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ABORDAGEM BASEADA EM GÊNEROS

A abordagem baseada em gêneros (ABG), segundo Borges et. al.


(2018), considera a linguagem como forma de interação e sua concepção de
aprendizagem é focada no sociointeracionismo de Vygotsky. Dessa maneira,
“[o] foco do desenvolvimento da competência na LA é a competência
metagenérica” (KOCK; ELIAS, 2010) que possibilita às pessoas interagirem
nos mais diversos contextos sociais. Esta abordagem está relacionada,
conforme as autoras, não apenas uma hipótese de aquisição de segunda
língua, mas três: da interação, do output, e sociocultural. Segundo Dudley-
Evans (1989), a abordagem baseada em gêneros foca na linguagem no nível
de todo o texto enquanto ao mesmo tempo leva em conta a perspectiva social
e cultural na qual este é usado.

A análise de gênero é uma abordagem multidisciplinar em


desenvolvimento para o estudo de textos, verbais e escritos, a partir de estudos
em linguística, antropologia, sociologia e psicologia. Os analistas de gênero
procuram os padrões comuns de uso de gramática, vocabulário-chave e
estrutura de texto em determinados tipos de textos (BRADFORD-WATTS,
2003).

Linguistas aplicados concordam que o propósito do autor de um texto é


de importância primordial na criação de um determinado gênero. No entanto, a
análise de gêneros não considera apenas a influência do propósito na escolha
das formas gramaticais, mas também leva em consideração as funções
retóricas. Robinson (1991, p. 2-3), por exemplo, diz que o "propósito do autor é
explicado com referência à cultura profissional mais ampla à qual o autor
pertence". Assim, gênero não significa apenas um tipo de texto, mas também o
papel do texto na comunidade dentro da qual ele foi criado. Isso, por sua vez,
leva à pesquisa da cultura institucional.

Dudley-Evans (1987, p. 28) afirma que o objetivo principal desta


abordagem é pedagógico, uma vez que fornece "uma prescrição flexível
baseada na análise que faz sugestões sobre o layout, a ordem e a linguagem
apropriada para uma determinada tarefa de escrita ou de fala". Hopkins e
Dudley-Evans (1987, p. 32) afirmam que a hipótese inicial da análise de
gêneros é "uma descrição explícita do modo como os textos são organizados".
Hyland (1992, p. 15) diz que "análise de gênero é o estudo de como a
linguagem é usada dentro de um contexto particular”. Bhatia (1991, p. 154) vê
a análise de gênero como uma

estrutura analítica que revela não apenas as correlações utilizáveis


de função de forma, mas também contribui significativamente para
nossa compreensão da estruturação cognitiva da informação em
áreas específicas do uso da língua, o que pode ajudar os [alunos] a
desenvolverem atividades apropriadas potencialmente significativas
para a obtenção dos resultados comunicativos desejados em áreas
acadêmicas ou de ocupação especializadas.

Nesse sentido, a análise de gêneros não possui apenas potencial


pedagógico, mas também pode iluminar o processo de comunicação em um
determinado gênero. Essa, portanto, combina insights gramaticais com
explicações sociocognitivas e culturais correspondentes. Ele visa explicar a
linguagem em uso ao invés de formas linguísticas no nível superficial (BHATIA,
1997).

Focar em gêneros textuais, segundo Bax (2006), garante que os alunos


serão expostos a variedades de tipos de textos, que (em algum momento)
atendam seus propósitos comunicativos, fazendo com que percebam que
qualquer comunicação é feita por um gênero textual e que cada um dos textos
a que eles são expostos ou produzem não são itens individuais e isolados, mas
sim integrantes de um grupo com características recorrentes. Desta forma, o
autor destaca que esta abordagem tem potencial de desenvolver a
competência comunicativa dos alunos, promovendo o aprendizado da LA.

O tipo de planejamento usado na abordagem baseada em gêneros


textuais, conforme Borges et. al. (2018), é o chamado planejamento baseado
em gêneros. Nesse tipo de planejamento, gêneros textuais orais ou escritos na
LA são produzidos, geralmente, por meio de modulação com o
desenvolvimento de sequências didáticas (SD) (DOLZ, et.al., 2004). Assim, os
autores fundamentam-se na ideia de que “é possível ensinar a escrever textos
e a exprimir-se oralmente em situações públicas escolares e extraescolares”
(DOLZ, et.al., 2004, p. 82). Dessa forma, consideram que propiciar contextos
de produção precisa dentro do ambiente escolar e desenvolver exercícios e
atividades múltiplos e variados é o que permite aos alunos aproveitar as
noções, instrumentos e técnicas fundamentais para que suas capacidades de
expressão oral e escrita sejam desenvolvidas em situações diversas de
comunicação.

