da arte).

� Algumas teorias procuram dar definições explícitas de arte. Uma definição explícita deve

apresentar as condições necessárias e suficientes do conceito a definir.

� Se as condições apresentadas não são necessárias, então a definição é demasiado exclusiva, pois

exclui coisas que costumam ser consideradas arte.

� Se as condições não são suficientes, então a definição é demasiado inclusiva, pois inclui coisas

que não devia incluir.

� As teorias da definição de arte que vamos discutir são:

 Teoria da imitação

 Teoria da expressão

 Teoria formalista

Teoria da imitação: x é um objeto de arte só se é uma imitação

� Esta não é, em bom rigor, uma verdadeira definição explícita, dado que só apresenta condições

necessárias. Se fosse uma definição explícita, em vez da expressão «só se» deveria estar «se, e só

se».

É esta expressão que indica que as condições são simultaneamente necessárias e suficientes.

� O que se quer dizer é, então, o seguinte: todas as obras de arte imitam algo, embora não seja

suficiente uma coisa imitar para ser arte.

� Exemplos de comentários (em tom depreciativo) de quem encara a arte do ponto de vista desta

teoria:

 Não vejo nada neste quadro a não ser riscos e manchas de tinta.

 Qual é a história do filme, afinal?

 Aquela dança representa o quê?

 Não consigo ver qualquer significado nesta escultura.

� Mas, ao contrário do que a definição indica, a imitação nem sequer uma condição necessária.

Há inúmeros casos de obras que todos consideramos arte e não imitam nada.
� Houve tempos em que os artistas procuravam sempre imitar algo com as suas obras, pelo que

esta teoria parecia plausível aos filósofos que apenas encontravam à sua volta obras de arte que

imitavam. Foi assim com Platão e Aristóteles.

� As palavras de um romance, os sons de uma sinfonia e muita da arte abstrata não imitam nada

que se reconheça. Algumas obras podem até evocar certas coisas ou ideias, mas evocar algo não é

o mesmo que imitar algo.

� Alguns defensores desta teoria procuraram melhorá-la e, em vez de afirmarem que a arte imita,

afirmam que a arte representa. Assim, as pinturas abstratas podem não imitar nada, mas

seguramente representam alguma coisa.

� Mesmo assim há contraexemplos: em muitas obras musicais e de arquitetura nada está a ser

representado.

� Mas a definição pode ainda ser melhorada: pode-se dizer que algo representa desde que tenha

um assunto, ou refira alguma coisa.

� A definição seria então: x é um objeto de arte só se x tem um assunto acerca do qual diz

algo.

� A ideia é a de que se uma obra pode ser interpretada, então é porque é acerca de algo (tem

conteúdo semântico).

� Esta reformulação parece finalmente ser capaz de se aplicar a todas as obras de arte.

� Mas será que todas as obras de arte têm mesmo um assunto?

� Tudo indica que isso não é verdade: há obras de música repetitiva em que o que interessa é o

mero efeito sonoro, assim como pinturas em que nada mais conta a não ser o efeito estritamente

visual que provocam. Não requerem qualquer interpretação.

� Conclusão: esta teoria parece deixar de fora obras que são consideradas arte, embora seja

verdade que muita da arte imita ou representa algo. Contudo, isso é ainda insatisfatório.

Teoria da expressão: x é arte só se consegue fazer o público sentir os mesmos sentimentos


que o artista, de facto, sentiu.
� Ao contrário da teoria da imitação, esta teoria não encara a arte como uma espécie de espelho

colocado diante da natureza, no qual ela se reflete. A teoria da expressão (fortemente influenciada

pelo romantismo) encara a arte como um veículo para exprimir emoções.

� O que conta não é tanto a realidade exterior, mas os sentimentos que se encontram no interior

do artista. Era isso que interessava aos artistas românticos. Daí que a ideia de imitação já não

servisse para explicar o que se passava na arte.

� Exemplos de comentários de quem encara a arte do ponto de vista desta teoria:

 " Isto não é arte porque não consegue emocionar ninguém.

 " Uma coisa só é arte se mexe com as pessoas.

 " Essa obra não é arte, pois falta-lhe autenticidade.

 " Trata-se de uma obra sem chama, sem qualquer interesse artístico.

� Há diferentes versões da teoria da expressão, Tolstoi defende uma delas. Para ele a arte é uma

forma de comunicação. Mas a diferença entre, por exemplo, uma notícia de jornal e a arte é que

esta expressa sentimentos e não outra coisa qualquer.

� A arte é um meio de unir as pessoas através desses sentimentos. Por isso há três condições sem

as quais uma obra não pode ser arte:

1. o artista

2. o público

3. um mesmo sentimento partilhado por ambos

� Isto significa que:

a) não há arte se o artista não sente qualquer emoção

b) não há arte se o público não sente qualquer emoção

c) não há arte se as emoções do artista e do público não são as mesmas

� A teoria implica também a autenticidade das emoções do artista, pois se assim não for, não

consegue partilhar as mesmas emoções com o público.

� Mas não é suficiente transmitir sentimentos; é preciso que os mesmos sentimentos passem do

artista para o público de forma intencional e que tais sentimentos não sejam sentimentos

generalizados, mas sentimentos resultantes de experiências individuais.


� Objeção: podemos transmitir intencionalmente sentimentos individualizados e isso não ser arte.

Exemplo: contas à tua mãe a tristeza que sentes por o teu namorado ter cortado contigo,

esperando que ela sinta a tua tristeza. Transmites intencionalmente um sentimento individualizado,

mas ao fazê-lo não estás a criar uma obra de arte.

� Resposta: ao transmitir intencionalmente sentimentos individualizados, o artista também

trabalha, examina e explora os sentimentos de modo a encontrar a forma mais adequada de os

transmitir.

� O artista não se limita a apresentar os sentimentos tal como surgem: o seu trabalho é clarificar

sentimentos. Por isso se diz que a arte nos ensina algo.

� A ideia é a de que se a ciência nos dá a conhecer o mundo exterior, a arte dá-nos a conhecer o

mundo interior, descobrindo o mundo das emoções e das suas variações. Por isso atribuímos valor

à arte.

� Objeção: se a intencionalidade na transmissão de sentimentos é uma condição necessária

(embora não suficiente) para a arte, então há obras que são consideradas arte e não transmitem

intencionalmente sentimentos. Exemplo: as Cartas Portuguesas de Mariana Alcoforado nem

sequer se destinavam a ser publicadas.

� Outra objeção: outra das condições necessárias é o artista e o público partilharem os mesmos

sentimentos. Mas quando um ator de cinema está prestes a ser morto e isso transmite angústia ao

espectador, será que ator e espectador experimentam efetivamente o mesmo sentimento?

� Outra objeção: a autenticidade dos sentimentos do artista é também uma condição necessária

para a arte. Mas há obras de arte que provocam sentimentos no espectador que o artista não teve

realmente. O cinema está cheio de exemplos desses.

� Outra objeção: clarificar emoções é uma condição necessária para a arte, diz o expressivista,

mas muita arte não clarifica emoções, limitando-se a apresentá-las em estado bruto. Exemplos:

música punk, filmes como Feios, Porcos e Maus.

� Será que a arte exprime, ao menos, sentimentos? Isso é muito duvidoso, por exemplo, no caso

da música chamada aleatória e em muita da chamada arte minimalista.


� Conclusão: a teoria da expressão não é suficientemente abrangente para incluir obras que são

geralmente consideradas arte. Porém, muita arte exprime sentimentos.

Teoria formalista: x é arte se, e só se, tem forma significante.

� A explosão da arte moderna, nomeadamente da arte abstrata, veio mostrar que a diversidade de

obras de arte é maior do que as teorias da imitação e da expressão supunham. A teoria formalista

tem em vista dar uma definição de arte que não exclua as obras de arte moderna.

� O filósofo e crítico de arte Clive Bell defendeu que as obras de arte são aquelas que provocam

em nós um determinado tipo de experiência pessoal e peculiar, a que dá o nome de emoção

estética.

� Em relação à emoção estética há 3 aspetos a esclarecer:

1. Aos objetos que provocam emoções estéticas chamamos «obras de arte».

2. Diferentes obras de arte podem provocar diferentes emoções, mas essas emoções têm de ser do

mesmo tipo.

3. A emoção estética é apenas o ponto de partida para compreender a arte.

� A emoção estética é o ponto de partida porque é uma emoção que só temos quando estamos

perante obras de arte.

� Mas as obras de arte não provocariam emoções estéticas em nós se não houvesse nelas qualquer

característica capaz de despertar tais emoções.

� A característica que existe em todas as obras de arte, e só nelas, capaz de provocar emoções

estéticas é a forma significante.

� Exemplos de comentários característicos de quem encara a arte de um ponto de vista formalista:

 Este quadro revela uma grande unidade e sentido de equilíbrio.

 É um romance bem estruturado, com um fio condutor onde se encaixam perfeitamente as

personagens.

 É uma dança com grande dinamismo e complexidade, mas consistente.

 Esta é uma canção com uma melodia simples, sóbria e elegante.


� Identificar a forma significante exige sensibilidade, mas também inteligência. A forma

significante é uma característica essencial e individuadora da arte.

� A forma significante na pintura reside numa certa combinação de linhas e cores; na música

reside numa certa organização temporal de sons.

� Objeção: há objetos que têm forma e a sua forma é significante mas não são considerados arte.

Exemplo: as placas de sinalização de trânsito.

� Resposta: Mas a finalidade das placas de sinalização de trânsito é informar-nos de algo e não

exibir a sua forma, como acontece com as obras de arte. As obras de arte são concebidas apenas

para exibir a sua forma.

� Para o formalista, mesmo que uma pintura represente algo, tal facto é esteticamente irrelevante.

� Uma das vantagens desta teoria é que pode incluir todo o tipo de obras de arte. Desde que

provoque emoções estéticas, qualquer objeto é arte. O caráter restritivo das teorias anteriores é

ultrapassado.

� Dificuldade: mas em que consiste exatamente a forma significante?

Quando é que uma forma é significante e quando não é significante?

� Resposta: qualquer pessoa sensível percebe quando uma obra tem forma significante, pois

sente uma emoção estética perante elas.

� Objeção: dizer que as pessoas que não têm emoções estéticas perante certas obras de arte são

insensíveis à forma significante é apenas uma maneira de evitar dificuldades. Por exemplo, que

diferença existe entre a Caixa de Brillo de Andy Warhol e as caixas vulgares que ela imita

rigorosamente?

� Outra objeção: a forma significante na pintura é diferente da forma significante na escultura,

na literatura, no cinema, na música, no teatro, etc. Ora, isso faz com que a forma significante seja

formada por um conjunto de características tão vasto que acaba por se tornar um conceito vago

(dificilmente se imagina o que é um contraexemplo).

� O formalista pode ainda dizer que a forma significante é a propriedade que provoca em nós

emoções estéticas. Mas isso levanta o problema de saber o que são emoções estéticas. Só que não
se pode agora dizer que uma emoção estética é aquele tipo de experiência provocada pela forma

significante. Esta resposta é insatisfatória, pois é circular.

� Contudo, a forma é um dos aspetos importantes de muita da arte moderna.

Definição dos conceitos nucleares


Arte: a arte é uma estilização do real, uma transfiguração enraizada na realidade e que produz
outra realidade, u processo duplamente criador (do artista/criador que produz a obra e do
espectador que a contempla e lhe recria um sentido). A arte pode ser encarada e abordada como
produção humana, autêntica e original, reflexo da personalidade do artista (abordagem
psicológica); como reflexo da sociedade, traduzindo, de certo modo, a identidade cultural de um
povo e de uma cultura (abordagem sociológica); como expressão de novos modos de «ver» e de
dar sentido à realidade, esclarecendo e enriquecendo a nossa experiência na medida em que
contribui para a desocultação e revelação do ser das coisas (abordagem ontológica); como produto
da atividade humana ao qual se confere, para além de valor estético, valor económico e se trata
como uma mercadoria numa sociedade em que a industrialização e o consumo se estenderam
também a cultura e, portanto, ao mundo da arte; como uma forma de comunicação ou como uma
linguagem. Há uma imensa variedade de obras de arte de diferentes tipos: a pintura, a escultura, a
arquitetura, a literatura, a musica, a dança, a fotografia e o cinema.

II.A ação humana e os valores

3. Dimensões da ação humana e dos valores

3.2. A dimensão estética – Análise e compreensão da experiência estética

3.2.3. A Arte – produção e consumo, comunicação e conhecimento

O que torna a arte valiosa?

� É um facto que as pessoas de todos os países e épocas dão valor à arte. O que tem a arte de

especial, que leva as pessoas a atribuir-lhe tanta importância?

� O problema do valor da arte é um problema filosófico, pois não somos capazes de identificar

uma qualquer característica empírica nas obras de arte que lhes confira valor.

� O problema do valor da arte não deve ser confundido com o problema da avaliação das obras de

arte.
� Os filósofos divergem em relação àquilo que torna uma obra de arte valiosa. Há dois tipos de

teorias filosóficas acerca do valor da arte: esteticismo e funcionalismo.

Esteticismo (ou teoria da arte pela arte): a arte tem valor em si mesma, independentemente
de quaisquer critérios exteriores.

� A arte é inútil e não tem qualquer finalidade ou função, o que, segundo Oscar Wilde, a coloca

acima de qualquer outra atividade.

Está acima da ética, da política, da religião, etc.

� É certo que muitas obras de arte foram criadas com alguma finalidade (finalidades religiosas,

políticas, etc.), mas não é isso que as torna valiosas. Razão pela qual até um ateu pode valorizar

obras de arte religiosa.

� Objeção: é uma teoria elitista, pois encara a arte como uma espécie de luxo a que só algumas

pessoas se podem dedicar. Mas a arte é valorizada por quase todas as pessoas.

� Outra objeção: conduz ao decadentismo, pois a arte torna irrelevantes quaisquer outros

valores, como a verdade, o bem, etc.

Mas não são muitas as pessoas a dar valor à arte se, por exemplo, ela for manifestamente imoral.

� A teoria de que a arte tem valor em si mesma parece insatisfatória, pois as pessoas não dão valor

algo sem que haja alguma razão para isso.

Há várias teorias que defendem que a arte tem valor porque tem uma função importante. Os que as

distingue é identificarem funções diferentes para a arte. São as teorias funcionalistas, também

chamadas instrumentalistas.

Arte e prazer: a arte tem valor porque é um meio de nos proporcionar prazer.

� Hume considerava que era a sensação de agrado que as obras de arte nos dão que as torna

valiosas e desperta o nosso interesse por elas.

� Objeção: mas o simples agrado não pode explicar por que razão dá-mos tanto valor à arte. Há

muitas outras coisas que nos agradam e a que não atribuímos a mesma importância: podemos ficar
deliciados com uma tablete de chocolate mas não a comparamos com Cem Anos de Solidão de

Gabriel Garcia Marquez.

� Resposta: o agrado, ou prazer, devem ser entendidos como divertimento. Comer chocolate não

é um divertimento.

� Objeção: praticar desporto é um divertimento. Contudo não valorizamos o desporto e a arte da

mesma maneira.

� Outra objeção: há muitas obras de arte que não proporcionam prazer; algumas provocam até

sensações contrárias às de prazer, como sucede com os filmes de terror.

� Resposta: o prazer proporcionado pelas obras de arte é um prazer de tipo superior e não

meramente sensível.

� Ainda que a arte não tenha valor por proporcionar prazer, é um facto que muitas obras de arte

dão prazer.

Arte e moral: a arte tem valor porque exprime sentimentos que contribuem para o progresso
moral da humanidade.

� Já Platão e Aristóteles defendiam que a arte tinha importantes implicações morais. Platão

considerava essas implicações moralmente nefastas, enquanto Aristóteles as considerava

benéficas.

� Platão considerava que a arte leva a um comportamento pouco racional, na medida em que

apela à imitação de emoções. A arte apresenta-nos, pois, falsos modelos, moralmente reprováveis.

� Aristóteles considera, pelo contrário, que a imitação de tais modelos nos oferece a

possibilidade de, por um lado, exaltar os bons sentimentos e de, por outro, libertar os maus

(catarse), contribuindo para um maior equilíbrio emocional das pessoas.

� Mas uma coisa é dizer que muitas obras de arte têm implicações morais, outra diferente é

afirmar que o valor da arte em geral reside na sua função moral. É esta última a teoria defendida

por Tolstoi.

� Para Tolstoi a arte não tem valor em si mesma, nem tem valor porque proporciona prazer. A arte

tem valor porque o artista apela à união entre as pessoas, contagiando-as com os seus sentimentos.
Contribui, assim, para uma maior humanidade e harmonia social.

� Objeção: como já se viu antes, muitas obras de arte nem sequer procuram exprimir qualquer

sentimento, pelo que também não podem ter uma função moral.

� Resposta: essas obras são, de acordo com Tolstoi, obras de arte falhadas.

� Entre as obras de arte falhadas, Tolstoi inclui óperas de Wagner e até dois dos seus mais

importantes romances (consideradas por muitos como obras-primas da literatura universal). Mas

isso parece inaceitável.

Arte e conhecimento: a arte tem valor porque alarga o nosso conhecimento.

� Esta teoria é conhecida como cognitivismo estético. Para os cognitivistas, só o facto de a arte

contribuir para aumentar o nosso conhecimento pode explicar o valor que lhe atribuímos, pois o

conhecimento é algo que valorizamos muito (mais do que o prazer e do que o eventual conteúdo

moral das obras de arte, o qual nem todas as pessoas partilham).

� O cognitivista considera que podemos aprender com poemas, músicas, pinturas, peças de dança,

etc.

� Objeção: mas como pode um poema ou uma melodia ensinar-nos algo, uma vez que o

conteúdo dos poemas e melodias não é verdadeiro nem falso, como o das teorias científicas.

� Resposta: o conteúdo das obras de arte não deve ser interpretado em sentido literal. A arte,

argumenta o filósofo Nelson Goodman, funciona de modo simbólico, metafórico e não literal. É

desse modo que a arte consegue ensinar-nos algo que de outra maneira não seria fácil de

compreender.

� Além disso, a arte pode alargar o nosso conhecimento, pois enriquece muitos aspetos da

experiência humana, os quais acabam, por sua vez, por influenciar a maneira como olhamos para o

mundo.

� O conhecimento proporcionado pelas obras de arte pode não ser de tipo proposicional (como o

das teorias científicas), mas não deixa de ser conhecimento. Em vez de rivalizarem entre si, arte e

ciência complementam-se para aumentar o nosso conhecimento.

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia


1. Argumentação e lógica formal

1.1. Distinção validade/verdade

� A lógica permite avaliar se as afirmações são ou não corretamente inferidas, distinguindo os

argumentos validos dos inválidos e identificar as regras que permitem afirmar se são ou não

validos. A lógica, ajuda-nos a aprender a construir e a avaliar argumentos validos, garantindo deste

modo que partindo de premissas verdadeiras consegue-se chegar a uma conclusão verdadeira. Ou

seja, a lógica investiga as regras de carência dos raciocínios e permite a formalização do

pensamento, independentemente dos seus possíveis conteúdos materiais. Dentro da lógica existe

também a lógica formal, que é uma ciência que estuda as leis que permitem estruturar

corretamente o nosso pensamento através da explicitação das propriedades dos argumentos

válidos.

� Um conceito é uma representação lógica abstrata que designa na mente, um conjunto ou uma

classe de objetos.

� Um termo é a expressão verbal do conceito, sendo os conceitos representações mentais

abstratas dos termos.

� Um juízo é a ligação mental de um ou mais conceitos. Desta forma, exprime-se por uma

proposição, ou seja, uma expressão verbal, oral ou escrita do juízo.

� O raciocínio é o encadeamento de juízos em que a verdade de um depende da verdade e da sua

ligação com os outros. No entanto, o raciocínio exprime-se por argumentos, os quais constituem

discursos de três diferenciados tipo: dedutivo, indutivo e analógico. Por exemplo, o raciocínio

analógico parte, então, de uma suposição inicial, que pode ser um pressentimento, uma ideia, uma

hipótese, para uma similaridade de estrutura, enquanto que o indutivo, parte de um certo numero

de casos estudados e induz que o que se verificou nos casos analisados também se verificará em

todos os casos do mesmo género. Finalmente, o raciocínio dedutivo é uma operação intelectual

mediante a qual o pensamento, a partir de uma ou mais proposições dadas (premissas) e

relacionadas entre si, retira uma conclusão que deriva logicamente das primeiras.
A extensão e compreensão dos conceitos

� Extensão (denotação) de um conceito – é o conjunto de seres, coisas, membros que são

abrangidos por ele, ou seja, são os elementos da classe lógica que é definida pelo conceito.

Ex: o conceito “ovo” abrange e estende-se a vários seres, pardais, melros, pintainhos, águias,

falcões, andorinhas, periquitos.

� Compreensão (intensão) de um conceito – é o conjunto de qualidades, propriedades, notas,

características ou atributos que definem esse conceito.

Ex: o conceito de “cavalo” contém as seguintes características: ser, animais vertebrados,

mamíferos, não racionais.

� A Compreensão e a extensão variam na razão inversa ou seja, à medida que aumenta a

extensão, diminui a compreensão. Á medida que a extensão diminui, aumenta a compreensão. Por

outras palavras, quanto maior é o numero de elementos a que o conceito se aplica (extensão),

menor é a quantidade de características comuns (compreensão).

� Estes conceitos estão dispostos por ordem decrescente quanto á extensão e por ordem crescente

quanto à compreensão.

Ser

 Ser vivo Extensão

Animal

Vertebrado

Compreensão Mamífero 
Cão

Ordem decrescente de extensão « - » Ordem crescente da compreensão

Assim sendo:

Crescente de extensão: + específico para o – específico

Decrescente de extensão: - específico para o + específico

Crescente de compreensão: - específico para o + específico

Decrescente de compreensão: + específico para o – específico


Proposição

� Uma proposição/ juízo é uma frase ou enunciado que relaciona conceitos entre si, afirmando

ou negando algo em relação a cada um, possuindo valor de verdade.

Ex: A Física é uma ciência (é proposição porque relaciona entre si dois conceitos e tem valor de

verdade verdadeiro)

A Biologia não é uma ciência (é proposição com valor de verdade falso)

Só as frases declarativas podem exprimir proposições. As frases interrogativas, exclamativas,


prescritivas e as promessas não exprimem proposições.

Argumento:

� Um argumento/raciocínio é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma

delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam as

premissas.

Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de


proposições organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão
apresentada são argumentos.

Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente
apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante
da discussão filosófica.

Validade e verdade:

� A verdade depende unicamente da matéria/conteúdo das proposições (premissas/conclusão),

se são verdadeiras ou falsas.

� A validade depende unicamente da forma dos argumentos, se são válidos ou inválidos.

O que é a argumentação?

A lógica estuda a argumentação. Mas o que é argumentar?

� Argumentar é defender ideias com razões.


De certo modo, a argumentação é como a gramática: está sempre presente no nosso dia a dia,

sempre que pensamos e conversamos, mas não nos damos conta, geralmente, da sua existência. Só

ao estudar lógica somos levados a pensar diretamente em algo que estamos sempre a usar sem

reparar.

Proposições, valor de verdade e frases

Tanto as ideias que queremos defender nos nossos argumentos como as razões que usamos para as

defender são proposições.

� Uma proposição é o pensamento que uma frase declarativa exprime literalmente.

Só as frases declarativas podem exprimir proposições. As frases interrogativas, exclamativas,

prescritivas e as promessas (incluindo as ameaças) não exprimem proposições. As frases seguintes

não exprimem proposições:

 «Fecha a janela!» (Frase imperativa.)

 «Será que há água em Marte?» (Frase interrogativa.)

 «Quem me dera ter boas notas a Filosofia!» (Frase exclamativa.)

 «Prometo que te devolvo o livro amanhã.» (Promessa.)

As frases imperativas, interrogativas e exclamativas, assim como as promessas, não exprimem

proposições porque não exprimem pensamentos que possam ter valor de verdade.

� O valor de verdade de uma proposição é a verdade ou falsidade dessa proposição.

Como é evidente, uma pergunta não pode ser verdadeira nem falsa. E uma exclamação também

não pode ser verdadeira nem falsa; nem uma promessa ou uma ordem. Uma promessa, por

exemplo, pode ser cumprida ou não, e pode ser feita com a intenção de a cumprir ou não; mas não

pode ser verdadeira nem falsa. Só as frases declarativas podem exprimir proposições.

