Você está na página 1de 5
Anais da III Semana de Historia ALGUMAS CONSIDERACOES ACERCA DAS CONTRIBUICOES DE MICHEL DE CERTEAU, MICHEL FOUCAULT, RENE REMOND,, ROGER CHARTIEREPIERREBOURDIEU PARAA TEORIA DA HISTORIA Maurilio Rompatto* RESUMO: No presente artigo tenho por objetivo analisar as seguintes obras: A escrita da Historia de Michel de Certeau, Por uma historia politica de René Remond, Arqueotogia do saber, As palavras e as coisas e O que é um autor? de Michel Foucault, as obras: A Histéria Cultural: entre praticas e representagées e Literatura e His dria, ambas de Roger Chartier, As regras da arte: génese e estrutura do campo literdrio e o poder simbolico de Pierre Bourdieu. PALAVRAS-CHAVE: Historia, Cotidiano, modos-de-produgao, linearidade, desconstrugio, discurso, poisitivismo, marxi amo, presente, passa, real, ficgdo, base, estrutura, superestrutura, INTRODUCAO © presemte artigo tem por objetivo abordar a metodologia introduzida por Michel de Certeau, Michel Foucault, René Remond, Roger Chartier e Pierre Bourdieu & nova historia cultural. Esses antores, como sera possivel identificar, em como preocupagao central acritica ao enfoque dado pela historiografia tradicional positiva e marxista, de ‘uma histitia linear, comportada c hierirquica Para esses autores, o romper com essatradigio € propor © desvio, 0 que pressupse partir para a ruptura © a descontinuidade deuma historia vivida no cotidiano presente, livrededeterminagies extemas em que segundo cles engessam, © entendimento do real. Privilegiam uma historia diferente, no lugar de uma historia do passado, propdem uma historia do presente, A Contribuigio de Miche! Foucault através de suas obras Arqueologia do Saber (1969)"* e O que é um autor? (1992). Em adrqueologia do Saber, Foucault chama ateng30 para os deslocamentos ¢ as transformagdes dos conceitos, das vastas unidades descritas como “épocas” ou “séculos” (de longa duragio) para fendmenos deruptura. Ele fala da possibilidade de se detectar as interrupgées ou descontinuidades em Pensamento supostamente homogéneo na longa duragio. Michel Foucault chama atenao para a questio da descontinuidade: os conceitos de origem (génese do pensamento), sua aplicacio nos contextos sociais, os momentos de tensdo, deruptura e de fuga, ‘A preocupagio primeira de quem estuda a historia das idéias ou de pensamento em uma determinada época detectar a sua origem, desenvolvimento, continuidade e estilos. Isto acontece na Economia, na Historia etambém na Literatura, Talvez esse procedimento seja heranga do racionalismo, do Paranavai-PR. 18 FOUCAULI 19 0 que € um autor? ed Lishon: Passagens 2» As palavras e a8 coisas. Rio de Janeio: Mastin Fon 21 Tem, p. 368 1990, evolucionismo darwinista, do pisitivismo ou mesmo do ‘marxismo do século X1X, crticados por Foucault ‘Uma das marcas dessa tradigao epistemoligica é0 esforgo empreendido no sentido do preenchimento de supostas lacunas deixadas na cronologia da temporalidade hist6rica, como seo proprio devir historico nfo dessemargem a descontinuidades, rupturas ou caminhos alternativos interrompidos ou derrotados. E 0 que ocorre por exemplo quando se trata do estudo do pensamento de um determinado autor, sua época € suas ‘dias, 0 antes ¢ 0 depois se constituem a priori como elos de uma cadeia que tenderiam, fatalmente, a levar a pressupostos aprioristicamente ja dados, chegando-se a tomar conclustes precipitadas, mesmo antes da pesquisa. 