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filosofia (indígena)
A propriedade do conceito
Uma maneira de situar este estudo sobre o pensamento dos povos nativos da
floresta amazônica — um ‘pensamento selvagem’ — é dizer que seus temas estão
radicados no estruturalismo, mas que seus problemas são, ao menos em parte,
outros, pois outros são os tempos, e outro o estado do conhecimento etnológico.
Digamos, então, que seu ponto de partida é o ponto de chegada de Lévi-Strauss, o
estado a que ele soube levar a etnologia ameríndia. Por isso, pareceu-me
apropriado abrir este prólogo por uma conclusão — de Lévi-Strauss. Nas linhas
finais do posfácio a um volume recente de L’Homme, dedicado aos avanços na
teoria do parentesco, o decano do americanismo observa:
1
I. Daillant, D. Karadimas, A. Surralès, A.–C. Taylor. A menção de Lévi-Strauss aos
pesquisadores brasileiros alude às referências presentes nos artigos destes americanistas
franceses.
2
Penso no célebre argumento de O cru e o cozido: “No uso que fazemos do método,
seremos certamente acusados de interpretar e simplificar excessivamente. À parte o fato
de que, repita-se, não pensamos que todas as soluções propostas tenham o mesmo valor…
seria hipócrita não ir até o fim em nosso modo de pensar. Responderíamos, então, a nossos
criticos eventuais: que importa? Pois, se a finalidade última da antropologia é contribuir
para um melhor conhecimento do pensamento objetivado e de seus mecanismos, tanto faz,
para este livro, que seja o pensamento dos índios sul-americanos que tome forma sob a
ação do meu, ou o meu sob a ação do deles. O que importa é que o espírito humano,
indiferente à identidade de seus mensageiros ocasionais, manifeste uma estrutura cada vez
mais inteligível, à medida em que progride a operação duplamente reflexiva de dois
pensamentos agindo um sobre o outro, e dos quais ora um, ora outro, pode ser a mecha
ou a fagulha de cujo contato brotará sua comum iluminação” (L.–S. 1964: 21).
3
Resta que, entre essa ciência e essa filosofia, Lévi-Strauss sempre optou
pela primeira. Ela é o tema privilegiado, por exemplo, de O pensamento selvagem,
livro que procede a uma série de paralelos entre a ciência moderna e a ciência
primitiva, e que pode ser lido como uma espécie de filosofia da “ciência do
concreto”. Já a filosofia selvagem propriamente dita, enquanto atividade
intelectual distinta da ciência, movida por outras intenções e operando com outros
3
A expressão “uma notável reviravolta” da passagem citada — no original, “un frappant
retour des choses” — não deixa de trazer à mente o título da resposta de seu autor, dois
anos antes, a um artigo que pretendia jogar-lhe contra Merleau-Ponty: “Voltas atrás”,
Retours en arrière (L.–S. 1998). Título ele próprio ambíguo, evocando tanto uma
lamentável regressão intelectual como uma recordação saudosa de personagens e debates
do passado.
4
4
O que talvez reflita uma imagem tradicional da da filosofia não-selvagem, que faz dela
uma etapa evolutiva entre a Religião e a Ciência.
5
5
A via das máscaras, A oleira ciumenta e História de Lince.
6
Note-se que o último livro mitológico do autor, o História de Lince, é introduzido por uma
declaração que não deixa de destoar daquela de 1971, parecendo assumir a idéia de uma
filosofia especificamente ameríndia, distinta do, digamos, metabolismo basal do
pensamento selvagem: “[C]reio que é possível, hoje, recuar até as fontes filosófica e ética
do dualismo ameríndio” (1991: 16). Uma notável reviravolta?
6
preciso pôr a diferença no mundo. Pois não são as “operações intelectuais” que
diferem, mas “a natureza das coisas sobre as quais incidem essas operações”:
Não seria assim a consciência que varia, mas o mundo. Ora, como
veremos, os mitos amazônicos ‘dizem’ exatamente isso. E vão mesmo adiante,
pois a idéia de um sujeito dotado de “faculdades constantes” a braços com uma
diversidade objetiva é generalizada, por eles, para além da espécie humana como
personagem e da história como palco. O que nos leva a suspeitar que os mitos
dizem, afinal, algo de instrutivo, sobre a ordem do mundo e sobre o espírito
humano. Esta, então, nossa questão: antes que as “operações intelectuais” do
pensamento ameríndio, trata-se de tentar divisar a natureza das coisas que ele
pensa, seus objetos — isto é, seus conceitos —, e o mundo descrito por esses
conceitos. Em outras palavras, trata-se de prestar atenção ao que dizem os
discursos amazônicos sobre a ordem do mundo e a natureza do real, o que inclui o
que eles dizem sobre a sociedade e o espírito humanos: não indiretamente e como
que à sua revelia, em benefício de nossas filosofias do espírito humano, mas
textualmente e como que deliberadamente, para o governo filosófico dos povos
que os enunciam. E o que eles dizem — se preferir o leitor, o que eles ensinam —
é que não há por que escolher, pois não há como separar, entre a natureza do real
e o espírito humano, a ordem do mundo e o movimento da sociedade.