Não faz sentido dizer que a exclamação «Quem me dera ir a Marte!» é falsa ou verdadeira, mas

faz sentido perguntar se a frase declarativa «Há gelo em Marte» é verdadeira ou falsa.

E o que é uma frase?

� Uma frase é uma sequência de palavras que podemos usar para fazer uma asserção ou uma

pergunta, dar uma ordem ou exprimir um desejo.

Assim, as seguintes sequências de palavras são frases:


 Está a chover.

 Emprestas-me o teu carro?

 Se não me devolveres a carteira, vou à Polícia.

Mas as seguintes sequências de palavras não são frases:

 Se vieres comigo.

 Ou te calas ou.

 Verde se pimenta ou caderno não.

Argumentos, premissas e conclusões

Para compreender o que é um argumento vamos começar por ver o seguinte exemplo:

João — Este quadro é horrível! É só traços e cores! Até eu fazia isto!


Adriana — Concordo que não é muito bonito, mas nem toda a arte tem de ser bela.
João — Não sei… por que razão dizes isso?
Adriana — Porque nem tudo o que os artistas fazem é belo.
João — E depois? É claro que nem tudo o que os artistas fazem é belo, mas daí não se segue nada.
Adriana — Claro que se segue! Dado que tudo o que os artistas fazem é arte, segue-se que nem
toda a arte tem de ser bela.
A Adriana está a argumentar que nem toda a arte é bela. Estamos perante um argumento sempre
que alguém apresenta um conjunto de razões a favor de uma ideia.

� Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende que uma delas (a conclusão)

seja apoiada pelas outras (as premissas).

O argumento da Adriana percebe-se melhor se o escrevermos assim:

Premissa 1: Nem tudo o que os artistas fazem é belo.

Premissa 2: Tudo o que os artistas fazem é arte.

Conclusão: Nem toda a arte é bela.

O argumento da Adriana tem duas premissas e uma conclusão. Mas os argumentos podem ter

apenas uma premissa, ou mais de duas; contudo, só podem ter uma conclusão.

� Uma premissa é uma proposição usada num argumento para defender uma conclusão.

� Uma conclusão é a proposição que se defende, num argumento, recorrendo a premissas.


Um argumento é um conjunto de proposições. Mas nem todos os conjuntos de proposições são

argumentos. Para que um conjunto de proposições seja um argumento é necessário que essas

proposições tenham uma certa estrutura: é necessário que uma delas exprima a ideia que se quer

defender (a conclusão), e que a outra ou outras sejam apresentadas como razões a favor dessa ideia

(a premissa ou premissas).

Se nos limitarmos a apresentar ideias, sem as razões que as apoiam, não estamos a apresentar

argumentos a favor das nossas ideias. E se não apresentarmos argumentos, as outras pessoas não

terão qualquer razão para aceitar as nossas ideias. Argumentar é entrar em diálogo com os outros.

Um raciocínio ou uma inferência é um argumento. Raciocinar ou inferir é retirar conclusões de

premissas.

Validade dedutiva e forma lógica

A distinção validade-verdade

Em lógica e filosofia chama-se válido a um argumento correto, independentemente de as suas

premissas serem verdadeiras ou falsas. O termo «validade» não se aplica a proposições. E os

argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos.

� Os argumentos podem ser válidos ou inválidos, mas não podem ser verdadeiros nem falsos.

� As proposições podem ser verdadeiras ou falsas, mas não podem ser válidas nem inválidas.

Este é um uso especializado da palavra «validade». Este uso da palavra, que se faz em lógica e

filosofia, é diferente do uso popular, que se faz no dia a dia. No dia a dia diz-se que uma

proposição é válida querendo dizer que é interessante ou verdadeira. E diz-se que um argumento é

verdadeiro quando é correto. Mas este uso tem de ser abandonado em filosofia e lógica, porque

confunde duas coisas muito diferentes: a validade e a verdade.

Como vimos, as premissas e a conclusão dos argumentos são proposições.

Portanto, os argumentos contêm proposições, e as proposições podem ser verdadeiras ou falsas.

Mas isto é diferente de dizer que o próprio argumento é verdadeiro ou falso. Um argumento não

pode ser verdadeiro nem falso.

Do facto de um argumento ser um conjunto de proposições não se segue que o próprio argumento

é uma proposição. Um conjunto de pessoas não é uma pessoa.


Os argumentos não podem ser verdadeiros nem falsos porque não são proposições; e não são

proposições porque nada afirmam sobre a realidade.

Um argumento limita-se a estabelecer uma relação entre proposições que afirmam coisas sobre a

realidade.

Não é necessário definir a noção de verdade. A noção normal, que usamos no dia a dia, é

suficiente.

Uma afirmação como «Só a ciência produz conhecimento» só é verdadeira se só a ciência produz

conhecimento; uma afirmação como «É errado torturar crianças inocentes por prazer» só é

verdadeira se é errado torturar crianças inocentes por prazer. A verdade e a falsidade aplicam-se a

proposições, consoante as proposições representam corretamente ou não a realidade.

Mas temos de definir a validade, pois trata-se de uma noção central da lógica, e uma noção

especializada, diferente do uso normal da palavra. A validade de um argumento refere-se a um

certo aspeto da correção do argumento. Há dois tipos de validade: a dedutiva e a não dedutiva.

Para já, vamos falar apenas da validade dedutiva. A validade não dedutiva será muito brevemente

abordada. (VER ARGUMENTOS E FALACIAS INFORMAIS)

Consideremos o seguinte argumento:

Platão e Sócrates eram gregos.


Logo, Platão era grego.
Não é difícil ver que é impossível a premissa ser verdadeira e a conclusão falsa, ao mesmo tempo.
É isto que é a validade dedutiva.
� Um argumento dedutivo é inválido quando é possível que as suas premissas sejam verdadeiras

e a sua conclusão falsa.

� Num argumento dedutivamente válido é impossível as premissas serem verdadeiras e a

conclusão falsa.

Consideremos agora outro argumento:

Platão e Sócrates eram lisboetas.

Logo, Platão era lisboeta.

Este argumento também é dedutivamente válido. Não é difícil ver que é impossível a premissa ser

verdadeira e a conclusão falsa, ao mesmo tempo.


Mas é óbvio que tanto a premissa como a conclusão deste argumento são falsas. Isto não contraria

a definição de validade dedutiva. Pois desde que seja impossível que as premissas de um

argumento sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa, o argumento será dedutivamente válido —

mesmo que todas as suas premissas sejam falsas e mesmo que a sua conclusão seja igualmente

falsa.

Quando se diz que um argumento é dedutivamente válido estamos unicamente a excluir a seguinte

possibilidade: que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Isto é a única coisa que não

pode acontecer num argumento dedutivamente válido.

Se podemos ter argumentos dedutivamente válidos com conclusões falsas, qual é o interesse da

validade dedutiva? O interesse é que a validade dedutiva é um dos elementos da argumentação

dedutiva correta; sem esse elemento não há argumentação dedutiva correta; mas, só por si, esse

elemento é insuficiente para a argumentação dedutiva correta.

Eis uma comparação útil: o processo de fazer um bolo, o modo como se misturam os ingredientes,

é importante para a qualidade do bolo. Mas só por si não chega, pois por melhor que se misturem

os ingredientes, se estes forem de má qualidade, o bolo será mau. Mas se os ingredientes forem

bons e os misturarmos mal, o bolo será também mau. Por isso, precisamos das duas coisas: bons

ingredientes e bons processos de confeção. Do mesmo modo, na argumentação tanto precisamos

de premissas verdadeiras como de validade:

� A validade de um argumento sem a verdade das suas premissas tem como resultado um mau

argumento.

� A verdade das premissas de um argumento sem a sua validade tem como resultado um mau

argumento.

O objetivo da argumentação é ter as duas coisas: validade e premissas verdadeiras. Mas um

argumento não deixa de ser válido por não ter premissas verdadeiras. Retomemos os dois

argumentos anteriores:

Platão e Sócrates eram gregos.


Logo, Platão era grego.
Platão e Sócrates eram lisboetas.
Logo, Platão era lisboeta.
O segundo argumento conclui falsamente que Platão era lisboeta e o primeiro conclui a verdade;

mas ambos são válidos. O problema do segundo argumento não é faltar-lhe a validade; o que lhe

falta é a solidez.

� Um argumento sólido é um argumento válido com premissas verdadeiras.

O segundo argumento não é sólido, dado que a sua premissa é falsa.

Quando um argumento não é sólido, ainda que seja válido, a sua conclusão tanto pode ser

verdadeira como falsa. Mas se um argumento for sólido, a sua conclusão é verdadeira.

A validade é uma relação entre valores de verdade e a estrutura de um argumento. Se um

argumento tiver uma dada estrutura, será impossível ter premissas verdadeiras e conclusão falsa.

Assim, a validade e a verdade são coisas diferentes, mas estão relacionadas entre si.

Fala-se por vezes de dedução. Uma dedução é um argumento cuja validade pode ser determinada

à luz da validade dedutiva.

Em suma,

Forma lógica

Retomemos os dois argumentos apresentados na secção anterior:

Platão e Sócrates eram gregos.


Logo, Platão era grego.

Platão e Sócrates eram lisboetas.


Logo, Platão era lisboeta.
Como vimos, ambos os argumentos são válidos. Não é difícil ver que há algo de comum aos dois

argumentos. Na realidade, a única diferença é que o primeiro fala de gregos e o segundo de

lisboetas. À parte isso, são iguais.

Além disso, não é difícil ver que tanto faz falar de gregos, lisboetas, franceses ou qualquer outra

coisa: o argumento que obtemos será sempre válido.

Platão e Sócrates eram ananases.


Logo, Platão era um ananás.
Por mais tolas que sejam a premissa e conclusão, o argumento é válido desde que tenha uma certa

estrutura ou padrão. Vamos descobrir que estrutura é essa.

É evidente que dizer «Platão e Sócrates eram gregos» é apenas uma forma abreviada e mais

elegante de dizer «Platão era grego e Sócrates era grego»:

Platão era grego e Sócrates era grego.


Logo, Platão era grego.
Não é difícil ver que não temos de estar a falar de Platão nem de Sócrates para o argumento ser

válido:

O João é alto e a Maria é baixa.


Logo, o João é alto.
Seja o que for que vem antes e depois do «e», se a conclusão repetir o que vem antes do «e», o

argumento é válido:

— e __.
Logo, —.

(Também não é difícil ver que se a conclusão repetir o que vem depois do «e», o argumento será

igualmente válido.)

Em vez de assinalarmos os lugares vazios com — e __ vamos usar letras do alfabeto:

P e Q,
Logo, P.

As letras maiúsculas P, Q, R, etc., representam lugares vazios que só podem ser ocupados por

proposições. Se P for a proposição expressa pela frase «Platão era grego» e se Q for a proposição

expressa pela frase «Sócrates era grego», obtemos o primeiro argumento apresentado nesta secção.
� Chama-se variável proposicional às letras P, Q, R, etc., que representam lugares vazios que só

podem ser ocupados por proposições.

Chegámos, assim, à estrutura relevante dos argumentos apresentados. A essa estrutura ou padrão

chama-se forma lógica. Independentemente de falarem de Platão e Sócrates, de gregos ou

lisboetas, de João e Maria, de ser alto ou baixo, todos os argumentos apresentados são válidos

porque todos têm a mesma forma lógica válida.

� A forma lógica é, aproximadamente, a estrutura de um argumento ou proposição relevante para

a validade dedutiva.

Na lógica formal estudam-se os argumentos cuja validade depende exclusivamente da sua forma

lógica; é por isso que se chama «formal». A lógica informal estuda argumentos cuja validade não

depende exclusivamente da sua forma lógica; é por isso que se chama «informal».

Indicadores típicos de conclusão (tese a demonstrar no argumento):

 Logo
 Então
 Daí que
 Assim
 Portanto
 Por isso
 Segue-se que
 Por consequência
 Por conseguinte
 Infere-se que
 Consequentemente
 É por essa razão que
 Contudo
Indicadores típicos de premissa:
 Porque
 Pois
 Ora
 Se
 Uma vez que
 Posto que
 Visto que
 Tendo em conta que
 Em virtude de
 Devido a
 Considerando que
 Dado que
 Por causa de
 Como
 A razão é que
Dedução e Indução

Dedução

� A dedução é uma operação mental pela qual se conclui de uma ou mais premissas, tomadas

como antecedente uma proposição que delas deriva necessariamente, em virtude da observância de

regras lógicas.

O valor da dedução esta em ser rigorosa, dado que para alem de obedecer a regras formais, acaba

por dizer na conclusão algo, cerca de alguns, que se encontrava já presente em todos, ou seja, nas

premissas. Contudo, a dedução apresenta a desvantagem de não ampliar conhecimentos visto que

aquilo que se afirma na conclusão estava já implícito nas premissas.

Ex: Todos os jogadores de futebol são desportistas


Figo é jogador de futebol
Logo, Figo é desportista
(Parte do Geral para o Particular)

Indução

� A indução é a operação mental eu, partindo de um certo número de factos particulares, conclui

uma lei geral, aplicável a todos os casos da mesma espécie.

A indução, na medida em que parte de alguns casos particulares e chega a uma conclusão

aplicando a todos os casos, permite ampliar ou aumentar conhecimentos.

Apresenta porem a desvantagem de não ser rigorosa, possibilitando, nesse sentido, o aparecimento

de casos excecionais que ponham em causa a verdade da conclusão.

Ex: A Terra, Marte, Vénus, Saturno, Neptuno são planetas.


A Terra, Marte, Vénus, Saturno, Neptuno não brilham com luz própria.
Logo, todos os planetas não brilham com luz própria.
(Parte do particular para o plural)

Definição dos conceitos nucleares

Argumento e proposição
Todos estes conceitos foram
Forma e conteúdo abordados de forma geral ao
longo deste tema, tendo sido
definidos
Validade e verdade
Dedução e indução

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia

1. Argumentação e lógica formal

1.2. Formas de interferência válida

Lógica Silogística (Aristotélica)

� A lógica aristotélica foi introduzida por Aristóteles (384-322 a. C.) e sistematizada na Idade

Média. A parte da lógica aristotélica que vou abordar é a lógica silogística, que se ocupa apenas da

validade dedutiva de um certo tipo de argumentos, os chamados «silogismos».

As quatro formas lógicas: A, E, I, O

Na lógica aristotélica reconhecem-se apenas proposições que tenham uma de quatro formas

lógicas:

1. Todos os A são B.
2. Nenhum A é B.
3. Alguns A são B.
4. Alguns A não são B.
Estas proposições são classificadas como se segue:

 «Todos os A são B» são as de tipo A ou universais afirmativas.

 «Nenhum A é B» são as de tipo E ou universais negativas.

 «Alguns A são B» são as de tipo I ou particulares afirmativas.

 «Alguns A não são B» são as de tipo O ou particulares negativas.

As proposições destes tipos incluem sempre dois termos. O termo sujeito é aquele que ocupa o

lugar de A. O termo predicado é aquele que ocupa o lugar de B. E diz-se que um juízo é a

atribuição de um termo predicado a um termo sujeito, segundo a estrutura «S é P» (Sujeito é

Predicado). Por exemplo, o termo sujeito em «Todos os animais são seres vivos» é «animais» e o

termo predicado é «seres vivos».

A classificação das proposições


� A classificação das proposições realiza-se tendo em conta dois fatores: a quantidade e a

qualidade. A quantidade refere-se à extensão do termo sujeito da proposição.

� A proposição é universal quando abrange a totalidade da extensão do termo sujeito.

Exemplos: Todos os lisboetas são portugueses. – Tipo A

Nenhum alentejano é lisboeta. – Tipo E

� Uma proposição é particular quando abrange apenas uma parte da extensão do termo sujeito.

Exemplos: Alguns comerciantes são honestos. – Tipo I

Alguns alunos não são estudiosos. – Tipo O

� A qualidade de uma proposição refere-se ao seu caráter afirmativo ou negativo.

Afirmando, declara-se que determinado termo predicado se aplica a determinado termo sujeito;

negando, declara-se que determinado termo predicado não se aplica a determinado termo sujeito.

As proposições podem ser afirmativas (as de tipo A e de tipo I) ou negativas (as de tipo E e de tipo

O).

A forma canónica das proposições

� Nem sempre as proposições aparecem na sua forma canónica. Por exemplo, a frase «Há homens

mortais» exprime uma proposição de tipo I, mas não está na forma canónica. De modo a colocá-la

na forma canónica das proposições de tipo I («Alguns A são B»), teríamos de a exprimir através da

frase «Alguns homens são mortais».

� A tabela que se segue mostra algumas formas de exprimir proposições de tipo A, E, I O,

indicando a sua transformação na forma canónica.


Teoria do silogismo

� Um silogismo é uma forma particular de raciocínio (argumento) dedutivo, constituída por três

proposições categóricas (que afirmar ou negam algo de forma absoluta e incondicional): duas

premissas e uma conclusão

Todos os portugueses são sábios.


Todos os minhotos são portugueses.
Logo, Todos os minhotos são sábios.

� Além de terem duas premissas e unicamente proposições de uma das quatro formas silogísticas,

os silogismos têm de obedecer a uma certa configuração:

 O termo maior é o termo predicado da conclusão e ocorre uma única vez na primeira
premissa (premissa maior).
 O termo menor é o termo sujeito da conclusão e ocorre uma única vez na segunda premissa
(premissa menor).
 O termo médio é o termo que surge em ambas as premissas, mas não na conclusão.

Assim,

Premissa maior Todo o homem é racional


Termo Médio
Premissa menor Nenhum animal é racional
Conclusão Nenhum animal é homem

Termo Menor Termo Maior

Por exemplo, no argumento acima o termo maior é «sábios», o menor é «minhotos» e o médio é

«portugueses».

� Nem sempre os argumentos surgem na sua forma silogística (a que também se chama «forma

padrão»). Para colocar um argumento na forma silogística, é preciso apresentar as premissas pela

ordem correta. A premissa maior deve estar sempre acima da premissa menor. O argumento «Não

há filósofos dogmáticos, visto que qualquer filósofo é crítico; mas nenhum dogmático é crítico»

não se encontra na forma silogística.


Na forma silogística este argumento teria de ser apresentado do seguinte modo:

Nenhum dogmático é crítico. (Premissa maior.)


Todos os filósofos são críticos. (Premissa menor.)
Logo, nenhum filósofo é dogmático. (Conclusão.)

� Os silogismos têm uma dada forma lógica. Para representar essa forma lógica, temos de usar

símbolos. Para compreendermos melhor a noção de forma lógica vamos comparar dois silogismos:

1. 2.
� No
Todos os anfíbios são vertebrados. Todos os portugueses são europeus.
que
Todas as rãs são anfíbios. Todos os vimaranenses são portugueses.
Logo, todas as rãs são vertebrados. Logo, todos vimaranenses são europeus. respeita

ao

conteúdo, estes silogismos em nada se assemelham, pois as proposições que os constituem são

acerca de assuntos completamente diferentes. Mas têm exatamente a mesma forma lógica. Essa

forma é a seguinte:

Todos os A são B.
Todos os C são A.
Logo, todos os C são B.

� Obteremos os argumentos 1 e 2 se substituirmos «A», «B» e «C» pelos termos apropriados. É

importante distinguir o conteúdo dos argumentos da sua forma lógica, porque a validade dedutiva

depende exclusivamente da forma lógica. Ou seja, para determinar se um argumento é

dedutivamente válido, podemos ignorar o seu conteúdo e examinar apenas a sua forma. Os

argumentos 1 e 2 têm uma forma silogística válida, mas outros têm formas inválidas. Assim,

podemos dizer o seguinte:

 A forma lógica de um argumento é a sua estrutura relevante para a validade dedutiva.

Regras do silogismo válido

� Um silogismo é válido se, e apenas se, satisfaz todas as regras da validade silogística.

As regras da validade silogística distribuem-se por dois grupos: as regras para termos

(três regras) e as regras para proposições (quatro regras). Comecemos com as regras para

termos:
Regra 1: Um silogismo tem de ter exatamente três termos: termo maior, menor e médio.

Por vezes, um silogismo tem «disfarçadamente» mais de três termos, quando um dos termos é

ambíguo e está a ser usado com dois significados diferentes:

As margaridas são flores


Algumas mulheres são Margaridas.
Logo, algumas mulheres são flores.

� Neste caso, o termo «margaridas» é usado em dois sentidos diferentes (valendo por dois

termos): no sentido de nome de flor e de nome próprio de algumas mulheres.

Assim, o silogismo não é válido porque tem quatro e não três termos.

Regra 2: O termo médio tem de estar distribuído pelo menos uma vez.

 Um termo está distribuído quando refere todos os membros da classe.

� Por exemplo, na afirmação «todos os cães são carnívoros», o termo «cães» está distribuído pois

estamos a referir-nos a todos os cães. Mas o termo «carnívoros» não está distribuído já que não

estamos a referir-nos a todos os carnívoros. Podemos concluir que nas proposições de tipo A o

termo sujeito está distribuído mas o termo predicado não.

Para sabermos se, numa das proposições reconhecidas pela lógica aristotélica, o termo sujeito ou o

termo predicado estão distribuídos basta reter o seguinte:

 O termo sujeito só está distribuído nas proposições universais.

 O termo predicado só está distribuído nas proposições negativas.

A distribuição dos termos pode representar-se na seguinte tabela:


Vejamos
o
seguinte

exemplo:

Todos os romances são obras literárias.


Todos os poemas são obras literárias.
Logo, todos os poemas são romances.
� Este silogismo é inválido, porque o termo médio «obras literárias», nunca está distribuído, pois
em ambas as premissas é predicado numa proposição de tipo A.

Regra 3: Se um termo ocorre distribuído na conclusão, tem de estar distribuído nas

premissas.

Os espanhóis são ibéricos.


Os portugueses não são espanhóis.
Logo, os portugueses não são ibéricos.

� O argumento anterior é um silogismo inválido porque o termo «ibéricos» está distribuído na

conclusão, mas não na premissa.

Consideremos agora as regras para as proposições:

Regra 4: Nenhuma conclusão se segue de duas premissas negativas.

Nenhum crocodilo tem guelras.


Nenhum crocodilo é um peixe.
Logo, alguns peixes não têm guelras.

� Este argumento é inválido porque tem duas premissas negativas.

Regra 5: Nenhuma conclusão se segue de duas premissas particulares.

Alguns jovens são homens.


Alguns jovens são mulheres.
Logo, algumas mulheres são homens.

� Este silogismo é inválido porque tem duas premissas particulares.

Regra 6: Se as duas premissas forem afirmativas, a conclusão não pode ser negativa.

Todos os melros são animais.


Alguns pássaros são melros.
Logo, alguns pássaros não são animais.

� Este argumento é inválido já que a conclusão é negativa, mas as premissas são afirmativas.

Regra 7: A conclusão tem de seguir a parte ou premissa mais fraca. A parte mais fraca é a

negativa e/ou a particular. Se uma premissa for negativa, a conclusão tem de ser negativa; se
uma premissa for particular, a conclusão tem de ser particular. Se houver uma premissa

particular e outra negativa, a conclusão será particular e negativa.

Todos os atenienses são gregos.


Alguns atenienses são filósofos.
Logo, todos os filósofos são gregos.

� Este silogismo é inválido porque a conclusão é universal, mas uma das premissas é particular.

� Convém nunca esquecer que na lógica aristotélica não se pode usar classes vazias. Assim,

quaisquer argumentos que contenham termos como «lobisomens», «mulheres com mais de 10

metros de altura», «marcianos», etc., não podem ser analisados recorrendo à lógica aristotélica.

Nos casos em que não sabemos se uma classe é vazia ou não (como a classe dos extraterrestres

inteligentes) também não podemos usar a lógica aristotélica. Caso usemos classes vazias, a lógica

aristotélica apresenta resultados errados. Consideremos o seguinte silogismo:

Todos os portugueses são ibéricos.


Todos os marcianos são portugueses.
Logo, há marcianos ibéricos.

� O silogismo anterior, válido segundo a teoria do silogismo, é de facto inválido. A verdade da

universal afirmativa «Todos os marcianos são portugueses» não nos obriga a concluir que alguma

vez tenham existido seres da classe dos marcianos. Deste modo, temos um silogismo constituído

por premissas verdadeiras e conclusão falsa – o que contraria a noção de validade dedutiva.