0 ‘objeto em sua fase embrionaria j4 se constitui em tese, quando deveria ser 0 contriio, Entretanto, romper com essa tradigio historiogrifica no ¢ uma tarefa fécil, Mesmo constatado 0 problema, tem sido muito dificil percorrer o caminho inverso da desconstrugo, como propie Foucault. Reencontrar 0 homem da historia vivida, partithada em seu préprio cotidiano, desvinculd-lo da tradigao historiogrifica em que © tratam como mito e no como priticas do sujeito da historia, cis os desafios propostos por Foucault. Em “As Palavraseas Coisas”: “.. pode-se, portanto, fixar 0 Iugar das cigncias do homem nas vizinhangas, nas frontciras imediatas ¢ em toda a extensdo dessas onde se trata da vida, do trabatho e da linguagem”.* Este sentido etnolégico © antropolégico recoloca 0 homem real (com suas priticas cotidianas, seus medos, suas fantasias, etc.) como o sujeito ecomo o centro mesmo da histéria, lugar do qual fora desalojado tanto pelo racionalismo iluminista (que submeteu os homens reais aos “imperativos da razao” e da Maurilio Rompatto & Mestre ¢ Doutorando em Histria do Brasil ¢ Docente da UNIPAR de Umuarama-PR e da UNESPAR/FAFIPA, de M. Amucologia do saber. S. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitsia, 1997, p. 03 a p. 20, Akrépolis, v.10, n°, 3, jul/set., 2002 397 Anais da Ill Semana de Historia dia de progresso) quanto pelo marxismo (que substitui 0 homem de came e osso por conceitos abstratos como “modos- de-produgio, estrutura, base material, superestrutura, desenvolvimento das forgas produtivas”, etc.) A proposta foucaultiana devolve dhistoria um sentido hhumanista, pois concebe o homem como “esse ser vivo que, do interior da vida & qual pertence inteiramente € pela qual & atravessaulo em todo 0 seu ser, constitu representagdes gragas as quais ele vive a partir das quais detém esta estranha capacidade de poder se representa justamente a vida" Contririo as visdes totalizantes, Foucault propie a busca de unidades menores dentro dass unidades maiores, 0 recorte € 0 estabelecimento de limites. “Enquanto se faz isso na histérta das idétas ou do pensamento, da filosofia, da literatura perturbando a nogao de continuidade, a historia propriamente dita parece apagar as diferengas em nome das estruturas fixas, do que permanece, enfim em nome da continuidade”®. Ele faz assim uma critica a historiografia ‘marxista e & estruturalista, Por isso, em sua obra O que é um Autor?, Foucault destaca aimportincia da unidade obra-autor. Segundo ele, o autor pode ser a representagao de um conjunto “de conceitos ou de teorias que se podem encontrar ‘em suas obras™, pela definigo de uma pritica discursiva imanente a este ou Aquele autor, enfim como prépria de uma deierminada escola historiogrifica, literaria, ou de uma seita econdmica, et. Esta questio se esclarece quando Foucault sereporta ‘a0 nome de autor, segundo ele: “0 nome de autor assegura ‘uma fungao classificativa: um tal nome permite reagrupar um. certo mimero de textos, delimiti-los, selecion.-tos, opd-los a outros textos”. Enfim, o nome de autor “.. serve para caracterizar um modo de ser do discurso” .. 0 nome de autor bordejaos textosrecortando-os, delimitando-os, tomando-lhes manifesto o seu modo deser ou, pelo menos, caracterizanclo-0, Ele pode ser singular por destacar-se do conjunto dos discursos’ Deste modo, nos termos sugeridos por Foucault, pensamos que, em vez de tomar aprioristicamente obra de umn determinado autor ¢ reduzi-lo como expressiio de uma epoca ousociedade etormar sua andlise prisioneira desta classificayao, sera mais prudente estudar primeiramente a lgica intema de seu discurso ¢, assim, verificar em sua pritica discursiva as caracteristicas que Ihes podem ser proprias ¢ as que vem atravessadas de signilicados genealégico, da sua filiagao ede sua vida, Foucault refere-se, também, a questio da hierarquizagao. Ainda que a imediata anilise historico- sociolégica da personagem deste ou daquele autor seja importante, Foucault propde deixé-la em suspenso, de inicio, para ndo cair no clissico erro de tratar © autor ou sua obra como expressdo de um tipo de pensamento de epoca. 