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http://www.terra.com.br/planetanaweb/flash/reconectando/agrandeteia/may1.htm
A Planeta na Web entrevistou May East em uma de suas
Foto: FERNANDO
CAVALCANTE
Planeta na web - A aldeia recebe visitantes e novos moradores?
May - Findhorn recebe desde visitas de 3 horas até pessoas que querem morar lá.
A fase de se tornar morador da fundação Findhorn começa com um programa de
uma semana. Depois você faz uma experiência maior que se chama Living in
Community, de 3 meses, e aí se sentir que realmente está interessado pode fazer
um programa de um ano que se chama Foundation Year Program. Então você se
torna staff. Isso se quiser ir pelo caminho formal da Fundação Findhorn. Se quer
morar na comunidade e tem recursos próprios, pode comprar um terreno próximo e
construir uma casa, e trabalhar em alguma das 40 organizações. E existe todo um
sistema político também, estruturas sociais, políticas e econômicas bem complexas.
Certas pessoas vão a Findhorn para estudar isso, pra ver como é que se
desdobrou e como é que funciona de forma saudável e continua crescendo.
Planeta na web - Como foi que se deu a mudança da sua vida, de um estilo
urbana, de noite, típico dos anos 80, para uma vida mais natural e espiritual?
May - Foi a força da natureza do Brasil que me tirou dessa vida da noite, da
adolescência, para uma busca mais essencial, que foi voltar às minhas origens. Eu
sou mestiça, se contava a história na minha família que minha tataravó foi caçada à
laço. Isso foi um marco muito grande para mim. Então fui buscar as minhas raízes,
senti que precisava voltar. Foi através da música e da cultura e da sabedoria dos
povos tradicionais que eu me reconectei com a terra, mas claro que o primeiro
chamado foi a música. Eu saí do rock para uma coisa que eu chamava de iêiêiê
tribal. Na minha geração eu era a única que estava fazendo isso. Mais tarde, a
música que eu estava fazendo foi chamada de world music, mas naquela época a
minha geração - Paralamas do Sucesso, Blitz, Léo Jaime - achaou que eu tinha
ficado maluca. As gravadoras gostavam da minha música, mas quando chegava nas
rádios eles não sabiam, porque não era MPB e também não era rock. Eu era como
um peixe fora d'água. Até que meus discos foram comprados primeiro pela
Holanda, depois pelo Japão, depois Inglaterra, e quando eu fui embora do Brasil eu
encontrei a minha turma. Eram artistas que como eu estavam dedicando sua
musica, sua arte, a uma causa maior do que apenas fazer hit todo ano e
vender. Eu fazia uma musica que se chamava música brasileira de vontade e
procura. Fui para o sertão nordestino, pesquisar a música dos sertanejos, mas eu
usava sintetizador, então eu trazia tudo isso para a música eletrônica, era uma
música muito estranha pros ouvidos da época.
May - Quando eu comecei com essa minha música, Foto: FERNANDO CAVALCANTE
não sabia que existia eco-feminismo. Mas estava em
frente à Angra 1 em Angra dos Reis, em praça
pública, pintada de índio, cantando esse iêiêiê tribal
em protesto a instalação da usina. Então vamos
dizer que eu já tinha o sangue eco-feminista
pulsando, ao trabalhar e trazer para palco, para a
consciência dos jovens, a questão das florestas, dos
rios, da sabedoria, e também mais pra frente a May e Craig em Findhorn
questão da energia atômica. Eu descobri também
que pra abrir um lugar nessa sociedade eu tive que pôr o pé na porta, o meu
modelo era muito mais o masculino. Para continuar fazendo a música que eu
queria, e não a música que era esperada, eu tive que colocar muito mais ênfase no
meu aspecto yang, na parte masculina Depois de uns anos disso eu tive um
chamado interno pra ir buscar meu feminino. Então comecei a trabalhar com um
movimento de espiritualidade feminina, que é a busca da essência da mulher -- e
não é o oposto do que é ser homem, que até então era o que era dito. Comecei a
estudar muito e rever a história das mulheres, do paleolítico, neolítico, idade do
bronze -- comecei a ver como as mulheres foram se tornando muito mais
que cúmplices de um sistema de patriarcado do que vítimas, eu nunca
comprei essa história de ser vítima do patriarcado. E então percebi que a
questão não era tomar o poder, mas mudar a estrutura do poder. Trabalhei dentro
da vertente do feminismo político, de lutar pelos direitos da mulher, depois eu fui
buscar a parte do que é ser mulher, e a minha inspiração foram as índias, as
mulheres do meu país. E depois a síntese, que é o que eu faço atualmente, o eco-
feminismo.
Planeta na web - Como você traz esses ensinamentos do eco-feminismo para o
Brasil?