Figuras do Silogismo

Silogismo da 1ª figura

O termo maior é sempre o predicado da premissa maior e da conclusão e o termo menor é sujeito

da premissa menor e da conclusão. O termo médio é o sujeito da premissa maior e predicado

da premissa menor.

Ex: Todo o homem é mortal – SUJEITO na premissa maior

Ora Sócrates é homem – PREDICADO na premissa menor

Logo, Sócrates é mortal.


Silogismo da 2ª figura

O termo médio é predicado em ambas as premissas.

Ex: Nenhum americano é europeu – PREDICADO na premissa maior

Todo o francês é europeu – PREDICADO na premissa menor

Nenhum francês é americano.

Silogismo da 3ª figura

O termo médio é sujeito em ambas as premissas.

Ex: Todo o filósofo é sábio – SUJEITO na premissa maior

Todo o filósofo é homem – SUJEITO na premissa menor

Algum homem é sábio.

Silogismo da 4ª figura

O termo médio é predicado da premissa maior e sujeito da menor.

Ex: Nenhum europeu é canadiano – PREDICADO na premissa maior

Todo o canadiano é norte-americano – SUJEITO na premissa menor

Algum norte-americano não é europeu.

De forma mais fácil dos silogismos das figuras

Figuras segundo “SOFIA DANÇA COM ZE”

Premissa

M M M M

S ] [ Z
Maior

M M Premissa
M M
Maior

1ª F. 2ª F. 3ª F. 4ª F.
� Subentenda-se que M é TERMO MÈDIO.

Formas válidas do silogismo

Esquema das figuras e modos validos do silogismo:

Formas válidas do silogismo


Modos
1ª AAA AII EAE EIO
Figura
2ª AEE AOO EAE EIO
Figura
3ª AAI AII EAO EIO IAI OAO
Figura
4ª AAI AEE EAO EIO IAI
Figura

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia

1. Argumentação e lógica formal

1.3. Principais Falácias

Falácias silogísticas

� Uma falácia é um argumento mau que parece bom.

Existem quatro falácias associadas às regras de validade silogística para termos e que são as

seguintes:

1. Falácia dos quatro termos: falácia que ocorre quando um silogismo tem mais de três termos,

geralmente «disfarçadamente» (por exemplo, um dos termos é ambíguo).

2. Falácia do médio não distribuído: esta falácia ocorre num silogismo cujo termo médio não

está distribuído.
3. Falácia da ilícita maior: ocorre num silogismo quando o termo maior está distribuído na

conclusão mas não na premissa.

4. Falácia da ilícita menor: ocorre num silogismo quando o termo menor está distribuído na

conclusão mas não na premissa.

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia

2. Argumentação e retórica

2.1. O domínio do discurso argumentativo: a procura de adesão do auditório

Demonstração e argumentação

Comparemos os seguintes argumentos:

1) Se o Mar Mediterrâneo for água, é H2O.


O Mar Mediterrâneo é água.
Logo, é H2O.
2) Se os animais não têm deveres, não têm direitos.
Os animais não têm deveres.
Logo, não têm direitos.

Ambos os argumentos são dedutivamente válidos; logo, é impossível, em qualquer dos casos, que

as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.

Contudo, as premissas dos dois argumentos são muito diferentes. No argumento 1, trata-se de

verdades estabelecidas, que ninguém põe em causa. Mas a primeira premissa do argumento 2 é

muitíssimo disputável. Até pode ser verdadeira, mas não é uma verdade solidamente estabelecida e

amplamente reconhecida como tal.

Aristóteles chama «demonstração» ao primeiro tipo de argumentos dedutivos, e «dedução

dialética» ao segundo:

Uma dedução é um argumento que, dadas certas coisas, algo além dessas coisas necessariamente
se segue delas. É uma demonstração quando as premissas das quais a dedução parte são
verdadeiras e primitivas, ou são tais que o nosso conhecimento delas teve originalmente origem
em premissas que são primitivas e verdadeiras; e é uma dedução dialética se raciocina a partir de
opiniões respeitáveis.
Aristóteles, Tópicos, p. 100a

� Uma demonstração é um argumento dedutivo válido cujas premissas são verdades

estabelecidas e indisputáveis.

� Uma dedução dialética é um argumento dedutivo válido cujas premissas são plausíveis mas

não são verdades estabelecidas e indisputáveis.

Quando temos uma demonstração, no sentido de Aristóteles, nada mais há para discutir: a

conclusão é «constringente», ou seja, estamos racionalmente constrangidos a aceitar a conclusão.

O mesmo não acontece no argumento 2. É perfeitamente racional não aceitar a conclusão desse

argumento — basta recusar a primeira premissa, que é muitíssimo discutível, ainda que seja uma

«opinião respeitável».

Claro que o ideal seria encontrar sempre premissas indisputáveis para os nossos argumentos; mas

isso nem sempre é possível. E quando não é possível, temos de nos contentar com as premissas

mais plausíveis, verosímeis ou preferíveis que conseguirmos encontrar.

Isto, por sua vez, significa que esses argumentos não são conclusivos. É sempre possível disputar

racionalmente as conclusões de argumentos válidos baseados em premissas meramente plausíveis

— basta disputar pelo menos uma das premissas.

Por exemplo, uma pessoa poderia disputar o argumento 2 defendendo

(com outros argumentos) que a primeira premissa é falsa. A esta troca de argumentos chama-se

argumentação.

� A argumentação é uma sequência de argumentos.

Assim, a argumentação difere da demonstração, no sentido aristotélico.

Uma demonstração, neste sentido, é o ponto final da argumentação. Mas não podemos esquecer

que o que está demonstrado foi originalmente estabelecido por argumentação; pura e

simplesmente, essa argumentação foi conclusiva e chegou ao fim.

Em conclusão:
Argumentação
 Utiliza a retórica e a dialética;
 É pessoal, dirige-se a indivíduos para obter a sua adesão;
 É necessariamente situada, já que o orador depende do auditório;
 Persuadir outrem exige: reconhecê-lo como interlocutor, agir sobre ele intelectualmente e não
pela força, tem de ter em conta as reações para adaptar o discurso;
 Não é um monólogo mas um diálogo;
 Pretende um efeito imediato ou, no mínimo, predispor a uma ação eventual;
 Utiliza uma linguagem natural que pode levar a equívocos;
 Ao pretender a adesão a uma tese por parte do auditório, torna-se variável, daí que a
intensidade da adesão possa ser acrescida;
 O valor e a quantidade de uma argumentação não pode medir-se unicamente pelos resultados,
depende igualmente da qualidade do auditório que se ganha pelo discurso.
Demonstração
 É um cálculo formal;
 Diz respeito à verdade de uma conclusão a partir das premissas com que necessariamente se
relaciona;
 A prova demonstrativa é impessoal;
 A sua validade depende das deduções efetuadas;
 É insulado do contexto;
 É impessoal
 Utiliza uma linguagem artificial;
 A sua linguagem, porque é formal, não conduz a equívocos;
 A verdade é uma propriedade da proposição e daí que não haja variação de intensidade.
Nota: complementam-se no discurso argumentativo.

O auditório e as premissas

Vejamos o seguinte argumento:

Se o assassínio indiscriminado de inocentes for permissível, a vida não é sagrada.


Mas a vida é sagrada.
Logo, o assassínio indiscriminado de inocentes não é permissível.

Este é um argumento válido. Mas será sólido? Não sabemos, porque pelo menos a segunda

premissa é disputável. Imaginemos, contudo, que as premissas do argumento são realmente

verdadeiras, apesar de nós não o sabermos.


Será o argumento nesse caso bom? Não. O argumento não é bom porque não tem em conta o

estado cognitivo do auditório.

� O auditório são as pessoas com quem estamos a falar, ou para quem estamos a escrever.

� O estado cognitivo de um auditório é o conjunto de conhecimentos e crenças ou convicções

que o auditório tem.

O argumento não tem em conta o estado cognitivo do auditório porque a sua conclusão é mais

evidente e menos disputável, para qualquer pessoa, do que as suas premissas. Mesmo partindo da

hipótese de que as premissas do argumento são verdadeiras, o argumento é mau porque as

premissas não são mais plausíveis, seja para quem for, do que a conclusão. Mesmo que sejamos

religiosos e aceitemos as duas premissas, é muitíssimo mais evidente que o assassínio

indiscriminado de inocentes não é permissível do que qualquer uma das premissas.

Diz-se, assim, que o argumento é fraco ou não é bom porque as suas premissas não são mais

evidentes ou mais plausíveis do que a sua conclusão.

� Um argumento bom ou forte é um argumento sólido cujas premissas são mais plausíveis do

que a sua conclusão.

� Um argumento mau ou fraco é um argumento que não é sólido ou cujas premissas não são

mais plausíveis do que a sua conclusão.

A força de um argumento válido é exatamente igual à plausibilidade da sua premissa menos

plausível. Argumentar bem implica descobrir bons argumentos a favor de uma ideia baseados em

premissas que quem é contra essa ideia está disposto a aceitar.

Alguns argumentos são maus ou bons para quaisquer pessoas, como o argumento acima. Mas

outros argumentos poderão ser bons para certas pessoas e maus para outras.

� A plausibilidade das proposições é relativa ao estado cognitivo dos auditórios.

Por exemplo:

Se o Papa defende que não devemos tomar a pílula, não devemos tomar a pílula.
O Papa defende que não devemos tomar a pílula.
Logo, não devemos tomar a pílula.

A segunda premissa é uma verdade estabelecida. Mas a primeira é disputável.


� Contudo, para um católico este argumento é bom, desde que ele aceite a primeira premissa e a

ache mais plausível do que a conclusão. Mas para uma pessoa que não partilhe as suas crenças

religiosas, o argumento é fraco, pois essa pessoa não aceita a primeira premissa (apesar de ser

possível que essa premissa seja verdadeira, sem que ela o saiba).

� A solidez de um argumento é independente do estado cognitivo do auditório; nem a validade

nem a verdade dependem do que as pessoas pensam. Mas a força ou plausibilidade de um

argumento é relativa aos estados cognitivos das pessoas: depende do que as pessoas pensam que é

verdade, aceitável ou plausível.

� A um argumento fraco chama-se também «inferência não informativa» ou «inferência

irrelevante». Assim, uma inferência como «Está a chover; logo, está a chover», apesar de válida,

não é informativa. E uma inferência que parte de proposições menos plausíveis do que a conclusão

é irrelevante.

Em conclusão:
Lógica Formal/Dedutiva/Demonstrativa:
- Objetivo: estudo da validade dos argumentos segundo a sua forma;
- Distingue argumentos válidos de inválidos;
- Há uma relação de necessidade entre as premissas e conclusão. Se a forma do argumento é
válida e se as suas premissas são verdadeiras, a conclusão tem de ser verdadeira;
- Um argumento sólido (válido com premissas verdadeiras) não pode ser refutado;
- O estudo da validade prescinde de referências ao conteúdo das proposições e ao contexto da
argumentação (na qual um orador tenta persuadir um auditório);
- Procura argumentos válidos, mas sobretudo sólidos (com premissas verdadeiras)
- As regras derivam de sistemas formais.
Lógica Informal/Indutiva/Argumentativa:
- Objetivo: estudo dos argumentos fortes (argumentos que, apesar de inválidos, dão algum
sustento à conclusão) e dos seus graus;
- Distingue graus de força dos argumentos;
- Um argumento forte com premissas verdadeiras justifica, mas não garante a verdade da
conclusão;
- A conclusão do argumento forte é apenas provável ou plausível. Está sempre aberta a
possibilidade de ser refutada;
- O estudo da força dos argumentos não prescinde de referências ao conteúdo das proposições e
ao contexto da argumentação (em que um orador tenta persuadir um auditório);
- Procura a adesão do auditório, mas sobretudo no discurso argumentativo filosófico, preocupa-se
com a questão da verdade para lá da adesão;
- As regras não derivam de sistemas formais e pode haver argumentos com a mesma forma e
graus de força diferentes.
Ethos, pathos e logos

� Na sua obra sobre a retórica, Aristóteles distinguiu três formas de argumentação:

1. A argumentação baseada no caráter (ethos) do orador; (ligação ao auditório)

O orador deve ser uma pessoa:


Não basta uma pessoa possuir
 Integra
estas características, mas deve
 Honesta mostrar que as possui.

 Responsável

� Para conquistar a confiança do publico e, consequentemente, obter a crença do público no seu

discurso.

� Segundo Aristóteles, o orador necessita de dar a impressão de uma pessoa que integra 3

características essenciais:

Racionalidade – pois só uma pessoa de raciocínio desenvolvido é capaz de descobrir soluções

ideais para os problemas dos cidadãos;

Excelência e benevolência – estas devem associar-se à razão para mostrar que o orador não

deturpa os acontecimentos, não tem ideias reservadas ou segundas intenções, nem se dispõe a

enganar os ouvintes.

2. A argumentação baseada no estado emocional (pathos) do auditório; (ligação ao auditório)

� Refere-se às emoções despertadas nos ouvintes, pelo orador.

� É o modo como o orador provoca a adesão (entoação, repetições, figuras de estilo, gestos,

questões para refletir, suspensões frásicas…)

3. A argumentação baseada no argumento (logos) propriamente dito.(elemento mais racional)

� Refere-se àquilo que é dito, ao discurso argumentativo, aos argumentos que o orador utiliza na

defesa das opiniões.

� É o aspeto mais desenvolvido por Aristóteles (segundo ele, é o que deve prevalecer num

discurso).
Eis como Aristóteles explica esta distinção:

Os argumentos convincentes fornecidos através do discurso são de três espécies: 1) Alguns


fundam-se no caráter de quem fala; 2) alguns, na condição de quem ouve; 3) alguns, no próprio
discurso, através de prova ou aparência de prova.
Os argumentos são abonados pelo caráter sempre que o discurso é apresentado de forma a fazer
quem fala merecer a nossa confiança. Pois temos mais confiança, e temo-la com maior prontidão,
em pessoas decentes[…] Isto, contudo, tem de resultar do próprio discurso, e não das perspetivas
prévias do auditório quanto ao caráter do orador. A convicção é assegurada através dos ouvintes
sempre que o discurso desperta neles alguma emoção. Pois não damos os mesmos veredictos
quando sentimos angústia e quando sentimos alegria, ou quando estamos numa disposição
favorável e numa disposição hostil […].As pessoas são convencidas pelo próprio discurso sempre
que provamos o que é verdade ou parece verdade a partir de seja o que for que é convincente em
cada tópico. Aristóteles, Retórica, p. 1356a

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia

2. Argumentação e retórica

2.2. O discurso argumentativo: principais tipos de argumentos e falácias informais

Argumentos e falácias informais

� A diferença fundamental entre os argumentos informais e os formais é esta: nos argumentos

formais, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica, ao passo que nos informais a

sua validade não depende exclusivamente da sua forma lógica.

Fala-se por vezes de argumentos dedutivos ou de dedução e de argumentos não dedutivos (que

incluem a indução). No Capítulo “Distinção validade/verdade” estudámos alguns tipos de

argumentos dedutivos formais.

� A diferença fundamental entre os argumentos dedutivos e os não dedutivos é a seguinte: Num

argumento dedutivo válido é impossível as suas premissas serem verdadeiras e a sua conclusão

falsa. Mas nos argumentos não dedutivos válidos não é impossíveis as suas premissas serem

verdadeiras e a sua conclusão falsa; é apenas muito improvável.

� Assim, um argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras garante a verdade da sua

conclusão. Mas um argumento não dedutivo válido com premissas verdadeiras torna provável,

mas não garante, a verdade da sua conclusão.


� Todos os argumentos não dedutivos são informais.

� Alguns argumentos dedutivos são informais, mas outros são formais. Os argumentos dedutivos

que estudámos no Capítulo “Distinção validade/verdade” são formais.

Argumentos não dedutivos

� Vamos estudar brevemente os seguintes tipos de argumentos não dedutivos:

1. Induções;

2. Argumentos por analogia;

3. Argumentos de autoridade.

� Geralmente usa-se o termo «indução» para falar de dois tipos diferentes de argumentos: as

generalizações e as previsões. Uma generalização é um argumento do seguinte género:

Todos os corvos observados até hoje são pretos.


Logo, todos os corvos são pretos.

� Para que uma generalização seja válida tem de obedecer a algumas regras. Por exemplo, os

casos em que se baseia têm de ser representativos e não pode haver contraexemplos. Defender que

todos os portugueses vão regularmente ao cinema porque os meus amigos vão regularmente ao

cinema viola estas duas regras: os meus amigos não são representativos dos portugueses em geral

e há portugueses que não gostam de cinema. A falácia da generalização precipitada ocorre

quando os casos em que nos apoiamos não são representativos.

� Numa previsão as premissas baseiam-se no passado e a conclusão é um caso particular. Por

exemplo:

Todos os corvos observados até hoje são pretos.


Logo, o próximo corvo que observarmos será preto.

� Num argumento por analogia pretende-se concluir que algo é de certo modo porque esse algo

é análogo a outra coisa que é desse modo. Por exemplo:

Os filósofos são como os cientistas.


Os cientistas procuram compreender melhor o mundo.
Logo, os filósofos procuram compreender melhor o mundo.

� Não se deve confundir os argumentos por analogia com as analogias propriamente ditas. Uma

analogia é apenas uma semelhança entre coisas; os argumentos por analogia baseiam-se nesta
desejada semelhança, mas não são, eles mesmos, analogias. Como se pode ver, nos argumentos

por analogia uma das premissas é uma analogia.

Vejamos outro argumento por analogia:

O mundo é como uma casa.


Todas as casas têm um arquiteto.
Logo, o mundo também tem um Arquiteto — Deus.

� Este argumento é problemático, pois a analogia entre casas e o mundo não é mais plausível do

que a própria conclusão. Um argumento por analogia tem de se basear numa analogia mais

plausível do que a hipótese de a conclusão ser verdadeira. Contesta-se um argumento por analogia

tentando mostrar que há diferenças entre as duas coisas comparadas que derrotam a conclusão.

� A falácia da falsa analogia ocorre quando há diferenças entre as duas coisas comparadas que

derrotam a conclusão.

� Num argumento de autoridade usa-se a opinião de um especialista, como no exemplo

seguinte:

Hegel disse que a realidade é espiritual.


Logo, a realidade é espiritual.

� Para que um argumento de autoridade seja bom é necessário que o especialista ou

especialistas invocados sejam realmente especialistas da matéria em causa e que os outros

especialistas não discordem dele. Por isso, em filosofia os argumentos de autoridade são quase

sempre falaciosos, dado que os filósofos discordam quase sempre uns dos outros relativamente a

questões substanciais. Só podemos usar argumentos de autoridade em filosofia caso os outros

filósofos, quanto à questão em causa, não discordem do filósofo que estamos a invocar.

� Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente

apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante

da discussão filosófica.

Em conclusão:
Diferença fundamental entre os argumentos formais e informais:
Nos argumentos formais, a validade depende exclusivamente da sua forma lógica, enquanto que
nos argumentos informais a sua validade não depende exclusivamente da sua forma.
Dedução/Indução:
Dedução e indução são procedimentos racionais que nos levam do já conhecido ao ainda não
conhecido, isto é, permitem que adquiramos conhecimentos novos graças a conhecimentos já
adquiridos.
Dedução:
- raciocínio com base formal que, se for válido, o é pela sua forma, e se as suas premissas forem
verdadeiras, a conclusão também o é necessariamente, porque esta se segue necessariamente delas
- parte-se de uma verdade já conhecida para demonstrar que ela se aplica a todos os casos
particulares iguais. Por isso também se diz que a dedução vai do geral ao particular ou do
universal ao individual
- ponto de partida: ideia verdadeira ou teoria verdadeira
- costuma-se representar a dedução pela seguinte fórmula:
Todos os A são B (definição ou teoria geral);
x é A (caso particular);
Portanto, x é B (dedução).
Ex.:
Todos os homens (A) são mortais (B);
Sócrates (x) é homem (A);
Portanto, Sócrates (x) é mortal (B).

- A razão oferece regras especiais para realizar uma dedução e, se tais regras não forem
respeitadas, a dedução será considerada inválida.

Indução:
- raciocínio lógica e formalmente inválido (sendo a sua fundamentação um problema clássico da
filosofia)
- partimos de casos particulares iguais ou semelhantes e procuramos a lei geral, a definição geral
ou a teoria geral que explica e subordina todos esses casos particulares.
- a verdade das premissas não garante a verdade da conclusão, mas tão só esta pode ser dita
provável ou plausível
- a sua aceitação depende do grau de força do argumento
- pode haver argumentos com formas idênticas e força argumentativa diferente
Ex.:
1 – Todos os cães que eu vi são mamíferos.
Logo, todos os cães são mamíferos.
2 – Todos os cães que eu vi foi em Portugal.
Logo, todos os cães estão em Portugal.
- pode ter premissas singulares, particulares (“Alguns”) ou gerais (“Todos”)
- o âmbito e extensão da conclusão é sempre maior que o das premissas
- pode ser encarado de duas perspetivas: generalização e previsão
- a razão também oferece um conjunto de regras precisas para guiar a indução; se tais regras não
forem respeitadas, a indução será considerada falsa.

Generalização:
Consiste em atribuir a todos os casos possíveis de certo tipo aquilo que se verificou em alguns
casos desse tipo. A generalização justifica, portanto, uma conclusão universal a partir de premissas
menos gerais. As premissas são menos abrangentes que a conclusão.
Ex.:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
A generalização não garante a verdade da conclusão, pois a conclusão é mais geral do que a
premissa. Só podemos considerá-la muito provável.

Regras:
 A amostra deve ser relevante.
 A relação entre o conteúdo das premissas e o conteúdo da conclusão deve ser representativa de
toda a classe.
- a amostra deve representar toda a classe e não apenas algumas das suas espécies
- a conclusão não pode esquecer aspetos significativos e já conhecidos da classe
 A amostra deve ser ampla.
- Quanto maior for a amostra observada, mais forte o argumento será
 Não omitir informação relevante
- Um argumento, mesmo sendo baseado numa amostra grande e relevante, será mau se omitir
informação relevante.
Consequências:
 Devemos avaliar uma generalização, tendo em conta o conjunto do nosso conhecimento.
 A generalização deve ser rejeitada se já forem conhecidos contraexemplos

Falácias:
 Falácia da generalização precipitada ou amostra insuficiente:
Ocorre quando os casos em que nos apoiamos não são representativos, ou seja, baseia-se num
número muito limitado de casos.
É uma violação da regra: a amostra deve ser ampla

 Falácia da amostra tendenciosa:


Uma amostra é tendenciosa ou parcial e, por isso, de fraca relevância, se não abranger as
variedades de objetos ou situações a que se aplica a sua conclusão.
Mesmo sendo muito grande, uma amostra pode ser tendenciosa ou parcial.

Previsão:
As premissas baseiam-se no passado e a conclusão é um caso particular.
Ex.:
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o próximo corvo que observarmos será preto.

Diferença fundamental entre os argumentos dedutivos e não dedutivos:

Num argumento dedutivo válido é impossível que as suas premissas sejam verdadeiras e a
conclusão falsa. Num argumento não dedutivo válido não é impossível que as suas premissas
sejam verdadeiras e a conclusão falsa; é apenas muito improvável. Assim, um argumento dedutivo
válido com premissas verdadeiras garante a verdade da sua conclusão, enquanto que um
argumento não dedutivo válido com premissas verdadeiras torna provável, mas não garante, a
verdade da sua conclusão. Todos os argumentos não dedutivos são informais.

Algumas falácias informais

� As falácias formais são erros de raciocínio que resultam exclusivamente da forma lógica. As

falácias informais são erros de raciocínio que não resultam exclusivamente da forma lógica. O

número de falácias informais é muito elevado. Vamos estudar brevemente algumas das mais

comuns.

� A falácia do falso dilema está associada a argumentos baseados em disjunções (afirmações da

forma «P ou Q»). Por exemplo:

As verdades são relativas ou absolutas.


É falso que sejam absolutas.
Logo, são relativas.

Este argumento é dedutivamente válido, mas esconde uma falácia: a primeira premissa é um falso

dilema, pois não esgota todas as possibilidades.

Sem dúvida que além de as verdades serem relativas ou absolutas há outras possibilidades: talvez

algumas verdades sejam relativas e outras não.