22 Idem, Ibidem, p. 369. 23 FOUCAUL 24 FOUCAULT, M, O que é um autor? 3° ed. Lisboa: Passagens s 25 Idem, da p. 44.046. 26 Se o documento & confiivel ow nlo, se € verdadero ou falso OE Akropolis, v.10, n® 3, ju/set,, 2002 Foucault problematiza 0 conceito de autor. quevem aser um autor? Para esclarecer esse conceito, ele coloca que se deve elucidar primeiro 0 que vem aser uma obra, Segundo ele, obra ¢ autor so conceitos construidos historicamente. Ao longo dahistéria, nem sempre as obras estavam associadas ao nome de um autor individual. Comumente o conhecimento poderia estar disseminaclo por toda a sociedade ou fazer parte de um saber coletivo de uma instituigao qualquer (seitas, academias, comoragdes, ordens religiosas, ete). Com tempo, vai emergindo a figura do autor que associa o sew nome a ‘uma obra, Assim, em principio o autor & aquele que se apropria, sistematiza e publica como seu um conhecimento que, na verdade, pertencia a coletividate. a espécie de apropriagio privada de um conhecimento de cariter coletivo deriva, num primeiro momento, da relago de poder imposta pela Igreja a cristandade para reprimir 0 pensamento dissidente. © surgimento da imprensa (verdadeira revolugdo na forma material de circulagao de ideias) coincidiu com a crise intema da Cristandade que levou aos movimentos heréticos © a Reforma Protestante, Isto provocou uma reagao da lereja ue, para controlar adisseminagao de “heresias”, exigia a idntificagiio do autor de cada publicagzo. Com 0 avango dasociedade burguesa, vem a transformagao do saber em saber de um individuo/autor que “normalmente” acompanha o desenvolvimento ¢ triunfo da idéia da proprieiiadeprivada sobre os meios de produgao em geral, inclusive a produgio cultural ‘Neste sentido, o nome autor serve apenas para ocultar uma forma de poder, 0 poder de alguém que se apropriou de um conhecimento de caréter coletivo ow hist6rico, O direito do autor, ou os direitos autorais, assemelham ao direito depropriedade, Em ambos os caso irata-se de uma relago de poder. Por conscguint Foucault coloca que para ser critico a essa relagao de poder, para desconstruir essas amarras énecessiio, antes de tudo, desujeitar o discurso, ou seja, tomar 0 discurso como expressdo de algo maior do queo pensamento ou 0 conhecimento de um individuo. A representagio do surso pode estar no préprio discurso sem que para isso seja necessério um autor. ‘Uma outra questo importante a ser destacada na relagdo com a fonte, sobretudo no que diz respeito a obra 60 seu significado enquanto documento hist6rico, € © documento enquanto monumento, de acordo com a analise empreendida por Michel de Foucault. ‘A andlise interna ndo sera apenas uma andlise de verificagio", até por que, tratando-se de discurso, a verdad €relativa aos valores imputados pelo document. Tampouco deve-se esperar que, submetendo a fonte ~ M, Arqueologia do saber, S* Ed, Rio de Janeiro: Forense Universitiria, 1997, p. 06. Lp. 32. impressa a uma “andlise objetiva”, tal como pretendiam os positivistas, a “verdade” emergiria por inteiro, como se 0 documento fosse portator de uma verdade absolute, sendo assim, pudesse “falar” por si mesmo. Como se a fonte nao contivesse nenhuma subjetividade, parcialidade, ambigiiidacle oo coisa semelhante. Para Foucault, a historia mudou seu posicionamento ‘com relagio ao documento: *.. o dacumento no é mais, para @ historia, essa matéria inerte através da qual ela tenta rreconstituir 0 que os homens fizeram ou disseram, 0 que & pasado ¢ o que deixa apenas rastros: ela procura definir, no proprio tecido documental, unidades, conjuntos, séries, relagies..” Foucault nos ensina que, na andlise do discurso do ‘documento seri preciso considerar queo mesmo é uma relag: de poder, estabelece relagdes com outras esferas de poder (Estado, entidades sindicais, ensino universitirio, ensino profissionalizante, imprensa, partidos politicos, empresirios, eto), éportador de uma “eitura” especifica do priprio processo histérico vivido, etc. René Rémond, uma critica a Michel Foucault, Em que pese as inegaveis contribuigdes de Foucault ‘no campo epistemoligico, algumas de suas formulagdes tém recebido criticas que precisam ser consideradas quando setrata deumainvestigagao no campo dahistiria das idéias, de histéria intelectual. René Remond,* por exemplo, critica o conceito de poder elaborado por Foucault. Trata-se, segundo Rémond, «de uma formulagao em que o conceito de poder peca por sua excessiva diluigao, “O abuso, a partir de 1968, da nogdo de poder ¢ a extensdo de sua aplicagdo desencadearam sua diluigdo: tudo seria relagio de poder, no ensino, na familia, nas relagdes interpessoais. Seriam entiio a escola e a familia sociedades politicas, ¢ os conflitos de que sao teatro conftitos politicos? S6 ¢ politica a relacdo com o poder na sociedade global: aquela que constitui a totalidade dos individuos que habitam um espago delimitado por fronteiras que chamamos precisamente de politicas”.} Rémond_alerta que esse conceito diluido de poder ‘raz 0 risco de se perder de vista a dimensdo da politica na historia, acrescentando que a grande politica ainda nao é uma ‘questdo superada, Para ee, as relagoes entre Estado esociedade ainda é uma questo relevante como objeto de pesquis: Coerante com essa propostaderecuperacio da politica 27 FOUCAULI 28 REMOND, René. Por wna 29 Idem, p. 444, 30 Idem, Tider, p. 448. intra ps ica. Rio de janeiro: Anais da Ill Semana de Historia num sentido menos fragmentado, René Rémond recoloca em discussio aquestio das relagies entrea esfera da politica as demais instincias da sociedade. Segundo ele, “seria ingénuo acreditar que o politico escapa das determinagdes externas, das pressées e das solicitagbes de todo o tipo.” Por ora, nao pretendemos desenvolver em toda a extensio a critica de Rémond a Foucault. Queriamos apenas registrar que, em nossa andlise do pensamento de um determinado autor, tentaremos nao perder de vista a dimensio cos vestigios da politica que possa estar implicito presente em seu pensamento, A respeito da questi tocada, de passagem acima, darelagdo entre a esfera da politica eas demais esferas da vida social, voltaremos a cla mais ‘aadiante,quando trataremosdas _ contribuigoes de Bourdicu. A Contribuigdo de Roger Chartier, em suas obras: A Historia Cultural: entre praticas.e representagies™ € Historia. Roger Chartier chama a atengdo para a nao- hiierarquizagao da pritica discursiva entre as instancias do politico, do econdmico, do social, do cultural (idéias ow mentalidades). ‘Segundo ele, ndo hi ordem de importancia entre as, diferentes esferas da vida social ¢ historica. Chartier chama a atengao para o que ele considera 0 grande equivoco em ‘que incorreram os historiadores das mentalidades. Em que ‘consistiria tal equivoce? Segundo Chartier, preocupados em enfrentar o reducionismo economicista do marxismio em que concebia 0 mundo das idéias apenas como reflexo das determinagdes sécio-econdmicas, tais historiadores acabaram por incorrer em novo reducionismo naquele em ‘que as mentalidades definiriam a forma de ser do mundo sécio-econémico. Ou seja, segundo Chartier, a escola das mentalidades combateu os exageros do materialismo historico com outro exagero, o de submeter as demais instancias da vida a das mentalidades. Se por um lado, 0 marxismo reduziu a superestratura a mero reflexo da base material da sociedade, por outro os historiadores das mentalidades, para reverterasituagao, reduziram arealidade a simples resultado das idéias. Para Chartier, ndo se trata nem de uma coisa enem de outra, “As lutas de