May - A reconsagração do ventre, por exemplo, que é um dos trabalhos que faço
aqui, é de profunda intimidade da mulher consigo mesmo, de resgate da sua
conexão com seu ventre, seu cálice de luz, seu centro de gravidade -- mas ao
mesmo tempo é um trabalho profundamente politizado. Historicamente há as
feministas políticas, que representam o yang do yin dos anos 50 e 60, que
queimavam sutiã em praça publica, Depois temos essas mulheres que vieram
nutrindo a chama do que era ser mulher em sociedades secretas, muito
preocupadas em serem interpretadas como mulheres quer estão fazendo bruxaria.
Essas duas vertentes da reemergência do feminino do século 20 muitas vezes
fluíram em oposição. As feministas políticas olhando para as mulheres do retorno
da deusa dizendo "essas mulheres estão num exercício narcisista, não estão
conseguindo articular esse corpo de valores na sociedade e mudá-la", e as
mulheres do retorno da deusa sem poder para realmente fazer essa articulação,
essa tecedura, do mistério do feminino na realidade -- nem mesmo de passar para
os seus filhos homens e mulheres. Então aconteceu foi o encontro de Beijing, na
China, há quatro anos. Foi um encontro histórico para a reemergência da mulher,
porque lá estavam as feministas políticas e as mulheres do retorno da deusa, e elas
perceberam que tinham que entrar em diálogo e começar a trocar. Foi aí que o eco-
feminismo assentou na consciência das mulheres. As feministas perceberam
que se continuassem com sua ação política mas ao mesmo tempo
estivessem ancoradas, enraizadas nos mistérios do que é ser mulher, elas
seriam mais eficientes agentes da transformação. E as mulheres do retorno
da deusa perceberam que não há mais tempo mesmo de ficar relembrando o
passado, nós temos que mudar o hoje pra garantir o futuro das próximas gerações.
É fantástico, é um privilégio estar encarnada como mulher nesse momento
e poder fazer esse resgate consigo mesma, passar para as filhas... Eu sou
apaixonada pelo que eu faço.
May - Quando encontrei o Craig ele há muitos anos trabalhava com o movimento
de homens. Percebemos nesse encontro que o mais fácil mesmo era polarizar, as
mulheres ficarem celebrando o passado, inaugurando o presente e sonhando o
futuro, e os homens buscando essa nova identidade do masculino. Então fomos
treinados num método chamado de Reconciliação entre o Feminino e o Masculino. O
crucial para a questão do masculino e do feminino é o entendimento. Existe uma
série de métodos para que a gente saia da comunicação defensiva entre
homem e mulher, onde só escutamos aquilo que é necessário para
empilhar munição para ganhar no duelo de quem tem a verdade mais forte
ou melhor articulada. Nós percebemos que, ao longo dos séculos, o que era ser
mulher e ser homem era segredo dos respectivos clans, e começamos tentar
explorar um novo caminho: uma vez que já resgatamos o feminino, convidar os
homens a visitar, em termos simbólicos, e serem introduzidos ao que é ser mulher
-- e vice-versa.
May - A primeira coisa é alinhar as palavras às ações, porque poder é isso. Eco-
feminismo trabalha muito com a questão do poder feminino, e o poder real
só existe quando o sistema de idéias é traduzido naquilo que você
consome, naquilo que você come, veste, passa para os seus filhos, nas
opções que você faz a cada dia. Por exemplo, na decisão de comprar um
brinquedo chinês de plástico, barato, ou resgatar como é que se faz tricô e fazer
uma roupa para o boneco da sua filha. Alinhamento das palavras com as ações, em
cada opção que você faz. Outro ponto é o da responsabilidade, não no sentido do
encargo, da gente assumir o mundo nas costas, mas no sentido mais profundo da
palavra. Na raiz da palavra responsabilidade está a habilidade da resposta, de
termos essa habilidade de responder aos eventos. O I-Ching já diz, não é o evento
que é importante, e sim a sua resposta. Não é a instalação das usinas atômicas,
mas como nós respondemos criativamente a essa instalação. Responsabilidade é
a gente responder àquilo que diz respeito à nós e às próximas gerações do
planeta também, mas sem nos "queimar". Porque se nós assumimos a
responsabilidade do planeta sozinhos há a possibilidade de nos estressarmos. Outro
ponto seria disciplina. Isso não significa você ter um mestre, seguir regras, e sim
ser discípulo de si mesmo, se colocar metas. É como a nota básica daqueles que
nascem sob o signo de sagitário: eu vejo um alvo e o alcanço, então foco em outro.
Disciplina é isso: você se coloca um alvo, chega nele, quando tiver chegado
lá você se coloca outro e vai indo - e tudo isso estando conectada
profundamente com a natureza cíclica que está no corpo da mulher, nas
suas fazes molhadas, secas, pré menstruais, menstruais, enfim.