� A falácia do apelo à ignorância ocorre sempre que confundimos as coisas e pensamos que a

inexistência de prova é prova de inexistência:

Nunca ninguém provou que há extraterrestres.


Logo, não há extraterrestres.

Como é evidente, do facto de nunca se ter provado que há extraterrestres nada se segue: não se

segue que há nem que não há extraterrestres. Uma forma menos óbvia de cometer esta falácia é a

seguinte:

Os filósofos nunca conseguiram provar que Deus existe nem que não existe.
Logo, não se pode provar que Deus existe nem que não existe.

Devia ser óbvio que se trata de uma falácia. Na véspera da descoberta da cura da tuberculose as

pessoas também poderiam ter dito que era impossível curar a tuberculose, com o mesmo tipo de

argumento. Poderão existir outros argumentos a favor da ideia de que é impossível provar que

Deus existe ou que não existe. Mas este é falacioso.

� A falácia da petição de princípio ocorre sempre que se admite nas premissas o que se deseja

concluir. O caso mais óbvio é a mera repetição:

Deus existe.
Logo, Deus existe.

Este tipo de argumento é sempre falacioso, apesar de dedutivamente válido, dado que a premissa

nunca é mais plausível do que a conclusão.

Normalmente, esta falácia não é formulada de forma tão evidente. Em vez disso, a premissa

falaciosa surge disfarçada com variações gramaticais da conclusão ou misturada com outras

premissas:

Tudo o que a Bíblia diz é verdade porque a


Bíblia foi escrita por Deus.
A Bíblia diz que Deus existe.
Logo, Deus existe.

Chama-se também «raciocínio circular» à petição de princípio.


� A falácia de apelo à força, é o argumento que recorre a forças de ameaça como meio de fazer

aceitar uma afirmação:

Quando as autoridades de trânsito depois de terem esgotado os demais recursos persuasivos para
levar os condutores a não ultrapassarem os limites de velocidade estabelecidos, lhes recordam que
as multas a pagar pelas infrações são elevadas. (ex: opressão psicológica, ameaças)
� A falácia do apelo à misericórdia (argumentum ad misercordiam) consiste habitualmente em

tentar convencer alguém a fazer algo com base no estado lastimoso do autor do argumento. O

argumento é falacioso quando o estado lastimoso do autor do argumento não tem qualquer

relevância relativamente ao que está em causa. Por exemplo:

Eu estudei desalmadamente durante as duas últimas semanas.


Logo, o professor deve dar-me uma boa nota.

Este argumento é um apelo ilegítimo à misericórdia porque as notas são atribuídas não em função

do esforço do estudante mas sim dos resultados, tal como numa prova desportiva.

� A falácia de ad hominem é uma falácia contra a pessoa, sendo o argumento que pretende

mostrar que uma afirmação é falsa atacando e desacreditando a pessoa que a emite.

O Roberto disse que amanhã não há aulas, mas de certeza que há porque ele é mal criado e um
grande preguiçoso.
� A falácia Post hoc, consite em ver uma relação de sequencia causal (causa/efeito) onde só

existe uma relação temporal.

Francisco diz: - Acho que hoje me vai correr mal o teste de Filosofia.
Ana diz: - Porquê?
Francisco diz: - Porque fui ao futebol e o meu clube perder.

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia

3. Argumentação e Filosofia

3.1. Filosofia, retórica e democracia

A Pólis grega

� A Grécia antiga possuía um regime político em que o governo e a administração pública se

encontravam nas mãos dos cidadãos. No entanto, o conceito de cidadão não era tão vasto como
hoje em dia, sendo que apenas um décimo da população era considerado cidadão. Para se obter o

estatuto de cidadão não se podia ser mulher, escravo ou meteco, e tinha que se obedecer a um

conjunto de regras.

Nessa sociedade fazer parte da vida política era uma espécie de obrigação para qualquer cidadão.

Todos os cidadãos reuniam-se em assembleia popular para decidirem por eles mesmos os assuntos

públicos. A retórica era assim um instrumento fundamental na democracia negra, na medida em

que permitia aos cidadãos apresentarem, esclarecer e resolver os problemas.

A democracia grega apresenta-se como uma base para as democracias atuais, embora com

algumas diferenças significativas. Podemos assim estabelecer as igualdades e diferenças destas

duas democracias.

Ao contrário do que acontece atualmente:

 A democracia grega era uma democracia direta;


 Os escravos eram a base da economia e eram deixados à margem da vida político, evitando-se
assim antagonismos de classes;
 Não existia qualquer diferença entre governantes e governados;
 A vida pessoal dos cidadãos e a sua vida política estavam estritamente ligadas.

Tal como hoje em dia:

 A argumentação racional, logos, era a chave da autoridade, sendo que quem exercia o poder
político necessitava sempre apresentar razões aceitáveis;
 Existia uma relação intrínseca entre cidadania e participação,
 Havia a submissão à lei e não a uma pessoa;
 Dava-se grande importância à educação cívica e solidariedade.

A disputa entre filósofos e retores

� Ao longo da história, a convivência entre retores e filósofos nem sempre foi fácil, lutando

ambos pela prioridade na formação dos cidadãos gregos.

A retórica foi descoberta pelos gregos como forma democrática de resolver os problemas da

cidade.

A via da filosofia
� Parménides e Platão tinham uma abordagem ontológica da retórica (ontos=ser). Consideravam

que a única via para a verdade era o ser.

Parménides segue a via abstrata da reflexão pura. Investe e confia no poder que a razão tem de,

por si só, especular e atingir a verdade das coisas.

Indiferente à política, desvalorizava as opiniões humanas e ignorava a importância de se chegar a

consensos e o poder convincente da palavra.

A via da retórica

� Górgias e Demócrito, sofistas, tinham uma abordagem antropológica da retórica (antrophos =

homem). Consideravam que a única via para a verdade era a investigação pela argumentação

interpessoal.

Nesta altura a retórica é vista como uma prática ajustada às necessidades do tempo.

Os sofistas apareceram no final do séc. V a.C., numa época em que a vida democrática reclamava

a participação dos cidadãos que se mostrassem aptos a fazê-lo. Vinham de vários pontos da Grécia

ou até do estrangeiro, apresentando tendência para relativizar os hábitos e instituições atenienses e

para pôr em causa a autoridade das tradições enraizadas.

� Os sofistas são pois um conjunto de livres-pensadores que se propõem a ensinar a arte da

política e as qualidades que os homens devem possuir para serem bons cidadãos. Andam de cidade

em cidade proporcionando aos jovens que desejam alargar os seus horizontes intelectuais uma

aprendizagem eficiente, habilitando-os para o ingresso na vida política. Voltavam-se para a

formação prática dos homens, tentando torná-los bons cidadãos e políticos eficientes, ensinando

temas relativos à moral, política, economia, retórica e filosofia.

� Os sofistas põem de lado a procura da verdade em si mesma para insistirem na arte de expor,

argumentar e convencer. A verdade torna-se assim subjetiva e relativa a cada um. A insistência

neste subjetivismo e relativismo fomenta a liberdade intelectual que leva as pessoas a questionar

os conceitos e valores do passado e, simultaneamente, a estabelecer novos tipos de crenças e

ideais. A retórica apresenta-se assim como um poderosa técnica de persuasão.

No entanto, este reduzir o caráter absoluto e universal da verdade a meras opiniões relativas, faz

com que os sofistas comecem a ser expulsos do grupo dos filósofos. Apesar de tudo, hoje em dia
considera-se que o mérito dos sofistas reside na sua reflexão centrada no homem, formação

cultural do homem, vocação pedagógica, radicalidade argumentativa, desenvolvimentos da

eloquência e questionamento da tradição.

A retórica, serva da filosofia

� Com Platão a retórica sujeita-se ao papel de escrava da filosofia. Este vê na retórica uma forma

de manipular as técnicas argumentativas, postas ao serviço de interesses particulares,

desrespeitando a verdade.

Platão opõe-se o verdadeiro conhecimento, procurado pelo filósofo, ao pseudo- saber da retórica

sofista, que através do recurso à lisonja da palavra, negligencia a verdade.

� Apesar de tudo, Platão serve-se da dialética, atribuindo-lhe efeitos persuasivos para banir a

contradição dos interlocutores, e da retórica, utilizando como método de comunicação e

explicação da verdade. A retórica platónica está assim ao serviço da verdade e não das opiniões

humanas, como a retórica sofista.

A retórica ao lado de outros saberes

� A retórica não é tida só como a arte de bem falar, mas também como a teoria dessa mesma arte.

Aristóteles classifica os saberes em t rês grupos, de acordo com a sua finalidade:

 Ciências Teoréticas, saber explicar (atual conhecimento científico):


-Metafísica, Teologia, Física, Geometria e Astronomia
 Ciências Práticas, saber agir (atuais campos da ação humana):
-Ética, Economia e Política
 Ciências Poiéticas, saber fazer (ligados à produção e técnica):
-Poiética, Dialética, Retórica, Medicina, Música, Ginástica, Estatuária

O conhecimento e explicação do mundo, e a ação ou prática humana têm métodos e meios de

prova específicos. Nas ciências teoréticas utiliza-se a intuição para a dedução lógica de

afirmações, e nas ciências práticas usa-se a retórica. Sendo assim, o campo da ação não se pode

reger por verdades científicas demonstráveis, recorrendo-se a raciocínios dialéticos e discursos

retóricos para se comprovarem as opiniões.

Retórica e oratória
� Após a morte de Platão e Aristóteles dá-se na Grécia uma decadência política e social que se

reflete na filosofia. Esta abandona os grandes problemas teóricos e passa a centrar-se na reflexão

sobre os problemas relativos ao bem-estar e felicidade das pessoas.

� Com a decadência política e social dos gregos e a sua anexação ao Império Romano, a retórica

passa a ser cultivada como oratória, a arte de bem orar e discursar, sendo utilizada pela sua

organização formal e recursos estilísticos que embelezam o discurso.

� Esta orientação da retórica confere-lhe um sentido negativo, na medida em que o discurso

retórico prima pela beleza e forma em detrimento da riqueza do conteúdo.

Na idade moderna, com o privilégio do modelo demonstrativo lógico-matemático, há o desprezo

pelo que é tratado a nível das opiniões humanas.

Retórica e Democracia na atualidade

� Uma vez que na democracia todos os homens devem tomar parte ativa na resolução dos

problemas postos pela vida em comum, a argumentação é t ida como o processo mais favorável à

descoberta de soluções. A retórica torna-se num modelo de resolução das questões prioritárias e a

argumentação apresenta os seguintes aspetos formativo. Repudia o dogmatismo, opõe-se à

aceitação de verdades únicas, promove o exercício do diálogo, valoriza a racionalidade inter

subjetiva e instiga ao dever da participação.

Em conclusão:
Há uma ligação natural entre o nascimento da filosofia e um clima social e político que favorecia a
discussão pública de ideias. Contudo, ao longo da história, tanto a filosofia como as ciências
foram cultivadas em regimes contrários à liberdade de estudo e pensamento.

� Os especialistas em retórica, os retóricos ou retores, eram professores que ensinavam os jovens


gregos a discursar em público: formavam oradores.

Platão e Aristóteles acusavam os retóricos, a que chamavam sofistas, de desonestidade intelectual.


Acusavam-nos de desprezar a razão e a ética, ensinando a manipular a opinião pública consoante
fosse mais conveniente.

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia


3. Argumentação e Filosofia

3.2. Persuasão e manipulação ou os dois usos da retórica

Persuasão e Manipulação ou os dois usos da retórica

� A retórica pode ser utilizada devida ou indevidamente, sendo considerados o bom e o mau uso

da retórica.

� O bom uso da retórica consiste em permitir ao auditório decidir por ele mesmo de um modo

consciente e crítico. Está relacionado com a persuasão.

� O mau uso da retórica é quando o auditório não é deixado a decidir livremente, mas sim em

função dos interesses do orador. Está relacionado com a manipulação.

Persuasão

� Persuadir consiste em convencer alguém a aceitar ou a decidir-se por algo sem que isso

implique a diminuição das suas aptidões cognitivas ou comportamentais. O objetivo da persuasão

é apenas provocar a adesão, apelando a fatores racionais e emocionais.

� Na persuasão pressupõe-se que quem é persuadido conhece o objeto sobre o qual incide a

argumentação, está a par de todas as soluções possíveis sobre as quais é chamado a optar e está

consciente das consequências positivas e negativas decorrentes de cada uma das escolhas.

� A aceitação de uma doutrina passa, por vezes, não só por aquilo que consideramos verdadeiro

mas também pelo que é do nosso agrado. Para isso, o orador serve-se do logos, ethos e pathos.

Apoia-se na força dos seus argumentos logos, na credibilidade da sua pessoa ethos, e nos

sentimentos que desperta ao auditório pathos.

� O fenómeno da persuasão dá-se por 6 etapas, que no seu conjunto formam um todo indivisível:

Receção e compreensão da mensagem:

1. Exposição à mensagem: é necessário que a pessoa tenha contacto com a mensagem, que pode

ser apresentada numa conferência, revista,

televisão,...

2. Atenção à mensagem: a atenção é seletiva. Não basta ser exposto à mensagem para que ele

capte a nossa atenção.


3. Compreensão da mensagem: cada pessoa extrai e constrói significações da mensagem que lhe

são próprias.

4. Aceitação ou rejeição: a pessoa elabora um juízo em termos de acordo ou desacordo com as

propostas e, eventualmente, pode mudar de atitude.

Aceitação da mensagem:

5. Persistência da mudança: Se a mensagem provocar uma nova atitude esta deve permanecer,
para que se verifique se se efetuou realmente a persuasão.
6. Ação: a nova atitude concretiza-se através de novos comportamentos baseados na nova opinião.
Manipulação

� Manipular é o uso indevido da argumentação com o intuito de levar os interlocutores a aderir

involuntariamente às propostas do orador. Na manipulação existe uma intenção deliberada de

desvalorizar os fatores racionais, apelando a uma adesão emocional. O próprio discurso é baseado

em falácias, onde é patente a intenção de confundir o auditório.

� Do ponto de vista filosófico, manipular corresponde ao uso abusivo da retórica, onde o orador,

munido de ideia que não apresenta a discussão, concentra os seus esforços no desenvolvimento de

técnicas adequadas à sua imposição. Faz dos seus pontos de vista autênticos dogmas.

� A relação entre o orador e o auditório não é de igualdade mas sim de domínio.

� Para melhor perceber a manipulação há que definir corretamente os conceitos de erro, mentira

e engano:

Erro: o erro é factual. Errar é dizer uma falsidade sem se ter consciência disso, é estar-se

convencido de que a nossa afirmação é verdadeira. Deve-se ao desconhecimento ou incapacidade,

mas não nunca a má-fé. Não constitui assim manipulação.

Mentira: a mentira é psicológica. Mentir consiste em dizer uma falsidade com intenção de tal.

Implica má-fé e é uma tentativa de manipulação.

Engano: o engano é psicológico e factual. Enganar pressupõe mentir e que essa mentira seja

aceite pelo auditório, ou seja, ele adire à falsidade apresentada. O engano já pressupõe

manipulação.

Princípios éticos da retórica


� A participação correta na atividade argumentativa pressupõe que se age de boa fé. Para isso

deve respeitar-se certos princípios que foram sendo enunciados por diversos filósofos ao longo da

história:

Princípio da cooperação: todos os participantes devem comprometer-se a respeitar os objetivos

ou finalidades comuns do diálogo, evitando intervenções que se afastem dessa direção.

Princípio da quantidade: todos devem contribuir com informações necessárias ao andamento do

diálogo, não omitindo possíveis informações úteis mas evitando a apresentação de informações

excessivas.

Princípio da qualidade: as informações apresentadas devem ser fundamentadas e os participantes

devem ser sinceros quanto aos argumentos que apresentam.

Princípio da precisão: nenhum interveniente pode distorcer as afirmações feitas pelos outros,

deformando-lhes o sentido.

Princípio da coerência: os participantes devem manter-se fiéis aos pontos de vista que

apresentam, rejeitando qualquer tipo de informações contraditórias.

Princípio do modo: os intervenientes devem expor claramente os seus pontos de vista, evitando

discursos ambíguos, longos e desordenados que confundam o que se pretende dizer.

Princípio da livre expressão: os participantes não podem impedir a opinião ou o questionamento

de pontos de vista expressos por qualquer outro interveniente da discussão.

Princípio da prova: todos os intervenientes são obrigados a fundamentar as afirmações que

fazem se isso assim lhes for exigido.

Em conclusão:
� Persuadir alguém é fazer essa pessoa mudar de ideias.

� A persuasão irracional ou manipulação é um tipo de argumentação que viola a autonomia das


pessoas e procura impedi-las de pensar.
� A persuasão racional é um tipo de argumentação que respeita a autonomia das pessoas e se
dirige à sua inteligência.
Na persuasão irracional procura-se fechar o debate; por contraste, a persuasão racional é um
convite ao debate e à reflexão. Na persuasão racional argumentamos para chegar à verdade das
coisas, independentemente de saber quem «ganha» o debate; na persuasão irracional discute-se
para «ganhar» o debate, independentemente de saber de que lado está a verdade.

III. Racionalidade Argumentativa e Filosofia

3. Argumentação e Filosofia

3.3. Argumentação, verdade e ser

� Platão afirma que há dois usos distintos da retórica, um bom e um mau uso e se o bom uso

consiste em usar a capacidade persuasiva do discurso para dizer o que é verdade. Temos que

perguntar: o que é a verdade? Haverá uma verdade?

� São diferentes as perspetivas assumidas pelos sofistas e por Platão.

� O pressuposto de que Platão parte é que há de facto uma verdade e que ela é a expressão de

uma realidade imutável e perfeita – o mundo do ser – de que a realidade que continuamente

captamos através dos nossos sentidos e da experiência quotidiana é apenas um reflexo ou uma

cópia. Para Platão existe uma verdade universal e absoluta a respeito de cada assunto, quando o

nosso discurso traduz adequadamente essa realidade ideal. Neste contexto a retórica só será

legítima quando o orador colocar a sua capacidade oratória ao serviço da descoberta e da partilha

do conhecimento dessa verdade universal.

� Os sofistas, pelo contrário, partem do pressuposto de que, pelo menos no que se refere aos

valores morais e políticos, não existe “verdade” segura e unívoca; existem unicamente opiniões e

argumentos mais ou menos convincentes. Assim sendo, o dever e direito de quem está convencido

da qualidade da sua perspetiva são usar uma argumentação convincente para conquistar a

aceitação das outras pessoas. Para os sofistas a “verdade filosófica” é múltipla pois, sendo humana

nunca é certa senão para aquele que a possui e enuncia e para os que nela acreditam.

� Estas questões da natureza da realidade e da possibilidade ou impossibilidade de a conhecermos

tal como ela é, tem interessado os filósofos desde os gregos e continua em aberto e a suscitar

inúmeras discussões e diferentes perspetivas de resposta. As questões de saber o que é «verdade»


ou o «conhecimento da realidade» não estão ainda resolvidas e continuam a desafiar a capacidade

racional e argumentativa dos filósofos e de todos nós.

Se qualquer filósofo:

 Aspira a partilha a verdade em que acredita, a torná-la acessível e admitida pelas outras

pessoas, se possível por todos os seres humanos (auditório universal);

 Não pode impor as suas ideias aos outros nem pela força ou pela violência;

 Então ele não pode pôr de lado a retórica, pois o que ele pode fazer é por interpretações, isto é,

opiniões ou teses, e usar a argumentação para justificar essas opiniões, procurando persuadir o

seu auditório da verdade dessas teses ou, pelo menos, da sua razoabilidade.

� A retórica é um instrumento indispensável para justificar as nossas opiniões e permitir o

esclarecimento mútuo das pessoas que honesta e sinceramente procuram a verdade e o

verdadeiro conhecimento da realidade ou do ser. Ela permitirá, a todos os que possuem

curiosidade e desejo de aceder à verdade, uma averiguação conjunta do conhecimento no

pressuposto de que a verdade tem de ser reconhecida por todos (universalmente) com base num

acordo inter subjetivo.

� Claro que nada nos garante que a habilidade retórica não seja usada para manipular e enganar.

Porém, contra esse perigo, o melhor remédio é, justamente, a posse de um apurado sentido

crítico e de uma capacidade argumentativa que nos permita conhecer os meios para nos

defendermos de qualquer tipo de manipulação: “a capacidade de decompor os raciocínios,

analisar as intenções e o alcance dos discursos, ponderar a pertinência dos argumentos, de modo

a podermos assumir uma posição crítica, esclarecida e ativa face seja a que discurso for”.

Em conclusão:
� Se o estudo for livre e as capacidades críticas das pessoas forem estimuladas e bem-vindas, os
argumentos falaciosos, por mais atraentes que sejam, acabarão por ser denunciados, no processo
de avaliação crítica de ideias.
� Se o estudo for iniciático, se os estudantes e os professores forem encorajados a seguir Gurus e
Mestres, mas não a pensar por si, quaisquer ideias serão aceites como Verdades Absolutas, dado
que ninguém terá coragem de as criticar — por mais que os argumentos que as sustentam sejam
maus.
IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica

1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

1.1. Estrutura do ato de conhecer

Tipos de conhecimento

Que tipos de conhecimento há? Saber tocar piano, por exemplo, não é como saber que os pianos

têm teclas. Nesta secção, vamos distinguir alguns tipos de conhecimento.

Saber andar de bicicleta é diferente de saber que andar de bicicleta é saudável. Mas existe algo em

comum entre estes tipos de conhecimento: nos dois casos há um sujeito (que conhece) e um

objeto (o que é conhecido).

Por exemplo:

a. O João sabe andar de bicicleta.


b. O João sabe que andar de bicicleta é saudável.

Ambas as frases exprimem uma relação de conhecimento entre o João e as coisas que ele sabe. No

primeiro caso, o objeto de conhecimento é andar de bicicleta; no segundo, a ideia de que andar de

bicicleta é saudável. Diz-se que o João é o sujeito do conhecimento ou o agente cognitivo. Por

vezes, o objeto e o sujeito de conhecimento coincidem, pois o João também sabe que ele próprio

existe, por exemplo, ou que se chama «João».

Mas que tipo de coisas sabemos? Vejamos os seguintes exemplos:

1. O João sabe andar de bicicleta.


2. O João conhece Luís Figo.

Reparemos nos objetos do conhecimento do João. Em 1, o objeto do conhecimento é uma

atividade (andar de bicicleta). Este é o tipo de conhecimento a que os filósofos chamam «saber-

fazer».

Saber andar de bicicleta não é como conhecer Luís Figo. O objeto de conhecimento no caso 2 é

um objeto concreto (Luís Figo) e em 1 é uma atividade. Além disso, conhecer Luís Figo é ter

algum tipo de contacto direto com ele, conhecê-lo pessoalmente. Podemos saber muitas coisas

sobre Luís Figo, mas se não o conhecermos pessoalmente não dizemos que o conhecemos. O
mesmo acontece com o conhecimento de uma cidade, por exemplo. Podemos saber muitas coisas

sobre Paris, mas se nunca lá fomos, não dizemos que conhecemos Paris. A este tipo de

conhecimento que temos quando conhecemos uma pessoa, uma cidade, etc., chama-se

conhecimento por contacto.

Alguns filósofos, como Bertrand Russell, defendem que não conhecemos realmente por contacto

uma cidade ou uma pessoa, mas apenas as sensações que temos de uma cidade ou de uma pessoa.

Contudo, hoje em dia, os filósofos usam a noção de conhecimento por contacto num sentido

menos restrito.

Vejamos mais alguns exemplos:

3. O João sabe que Luís Figo é um jogador de futebol.


4. O João sabe que Londres é uma cidade.

Os filósofos chamam «saber-que» ao tipo de conhecimento expresso em 3 e 4. No caso do saber-

fazer, o objeto do conhecimento é uma atividade. No caso do conhecimento por contacto, o objeto

é uma pessoa ou lugar (um objeto concreto). No caso do saber-que, o objeto do conhecimento é

uma proposição. Como vimos no uma proposição é aquilo que é expresso por uma frase

declarativa.

Quando dizemos que o João sabe que Londres é uma cidade, o que o João sabe é que a proposição

expressa pela frase que está depois da palavra «que» («Londres é uma cidade») é verdadeira. Por

outras palavras, saber que Londres é uma cidade ou que Luís Figo é um jogador de futebol é saber

que é verdade que Londres é uma cidade ou que Luís Figo é um jogador de futebol.