representagdes tém tanta importincia como as hutas econsmicas para compreender 0s mecanismos pelos quais um grupo impde, ou tentaimpor, asa concep¢a0 demundo social, os valores quesio os seus, eo seu dominio”. A fastar-se dos contflitos de classificagdes ou de delimitagies no €, portanto, afastar-se do soci muito pelo contritio, consiste em localizar os pontos de affontamento tanto mais Michel. Arqueotogia do saber. Rio de Janeiro: Forense Univenititi, 1997. p. 7. Fd. FGVIUFRI, 1996 31 CHARTIER, Roger, A Ilisténa Cultural: entre priticas e representagSes, Lisboa: Difel 32 __. Literatura Histvia In: Topoi: Revista de Histivia. RJ: Programa de Pés-Graduagio om Histiria Social da UFRJ (2000: N° 01) 33 CIIARTIER, Roger. A Histinia Cultural: ene priteas e representagdes. Lisboa: Difl.P. 17 Akrépolis, v.10, n°. 3, jul/set., 2002 399 Anais da Ill Semana de Historia decisivos quanto menos imediatamente materiais”.”” A Contribuigao de Pierre Bourdieu, em As Regras da Arte (Génese e estrutura do campoliterario)."* Pierre Bour*dieu nasceu em Beam, Fran, em 1930. A partir de 1964, desenvolve uma brilhante carreira universitaria em Paris. E diretor da revista Actes de la Recherche en Sciences Sociales desde 1975, e professor do Collégege de France desde 1982. De sua autoria, foram traduzidos para 0 portugués: A reprodugdo, A economia das trocas simbslicas € O poder simbslico. O universo literério que conhecemos hoje constitui-se no século XIX. A partir de ‘entao ninguém mais péde decidir sozinho 0 que deveria ser escrito € quais eram os cdnones do bom gosto, pois o recohecimiento a consagragao passaram ase decidir na lata entre escitores,crticos eeditores, em um espagorelativamente auténomo quanto as determinagdes exteriores. Privilegiando aobrade Flaubert, em especial A Educagdo Sentimental, Pierre Bourdicu analisa a génese € a progressiva estruturagao do ‘campo literirio como um mundo submetido as sua proprias leis... Bourdieu desenvolve uma teoria da produgao artistica oposta as interpretagdes filoséticas e sociolégicas, polemiza autores ¢ escolas consagrados.... Ao mesmo tempo, identifica as modificagdes formais, estilisticas, culturais, sociais € politicas que identificam os escritores, 0s artistas ereconhecem ‘© mundo das letras e as relagies entre o escritor € 0 editor, 0 artista eo mecenas, as escolas literirias, enfim os campos dos poderes edos saberes. Elenos possibilita entender as regras do jogo, da Iuta entre o produtor da arte, seus concorrentes e de seus agentes interiores ao campo ou exteriores a ele, enfim, 0 enicontro de duas historias, a do campo artistico com 0 piiblico eas reagdes de amas as partes quando isso ocorre, Bourdieu nos possibilita ver 0 campo da arte como ‘um mundo a parte, o mundo do escritor e do artista, dedicado de maneira total ¢ exclusiva ao seu trabalho, indiferente as determinagées de outros campos, js determinagoes politicas, eeondmicas, sociais, morais que Thes sGo exteriores, enfim, para ele tanto 0 artista quanto © escritor ndo reconhecem nenhuma outra jurisdigao além da norma especifica de sua arte. Desmistifica a idéia do génio criador e apresenta os fundamentos da teoria da produgio da arte. Nem coloca 0 criador como produto do meio e aarte como expressio desse ‘meio, ou como reflexo, mas permite compreender o trabalho do artista na construgdo de si como sujeito de sua propria criagio, Assim, Bourdieu diz.ser contririo as grandes teorias que pretencem explicar tudo, mas acabam nao explicando absolutamente nada. Pierre Bourdieu discute iniimeras questies relevamtes, para um projeto de pesquisa que tem como objeto uma obra de ppensamento, Nao trataremos de todas, mas apenas de algumas 34 BOURDIEU, Piesre. As regras da arte: génese BOURDIBU, Pier. O poder simbilico. Lisbos: Di 36 "Na Segunda metade do séevlo XIX, momento em que 0 assim, uma primeira hierarquia segundo o grau de dependéncia re Pierre, As regras da are: génese e estrutura do campo liters. 