Os planejamentos de ensino de língua (materna ou adicional) baseados


em texto são organizados em torno dos gêneros que os alunos precisam e dos
contextos sociais nos quais eles operarão (FEEZ, 2002; HYLAND, 2004). Um
dos principais elementos desse tipo de planejamento é que seu conteúdo é
“selecionado em relação às necessidades do aluno e aos contextos sociais que
os alunos desejam acessar” (FEEZ, 2002). Essa abordagem de ensino de
língua, como Hyland sugere, tem entre seus pilares a “tradição [da] LSF1 de
gênero e adota uma pedagogia scaffolded [de andaimes] para guiar alunos
para o controle de gêneros-chave”. Hyland (1993) argumenta ainda que o
aprendizado via a pedagogia de andaimes inclui “atividades [de] apoio
sustentado por um professor que modela estratégias apropriadas para atender
a propósitos particulares, guia os alunos em seu uso das estratégias, e fornece
um contexto significativo e relevante para o uso das estratégias” (p. 15). Nessa
abordagem, como argumenta Flowerdew (2005), a pedagogia subjacente é
muito influenciada pelo conceito de aprendizes desfavorecidos para ajudá-los a
melhorar através do domínio de gêneros importantes (ou seja, aqueles gêneros
que ajudam no avanço da aprendizagem da linguagem no local de trabalho).

Nos planejamentos baseados em texto/gêneros discursivos, de acordo


com Hyland (2006), a experiência anterior e o conhecimento em primeira mão
de novas explorações são usadas. O autor também sugere haver um ciclo de
ensino-aprendizagem que inclui número de etapas principais, como mostrado a
seguir

1
Linguística Sistêmico Funcional – Halliday, 2004.
 Definir o contexto: para revelar os propósitos do gênero e as
configurações nas quais ele é usado.
 Modelagem: analisando o gênero para revelar seus estágios e
principais características.
 Construção conjunta: prática guiada e apoiada por professores no
gênero.
 Construção independente: escrita independente monitorada pelo
professor.

Esse tipo de planejamento, de acordo com Flowerdew (2005), tem


aspectos em comum com a abordagem baseada em tarefas na medida em que
vê a linguagem como um artefato funcional e não formal, para ser usado como
um recurso para a construção de significado e para atingir objetivos propositais.
De fato, os proponentes desse tipo de currículo fazem questão de salientar que
ele pode ser considerado como um tipo de planejamento misto.

Logo, para a proposição do planejamento baseado em gêneros textuais,


é preciso que se tenha o conceito de SD. Dolz, et.al. (2004, p. 82-83, itálico dos
autores) apontam que “uma sequência didática é um conjunto de atividades
escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
oral ou escrito” tendo “a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um
gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais
adequada numa dada situação de comunicação”. Dentro dessa perspectiva,
essa abordagem para a produção do planejamento baseia-se na tradição
australiana de gênero que enfatiza os contextos sociais, nos quais os gêneros
são construídos e como a linguagem é usada nesses contextos. O
planejamento baseado em gêneros textuais também tem aspectos em comum
com a abordagem comunicacional/ baseada em tarefas, na medida em que vê
a linguagem como um artefato funcional em vez de formal, para ser usada
como um recurso para a construção de significado e para atingir objetivos
propositais. De fato, os proponentes desse tipo de planejamento fazem questão
de destacar que ele pode ser considerado como um tipo de planejamento misto
(FLOWERDEW, 2005).
Partindo destes princípios, Dolz, et. al. (2004) consideram importante
tratar de alguns aspectos relacionados ao trabalho com gêneros textuais
englobados dentro de uma SD. Assim posto, o esquema basal encaminha-se
com apresentação da situação, produção inicial, módulo 1, módulo 2, módulo N
(esse sinalizando que podem existir tantos módulos quanto o professor julgue
necessário) e produção final. Tratando brevemente desses componentes, a
apresentação da situação é o ponto em que há uma descrição detalhada da
tarefa de expressão escrita ou oral que os alunos precisam realizar, elaborando
um texto inicial correspondente ao gênero a ser trabalhado, sendo essa a
primeira produção. Através da produção inicial o professor tem a possibilidade
de mensurar as capacidades adquiridas e de ajustar exercícios e atividades
previstas dentro da SD com relação às dificuldades e possibilidades reais da
turma; define também as capacidades que os alunos precisam desenvolver
para dominar o gênero trabalhado. No que diz respeito aos módulos, Dolz, et.
al. (2004) consideram que esses são constituídos por diversos exercícios e
atividades, sendo instrumentos indispensáveis para o domínio das
características apresentadas acima. Em se tratando da produção final, os
autores expõem que nesse estágio o aluno coloca em prática os
conhecimentos que adquiriu durante o desenvolvimento da SD e, para o
professor, é o momento em que pode medir os progressos alcançados,
servindo também para uma avaliação de cunho somativo, a qual incidirá sobre
aspectos trabalhados durante a aplicação da SD.