A este tipo de conhecimento também se chama «conhecimento de verdades» ou «conhecimento

proposicional», pois o seu objeto é uma proposição verdadeira.

Praticamente tudo aquilo que aprendemos na escola é do tipo saber-que.


Aprendemos que qualquer número multiplicado por zero dá zero, que D. Afonso Henriques foi o

primeiro rei de Portugal, que o Sol é uma estrela, que Portugal fica no continente europeu, etc.

Praticamente todo o nosso conhecimento científico, histórico, matemático, literário, etc. é deste

tipo.

Não é portanto de estranhar que os filósofos tenham centrado a sua atenção nesta noção de

conhecimento. Por este motivo, iremos também centrar a nossa atenção neste tipo de

conhecimento.

A definição de conhecimento

Conhecimento e crença

Para responder à questão de saber o que é o conhecimento temos de refletir sobre as coisas que

conhecemos para identificarmos o que há de comum entre elas. A primeira coisa que podemos

constatar é que o conhecimento é uma relação entre o sujeito do conhecimento e o objeto do

conhecimento.

Uma crença (ou convicção ou opinião) é também uma relação entre o sujeito que tem a crença e o

objeto dessa crença. Por «crença» os filósofos não querem dizer unicamente a fé religiosa, mas

sim qualquer tipo de convicção que uma pessoa possa ter. Por exemplo, podemos acreditar que

Aristóteles foi um filósofo, ou podemos acreditar que a Terra é maior do que a Lua.

Dado que tanto a crença como o conhecimento relacionam um agente cognitivo com uma

proposição, que relações existem entre a crença e o conhecimento?

Muitos filósofos defendem que todo o conhecimento envolve uma crença.

Por outras palavras, quando sabemos algo, acreditamos nesse algo. Uma razão para dizer isto é

que as afirmações do género das seguintes são contraditórias, num certo sentido:

Sei que a Terra é redonda, mas não acredito nisso.


Não acredito em bruxas, mas que as há, há!

Estas afirmações são contraditórias num certo sentido porque não parece possível saber algo sem

acreditar no que se sabe. Assim, diz-se que a crença é uma condição necessária para o

conhecimento: sem crença não há conhecimento.

� G é uma condição necessária para F quando tudo o que é F é G.


� G é uma condição suficiente para F quando tudo o que é G é F.

Por exemplo, viver em Portugal é uma condição necessária para viver em Lisboa porque todas as

pessoas que vivem em Lisboa vivem em Portugal. E viver em Portugal é uma condição suficiente

para viver na Europa porque todas as pessoas que vivem em Portugal vivem na Europa.

Eis então aquilo que descobrimos até agora acerca da natureza do conhecimento:

� A crença é uma condição necessária para o conhecimento.

Por exemplo, se o João souber que a neve é branca, então acredita que a neve é branca. Mas será a

crença uma condição suficiente para o conhecimento? Evidentemente que não, dado que as

pessoas podem acreditar em coisas que não podem saber, nomeadamente falsidades. Uma pessoa

pode acreditar que existem fadas, por exemplo, mas não pode saber que existem fadas porque não

há fadas.

� A crença não é uma condição suficiente para o conhecimento.

Como a crença é uma condição necessária mas não suficiente para o conhecimento, a crença e o

conhecimento não são equivalentes.

� Saber e acreditar são coisas distintas.

Ao tentar definir uma coisa, procuramos as condições necessárias e suficientes dessa coisa. Se

tivermos descoberto uma condição necessária mas não suficiente, continuamos a procurar outras

condições necessárias porque em muitos casos um conjunto de condições necessárias acaba por

ser uma condição suficiente.

Por exemplo, uma condição necessária para ser um ser humano é ser um hominídeo. Mas não é

uma condição suficiente, dado que muitos hominídeos não são seres humanos. Outra condição

necessária para ser um ser humano é ser racional; mas também não é suficiente, dado que poderão

existir seres racionais extraterrestres, por exemplo, e eles não serão seres humanos. Mas se

juntarmos as duas condições necessárias, obtemos uma condição suficiente, pois basta ser racional

e um hominídeo para ser um ser humano.

É isso que iremos fazer em relação à definição de conhecimento. Dado que ser uma crença é uma

condição necessária mas não suficiente de conhecimento, vamos ver se haverá outras condições

necessárias para o conhecimento que em conjunto sejam uma condição suficiente.


Conhecimento e verdade

Vimos que a crença é necessária para o conhecimento, mas não suficiente.

Será que há outras condições necessárias para o conhecimento?

Alguns termos da linguagem são factivos. Por exemplo, o termo «ver» é factivo. Isto quer dizer

que se o João viu a Maria na praia, a Maria estava efetivamente na praia. Se a Maria não estava na

praia, o João não a viu lá — apenas pensou que a viu lá, mas enganou-se.

O mesmo acontece com o conhecimento. Se o João sabe que a Maria está na praia, a Maria está na

praia. Se a Maria não está na praia, o João não pode saber que a Maria está na praia — pode

pensar, erradamente, que a Maria está na praia, mas isso será apenas uma crença falsa. Como é

óbvio, nenhuma crença falsa pode ser conhecimento, mesmo que a pessoa que tem essa crença

pense, erradamente, que é conhecimento.

� O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidades.

Dizer que não se pode conhecer falsidades não é o mesmo que dizer que não se pode saber que

algo é falso. As duas coisas são distintas. Vejamos os seguintes exemplos:

1. A Mariana sabe que é falso que o céu é verde.


2. A Mariana sabe que o céu é verde.

1 e 2 são muito diferentes. O exemplo 1 não viola a factividade do conhecimento. Mas a afirmação

2 viola a factividade do conhecimento: a Mariana não pode saber que o céu é verde, pois o céu não

é verde.

Dizer que o conhecimento é factivo é apenas dizer que sem verdade não há conhecimento.

� A verdade é uma condição necessária para o conhecimento.

Não se deve confundir as seguintes duas coisas: pensar que se sabe algo e saber realmente algo.

Se de facto soubermos algo, então temos a garantia de que isso que sabemos é verdade. Mas

podemos pensar que sabemos algo sem o sabermos de facto. Por exemplo, no tempo de Ptolomeu

pensava-se que a Terra estava imóvel no centro do universo. E as pessoas estavam tão seguras

disso que pensavam que sabiam que a Terra estava imóvel no centro do universo.
Contudo, mais tarde descobriu-se que essas pessoas estavam enganadas: elas não sabiam tal coisa,

apenas pensavam que sabiam. Claro que quando hoje pensamos que sabemos que essas pessoas

estavam enganadas, podemos também estar enganados.

Será que basta que uma crença seja verdadeira para ser conhecimento?

Por outras palavras, será que uma crença verdadeira é suficiente para o conhecimento?

Vejamos o seguinte diálogo:

Catarina: Acabei de jogar no totoloto, e algo me diz que é desta que vou ganhar.
João: Espero que sim!
Alguns dias depois...
Catarina: João, ganhei o totoloto! Não te disse que sabia que ia ganhar o totoloto?
João: Parabéns Catarina! Mas como podias saber tal coisa? Não quererás antes dizer que tinhas
uma forte convicção de que ias ganhar?
Catarina: Bom, saber, saber, não sabia. Mas achava que sim, e a verdade é que isso acabou por se
verificar.
João: Mas isso só quer dizer que tinhas uma crença verdadeira. Mas será que tinhas de facto
conhecimento? Sabias mesmo que ias ganhar o totoloto? É que se soubesses, não precisavas de
estar com esperança nisso, e nem sequer precisavas de verificar os números do sorteio.
Catarina: Como assim?
João: Por exemplo, se sabes quando nasceste, não precisas de consultar o teu bilhete de identidade
para verificar o ano. Do mesmo modo, se soubesses que ias ganhar o totoloto, não precisavas
verificar que números saíram: já sabias que números eram esses.
Catarina: Sim, tens razão: o facto de as nossas crenças se revelarem verdadeiras não implica que
tivéssemos conhecimento prévio dessas coisas.

Do facto de a crença da Catarina se ter revelado verdadeira não se segue que ela soubesse que ia

ganhar o totoloto. Crenças que por acaso se revelam verdadeiras não são conhecimento. O

conhecimento não pode ser obtido ao acaso.

Vejamos outro exemplo: Imagine-se que a professora de matemática do

João lhe perguntava qual a raiz quadrada de quatro. Imagine-se que ele achava que era dois, mas

não tinha a certeza. Será que ele sabia qual é raiz quadrada de quatro, ou será que ele apenas teve

sorte ao acertar na resposta? Para haver conhecimento uma pessoa não pode apenas ter sorte em

acreditar no que é efetivamente verdade; tem de haver algo mais que distinga o conhecimento da
mera crença verdadeira. Para haver conhecimento, aquilo em que acreditamos tem de ser verdade,

mas podemos acreditar em coisas verdadeiras sem saber realmente que são verdadeiras.

Portanto, nem todas as crenças verdadeiras são conhecimento. Por outras palavras:

� A crença verdadeira não é suficiente para o conhecimento.

Conhecimento e justificação

Platão foi um dos primeiros filósofos a distinguir a crença do conhecimento. O Teeteto é um dos

seus diálogos mais importantes. É nele que se encontra a definição clássica de conhecimento, que

vamos agora estudar.

Sócrates: Diz-me, então, qual a melhor definição que poderíamos dar de conhecimento, para não
nos contradizermos?
[...]
Teeteto: A de que a crença verdadeira é conhecimento? Certamente que a crença verdadeira é
infalível e tudo o que dela resulta é belo e bom.
[...]
Sócrates: O problema não exige um estudo prolongado, pois há uma profissão que mostra bem
como a crença verdadeira não é conhecimento.
Teeteto: Como é possível? Que profissão é essa?
Sócrates: A desses modelos de sabedoria a que se dá o nome de oradores e advogados. Tais
indivíduos, com a sua arte, produzem convicção, não ensinando mas fazendo as pessoas acreditar
no que quer que seja que eles queiram que elas acreditem. Ou julgas tu que há mestres tão
habilidosos que, no pouco tempo concebido pela clepsidra sejam capazes de ensinar devidamente
a verdade acerca de um roubo ou qualquer outro crime a ouvintes que não foram testemunhas do
crime?
Teeteto: Não creio, de forma nenhuma. Eles não fazem senão persuadi-los.
Sócrates: Mas para ti persuadir alguém não será levá-lo a acreditar em algo?
Teeteto: Sem dúvida.
Sócrates: Então, quando há juízes que se acham justamente persuadidos de factos que só uma
testemunha ocular, e mais ninguém, pode saber, não é verdade que, ao julgarem esses factos por
ouvir dizer, depois de terem formado deles uma crença verdadeira, pronunciam um juízo
desprovido de conhecimento, embora tendo uma convicção justa, se deram uma sentença correta?
Teeteto: Com certeza.
Sócrates: Mas, meu amigo, se a crença verdadeira e o conhecimento fossem a mesma coisa,
nunca o melhor dos juízes teria uma crença verdadeira sem conhecimento. A verdade, porém, é
que se trata de duas coisas distintas.
Teeteto: Eu mesmo já ouvi alguém fazer essa distinção, Sócrates; tinha-me esquecido dela, mas
voltei a lembrar-me. Dizia essa pessoa que a crença verdadeira acompanhada de razão (logos) é
conhecimento e que desprovida de razão (logos), a crença está fora do conhecimento [...].
Platão, Teeteto, 201a-c.

Aquilo que Platão designa por «logos» é o que tradicionalmente se passou a designar

«justificação». Assim, além de verdadeira, diz-nos Platão, a crença tem de ser justificada, para que

possa haver conhecimento. Mas o que significa isto?

Vimos que o facto de alguém ter uma crença verdadeira não significa que tenha conhecimento. Por

exemplo, do facto de a crença do António de que vai passar de ano ser verdadeira não se segue que

ele saiba realmente que vai passar de ano. Mas se, além de possuir uma crença verdadeira, o

António tiver razões que suportem a sua crença, ele sabe-o. Por exemplo, se ele acreditar que vai

passar de ano porque tem boas notas a todas as disciplinas, então a sua crença verdadeira não é

mero fruto do acaso, mas está justificada por boas razões: a sua crença é conhecimento. Eis,

portanto, a terceira condição para o conhecimento:

� A justificação é uma condição necessária para o conhecimento.

Mas será a crença justificada suficiente para o conhecimento? Se acreditarmos em algo

justificadamente, teremos a garantia de que sabemos esse algo? Se pensarmos em Ptolomeu,

vemos que ter uma justificação para acreditar numa coisa não significa que se tenha conhecimento

dessa coisa. Ptolomeu tinha boas justificações para pensar que a Terra estava parada no centro do

universo. Mas não sabia que a Terra estava parada no centro do universo.

Como vimos diferentes pessoas estão em diferentes estados cognitivos. No estado cognitivo em

que se encontrava Ptolomeu, havia justificação para pensar que a Terra estava parada no centro do

universo. Mas os estados cognitivos das pessoas não são perfeitos e por isso as pessoas podem ter

justificação para acreditar em falsidades.


Por exemplo, antes de na Europa se descobrir a Austrália, todos os cisnes conhecidos na Europa

eram brancos. Os europeus tinham por isso uma justificação para pensar que todos os cisnes do

mundo eram brancos.

Mas depois descobriu-se cisnes negros na Austrália. Logo, podemos ter crenças justificadas sem

ter conhecimento.

Por outras palavras:

� A crença justificada não é suficiente para o conhecimento.

Note-se que para que a crença de alguém esteja justificada não é necessário que essa pessoa saiba

justificar a sua crença. Isso seria absurdo, dado que a justificação mais profunda para pensar que

está uma árvore à minha frente inclui complexos mecanismos da visão que a maior parte das

pessoas desconhece. E mesmo para justificar a crença de que todos os corvos são negros muitas

pessoas serão incapazes de articular explicitamente um argumento indutivo.

A crença de alguém pode estar justificada sem que essa pessoa a consiga justificar explicitamente.

O que importa é que a sua crença esteja justificada e não que ela saiba justificar explicitamente a

sua crença. Vejamos mais um exemplo: o Pedro é uma criança de 7 anos e tem uma crença

justificada de que o irmão está a beber leite com chocolate. Mas o Pedro não consegue justificar

explicitamente a sua crença. O que importa é que há uma justificação que legitima a crença do

Pedro: nomeadamente, o Pedro está justificado a acreditar que o irmão está a beber leite com

chocolate porque está a vê-lo beber leite com chocolate e nada há de errado com a sua visão.

Vimos até agora três condições necessárias para algo ser conhecimento: ser uma crença, ser

verdadeira e ser justificada. E vimos também que, separadamente, nenhuma dessas condições era

suficiente. Mas se juntarmos as três condições, obtemos a seguinte definição de conhecimento, em

que S é uma pessoa qualquer:

S sabe que P se, e só se,


a. S acredita que P.
b. P é verdadeira.
c. Há uma justificação para S acreditar que P.
Esta é a definição tradicional de conhecimento. Uma condição necessária e suficiente para ter

conhecimento é ter uma crença verdadeira justificada.

Apesar de, separadamente, nenhuma das condições ser suficiente para o conhecimento, tomadas

conjuntamente parecem suficientes. Se alguém tiver uma crença, se essa crença for verdadeira e se

além disso essa crença estiver justificada, parece impossível que essa pessoa não tenha

conhecimento.

Conhecimento e crença verdadeira justificada

A definição tradicional de conhecimento foi aceite durante mais de dois mil anos tendo sido

disputada em 1963 pelo filósofo americano Edmund Gettier (n. 1927). Gettier forneceu um

conjunto de contraexemplos que mostram que podemos ter uma crença verdadeira justificada sem

que essa crença seja conhecimento. Vejamos então o tipo de contraexemplos em causa.

Imaginemos que o João vai a uma festa onde se encontrava a Ana.

Imaginemos ainda o seguinte:

1. O João acredita que a Ana tem a A Arte de Pensar na mochila.

Imaginemos também que a crença do João está justificada. Por exemplo, suponhamos que a Ana

lhe tinha dito que ia levar o manual para a festa porque a Rita lho tinha pedido emprestado.

Portanto, o João não só acredita que a Ana tem A Arte de Pensar na Mochila como a sua crença

está justificada:

2. A crença do João de que a Ana tem a A Arte de Pensar na mochila está justificada.

Até aqui tudo bem. Agora vem a parte substancial do argumento:

Imaginemos que a Rita tinha telefonado à Ana para lhe dizer que afinal já não precisava que ela

lhe emprestasse o manual. Suponhamos agora que o António tinha encontrado a Ana antes da festa

e lhe tinha pedido para levar o manual para a festa para tirar umas dúvidas com ela. Portanto, a

Ana tinha de facto A Arte de Pensar na mochila, mas não o tinha por causa da Rita, mas por causa

do António.

3. A Ana tem A Arte de Pensar na mochila.


Isto significa que, dado 1, 2 e 3, o João tem uma crença verdadeira justificada. E, logo, de acordo

com a definição tradicional de conhecimento, o João sabe que a Ana tem A Arte de Pensar na

mochila. Mas será que o João sabe tal coisa?

Não! O João não pode saber tal coisa. Aquilo que justifica a crença do João não é o levou Ana a

levar A Arte de Pensar para a festa. É por mera sorte que a crença do João é verdadeira. Por outras

palavras, a razão pela qual o João acredita que a Ana tem A Arte de Pensar na mochila não é a

razão que levou a Ana a levar o manual para a festa.

Assim, temos um caso em que alguém tem uma crença verdadeira justificada mas em que essa

crença não constitui conhecimento. E isto contradiz a definição tradicional de conhecimento.

Logo, a definição tradicional de conhecimento está errada. Ou seja:

� A crença verdadeira justificada não é suficiente para o conhecimento.

Há muitas propostas de solução do problema levantado pelos contraexemplos de Gettier. Em geral,

todas aceitam os méritos da definição tradicional de conhecimento, e procuram apenas fortalecer a

noção de justificação, para bloquear os contra exemplos. Mas este é um tema para um estudo mais

aprofundado.

Em conclusão:
Que tipos de conhecimento há?
O que é o conhecimento?
� A crença é uma condição necessária para o conhecimento.
� O conhecimento é factivo, ou seja, não se pode conhecer falsidades.
� A verdade é uma condição necessária para o conhecimento.


Objeções: Os contraexemplos de Gettier. Estes mostram que podemos ter uma justificação para
acreditar em algo verdadeiro sem que esse algo seja conhecimento.

Conhecimento a priori e a posteriori


Quais são as fontes ou origens do conhecimento? Aparentemente, a fonte do nosso conhecimento

de que 2 + 2 = 4 é diferente da fonte do conhecimento de que a neve é branca. Para sabermos que

2 + 2 = 4 basta pensarmos sobre isso. Mas para sabermos que a neve é branca temos de ver neve.

Isto significa que a justificação do nosso conhecimento de que 2 + 2 = 4 é diferente da justificação

do nosso conhecimento de que a neve é branca.

No primeiro caso, parece que estamos justificados a acreditar que 2 + 2 = 4 pelo pensamento

apenas, ou pela razão. No segundo caso, estamos justificados a acreditar que a neve é branca pela

experiência, ou através dos nossos sentidos.

Dá-se tradicionalmente os nomes de «conhecimento a priori» e «conhecimento a posteriori» ou

«conhecimento empírico» a estes dois tipos de conhecimento:

� Um sujeito sabe que P a priori se, e só se, sabe que P pelo pensamento apenas.

� Um sujeito sabe que P a posteriori se, e só se, sabe que P através da experiência.

A distinção entre conhecimento a priori e a posteriori encontra-se implícita em muito filósofos,

mas foi com Immanuel Kant (1724-1804) que se tornou mais clara:

[…] designaremos, doravante por juízos a priori, não aqueles que não dependem desta ou daquela
experiência, mas aqueles em que se verifica absoluta independência de toda e qualquer
experiência. A estes opõem-se o conhecimento empírico, o qual é conhecimento apenas possível a
posteriori, isto é, através da experiência.
Immanuel Kant, Crítica da Razão Pura, 1787, B2-B3.

Vejamos agora o seguinte caso:

1. Um objeto totalmente azul não é vermelho.

Não precisamos de recorrer à experiência para saber que 1 é verdade: basta pensar. Mas o próprio

conceito de azul, de vermelho e de cor teve de ser adquirido pela experiência, vendo cores. Apesar

de adquirirmos o conceito de azul e vermelho pela experiência, não precisamos de recorrer à

experiência para saber que um objeto todo azul não pode ser vermelho. A partir do momento em

que temos os conceitos de azul, vermelho e cor, sabemos que 1 é verdadeira. Possuir os conceitos

necessários não é mais do que um pré-requisito para o nosso conhecimento proposicional. Mas

apesar de possuirmos os conceitos de céu e de azul, não é possível saber que o céu é azul sem

olhar para o céu.


Tal como há conhecimento a priori e conhecimento a posteriori, também há argumentos a priori e

argumentos a posteriori.

� Um argumento é a posteriori se, e só se, pelo menos uma das sua premissas é a posteriori.

� Um argumento é a priori se, e só se, todas as suas premissas são a priori.

Em conclusão:
� Um sujeito sabe que P a priori se, e só se, sabe que P pelo pensamento apenas.
� Um sujeito sabe que P a posteriori se, e só se, sabe que P através da experiência.

� Um argumento é a priori se, e só se, todas as suas premissas são a priori.


� Um argumento é a posteriori se, e só se, pelo menos uma das suas premissas for a posteriori.

� Conhecemos algo inferencialmente quando conhecemos através de argumentos ou razões.


� Conhecemos algo não inferencialmente quando conhecemos diretamente (por exemplo,
através dos sentidos).

IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica

1. Descrição e interpretação da atividade cognoscitiva

1.2. Análise comparativa de duas teorias explicativas do conhecimento

Estrutura do ato de Conhecer

“A perceção através dos sentidos não depende exclusivamente dos atributos fisiológicos imediatos
do olho ou do ouvido. Depende, sim, de um contexto muito mais vasto, que envolve a disposição
global do indivíduo. No caso da visão isso foi investigado segundo numerosas e diferentes
perspetivas, tendo os cientistas demonstrado que a visão requer o movimento ativo tanto do corpo
como da mente. A perceção visual é, portanto, um ato intencional e não passivo.
Um exemplo claro de como a visão opera sempre num contexto vasto e geral é o da pessoa que
nasceu cega e, mediante uma operação, adquire subitamente a capacidade de ver. Em tais
circunstâncias, a visão clara não é um processo instantâneo, porque tanto o paciente como o
médico têm de realizar um árduo trabalho, até que a confusão de impressões visuais desprovidas
de significado possa ser integrada numa “visão” verdadeira. Este trabalho implica, entre outras
coisas, a exploração dos efeitos dos movimentos do corpo nas experiências visuais ainda frescas e
a aprendizagem do relacionamento das impressões visuais de um objeto com as sensações tácteis
que foram previamente associadas a ele. Em particular, o que o paciente aprendeu por outras vias
afeta fortemente o que ele vê. A disposição global da mente para apreender objetos por vias
particulares desempenha um papel no ato de selecionar e de dar forma ao que é visto.
Estas conclusões são confirmadas pela análise neurológica do sistema nervoso. Para se ver algo
em absoluto, o lho tem de se lançar em movimentos rápidos que o ajudam a extrair da cena alguns
elementos de informação. Sabe-se que o modo pelo qual estes elementos se integram depois numa
imagem global, conscientemente percebida, depende em grande parte dos conhecimentos e
hipóteses gerais, por parte de quem vê, acerca da natureza da realidade. Diversas experiências
incisivas revelaram que o fluxo de informação proveniente dos níveis cerebrais elevados para as
áreas de formação de imagens excede, na realidade, a quantidade de informação que chega dos
olhos. Isto é, aquilo que se “vê” resulta tanto dos conhecimentos previamente adquiridos como dos
dados visuais acabados de receber.
A perceção dos sentidos é, portanto, fortemente determinada pela disposição total da mente e do
corpo. Mas, por sua vez, esta disposição relaciona-se, de maneira significativa com a cultura geral
e a estrutura social. Do mesmo modo, a perceção através da mente é também governada por todos
estes fatores. Por exemplo, um grupo de pessoas a passear numa floresta vê e responde de maneira
diversa ao ambiente. O lenhador vê a floresta como uma fonte de madeira, o artista como algo
digno de ser pintado, o caçador como um esconderijo para a caça.
Em cada caso, o bosque e as suas árvores individuais são percebidos de modo muito diferente, na
dependência da formação e expectativas dos passeantes.”
David Bohm e David Peat

A experiência do conhecimento é comum a todos os seres humanos. Mas, afinal, o que é

conhecer?