37 Idom, p.p. 291 Tio Akripolis, v.10, n° 3, jul/set,, 2002 trtura do campo literivio. Sio Paulo: Cia das Lots |. 1989, p. 195. mp literirio chean a ‘suposta com relagio ao pblico, ao sucesso, & economi Paulo: Cia das Letras, 1996. p. {que consideramos relevantes 20 campo da Histéria, Em um dos aspectos que nos interessa, tal como Chartier, Boudicu recusa uma hierarquizagio entre as instancias da vida humana, Por outro lado, tal como Rémond, Bourdieu chama a atengio para anocessidade de se levar em conta adimensdo da politica Diz eleque “seria um erro subestimar a autonomiae a eficdcia especifica de tudo 0 que acontece no campo politico e reduzir a historia propriamente politica a uma espécie de ‘manifestacao epifenoménica das forgas econdmicas e sociais de que os atores politicos seriam, de certo modo os titeres..".® No desdobramento dessa colocagao, Bourdiew formula a seguinte questio: os afores politicos poderiam representar também os seus interesses enquanto representam ‘os interesses de outrem; ou seriam esses atores apenas fantoches do ccondmico, do social, do cultural? Pierre Bourdieu diz que nao. Para se enfrentar tas indagagdes, seria preciso discutir ‘a questio da autonomia do campo. Apesar desse autor referit= sea autonomia do campo literario, pode-seremeté-lo aanalise de outros campos do saber, inclusive o da Histéria, onde 0 politico esté presente. O campo da economia politica ¢ do saber econémico podem deter uma certa autonomia emrelagio ais requisigdes “externas”, ao social, a0 politico, ete. Nao to ‘auténomo quanto o campo da literatura, da pintura e da arte em geral, mas enfim tem também um grau consideravel de autonomia.” Nao devemos, contudo, confundir a autonomia de ‘campo de Bourdieu com neutralidade politica Por outro lado, a andlise de Pierre Bourdieu remete também a complexa rlagao entre o autordo discurso ealogica do campo. Segundo Bourdieu, nao se pode estabelecer uma relagao direta © mecénica entre os produtores/autores © 08 ‘mecanismos de patrocinio € de sustentagd0 da atividade intelectual. Aqui, colocam-se as seguintes indagagdes. Em queinstincias 0 autor recebe legitimagao de seu status? Quem tem o poder de legitimar? De consagrar um autor ou deimpor- Ihe o ostracismo e o esquecimento? Qual a relago de poder quese estabelece entreo autor eseu piblico? A que injungies intemas (entre seus pares, a um pubblico restrito) © extemas (grande piiblico, consumidores, modismos, demandas ‘espirituais e culturais ete.) o autor esta submerso? Segundo Bourdieu, na légica do campo é petfeitamente possivel a0 produtor utilizar os recursos do mecenas e produzir uma obra mais ou menos independente dos gostos ¢ dos interesses ideol6gicos de quem o patrocina.” Essa colocagio de Bourdieu serve-nos como precaugio metodolégica no sentido de quenio se devereduzir aprodugo intelectual de um autor ao meio em quese encontta, Para Bourdieu, ndo se pode utilizar uma obra e a relagao de seu produtor direto com o mecenas e dizer que ela € expressio do iltimo, A obra obedece a uma ligica propria ao campo de 1996, rau de autonomia que jamais ultrapassou depois, terse BOURDIEU, produgao cultural e nio as injungdes diretas de um eventual patrocinador como a academia, por exemplo. Segundo 0 método de Bourdieu, seria importante tomar as obras de um autor e proceder a sua classificagao segundo as unidades discursivas, as conjunturas, etc. para verificar as relagdes de poder estabelecidas dentro do seu campo de produgio intelectual e a relagdo com o pablico, alvo de seu discurso, Seria importante verificar, ambém as relagdes com o campo da