Dentro da apresentação da situação, segundo Dolz, et. al. (2004), há a


exposição do projeto comunicativo aos alunos por parte do professor. Desta
forma, de maneira direta, há o início da preparação para a primeira produção,
sendo então um momento crucial para que os alunos construam uma
representação da situação comunicativa e das atividades de linguagem que
serão executadas.

Dois procedimentos dentro da apresentação da situação são indicados,


primeiramente a apresentação de um problema de comunicação bem definido
e, depois, a preparação dos conteúdos dos textos a serem produzidos (DOLZ,
et. al., 2014). No primeiro momento, há a proposição de um “projeto coletivo de
produção de um gênero oral ou escrito” (p. 84), sobre o qual precisam ser
respondidas perguntas como: “[q]ual é o gênero que será abordado? A quem
se dirige a produção? Que forma assumirá a produção? Quem participará da
produção?” (p. 84-85). No segundo momento, é contemplada a dimensão dos
conteúdos para que a turma conceba a importância destes e que saibam com
quais irão trabalhar. Isso, segundo os autores, tem por intenção prover os
alunos de informações que serão necessárias para que possam conhecer o
projeto de dizer visado e a aprendizagem a que o projeto comunicativo em
questão está vinculado.

Como todas as etapas de uma SD estão intensa e diretamente ligadas


umas às outras, para que a primeira produção aconteça é necessário que os
elementos da apresentação da situação sejam bem desenvolvidos. Desta
forma, segundo Dolz, et. al.(2004), até os alunos mais fracos obtém sucesso
nessa segunda etapa, produzindo textos que correspondam à situação dada
nas primeiras condições. Assim, há a definição do “ponto preciso em que o
professor pode intervir melhor e o caminho que o aluno tem ainda a percorrer:
para nós, essa é a essência da avaliação formativa. Desta forma, a produção
inicial pode “motivar” tanto a sequência quanto o aluno” (p. 86).

O primeiro encontro com o gênero textual, dentro das etapas da primeira


produção, faz com que essa produção seja reguladora da SD proposta, visto
que os alunos concretizam os elementos abordados na apresentação da
situação e simultaneamente, descobrem o que possuem de conhecimentos já
adquiridos sobre tal gênero de maneira geral. Assim, há um melhor
delineamento da SD no que diz respeito aos aspectos comunicativos, por
exemplo (DOLZ, et. al., 2004). Outro fator importante a ser considerado diz
respeito à avaliação formativa, a qual já acontece na primeira produção e
constitui momentos de observação por parte do professor, os quais, segundo
os autores, dão a possibilidade de refinamento da SD, bem como sua
modulação e adequação direcionada às necessidades e capacidades reais dos
alunos. Assim, há a possibilidade de se avaliar de forma precisa quais as
dificuldades encontradas e em que ponto os alunos se encontram em relação à
temática como um todo.

Num outro momento da estrutura da SD – a qual, e como já exposto,


segundo Dolz, et. al. (2004), é a forma com que se trabalha expressão oral e
escrita de gêneros textuais – é possível tratar dos módulos de uma SD como
um movimento de trabalho com “problemas que podem aparecer na primeira
produção e dar aos alunos os instrumentos necessários para superá-los” (p.
87). Nessa mesma linha de pensamento, os autores entendem que a
“modularidade é um princípio geral no uso das sequências didáticas”.

Dentro dessa perspectiva,

O procedimento (...) se inscreve numa perspectiva construtivista,


interacionista e social que supõe a realização de atividades
intencionais, estruturadas e intensivas que devem adaptar-se às
necessidades particulares dos diferentes grupos de aprendizes
(DOLZ, et. al., 2004, p. 93).

Agregado a isso, os autores consideram relevante destacar que “o


caráter modular das atividades não deverá obscurecer o fato de que a ordem
dos módulos de uma sequência didática não é aleatória” (p. 94), o que significa
dizer que dentro do itinerário traçado na SD, certos exercícios e atividades
possuem uma base para a realização de outros.