Quem é que conhece? O que é que se conhece? Como se conhece?

No texto encontramos tentativas de resposta para estas questões. Todos os seres vivos são dotados

de sentidos, isto é, de órgãos que lhes permitem captar, interpretar esses sinais e responder-lhes

adequadamente. O conhecimento faz parte dos mecanismos de sobrevivência e adaptação ao meio.

No homem o processo de conhecer não é muito diferente dos outros animais mas atinge níveis de

maior complexidade, permitindo alcançar conhecimentos abstratos, pensar a realidade e manipulá-

la.

O que é que nos diz o texto? (vejamos uma perspetiva a respeito do conhecimento, talvez a mais

vulgar e mais fácil de entender, a partir da análise do texto)


1. Afirma que o conhecimento é possível dependendo, em primeiro lugar, da estrutura fisiológica

dos nossos sentidos – das sensações. Os nossos sentidos recebem e dão significado a determinados

estímulos, ignorando outros. Todo o conhecimento tem origem ou constitui-se a partir da sensação.

2. As sensações, ou dados dos sentidos, são interpretado por cada indivíduo - o sujeito do

conhecimento. Esta interpretação implica uma organização das sensações num todo significativo

que é o conhecimento percetivo. Assim, o conhecimento percetivo traduz um primeiro nível de

apreensão da realidade. Esta apreensão permite reproduzir na mente do sujeito a realidade em si

mesma.

3. O conhecimento percetivo implica um sujeito (aquele que conhece) e um objeto (aquilo que é

conhecido e representado na mente). O sujeito, através dos sentidos, apreende um conjunto de

dados a que confere significado, construindo assim uma representação mental ou objeto (em

sentido gnoseológico).

4. O objeto construído pelo sujeito não é uma mera soma dos dados sensoriais apreendidos num

dado momento; como se diz no texto “aquilo que se vê resulta tanto dos conhecimentos

previamente adquiridos como dos dados visuais acabados de receber”. Quer isto dizer que o

sujeito que conhece atribui um significado aos dados recebidos em função da sua própria estrutura,

das experiências já vividas, dos conhecimentos anteriormente adquiridos, dos interesses pessoais,

etc.

5. São todos estes fatores (fatores de significação percetiva) que explicam que cada sujeito possa

ter uma visão diferente da mesma realidade.

O ser humano não se limita a conhecer perceptivamente a realidade, desta forma imediata e

vivencial. Também somo capazes de pensar sobre o vivido, elaborando conhecimentos abstratos

que provêm justamente da capacidade de refletir sobre o que percecionamos. Assim, construímos

leis gerais e teorias acerca da realidade. Com base neste conhecimento abstrato e racional,

elaboramos modelos explicativos e interpretativos da realidade.


É este nível racional do conhecimento, que é especificamente humano, que tornou possível a

construção da ciência e da filosofia e a evolução tecnológica.

Para alguns autores, há uma estrutura invariante no sujeito que determina a construção, a

configuração e o sentido do objeto. Para outros autores, esta estrutura da mente que conhece

(sujeito gnoseológico) vai-se constituindo ao longo da vida a partir das características biológicas.

Para outros ainda, é o objeto que determina a sua própria representação, reservando para o sujeito

o papel de mero recetor considerando o conhecimento como uma tomada de consciência das

determinações do objeto.

Em conclusão, conhecer é construir representações mentais da realidade; é o sujeito que conhece;

aquilo que é conhecido é o objeto. Por objeto de conhecimento não se entende a realidade em si

mesma mas a sua representação na consciência. O processo de construção do conhecimento exige

capacidade de captação sensorial dos dados, capacidade de interpretação e de organização e

capacidade de elaboração racional, no sentido de constituir conceitos, leis gerais e teorias

explicativas acerca da realidade (conhecimento racional).

Análise Comparativa de duas Teorias Explicativas do Conhecimento

� Ao longo da história da filosofia houve várias tentativas para explicar o modo como o homem

conhece e as coisas (tipos de objetos) que é capaz de conhecer; os filósofos também se

preocuparam com o alcance, os limites e a validade desse conhecimento.

� Desde o inicio que os filósofos se perguntam: qual a origem ou fundamento do conhecimento?

Até onde podemos conhecer? Podemos conhecer tudo ou há limites e limitações do

conhecimento? Conhecemos a realidade tal como é em si mesma ou o nosso conhecimento é à

nossa medida, moldado pelo modo como o sujeito é constituído?

� Estas questões expressam preocupações de natureza gnosiológica e são constantes ao longo da

história da filosofia. O modo como se tem respondido a estas questões conduziu à existência de

múltiplas teorias explicativas do conhecimento: empirismo, racionalismo, apriorismo,

construtivismo, positivismo, idealismo, materialismo, dogmatismo, ceticismo, relativismo…

� Vamos explorar apenas duas dessas perspetivas: racionalismo e empirismo.

O racionalismo cartesiano
Da dúvida ao cogito

Assim, porque os nossos sentidos nos enganam algumas vezes, quis supor que nada há que seja tal
como eles o fazem imaginar. E, porque há homens que se enganam ao raciocinar, até nos mais
simples temas de geometria, e neles cometem paralogismos, rejeitei como falsas, visto estar
sujeito a enganar-me como qualquer outro todas as razoes de que até então me servia nas
demonstrações. Finalmente, considerando que os pensamentos que temos quando acordados nos
podem ocorrer também quando dormimos, se que neste caso nenhum seja verdadeiro, resolvi
supor que tudo o que até então encontrara acolhimento no meu espírito não era mais verdadeiro
que as ilusões dos meus sonhos.
Mas, logo em seguida, notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o
pensava, necessariamente era alguma coisa. E notando que esta verdade – eu penso, logo existo,
era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos céticos seriam impotentes para
a abalar, julguei que podia aceitar, sem escrúpulo, para primeiro princípio da filosofia que
procurava.
Depois, examinando atentamente que coisa eu era, e vendo que podia supor que não tinha corpo e
que não havia qualquer mundo ou qualquer lugar onde eu existisse; mas que, apesar disso, não
podia admitir que não existia; e que antes, pelo contrario, por isso mesmo que pensava, ao duvidar
da verdade das outras coisas, tinha de admitir como muito evidente muito certo que existia; ao
passo que bastava que tivesse deixado de pensar para não ter já nenhuma razão para crer que
existia, ainda que tudo o que tinha imaginado fosse verdadeiro; por isso, compreendi que era uma
substância, cuja essência ou natureza é apenas o pensamento, que para existir não tem necessidade
de nenhum lugar nem depende de nenhuma coisa material. De maneira que esse eu, isto é, a alma
pela qual sou o que sou, é inteiramente distinta do corpo, mais fácil mesmo de conhecer que este,
o qual, embora não existisse, não impediria que ela fosse o que é.
Depois disso, considerei duma maneira geral o que é indispensável a uma proposição para ser
verdadeira e certa; porque, como acabava de encontrar uma com esses requisitos, pensei que devia
saber também em que consiste essa certeza. E tendo notado que nada há no que eu penso, logo
existo, que me garanta que digo a verdade, a não ser que vejo muito claramente que, para pensar, é
preciso existir, julguei que podia admitir como regra geral que é verdadeiro tudo aquilo que
concebemos muito claramente e muito distintamente; havendo apenas alguma dificuldade em
notar quais são as coisas que concebemos distintamente.
René Descartes, Discurso do Método

� O texto foi escrito por um filósofo francês do século XVII que se dedicou ao estudo dos

problemas do conhecimento e construiu um sistema de índole racionalista. Vivia-se então numa


época de crise e de incerteza que se refletia nas posições céticas adotadas pelos contemporâneos

de Descartes. Ora Descartes tinha uma formação matemática e desejava garantir a existência de

um conhecimento verdadeiro.

No texto, extraído do Discurso do Método, uma das suas obras mais divulgadas:

1. Começa precisamente por levantar o problema da dúvida em três domínios fundamentais:

 Dúvida acerca do conhecimento sensorial;

 Dúvida acerca da capacidade da razão humana;

 Dúvida quanto á possibilidade de distinguir sonho de realidade.

2. Refere a decisão de não aceitar nada como verdadeiro ate encontrar uma verdade que resista a

toda e qualquer dúvida (um conhecimento indubitável).

� Esta atitude de Descartes é uma forma de garantir a validade absoluta de um conhecimento

capaz de resistir à dúvida mais exagerada. Por isso se considera que a dúvida cartesiana é

metódica, universal (abrange todos os conhecimentos) e voluntária.

3. Enuncia a primeira verdade a que Descartes chegou: o cogito ou a existência de um ser pensante

(penso, logo existo).

� Esta primeira verdade vai ser aceite por Descartes que sobre ela assentará o seu sistema

filosófico.

Trata-se de uma verdade de natureza puramente racional, ou seja, que depende unicamente do uso

da razão humana e na sua descoberta não foi necessária a contribuição dos sentidos. A existência

do cogito é a primeira informação segura a que Descartes chegou depois de deliberadamente ter

posto tudo em dúvida e encerra o sujeito que conhece em si mesmo, reduzindo-o a ser “uma coisa

que pensa” (res cogitans).

Duvida ainda da existência dos outros seres humanos e das coisas materiais, incluindo o seu

próprio corpo.

� O objetivo cartesiano de alcançar a verdade começa a cumprir-se no momento da dúvida, no

momento em que se rompe com o sensível e com o conhecimento até então constituído e se

procura a verdade na própria razão.


4. Seguidamente o texto de Descartes define a natureza do cogito afirmando a sua independência

em relação ao corpo e a sua natureza de puro pensamento.

Contrariamente ao nosso conhecimento vulgar que nos leva a acreditar mais facilmente na

existência das coisas e do corpo do que na existência da mente, Descartes conclui que o

conhecimento desta é mais acessível e é anterior ao conhecimento das coisas corpóreas; o corpo

não faz parte da mente e é de outra natureza.

5. Apresenta, finalmente, o critério de verdade válido para Descartes. Serão aceites como

verdadeiras unicamente aquelas ideias que se apresentem à razão como sendo claras e distintas,

características que Descartes encontra na apreensão intuitiva e racional da ideia do cogito. A

apreensão do cogito fornece o critério de verdade das ideias.

� Como verificamos Descartes parte da dúvida e alcança uma primeira verdade por via

unicamente racional. Neste momento da construção do sistema cartesiano Descartes só admite a

existência de um eu cuja natureza se resume a produzir pensamento. Será que existe alguma coisa

fora e para além do seu eu? Como vai conseguir sair para fora do cogito e demonstrar a existência

da realidade material?

� Descartes não pode basear-se nos sentidos uma vez que os excluíra como fonte fiável de

conhecimento.

Só lhe resta refletir sobre si mesmo e procurar na mente, no cogito, a possibilidade de provar a

existência de algo para além do seu próprio pensamento. O que é que esta reflexão lhe vai permitir

descobrir?

Diferentes tipos de ideias: ideias que “nasceram comigo” (ideias inatas); outras que vieram de fora

(ideias adventícias); outras que foram feitas e inventadas por mim (ideias factícias).

� Ao examinar a natureza das ideias, Descartes valoriza as que são inatas e entre elas descobre a

ideia de Deus como ser perfeito e como o homem é um ser imperfeito, que não pode por si só

criar a ideia de perfeição, esta ideia é inata e só pode ter origem no próprio Deus que a colocou na

nossa mente. Esta ideia ao fazer-nos conceber Deus como um ser perfeito, incapaz de nos enganar,

passa a ser garantia de que o conhecimento construído pela razão é verdadeiro. Assim, alem da

existência do cogito, Descartes passa a admitir a existência de Deus e a existência do mundo.


� No texto que se segue podemos avaliar a importância da perspetiva racionalista:

O racionalismo

A posição epistemológica vê no pensamento, na razão, a fonte principal do conhecimento humano


chama-se racionalismo. Segundo ele, o conhecimento só merece na realidade este nome quando é
logicamente necessário e universalmente válido. Quando a nossa razão julga que uma coisa tem
que ser assim e não pode ser de outro modo, que tem de ser assim, portanto, sempre e em todas as
partes, então, e só então, nos encontramos ante um verdadeiro conhecimento, na opinião dos
racionalistas. (…) Uma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo à
interpretação racionalista do conhecimento. Não é difícil dizer qual é: é o conhecimento
matemático. Este é, com efeito, um conhecimento predominantemente conceptual e dedutivo. (…)
O pensamento impera com absoluta independência de toda a experiência, seguindo somente as
suas próprias leis. Todos os juízos que formula distinguem-se, além disso, pelas características da
necessidade lógica e da validade universal. (…) O racionalismo alcançou maior importância na
Idade Moderna em Descartes. Segundo ele são inatos um certo número de conceitos, justamente
os mais importantes, os conceitos fundamentais do conhecimento. Estes conceitos não procedem
da experiência, mas representam um património originário da razão. (È a teoria das ideias inatas).
(…)
O mérito do racionalismo consiste em ter visto e feito sobressair o significado do fator racional no
conhecimento humano mas é exclusivista ao fazer do pensamento a fonte única ou própria do
conhecimento. Além disso, o racionalismo deriva de princípios formais proposições materiais;
deduz de meros conceitos conhecimentos. (Penso na intenção de derivar do conceito de Deus a sua
existência; ou de definir, partindo do conceito de substancia a essência da alma). Apresenta assim
um espírito dogmático que provocou reações opostas como, por exemplo, o empirismo

Como se pode concluir:

1. O racionalismo toma a razão como única fonte de conhecimento.

2. Pressupõe a existência de ideias inatas, descobertas por intuição racional, de conhecimento

das quais deduz todos os outros conhecimentos que devem ser logicamente necessários e

universalmente válidos.

3. Para conferir ao conhecimento esse caráter de universalidade e necessidade, toma a

matemática como modelo a seguir para todos os tipos de conhecimento.

4. Rejeita a experiência como fonte de conhecimento por considerar que ela é enganadora e

conduz a conhecimentos particulares e contingentes (por oposição à universalidade e


necessidade próprias do conhecimento racional construído a partir do modelo matemático do

conhecimento).

5. Apesar de ter sido importante a valorização da razão como fonte de conhecimento, os

racionalistas têm tendência para um certo exclusivismo (apenas admitindo uma única fonte

de conhecimento) e dogmatismo (ao considerar a possibilidade de construirmos um

conhecimento absolutamente verdadeiro e ao derivar as ideias a existência das coisas).

O empirismo

� O empirismo opõe ao racionalismo a tese de que todo o conhecimento, incluindo o mais geral e

abstrato, tem origem e deriva da experiência. A razão não contém nenhum princípio ou ideia que

não derive da experiência, ou seja, não há ideias inatas.

A origem do conhecimento

Podemos, pois, dividir todas as perceções da mente em duas classes ou tipos, que se distinguem
pelos seus diferentes graus de força e de vivacidade. As menos intensas e vivas são comummente
designadas pensamentos ou ideias. Ao outro tipo (…) chamemos-lhe impressões (…). Pelo termo
impressão significo todas as nossas perceções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos,
amamos, odiamos, desejamos ou queremos. E as impressões distinguem-se das ideias, que são as
impressões menos intensas, das quais somos conscientes quando refletimos sobre qualquer das
sensações ou movimentos acima mencionados.
D. Hume, Investigação sobre o entendimento humano

� Assim sendo todas as nossas ideias têm que encontrar uma impressão que lhes corresponda e só

é possível a existência de um conhecimento verdadeiro do que é observável, todos os

conhecimentos que ultrapassem o observável são abusivos ou ilusórios.

� A indução é uma operação da mente que faz parte de factos observáveis e alcança um

conhecimento mais geral; esta é a única operação da razão que permite superar o particular e o

contingente mas que, ao fazê-lo, só pode alcançar um conhecimento provável. Podemos encontrar,

num empirista do século XX, Bertrand Russell, um exemplo disto mesmo: “O homem que

regularmente alimenta o frango acaba por um dia lhe torcer o pescoço, mostrando quão útil seria

ao frango lançar-se a teorias de maior subtileza acerca das uniformidades do universo” (B. Russell,

Os Problemas da filosofia, pág. 109)


� A verdade é, para o empirismo, a confrontação dos juízos com os factos observáveis que

traduzem. Os juízos universais obtidos por indução não podem ser confrontados com os factos,

uma vez que a observação nunca permite verificar todos os casos, pelo que a sua verdade não é

necessária nem universal.

� Os princípios que, para os racionalistas, estão contidos na razão humana não existem para os

empiristas que têm dificuldade em explicar, por exemplo, a existência de um nexo causal

necessário entre dois fenómenos que acontecem um depois do outro.

O empirismo de David Hume

“Para os empiristas como David Hume, todos os nossos conhecimentos provêm da experiência e a
razão não possui princípios inatos anteriores à experiência.
Mas é preciso, então, explicar porque a todo o momento o nosso espírito se projeta além da
experiência imediata. Ao colocarmos leite no fogo, por exemplo, dizemos: o leite vai ferver. A
todo o momento, nós fazemos previsões análogas e os nossos juízos excedem a “esfera restrita dos
nossos sentidos”. Se tomamos a experiência, o dado, por guia único, temos o direito de dizer “o
leite ferve” no momento em que o vemos ferver, mas nada nos autoriza anteciparmo-nos ao curso
das coisas, a exceder o que nos é dado no momento e a fazer previsões do tipo: o leite vai ferver.
Se prevemos alguma coisa, é porque vamos além da experiência presente, em nome de um
princípio da razão: o princípio de causalidade. O aquecimento é a causa da ebulição; supomos,
entre aquecimento e ebulição, uma relação necessária de tal modo que, ao aquecermos o leite,
possamos prever que ele vai ferver passados alguns instantes. É pelo facto de admitirmos esta
relação necessária que pensamos que o aquecimento necessariamente produzirá a ebulição, que
ultrapassamos audaciosamente a experiência presente: o leite vai ferver.
Portanto, David Hume, para justificar o seu empirismo integral, depara-se com um problema
difícil. É-lhe necessário demonstrar que os próprios princípios da razão, por exemplo, o princípio
de causalidade, provêm da experiência.
À primeira vista, não se depreende como o princípio de causalidade pode ter origem na
experiência.
É certo que verificamos que o leite ferve, após ter sido levado ao fogo. Comprovamos que ele
aquece e depois ferve. Mas não podemos afirmar que ele ferve porque foi aquecido. É verdade que
diariamente podemos fazer a mesma comprovação. O aquecimento é sempre seguido de ebulição.
Mas o que verificamos é uma “conjunção constante” e não uma “conexão necessária”, não vemos
a ação causal, o “porquê”. (...)
E, no entanto, não nos limitamos a dizer que os acontecimentos se sucedem, mas afirmamos que
eles se produzem e se determinam uns aos outros, que existem causas e efeitos. Qual será, então, a
origem do princípio de causalidade?
Hume explica-o a partir do hábito e da associação de ideias. Porque esperamos ver a água a ferver
quando a aquecemos? É porque, responde Hume, aquecimento e ebulição sempre estiveram
associados na nossa experiência passada. Formou-se um hábito deste modo. Quando levamos um
líquido ao fogo aguardamos a ebulição porque a nossa experiência passada habituou-nos a isto. Ao
dizermos que o leite vai ferver, tiramos “uma conclusão que excede, no futuro, os casos passados”
de que já tivemos experiência; é que a imaginação, irresistivelmente arrastada pela força do
hábito, passa de um acontecimento dado àquele de ordinário o acompanha. Assim, o passado
impulsiona a imaginação que, “como uma galera acionada pelos remos, desliza sem necessidade
de novo impulso”. A experiência passada orienta a imaginação e esta, adestrada pelo hábito,
projeta-a sobre o acontecimento que está para vir, quando em face do aquecimento. O leite vai
ferver. Ao afirmar isto, aparentamos ultrapassar a experiência, mas o que fazemos na realidade é
seguir uma tendência criada pelo hábito.
Somente o hábito nos faz imaginar uma ligação necessária entre o aquecimento e a dilatação.
Tal explicação é puramente psicológica e não traz à ideia de causalidade qualquer garantia
objetiva; por outras palavras, Hume explica porque acreditamos na causalidade, mas não mostra a
razão pela qual acreditamos. Ele mostra porque esperamos irresistivelmente que se produza a
ebulição, quando assistimos ao aquecimento. Mas não demonstra que temos razão em fazê-lo, não
justifica logicamente a nossa expectativa. Teoricamente, diz ele, poderia acontecer que o leite não
fervesse. Pois nada prova que a experiência de amanhã confirmará a de ontem e a de hoje.
Teoricamente, nada prova que o leite levado ao fogo não se congelará!
Efetivamente, segundo a teoria de Hume, não podemos falar de causas e efeitos, mas apenas de
factos que, na nossa experiência passada, se sucederam uns aos outros. Consequentemente, se o
princípio de causalidade é apenas um resumo dos nossos hábitos, ele poderá ser desmentido pela
experiência futura. Em rigor, ele não passa de uma ilusão explicável pela psicologia do hábito e da
expectativa. Não estamos mais certos de coisa alguma e o empirismo de Hume desemboca num
verdadeiro ceticismo.”
Huisman & Vergez, O conhecimento

� Podemos agora inventariar as seguintes ideias:

1. Para o empirismo a origem do conhecimento é a experiência.

2. Na razão não existe nada que não tenha a sua origem nas impressões.

3. Todo o conhecimento absolutamente verdadeiro tem como limite o observável.


4. Como todos os nossos conhecimentos gerais partem da experiência que nos dá sempre um

conhecimento do particular, é o processo indutivo de inferência que permite alcançar

conhecimento universal. Como há uma generalização a todos os casos daquilo que foi

observado apenas em parte, não temos garantia lógica de que as verdades gerais sejam

necessárias e universais. Assim, todo o conhecimento universal é apenas uma probabilidade

não sendo impossível que se venha a revelar falso no confronto com a observação de novos

dados (experiências futuras).

5. Com base na observação e na experiência apenas podemos afirmar que dois fenómenos se

sucedem habitualmente um ao outro. Por isso, Hume conclui ser impossível afirmar que exista

uma relação necessária de causa efeito entre esses dois fenómenos, isto é, nega a existência do

princípio de causalidade por não haver uma impressão que lhe corresponda.

6. Do mesmo modo que retira fundamento lógico ao princípio de causalidade, David Hume

também exclui do âmbito do conhecimento verdadeiro (justificado logicamente) a afirmação

de objetos que não sejam dados na experiência, de Deus, por exemplo.