grande produgao, no caso as entidades de classes, os partidos politicos, o Estado, ea academia (os agentes); arelagao ‘com seus pares no interior do campo ¢ ao mesmo tempo seus adversirios e concorrentes. CONCLUSAO A leitura dos autores comentados até aqui serviram- nos de alerta contra um procedimento bastante tentador: engessar o pensamento de um determinado discurso, ou veiculado por um determinado documento, ao contexto historico ap qual pertence, ou seja, tomar a obrade pensamento ‘como mero reflexo de uma situagao social dada, E logico que niio se pode entender um homem e suas idéias desvinculados do contexto histérico © dos embates de sua Epoca,"* mas & preciso secvitaro reducionismo epistemonolégico queconsiste em tomé-lo como simples elemento da superestrutura condicionada pela base material. Enfim, énecessaio primeio historicizar no sentido empregado por Bourdicu, em sua Sociologiada Arte, para, em seguida, considerar as conjunturas que acompanharam a feitura de cada obra. Uma outra questio importante a ser destacada na relagio com a fonte, sobretudo no que diz respeito a obra de ‘um autor determinado, é0 seu significado enquanto documento historico, e 0 documento enquanto monumento, de acordo com a anilise empreendida por Michel de Foucault. A pantir dessa classificagdo caberd historicizar a produgao intelectual, sera necessirio hierarquizar suas obras de acordo com a época e as implicagSes ou preocupagdes delas emanadas. Além dessa importante leitura interna sera imprescindivel informar as injungdes extemas a essas obras, as conjunturas, ‘enfim o que estava acontevendo fora deseu universo intelectual 38 Levando-se em consideragio os periodos dos govemos provisirio, det ou de express, de 1934 a 1937 ¢ 6 da ditadura do Estado Novo de Vargas, peviodo até sua morte em 1948. Anais da Il! Semana de Historia ‘que ao mesmo tempo nao se encontrava fora dele. Quanto a contribui¢do teérica das leituras acima citadas, manifestaram-se extremamente importantes para intemalizar alguns elementos tesricos e precaver-sedos erros ‘edos problemas que tenderiam a simplificar eempobrocer a anilise historiogritica. Os autores analisados nos chamaram a atengdo para © perigo dos enquadramentos simplificadores. Assim, a0 invés detomarmos aprioristicamente um autor como marxista ‘ou liberal, por exemplo, sera mais prudente estudar seu discurso a partir darelago que ele estabelece com seus pares, ‘com seus interlocutores no campo da politica, da economia, da filosofia, rastrear a gencalogia de seu pensamento (as influ€ncias em sua formagio intelectual), com quem se defrontavanalutaderepresentagdes, etc. Em suma, diriamos que 0s autores estudados fornecem uma sofisticada ferramenta teérica para nos auxiliar na anélise da obra, do autor, do documento, da meméria e da Historia, REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BOURDIEU, campo liters ere. AS regras da arte: génese ¢ estrutura do Sao Paulo: Cia das Letras, 1996. 0 poder simbslico. Lisboa: Ditel, 1989. CHARTIER, Roger. A Historia Cultural: entre praticas ¢ representagdes, Lisboa: Difel. Literatura ¢ Historia, In: Topoi: Revista de Historia. RU Programa de Pos-Graduagao em Histéria Social da UFRJ (2000: N° 1). DE CERTEAU, Michel, A escrita da Historia, Rio de Janeiro: Forense Universitiria, 2000. FOUCAULT, Michel, Arqueoloy Forense Universitiria, 1997, do saber. Rio de Janeiro: As palavras e as coisas, Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1990. (0 que é um autor? 3.ed, Lisboa: Passagens, sid REMOND, René. Por uma historia politica, Rio de janeiro: Fd FGV/UFRI, 1996 1930 4 1934, o do governo constitucional e sua relativa iberdade civil de 1938 a 1945, assim como seu pensamento “liber Akrdpolis, v.10, n° 3, jul/set., 2002 2u1

Você também pode gostar