Dentro da série de pontos que, segundo os autores, precisam ser


observados dentro da SD, os quais que englobam a modularidade contida em
sua estrutura, percebe-se que dentro dos “percursos variados em função das
capacidades e dificuldades” encontradas

as sequências didáticas apresentam uma grande variedade de


atividades que devem ser selecionadas, adaptadas e transformadas
em função das necessidades dos alunos, dos movimentos escolhidos
para o trabalho, da história didática do grupo e da complementaridade
em relação a outras situações de aprendizagem e expressão,
propostas fora do contexto das sequências didáticas (DOLZ, et. al.,
2004, p. 93).

Dessa forma, é na avaliação da produção inicial – fundamentalmente –


que o professor pode fazer adaptações na SD de acordo com a turma, um
grupo de alunos ou até mesmo de acordo com determinados alunos. Essa
adaptação pode conter, por exemplo, produções de alunos ou sugestões de
percurso para que o retorno aos alunos seja o melhor possível para a solução
de problemas.

Ainda tratando da modularidade dentro da SD, Dolz, et. al. (2004)


consideram importante destacar algumas diferenças dentro do trabalho com a
expressão escrita e a expressão oral. Nesse sentido, os autores fazem a
distinção considerando “que o primeiro é, necessariamente, permanente,
enquanto o outro desaparece, em princípio, logo que é pronunciado”. No
mesmo processo de distinção entre SD com foco em expressão oral e outra
com foco em expressão escrita, os autores ainda pontuam três diferenças que
precisam ser consideradas tanto no trabalho, no processo e na construção, a
saber: possibilidade de revisão, observação do próprio comportamento e
observação de textos de referência.

Em breves apontamentos, as diferenças nas possibilidades de revisão


consistem em que, na produção escrita o processo de produção e o produto
final acontecem em separado e, dentro dessa produção pode-se conceber
objetos textuais que precisam/podem ser retrabalhados, refeitos ou
descartados, havendo então a possibilidade de reescrita. No que diz respeito à
produção oral, processo de produção e produto final constituem um todo e,
portanto, as produções exigem preparação escrita e de memorização,
pressupondo certo controle – considerando imprevistos no ato de comunicação
– que proporciona correção antecipada, sendo esse um instrumento que
precisa de domínio por parte do aluno (DOLZ, et. al., 2004).

No que diz respeito ao segundo ponto de diferenciação – observação do


próprio comportamento –, segundo os autores, a expressão escrita é
permanente quando exteriorizada, o que possibilita que seu comportamento
seja observável posteriormente. Enquanto a expressão oral, a qual desaparece
imediatamente, não há a possibilidade de observação de seu comportamento.
O único procedimento que permite esta observação comportamental posterior é
o uso de gravadores, o que possibilita o retorno à produção. Dessa forma,
gravadores são indispensáveis no ensino de expressão oral.

Em se tratando da observação de textos de referência, segundo Dolz, et.


al. (2004), textos produzidos por especialistas e por alunos são passíveis de
análises aprofundadas, comparações e críticas, por possuir estabilidade. No
entanto, ao tratar de textos orais, os únicos meios para que a produção esteja à
disposição de tais passividades são a gravação e, assim a possibilidade de
escuta repetida, a escuta dirigida pela escrita e, por último, a transcrição que
faz com que a expressão oral passe a ser observada como escrita permanente.
Como último ponto estrutural, de finalização de trabalhos, de uma SD, a
produção final, segundo Dolz, et. al. (2004), é a etapa em que o aluno tem a
chance de colocar em ação os fundamentos e os instrumentos elaborados de
forma separada nos módulos; ao professor, permite-se que seja feita uma
avaliação formativa e somativa.

Nesse mesmo viés, os autores afirmam ainda que um levantamento


avaliativo de forma subjetiva também é possível, por parte dos alunos. Assim,
objetivos atingidos e observações sobre o próprio processo de aprendizagem,
reflexão sobre o próprio comportamento enquanto produtor de textos e
avaliação dos progressos realizados são pontos consideráveis de abordagem
dentro de uma espécie de autoavaliação (DOLZ, et. al., 2004). Em se tratando
das avaliações do tipo formativa e somativa, os autores apontam que o que é
de extrema importância é que, dentro dessas avaliações, o aluno encontre os
elementos trabalhados – e por conseguinte, cobrados – no trabalho realizado
em sala de aula, para que isso sirva como critério mínimo dentro dessa
avaliação.

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