7. Ao negar o caráter de verdade aos conhecimentos gerais e ao estabelecer a experiência como

única fonte do conhecimento, o empirismo estabelece limites ao conhecimento, desembocando

num ceticismo. O ceticismo é uma posição gnoseológica acerca da validade e do alcance do

nosso conhecimento que dúvida da possibilidade da razão humana construir um conhecimento

verdadeiro.
Em

conclusão:
Descartes:
Objetivo  Reformar os princípios do conhecimento (pretende reformar o conhecimento (criar
novos métodos que se querem científicos)
� Como?
 Procurando um princípio evidente incondicionado
 Deste decorre o conhecimento de tudo o mais, mas não reciprocamente
Método  Dúvida (metódica)
� Como se chega a algo evidente?  Duvidando
� Na dúvida como método rumo à evidência (racional):
 Considera falso o que for, por mínimo, duvidoso (e obviamente o que for falso);
 Considera enganador aquilo que alguma vez nos enganou.
Características da dúvida cartesiana:
 metódica  é apenas um método para chegar a algo evidente;
 provisória  porque apenas corresponde a uma suspensão temporária dos conhecimentos;
 hiperbólica  porque há uma análise radical e total dos conhecimentos possíveis (excessiva).
� Na época de Descartes surge a ciência moderna.
A dúvida aplica-se a:
 conhecimento sensível
A dúvida vai aplicar-se, em primeiro lugar, às informações dos sentidos. Os sentidos enganam-nos
algumas vezes. Aplicando o principio hiperbólico que orienta a aplicação da dúvida: se devemos
considerar enganador aquilo que alguma vez nos enganou, então os sentidos não merecem
qualquer confiança.
 existência do mundo
Descartes põe em causa outros dos fundamentos essenciais do saber tradicional: a convicção ou
crença imediata na existência das realidades físicas ou sensíveis. Mas como encontrar uma razão
para duvidar daquilo que parece ser tão evidente? Como duvidar da existência das realidades
sensíveis ou corpóreas?
Descartes inventa um argumento engenhoso que se baseia na impossibilidade de encontra um
critério absolutamente convincente que nos permita distinguir o sonho da realidade. Há
acontecimentos que, vividos durante o sonho, são vividos com tanta intensidade como quando
estamos acordados.
Se assim é, não havendo uma maneira clara de diferenciar o sonho da realidade, pode surgir a
suspeita de que aquilo que consideramos real não passe de um sonho. Deste modo, posso supor
que os acontecimentos e as coisas que julgo reais nada mais são do que figurantes de um sonho.
Basta esta suspeita, basta esta mínima dúvida, para transformar os acontecimentos e as coisas que
eu julgava absolutamente reais em realidades meramente imaginárias: todas as coisas sensíveis
podem não passar de realidades que só existem em sonho (incluindo o meu corpo).
Se os sonhos são ilusórios por que é que o mundo exterior não é também?  põe em causa a
existência do mundo.
 conhecimento das matemáticas e existência de Deus como um ser bom e não enganador
As matemáticas são produtos da atividade do entendimento e por isso constituem a dimensão dos
objetos inteligíveis. Sendo estas realidades inteligíveis consideradas as mais evidentes, se as
pudermos pôr em causa, todos os outros produtos do entendimento serão postos em dúvida. A
estratégia é simples e sempre a mesma: devemos encontrar um motivo, uma razão, um argumento,
para suspeitar, por muito pouco que seja, da validade dos conhecimentos matemáticos. Se essa
suspeita, essa dúvida, for possível, esses conhecimentos serão considerados falsos, como manda o
princípio hiperbólico que rege o exercício da dúvida.
O argumento que vai abalar a confiança depositada nas noções e demonstrações matemáticas
baseia-se numa hipótese ou numa suposição: a de que Deus, que supostamente me criou, criando
ao mesmo tempo o meu entendimento, sendo um ser omnipotente, pode fazer tudo, mesmo criar o
meu entendimento, ao depositar nele as verdades matemáticas, pode tê-lo criado “virado do
avesso” sem disso me informar. Por outras palavras, logo à partida, o meu entendimento pode
estar radicalmente pervertido, tomando como verdadeiro o que é falso e por falso o que é
verdadeiro.
Enquanto a hipótese de Deus enganar não for rejeitada, não podemos ter a certeza de que as mais
elementares “verdades” matemáticas são realmente verdadeiras. Se isso vale para as “verdades”
mais elementares e simples, mais se aplica ainda às mais complexas.
� Parece que chegamos ao ceticismo radical, em que não há um princípio racional no mundo para
chegar à primeira verdade:
 Se há dúvidas, há alguém que duvida
 Se alguém que dúvida, alguém pensa (não pode duvidar que é o sujeito da dúvida)
 Se pensa, tem consciência de si enquanto ser que pensa
 Logo, há um 1º princípio indubitável e evidente

O “eu” que pensa é a primeira evidência racional
EU PENSO, LOGO EXISTO  1ª verdade epistemológica
(sou um ser que pensa)

Cogito, Ergo Sum (latim)  Penso logo sou


� No plano ontológico, Descartes começa por duvidar de tudo quanto existe, para ver se há
alguma verdade clara e distinta que se apresente ao espírito com evidência tal que não possa ser
negada (intuição). O método é racionalista porque a evidência de que Descartes parte não é, de
modo algum, a evidência sensível e empírica. Os sentidos enganam-nos, as suas indicações são
confusas e obscuras, só as ideias da razão são claras e distintas. O ato da razão que percebe
diretamente os primeiros princípios é a intuição. A dedução limita-se a veicular, ao longo das belas
cadeias da razão, a evidência intuitiva das "naturezas simples". A dedução nada mais é do que uma
intuição continuada.
� A dúvida de Descartes é hiperbólica e metódica. “Existe, porém, uma coisa de que não posso
duvidar, mesmo que o demónio me queira sempre enganar. Mesmo que tudo o que penso seja
falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de pensamento resiste à dúvida, mas o
próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, logo existo.” Não é um raciocínio (apesar do logo)
mas uma intuição.
� Assim, a primeira verdade cartesiana é o cogito (“penso, logo existo”) em que conclui que
existe enquanto substância pensante. Mas é preciso garantir a o fundamento da existência do
homem. O fundamento ontológico é Deus, que garante a nossa existência e a própria veracidade
da sua existência. Esta é a prova ou argumento ontológico ao qual se segue um apelo ao raciocínio
categórico-demonstrativo.
� No plano ontológico, Descartes começa por pôr em dúvida o plano dos conhecimentos. O
cogito é a garantia da evidência das coisas, mas Deus é o fundamento epistemológico que garante
a veracidade dos nossos conhecimentos.
� Nos “Princípios da Filosofia”, Descartes deteta a ideia de “um ser omnisciente, todo-poderoso e
extremamente perfeito”. Após ter chegado à verdade do Cogito, conclui que existe em nós a ideia
de um “Ser todo perfeito”, e não podendo ser o homem, como ser imperfeito que é, a causa desta
ideia, afirma que o Ser que é causa desta ideia deve ter mais perfeição do que a sua representação
(a Ideia). Logo, Deus existe porque existe em nós a sua ideia. Este é o argumento da causalidade
ou princípio de adequação causal.
� Descartes, considera, assim, que só um ser perfeito pode ter posto em nós, seres imperfeitos,
esta ideia de perfeição, pois o efeito não pode ser maior do que a causa. Deus é a causa das ideias
inatas que colocou no homem.
O “eu” (alma) ≠ Corpo
(substância imaterial e racional) (substância material)
� Esta verdade, “Eu penso, logo, existo”, vai ser o critério ou o modelo de toda e qualquer
verdade ou evidência posterior.
 Sujeito que pensa  subjetividade
(o saber tem que ser objetivo se não não passa de uma crença, e a definição de crença é
insuficiente)
 É preciso um princípio objetivo, que garanta a validade dos conhecimentos e a existência dos
objetos fora do sujeito
 Se duvido, sou imperfeito
(se não tivéssemos em nós a ideia de perfeição, não sabíamos que éramos imperfeitos)
� Porquê? Porque duvidar é ser menos perfeito do que ser sabedor
 Só sei que sou imperfeito por referência à ideia de perfeição que possuímos.
Como é que tenho a ideia de perfeição?
� Não pode ter sido criada por mim porque do menos perfeito não pode surgir o mais perfeito.
Logo, a ideia de perfeição foi-me colocada por um ser mais perfeito (o mais perfeito)  DEUS
Deus  a perfeição absoluta tem de ser a causa da minha ideia de perfeição
Logo, Deus existe.
� Características de um ser perfeito:
 Omnisciente
 Omnipotente
 Existência necessária e eterna  não é apenas possível, é necessário
A existência de Deus é necessária porque, para um ser ser perfeito tem que existir, logo, a
existência necessária tem que ser atribuída ao perfeito
Ordem do conhecer ≠ Ordem do ser
� Ordem do conhecer:
1ª Verdade  “Eu” penso
2ª Verdade  “Deus como existência necessária”
� Ordem do ser:
1ª Verdade  Deus  existente necessário
2ª Verdade  Eu penso  existência possível
� Objetos correspondentes às outras ideias inatas (evidentes)
� Se Deus existe, está refutada a hipótese de Deus enganador
� Temos ideias inatas (nascem connosco, são a marca de Deus)
 “Deus”
 “Eu” – Alma
 Verdades da matemática, geometria, ideia de causalidade

As ideias evidentes, claras e distintas puramente racionais

O que conhecemos do mundo são as suas características racionais
O que é que garante a objetividade/validade deste conhecimento?
� Deus é a primeira verdade metafísica, é a fonte, origem ou raiz do conhecimento. Ele garante a
objetividade, certeza e evidencia dos conhecimentos racionais, assim como a sua validade
universal.
� Garante a correspondência permanente entre as nossas ideias e os objetos a que correspondem,
independentes de nós.
� Garante a existência continuada do mundo, mesmo depois de não pensarmos nele

David Hume:
� Origem do conhecimento  experiência sensível imediata (é daqui que deriva todo o nosso
conhecimento)
(não há ideias inatas, porque tudo o que conhecemos no mundo é baseado no
contacto/experiência sensível)

� Perceções:
 Impressões  sensações que temos ao observar um objeto; emoções; extraímos de um
contacto mais imediato  são a base em que assenta todo o conhecimento (por contacto)

Aparência

Perceções:
 Ideias  são imagens mais fracas das impressões, pois são resultados das impressões; marcas
deixadas pelas impressões, uma vez estas desaparecidas; representação/cópia da impressão

As ideias são mais fracas que as impressões (a diferença entre impressões e ideias é
simplesmente de grau e não de natureza)

Corre o risco de ser errada qualquer proposição que enunciemos acerca do que a
experiência imediata nos leva realmente a conhecer

Perceções (elementos do conhecimento):


� Impressões
 simples
 complexas
� Ideias
 simples
 complexas

Proposições:
 “Estou a ter uma sensação de castanho” 
 “A mesa é castanha”  (supõe-se que a mesa tem uma existência independente de nós)
 Não quer dizer que a mesa seja castanha ou até mesmo que ela exista

� Porque pessoas diferentes e o mesmo sujeito têm perspetivas diferentes sobre o suposto mesmo
objeto  sensações (cor, som,forma)

que não é garantido por elas  não há razão para que uma das perspetivas seja mais correta do que
outra
Conhecimento proposicional (remete para as perceções):
 Conhecimento de ideias:
� Não é preciso recorrer à experiência sensível para saber se algo é verdade ou não; basta recorrer
à razão
Ex.: “O triângulo tem 3 lados” (proposição analítica  predicado faz análise do sujeito)
 Verdades de razão (a razão fundamenta a afirmação  sendo uma verdade de
razão a sua contraditória é falsa (Ex.: “O triângulo não tem 3 lados”))
� A razão opera naquilo que é baseado na experiência (só se adquirem ideias das impressões)

� Não há necessidade de recorrer à experiência para avaliar a verdade da proposição
� Partimos da experiência sensível para ter as ideias; mas existem certos conceitos que, quando
falamos deles, não é preciso recorrer à experiência para avaliar a sua verdade
 O conhecimento de ideias não diz nada de novo sobre o mundo

 Conhecimento de factos:
� São proposições cujo valor de verdade tem que ser analisado pela experiência
Ex.: “O martelo é pesado” (proposição sintética  o predicado acrescenta algo ao sujeito)
� Só pelos conhecimentos de facto podemos acrescentar algum conhecimento do mundo
 permite ter algum conhecimento do mundo

A experiência não nos dá um conhecimento universal

� Todo o conhecimento de factos (conhecimento empírico) é meramente provável, se entendido
que a experiência não fornece universalidade e que o contrário de uma verdade de facto é sempre
logicamente possível)
Hume  o problema da causalidade:
Conhecimento (origem):
� Impressão sensível  Ideia  Conhecimento
1- Tacada na bola A (impressão sensível)
2- Acompanhamento do trajeto da bola A (impressão sensível)
3- Bola A toca em B
4- Bola B desloca-se
 Após a sucessão de impressões podemos concluir:
A causa B  De que impressão sensível resulta a causa?
Não há impressão sensível de causa  há uma sucessão de movimentos
� Há uma relação necessária entre A e B, de modo a que, sempre que surge A, esperamos que B
lhe suceda
Causa:
� Há uma causa quando um objeto sucede a outro e entendemos que isso acontece de forma
necessária
Sempre acontecerá  o futuro assemelha-se ao passado
Como adquirimos a ideia de causa?
� Há uma conexão necessária entre dois ou mais eventos
� Problema:
 Não há nenhuma impressão sensível da qual derive a ideia de causa
Contudo, observamos:
a) a contiguidade espacial (espaço onde a bola A toca na bola B)
ESPAÇO
b) sucessão temporal (A sempre anterior a B)
TEMPO
c) conjunção constante e regular entre A e B (quando surge A e B, A desloca-se e toca em
B, que se desloca)

Chamamos causa ai que precede e efeito ao que sucede
> Da observação desta constante conjunção como formamos a ideia de causa?
a) haverá algum poder concreto na causa que fez com que o efeito lhe suceda? Talvez, mas
não o podemos observar (pois só vemos a impressão sensível e não conhecemos a verdadeira
natureza das coisas)
 Vemos só o movimento e não o que está por trás deste
b) a memória só nos dá informação sobre os acontecimentos particulares que recordamos
Só a memória por si, não nos diz nada em relação ao futuro (só em relação ao passado)
c) Não é contraditório, dedutivamente, que B não suceda a A
d) Indutivamente, não podemos afirmar que o futuro será como o passado utilizando o
raciocínio indutivo porque este assume que o futuro será como o passado. Seria dizer que o futuro
será como o passado, porque no passado o futuro era como o passado.
 A ideia de causa não deriva da observação de algo nos fenómenos, mas do
desenvolvimento de um costume ou de um hábito mental (desenvolvemos o hábito de esperar que
B aconteça mal vemos A acontecer)

1ª 2ª 3ª
n
   
  

= = =
=
� Nada muda nos fenómenos; muda aquilo que nós pensamos que vemos (ao observar
repetidamente os fenómenos muda a nossa mente, que vai criando a ideia de causalidade)
� Surge um novo sentimento ou emoção que a mente cria por ela mesma  imaginação 
impressão interna

Como surge a ideia de causa?


Resulta de uma impressão interna ou de reflexão, a partir da repetição observada cuja base
é a imaginação.

Desenvolvimento do hábito ou costume mental que está relacionado com a ideia de causa
� Qual é para Hume a impressão original de onde surge a ideia de causalidade?
Impressão original  imaginação
� Porque não pode a noção de causalidade ser considerada conhecimento? Qual é então o seu
estatuto?
 Não é um produto da razão
 Não resulta de uma impressão sensível
Estatuto da noção de causalidade  ficção da imaginação
� O conceito de causa não é adquirido empiricamente pois não há uma impressão sensível
responsável pela ideia de causa. A nossa imaginação devido à observação da conjunção regular e
repetida entre os fenómenos formula um sentimento interno responsável pela ideia de causalidade.
� Segundo Hume a causalidade e a necessidade existem mais na mente do que nas coisas porque:
 Não temos maneira de saber o que acontece na realidade
 Não temos a ideia de causa
 A ideia de causa é produto da nossa mente porque não temos acesso à essência das coisas
 Vemos os fenómenos apenas no seu exterior/movimento
� Será que o conhecimento é possível? Este é um dos problemas centrais da epistemologia.
� Os céticos consideram que não, argumentando da seguinte maneira:
1. Se há conhecimento, as nossas crenças estão justificadas.
2. Mas as nossas crenças não estão justificadas.
3. Logo, não há conhecimento.
� Este argumento é válido e a primeira premissa é geralmente aceite como verdadeira.
� Se a segunda premissa for verdadeira, então a conclusão também terá de o ser. Nesse caso, os
céticos estão certos.
� Mas por que razão dizem os céticos que as nossas crenças não estão justificadas?
� Há um argumento que os céticos apresentam precisamente para mostrar isso. É o argumento da
regressão infinita da justificação:
1. Toda a justificação se infere de outras crenças.
2. Se toda a justificação se infere de outras crenças, então dá-se uma regressão infinita.
3. Se há uma regressão infinita, as nossas crenças não estão justificadas.
4. Logo, as nossas crenças não estão justificadas.
� Este argumento também é válido. Mas será sólido?
� A primeira premissa diz que justificamos umas crenças a partir de outras crenças.
� Mas se é assim, diz-se na segunda premissa, o processo de justificação não tem fim, recuando
sucessivamente de umas crenças para outras.
� Nesse caso, as nossas justificações serão sempre insuficientes, sugere-se na terceira premissa.
� Existirá alguma falha no argumento da regressão infinita da justificação ou os céticos têm
mesmo razão?
� Fundacionistas e coerentistas acham que os céticos estão errados, mas por razões opostas.
VALIDADE
ORIGEM/FUNDAMENTO POSSIBILIDADE
(ALCANCE/LIMITES)

 O fundamento é a razão há qual se atribui um poder


superior, o qual, aliado a um método adequado permitirá o
conhecimento do todo (ciência);
 Parte de princípios evidentes, claros e distintos, de onde se
deduzem, necessariamente, todas as verdades sobre o mundo,
 Dogmatismo  crença de que se
segundo o rigor das matemáticas;  O saber tem uma validade
Racionalismo  Desvaloriza por completo o papel da sensibilidade, porque UNIVERSAL
pode obter saber certo, seguro e
absoluto sobre a realidade
os sentidos são confusos;
 O conhecimento sensível é considerado enganador. Por
isso, as representações da razão são as mais certas, e as
únicas que podem conduzir ao conhecimento logicamente
necessário e universalmente válido.

Empirismo  O saber tem uma validade  Ceticismo:


 O fundamento do conhecimento é a experiência sensível, relativa e limitada ao que se > Radical  não é possível qualquer
que fornece o material básico (ideias e impressões); pode conhecer empiricamente tipo de conhecimento.
 A razão opera intelectualmente, mas opera apenas sobre > Moderada (Hume)  não é possível
aquilo que a experiência fornece, pois não tem um poder conhecer toda a realidade nem
absoluto; sequer ter conhecimentos firmes e
 A base do conhecimento não é segura, certa e indubitável, seguros, justificados racionalmente.
chega apenas a conhecimentos prováveis;
> Remete para  indução
 causalidade
 Os empiristas negam a existência de ideias inatas;
 A mente está vazia antes de receber qualquer tipo de
informação proveniente dos sentidos. Todo o conhecimento
sobre as coisas, mesmo aquele em que se elabora leis
universais, provém da experiência, por isso mesmo, só é válido
dentro dos limites do observável.

Modelos explicativos do conhecimento:


IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica

2. Estatuto do conhecimento cientifico

2.1. Conhecimento vulgar e conhecimento cientifico

Conhecimento vulgar e Conhecimento científico

“O que tenho a dizer sobre a ciência pode ser formulado, muito abreviadamente, do
seguinte modo: a ciência não é a digestão dos dados sensoriais que recebemos através
dos nossos olhos, ouvidos, etc., e que combinamos de um modo ou de outro, que
ligamos através de associações e depois transformamos em teorias. A ciência é
constituída por teorias, que são obra nossa. Nós fabricamos as teorias, saímos com elas
pelo mundo, analisamos o mundo ativamente e vemos qual a informação que podemos
extrair, arrancar do mundo. O universo não nos dá qualquer informação se não
partirmos para ele com esta atitude interrogativa: nós perguntamos ao universo se esta
ou aquela teoria é verdadeira ou falsa.”
Karl Popper

� O texto de Popper refere-se a um tipo particular de conhecimento: a ciência. Chama a

atenção para o facto de o cientista não poder partir da observação vulgar para elaborar

as teorias. Estas têm de resultar da imaginação criador do cientista e só num segundo

momento é que se processa a sua validação empírica. A atitude do cientista é sempre

ativa e de interrogação da realidade procurando que ela responda às questões teóricas de

modo a permitir concluir se a teoria é verdadeira ou falsa.

� Além da ciência há também o conhecimento vulgar ou senso comum. Vamos agora

caracterizar cada um destes níveis de conhecimento:

O Senso Comum

“O senso comum é um diabinho que tem mau aspeto. A tirania que exerce sobre o nosso
juízo é dissimulada, discreta e anónima. Regularmente diverte-se a enganar-nos. É
verdade que a nossa ingenuidade tem poucas desculpas. Numerosos filósofos puseram-
nos na defensiva contra as insuficiências do senso comum, revelando a sua natureza
demasiado rudimentar e denunciando os seus estratagemas. (...)
Desde o poema de Parménides (século V antes da nossa era), (...) que a opinião comum
é submetida a julgamento e pesadamente condenada: “nada há nela que seja verdadeiro
ou digno de crédito”, foi assim um dos primeiros a dizer que é preciso não acreditar
demasiado nas crenças; a opinião não é a verdade e os nossos sentidos estão repletos de
inexatidões. (...)
O senso comum é necessariamente insidioso. Ninguém lhe escapa completamente. É
aliás o que o define.
Certamente seria ridículo negar que o senso comum nos é quotidianamente de uma
grande utilidade prática. Aliás a vida corrente encarrega-se de chamar à ordem quem
dele seja desprovido, por vezes com uma certa crueza. Ele tem também uma utilidade
funcional que nos é essencial. Que seria da atividade do pensamento se não tivéssemos,
à partida, uma pequena provisão de preconceitos para alimentar? Que faria o nosso
cérebro se não tivesse grão para moer? Sem dúvida, nada de grandioso, mas é forços
reconhecer que o domínio de validade do senso comum é muito limitado.”
Etienne Klein

� Quais são então as características do senso comum? Podemos defini-lo como o modo

comum, corrente e espontâneo de conhecer adquirido na nossa vivência quotidiana.

Permite ao homem resolver os problemas com que se depara no dia a dia, adaptar-se o

sobreviver. Características:

� Resulta de experiências pessoais e é influenciado pela cultura sendo transmitido de

pais para filhos. É um conhecimento empírico e superficial que depende da experiência

quotidiana. Conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar

observando sensorialmente as coisas.

✓ É ametódico, assistemático e fragmentário. Adquire-se sem o haver procurado ou


estudado, sem a aplicação de um método e sem reflexão.
✓ É um conhecimento ingénuo porque não é crítico, não problematiza nem questiona.
✓ É um conhecimento subjetivo, depende do sujeito que conhece, é uma mera opinião
particular.
� Segundo alguns autores, o conhecimento científico pode partir do senso comum

criticado e, segundo outros, tem mesmo de operar uma rutura pois são duas formas de

conhecer totalmente distintas podendo o senso comum constituir-se como um obstáculo

ao desenvolvimento da ciência. A ciência é um conjunto de teorias construídas para

compreender e explicar a realidade. Que características deve ter este conhecimento para

ser considerado válido?

Características da Ciência

“O enorme prestígio da ciência explica-se facilmente: deve-se à própria natureza da


inteligibilidade científica. Efetivamente, no seio do desejo de verdade e de certeza que
obceca o nosso espírito, há como uma tripla exigência, um triplo voto, a que a ciência
positiva consegue responder de um modo surpreendente. Em primeiro lugar, uma
exigência de objetividade: precisamos de um saber objetivo, que alcance as coisas tal
como são e não como gostaríamos que fossem (...), dizendo de outro modo, o saber
verdadeiro ultrapassa a opinião. O que quer dizer que se pretende universal: que é a
segunda exigência de que falámos. Precisamos de um saber universalmente válido,
capaz de criar o acordo entre os espíritos, suscetível de ser verificado e controlado por
outrem. Ao que se acrescenta, em terceiro lugar, uma exigência de clareza e
racionalidade. O espírito humano não se contente com a simples constatação, com um
armazenar e amontoar de dados. A sua intenção última é clarificar os factos, é captar o
seu “como” e o seu “porquê”, é explicar e compreender. Compreender é sempre, de uma
certa maneira, considerar em conjunto, descortinar relações, reduzir a diversidade de
dados à unidade de uma ideia ou de uma lei, ou de um simples sistema de ideias e de
leis logicamente coerente; em resumo, é sempre introduzir a ordem, unidade, clareza
intelígível, na infinita complexidade dos acontecimentos que compõem o universo”.
Dondeyenne

� Contrariamente ao senso comum, a ciência procura compreender e explicar a

realidade, como se diz no texto, o “como” e o “porquê” dos factos através da construção

de leis, princípios e teorias que devem ser objetivas, isto é, capazes de dizer

adequadamente como as coisas que acontecem e serem válidas para todos; deve ainda
ser um conhecimento claro e racional, construído através de um método rigoroso e

adequado ao seu objeto, constituindo um sistema de conhecimentos coerente e

articulado.

Em conclusão:
Ciência  atividade desenvolvida pela comunidade científica, num dado contexto
histórico, em laboratórios de universidades e outros centros de investigação.
� Elabora teorias ou hipóteses para explicar de forma racional/justificada/provada
experimentalmente e objetiva os fenómenos que estuda. (a ciência deve eliminar tudo
aquilo que é subjetivo)
� É uma construção do homem  Resulta da sua imaginação para pensar respostas.
 Objeto: encontrar respostas para questões sobre o ser humano e o mundo, através
do uso de métodos de prova e de justificação que sejam racionais, objetivos e
públicos.
 Resultados: leis e teorias. Estas teorias ou leis podem sempre sofrer revisão uma
vez que não são incontestáveis, ou seja, dogmas. A ciência não cria verdades
absolutas ou teorias definitivas.
 Leis científicas: hipóteses que não foram desmentidas por facto algum. São
proposições gerais (válidas para todos os casos do mesmo género) que descrevem e
explicam por que algo acontece. Elas apenas verificam a ocorrência dos factos,
analisando as causas e os efeitos relacionados com o evento. Se uma lei científica é
verdadeira, então nada no universo lhe desobedece. São, por isso, universais. As leis
científicas não são, contudo, verdadeiras; são sempre suscetíveis de revisão, pois a
ciência baseia-se no pensamento crítico. Por vezes, as leis científicas não são
verdadeiras, mas são as maias adequadas para o fenómeno.
 Teorias científicas: conjuntos organizados e sistemáticos de leis que explicam um
determinado tipo de fenómenos. Na Ciência, uma teoria é o ponto máximo a que
pode chegar uma hipótese. Se uma proposição se tornou uma teoria, é explica
suficientemente um fenómeno e, nas tentativas de falseá-la, não foi possível refutá-
la.
O que torna científica uma teoria ou uma lei?
1.Uma teoria é científica se, não negada pelos factos, tem valor explicativo e preditivo,
isto é, permite predizer novos fenómenos e factos dando conta deles.
2.Tem de ser testável. Deve ser possível confirmá-la ou refutá-la. (se não for testável
será, por exemplo, metafísica)

Senso comum:
Conhecimento relativamente superficial e acentuadamente prático que é partilhado por
uma certa cultura e transmitido de forma acrítica, de geração em geração, ou seja, este
tipo de conhecimento está estreitamente ligado às atividades quotidianas, resultando de
generalizações que se baseiam na experiência e na prática.
� Como se formam as crenças, técnicas e costumes característicos do senso
comum?
1. experiência pessoal
2. por meio de testemunho dos outros
� Uma pessoa transmite-nos uma coisa  confiando no seu testemunho, podemos
beneficiar das observações e generalizações empíricas por eles realizadas  tradição 
transmissão
3. popularização dos conhecimentos científicos
� Através dos meios de comunicação muitos conhecimentos científicos podem
incorporar-se no conhecimento comum, formando-se assim, conhecimentos mais ou
menos vagos sobre genética, astronomia, etc.
� Características do senso comum:
1. Caráter relativamente acrítico  o senso comum tende a aceitar a correção dos
conhecimentos tal qual como foram transmitidos.
2. Predomínio da descrição sobre a explicação  é próprio do senso comum indicar ou
descrever o que acontece e não o motivo por que acontece ou então as explicações
oferecidas são incompletas e por vezes fantasiosas.
3. Falta de sistematização  os seus conteúdos não estão relacionados entre si, não
formam um conjunto organizado e coerente.
4. É um conhecimento essencialmente prático, tratando principalmente de como temos
de agir, o que fazer para construir algo, que regras de comportamento devemos cumprir
na relação com os outros.

IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica

2. Estatuto do conhecimento cientifico

2.2. Ciência e construção – validade e verificalidade das hipóteses

Podem as hipóteses científicas ser verificadas

� Na sua tentativa de explicar e prever alguns aspetos daquilo que acontece no mundo,

os cientistas formulam hipóteses, isto é, proposições e teorias que talvez sejam

verdadeiras. (As teorias, aliás, consistem em várias proposições organizadas

sistematicamente.) Para avaliar uma hipótese cientificamente, é preciso recorrer à

observação ou experiência. E uma hipótese pode ser «validada» ou «invalidada» pela

experiência — ou, como se costuma dizer para evitar confusões com a noção de

«validade» que encontramos na lógica, pode ser confirmada ou refutada pela

observação.

Método Cientifico

Indução

� A ciência utiliza o raciocínio indutivo

� Parte-se da observação de uma característica em casos particulares e generaliza-se

concluindo-se que todos os casos desse tipo têm a característica observada.


� Por que há indução na ciência?

 Ex.: Síndroma de Down

Os pacientes com Sindroma de Down têm um cromossoma a mais. Chegou-se a esta

conclusão porque os geneticistas examinaram um vasto número de pacientes com

Síndroma de Down e verificaram que todos eles tinham um cromossoma a mais.

 Ex.: Teoria de Newton – Teoria da gravitação

Observou apenas alguns corpos e inferiu que acontecia em todos os corpos.

� Análise de David Hume sobre a indução:

 “Será que o Sol se vai levantar amanhã?”

 Diremos que sim, porque até agora o Sol sempre apareceu no horizonte

 baseado no passado, diremos que o futuro será igual ao passado

� Hume dirá que não tem fundamentação/sustentação  o facto de ter nascido no

passado não quer dizer que irá nascer amanhã (nada nos garante que o futuro será como

o passado).

� Por que acreditamos tão firmemente que será assim?

� Porque acreditamos que o futuro será como o passado, isto é, que a natureza se

comporta sempre do mesmo modo.

 Princípio da Uniformidade da Natureza  Segundo este princípio,

a natureza terá princípios uniformes (foi e sempre será)  a natureza comporta-se sempre

da mesma maneira


Não é válido porque é baseado na indução


Não serve de justificação para o raciocínio indutivo (só tivemos experiência de casos

particulares)
� Se a experiência não pode justificar a nossa crença na indução será que a nossa razão
o consegue?
 Existe um princípio racional à priori que prove que os raciocínios
indutivos são válidos?
Não  Conclusão: Não há nenhum princípio racional nem empírico
seguro que fundamente o conhecimento baseado na indução.

Situação  Não há nada que justifique a indução

Problema fundamental  não tem fundamentação lógica

� As observações empíricas são pensadas como se não houvesse nada por trás. Só havia

indução se a mente fosse uma “tábua-rasa”.

Método Hipotético-Dedutivo

Uma das primeiras perspetivas sobre o método foi a de Francis Bacon, no século XVII,

que teorizou o método científico partindo da ideia de que não haveria ciência sem

observação, uma vez que esta era o próprio ponto de partida tanto para a formulação das

teorias como para a sua verificação posterior. Assim se deu origem a uma perspetiva

sobre o método científico de inspiração empirista e que podemos resumir nas seguintes

regras:

1. Observação

Uma observação torna-se problemática quando revela as fragilidades de uma teoria,

quando a contradiz, isto é, põe em causa a sua capacidade explicativa  vai contra o que

acontece numa teoria prévia

Ex.:

1. Em 1643, os encarregados do serviço de abastecimento de água em Florença foram

surpreendidos por um facto inesperado. Ao usarem uma bomba construída para

extraírem água de uma cisterna sucedeu que, enquanto se mantinha a cisterna a nível de

certo modo elevado, a água saía abundantemente. Contudo, ao descer a cisterna a um

nível de 10,33 m, a água deixava de subir no interior da bomba vazia.


Contraria a teoria de Aristóteles: “a natureza tem horror ao vazio”

Surge então uma hipótese  Pressão atmosférica

2. Lavoisier  observa que o chumbo depois de queimado pesa mais do que o chumbo

inicial

Trata-se de um facto polémico porque, segundo um dos químicos da época, a combustão

de um corpo metálico faz com que seja libertada uma substância chamada “flogístico”.


Surge uma hipótese  existência do oxigénio  a combustão de um corpo implica a

fixação do oxigénio do ar e, por isso, o corpo fica mais pesado.

Esta observação problemática nunca é pura/ingénua; enquadra-se sempre numa teoria

prévia

2. Formulação de hipóteses;

Hipótese  enunciado que se propõe como base para explicar por que motivo ou como

se produz um fenómeno ou um conjunto de fenómenos interligados

É necessário explicar por que motivo ou como se produz um fenómeno ou um conjunto

de fenómenos interligados

Podemos usar a indução na ciência, mas na formulação de hipóteses a indução não

desempenha um papel fundamental  a indução não tem caráter explicativo

Para formular a hipótese é preciso pensar  papel importante da imaginação/criatividade

do cientista, mais do que a observação empírica (observação mais imediata)

Atualmente, pensa-se que o papel da experiência na formulação das hipóteses é bem

menor do que os filósofos empiristas julgavam  a ideia de que a experiência é muito

importante para clarificar o conhecimento científico é algo que não é assim tão claro e

nítido.
Para explicar os fenómenos são utilizadas suposições, analogias, imaginação

 Capacidade criativa e inteligência do cientista na formulação de hipóteses

3. Verificação experimental das hipóteses;

Uma vez estabelecida provisoriamente a hipótese, o passo imediatamente seguinte

consiste em deduzir dela determinadas consequências.

A dedução de consequências tem a ver com a necessidade de testar teorias. As

consequências são testadas para averiguar o grau explicativo da hipótese.

Quanto mais abrangente, maior será o número de consequências e maior probabilidade

terá em ser falsa

A hipótese pode ser rejeitada se as consequências não passarem no teste

Umas passam, outras são refutadas

 Se são refutadas arranja-se outra teoria para que as consequências passem

todas no teste

 rejeita-se a teoria na sua totalidade (a teoria é defendida como uma

totalidade)

4. Lei (caso as hipóteses sejam verificadas).

A teoria passa os testes e é aceite  a teoria foi verificada/aceite/confirmada, mas não

podemos dizer que é verdadeira porque ela pode vir a ser refutada

 A teoria não passa os testes e é refutada

 reformula-se essa mesma teoria

 formula-se uma nova teoria

Verificabilidade  ideia de que é possível tentar provar que uma teoria é verdadeira

Como é claro, neste tipo de método valoriza-se a indução como a operação da razão que

permite passar de um certo número de casos observado para uma lei universal.
Outras perspetivas sobre o método científico valorizavam a dedução. Nestas se inclui o

pensamento de Descartes que, ao considerar as ideias como produção da razão sem

necessidade da contribuição dos sentidos, defende poder deduzir das ideias todos os

outros conhecimentos.

Com o aparecimento da física de Galileu (um pouco antes de Descartes), surge uma

nova forma de conceber o método científico, valorizando o papel da hipótese e da

dedução matemática das consequências da hipótese. Dá-se grande relevância à

teorização que deve preceder a formulação da hipótese e ao caráter teórico da própria

hipótese. Realça-se o caráter ideal e abstrato da lei científica.

“As leis da física galilaica são, com efeito, leis “abstratas”, que sem mais não têm
validade para os corpos reais. Sem dúvida que respeitam a uma realidade; mas essa
realidade não é a experiência quotidiana; é uma realidade ideal e abstrata. Nós não
precisamos que nos lembrem isto; estamos demasiado habituados a essa abstração.
Precisamos até do contrário: de que nos recordem que o mundo ideal da física
matemática não é, para falar verdade, o mundo real.”
A. Koyré

O papel da observação em ciência é então criticado e suplantado pelo da teorização que

deu origem a uma nova perspetiva sobre este tipo de conhecimento e sobre o método da

sua construção.

Podemos então considerar que a ciência contemporânea, na sequência da proposta

originariamente apresentada por Galileu, inclina-se mais para considerar que o método

indutivo não permite alcançar as finalidades que a ciência pretende atingir e propõe, em

alternativa, aquilo que se pode designar por método hipotético-dedutivo. Este, como

vimos no texto anterior, considera não se poder partir da observação empírica mas de

um facto problema surgido no seio de uma teoria.

Assim, podemos dizer que o método hipotético-dedutivo contém os seguintes

momentos:
1. Formulação de um problema;

2. Enunciação de uma hipótese;

3. Dedução das consequências a partir da hipótese;

4. Verificação da hipótese;

5. Refutação ou confirmação da hipótese.

Em conclusão:
O modelo nomológico-dedutivo

� As explicações científicas de acontecimentos são argumentos dedutivamente


válidos cuja conclusão é o explanandum e cujas premissas são o explanans.
� O explanans de uma explicação científica indica pelo menos uma regularidade ou lei
da natureza e pelo menos uma proposição que descreve condições iniciais.

� Explicar um acontecimento é mostrar que, em virtude de certas regularidades ou


leis da natureza, este tinha de ocorrer dada a realização de certas condições iniciais.
� Explicar uma lei é deduzi-la de leis mais gerais.
O modelo estatístico-indutivo
� Explicar um acontecimento é mostrar que, em virtude de certas regularidades ou leis,
este tinha uma probabilidade elevada de ocorrer dada a realização de certas condições
iniciais.
(Pelo menos uma das regularidades ou leis tem uma caráter estatístico.)

O Falsificacionismo de Karl Popper

Método falsificacionista  o cientista deve tentar refutar a sua teoria e não tentar

confirmá-la porque por mais vezes que a teoria passe no teste não pode ser considerada

verdade.
Contra a verificabilidade

Partimos de hipóteses/teorias/conjeturas

 A hipótese ou teoria é sempre universal  explica como a natureza/mundo se

comporta agora, no passado e no futuro (para sempre) mas como o confronto com a

experiência ou verificação é um caso particular, não nos diz que será válida para

sempre

 Como não podem ser verificadas, implicaria que se observassem todos os

casos particulares passados, presentes e futuros, o que é impossível.

É universal mas cada experiência/teste é sempre realizada num espaço e tempo

particulares, ou seja, qualquer verificação é particular

Como não sabemos como o Mundo é, formulamos hipóteses para chegar à verdade, mas

nunca temos a certeza de que é verdadeira

 Sendo a hipótese universal, nunca há verificação universal

Não podemos querer dizer que uma teoria é verdadeira (nem provavelmente verdadeira)

 só podemos dizer que é falsa

Verificabilidade

TC

C Falácia da afirmação do consequente  o esquema da

verificabilidade é falacioso

Logo, T

Proposta  Falsificabilidade  possibilidade de mostrar que uma hipótese é falsa

TC
NC Modus Tolens
Logo, NT

Devemos sempre tentar refutar a hipótese


 Se não podemos refutar uma teoria  Teoria não refutada 
Corroborada
(maior espírito crítico pois procura-se os erros da sua teoria  procura-se mostrar
que a sua teoria é uma má teoria)

Segundo Popper não há verificabilidade

Consequências da falsificabilidade

a) Altera a relação ciência/verdade de uma teoria

Nunca se pode dizer que uma teoria é verdadeira:

 ou e falsa

 ou é corroborada

O cientista já não deve procurar a verdade da teoria mas sim tentar falsificá-la. Só pode

dizer que uma teoria é falsa. Se uma teoria resiste aos testes, diz-se-á corroborada (ainda

não refutada), mas nunca verdadeira nem possivelmente verdadeira.

b) Permite distinguir teorias científicas de não científicas (critério de demarcação de

ciência/não ciência)

Porque uma teoria só é científica se for falsificável (“testável experimentalmente”)

Como é que a ciência progride?

A ciência desenvolve-se/avança segundo conjeturas para resolver problemas e

refutações ou por ensaio/tentativa e erro  quando mostramos que as nossas teorias não

são assim tão boas  formulação de novas teorias ou melhoramento

 por ensaio e erro (conjeturas e refutações)

Quando há uma refutação a ciência avança

Quanto mais as teorias resistirem, mais fortes são, mas não temos a certeza que seja

verdadeira e que corresponda à realidade

A ciência parte de problemas  os problemas exigem respostas hipotéticas (teorias)

Devemos procurar erros na nossa teoria

Qual o papel do erro na ciência?


É aprender para evoluir, o que só é possível com uma atitude crítica (a atitude crítica é

essencial na ciência segundo Popper, porque só conseguimos encontrar erros se

assumirmos uma atitude crítica)

Como é que Popper caracteriza a ciência quanto à verdade?

A ciência avança numa crescente e progressiva aproximação à verdade/crescente

objetividade

O cientista procura falsificar

As teorias que não são falsificadas são corroboradas (não há diferentes níveis)

Ex.:
Teoria de Newton
Segundo Newton, a órbita de Mercúrio deveria comportar-se de certo modo, mas foi
verificado que a órbita era outra
Problema: Desvio na órbita do planeta Mercúrio

Teoria de Einstein
O problema é resolvido pela teoria de Einstein (que a teoria de Newton não explicava)
Ao ser resolvido o problema podemos dizer que a ciência avança numa crescente e
progressiva aproximação à verdade?  É preciso que a teoria de Einstein resolva o
problema que a teoria de Newton não explicava e que explique tudo o que a teoria de
Newton já explicava

Como pode evoluir a ciência se ela avança apenas pela negativa?

 crescente aproximação da realidade

 crescente aproximação da objetividade no mundo

As novas teorias têm que dar conta dos erros que a outra dava e tem que explicar o que

a antiga já explicava

 só assim há um progresso em relação à verdade

Alarga o campo do conhecimento em relação ao mundo  mais objetivo

Aproximação à verdade  maior objetividade (melhor representação do mundo)


Não acrescenta por mera acumulação  acrescenta através de uma perspetiva crítica

Crítica à indução:

Não há indução porque não há observação pura  toda a observação tem por trás sempre

uma expectativa/perspetiva/teoria/hipótese

Temos sempre alguma carga que nasce connosco que vai condicionar a maneira como

nos relacionamos com o mundo.

Na ciência sobrevivem as teorias mais aptas

Acontece desde o plano mais básico (biológico) até à ciência. A ciência, como os

indivíduos, partem de problemas.

O indivíduo adapta-se biologicamente, de forma crescente ao mundo, e a ciência

aproxima-se gradual e progressivamente à verdade  tentativa e erro (há sempre uma

tentativa de adaptação ao mundo. Só se aprende se se errar).

A primeira teoria é quando nascemos (carga biológica com que nascemos)

Ciência  modo mais elaborado de nos relacionarmos com o mundo. Funciona em

continuidade com uma visão pré-científica do mundo

Há medida que se aproxima da verdade vai tendo uma visão mais objetiva do mundo (a

ciência)

Por que há relação entre a verificação e lógica indutiva?

Indução:

 Observação empírica (pura)  generalização

 Quantas mais observações parece mais verdadeira a conclusão  confirma a

generalização

 É sempre inconclusivo  pode ser sempre refutado

Método hipotético-dedutivo
 Hipótese  Consequências  experimentação (observação conforme a hipótese prevê)

 confirmar/verificar

O que há de comum?

É a ideia de que a experiência é que dita a última palavra sobre a verdade ou validade

das hipóteses

Assim sendo:

Em conclusão:
� Uma teoria do método científico procura responder às seguintes questões:
1) Qual é o ponto de partida das teorias científicas?
2) Como se chega à formulação das teorias científicas?
3) O que se faz às teorias científicas depois de terem sido formuladas?
Objeções ao indutivismo
� Não é possível registar e classificar factos empíricos sem atender a qualquer
perspetiva teórica.
� As leis científicas que dizem respeito ao inobservável não podem resultar de simples
generalizações indutivas baseadas na observação.
Objeções ao falsificacionismo
� Muitas vezes os cientistas trabalham sobretudo com o objetivo de confirmar as teorias
e continuam a defendê-las mesmo quando as previsões empíricas delas deduzidas não
ocorreram.
� Não é fácil refutar conclusivamente uma teoria. Dado que as previsões empíricas são
deduzidas de um vasto conjunto de hipóteses, se estas fracassarem podemos apenas
concluir que pelo menos uma dessas hipóteses (que pode nem pertencer à teoria) é falsa.

IV. O conhecimento e a racionalidade cientifica e tecnológica

2. Estatuto do conhecimento cientifico

2.3. A racionalidade cientifica e a questão da objetividade

� Possibilidade do que seja o mundo  confrontada com a crítica e experimentação para

chegar à realidade e objetividade  corresponde à eliminação de todos os elementos

subjetivos (pela negativa); corresponde a uma representação do mundo que corresponda

ao que as coisas são, à realidade (pela positiva)

� O cientista tem que afastar tudo o que é sonho/devaneio (texto de Jacob)

� Objetividade na ciência  depende dos meios (tecnológicos, por exemplo)

 A objetividade é mutável, mas é a finalidade da ciência


� A ciência é objetiva  critério para a objetividade: é formulada em linguagem

matemática e rigorosa (a linguagem matemática é universal)

� A ciência será um processo de desenvolvimento contínuo (em que a nova teoria

prolonga a anterior) ou descontínuo (em que a nova teoria não é comparável com a

anterior)

� A objetividade absoluta é ideia apenas, tal como uma ciência acabada

 Questão: não estará a realidade sempre para lá da representação que a ciência

constrói?

Problema: há continuidade/descontinuidade na ciência?

A perspetiva de Kuhn sobre a objetividade da ciência

� Perspetiva descontinuista do desenvolvimento da ciência

� A atividade científica tem 3 conceitos fundamentais:

 paradigma

 ciência normal e ciência extraordinária

 revolução científica

� Tem uma visão mais realista

Os cientistas investigam baseados no paradigma

O paradigma é uma visão do mundo que engloba:

 a teoria dominante

 princípios filosóficos

 conceção metodológica

 procedimentos técnicos, etc.

Ciência normal:
� Período de vigência de um paradigma  período em que os cientistas investigam

segundo o que diz o paradigma

� Durante este período podem surgir anomalias  começam a haver desvios no que a

teoria devia dar conta

 Se não houverem muitas há uma desvalorização dessas mesmas

anomalias (1ª reação)

 Quando há anomalias em grande número entra-se num período de

crise/momentos críticos


Instabilidade na prática científica  conflito/ausência de consenso

Período de ciência extraordinária

Ciência extraordinária  Quando os cientistas se apercebem que é necessário outro

tipo de respostas

� O paradigma utilizado começa a ser posto em causa, mas ainda não há um novo

modelo; esse modelo vai ser formulado no período de ciência extraordinária

 Revolução científica  passagem de um paradigma para outro

� Paradigma 1 é substituído pelo paradigma 2

� O paradigma 2 não possui as mesmas características que o paradigma 1  os

pressupostos vão ser completamente diferentes  baseado em princípios diferentes

P1 e P2 são incomensuráveis  não podem ser comparados porque partem de

pressupostos completamente diferentes


Surgimento da descontinuidade (incomensurabilidade)

Consequências:
 cai-se numa perspetiva relativista (as respostas que um paradigma dá são relativas a

esse mesmo paradigma)

� O paradigma 2 não é melhor que o paradigma 1; é apenas diferente

 a ciência não procura a verdade

 a realidade depende do paradigma vigente

 o conceito de objetividade é muito matizado (muito relativo)

� Critérios para a aceitação de um paradigma:


 capacidade para explicar factos polémicos persistentes

 utilidade na resolução de problemas

 realização de previsões adequadas

 aura e prestígio dos cientistas que inventam uma nova teoria e a defendem

O conceito de objetividade acaba por se diluir em parte porque alguns dos critérios são

subjetivos

� Kuhn  esquema complexo mas mais próximo da realidade

Em conclusão
O modelo da evolução da ciência de Thomas Kuhn
� No período da pré-ciência várias escolas rivais discutem incessantemente os
fundamentos da disciplina em questão.
� Esse período termina quando uma teoria bem sucedida institui um paradigma.

� Instituído um paradigma, inicia-se um período de ciência normal.


� A ciência normal é uma atividade de resolução de enigmas, tanto teóricos como
experimentais, governada pelas leis, regras e princípios do paradigma.
� Durante este período surgem anomalias. Uma anomalia é um enigma, teórico ou
experimental, que não encontra solução no âmbito do paradigma vigente.
� Devido à acumulação de anomalias, irrompe uma crise: a confiança num paradigma é
abalada.
� Surge assim um período de ciência extraordinária, marcado pela contestação do
paradigma e pela procura de alternativas.
� Ocorre uma revolução científica quando o paradigma é substituído por um novo
paradigma, à luz do qual se retoma a atividade da ciência normal.
� Os paradigmas são incomensuráveis. A incomensurabilidade dos paradigmas é a
impossibilidade de compará-los objetivamente de maneira a concluir que um é melhor
do que o outro.
� Assim, a ciência não progride em direção à verdade.

APONTAMENTOS REVISTOS POR UMA PROFESSORA DA ÁREA, DRª


PAULA DA ESCOLA SECÚNDARIA PADRE BENJAMIM SALGADO, EM
JOANE.
TODOS OS ITENS FORAM RETIRADOS DAS ORIENTAÇOES PARA EXAME
NACIONAL 2007/2008 DO GAVE.

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