O que vem a ser outra idéia muito complicada. Este livro consiste em seu
desenvolvimento, defesa e ilustração.
(…)
7
Nota terminológica. A variação entre os determinativos ‘amazônico’ e ‘indígena’, nas
páginas que seguem, não é rigorosa. Em certos momentos, ‘amazônico’ refere-se apenas
aos povos da floresta homônima; em outros, ele é uma sinédoque que designa todas as
culturas das chamadas ‘terras baixas’ da América do Sul; em outros, enfim, ele indica
apenas o foco principal do livro — ou os limites de minha ignorância etnográfica —, sem
implicar a exclusão de outros povos americanos. O pressuposto de base é a existência de
uma unidade histórico-cultural profunda de toda a América indígena.
8
Viveiros de Castro 1996b. O perspectivismo filosófico a que me refiro está associado
originalmente ao nome de Leibniz, mas se acha variamente presente em pensadores como
9
Nietzsche, Tarde, Whitehead e Deleuze; este último, como ficará claro, é minha referência
principal para o conceito.
9
Essa formulação leva adiante uma sugestão do mesmo Simondon, que recomendava uma
apreensão realista das relações e nominalista dos termos (op.cit.: 82), de modo a
compensar o viés inverso de nossa metafisica. A tese de Simondon sobre o processo de
individuação forneceu vários dos instrumentos utilizados neste livro.
10
Ou em qualquer outro contexto não-ocidental. A questão é levantada, e respondida
negativamente, por François Jullien a propósito da China, para cujo pensamento esse autor
reivindica, aliás, um mesmo “primado da relação” (Jullien & Marchaisse 2000: 12–13, 265–
67, 308, 352) — e, convém recordar, um uso particularmente sofisticado da dualidade
(Jullien 1993).
11
Viveiros de Castro 1993a, 1996b. O capítulo @@ abaixo, onde se retoma a monadologia
de Tarde (e a de Whitehead), trata da preensão ontológica — conceito que hoje me parece
preferível ao de predação — como dinamismo característico da socialidade amazônica.
10
12
Veremos adiante o significado das noções wagnerianas de controle, convenção e
diferenciação.
13
Outro modo assimétrico de jogar esse jogo é o praticado pelos antropólogos
‘cognitivistas’ — mas também por autores como Ingold (2000), embora com os sinais de
valor invertidos. Se a crítica de Wagner à comparação pseudo-relativista, de tipo ‘dois
contra um’, visava a idéia de que nós temos natureza e cultura, os selvagens tendo só
cultura, quando passamos aos especialistas na ‘natureza humana’ a distribuição muda: os
selvagens são só natureza (suas culturas exprimem imediata e diretamente as disposições
cognitivas ou existenciais do Homo sapiens), os ocidentais somos natureza e cultura (a
ciência, a escrita, etc.). Para os cognitivistas, essa cultura nos dá um acesso privilegiado à
natureza das coisas, corrigindo as ilusões (necessárias) inscritas evolucionariamente na
constituição mental da espécie; para Ingold, ao contrário, tal cultura é uma perversão que
nos expulsa da morada do Ser, compartilhada pelos demais humanos.
11
(…)
14
Para o conceito de plano de imanência, a que retornaremos, ver Deleuze & Guattari
1991: 38–59. Seria também possível pensar o contraste entre os dois sentidos de cultura
em Wagner nos termos da diferença entre Weltbild e Weltanschauung feita pelo ‘último’
Wittgenstein. A analogia entre os conceitos de Weltbild e de plano de imanência foi
avançada em um magnífico artigo de Bento Prado Jr (1998: 317-ss).
15
O recurso a tal ultima ratio é analisado por Bruno Latour em vários trabalhos recentes
(Latour 1996b, 1999, 2000a). A cultura de Wagner, no sentido de “sistema total de
conceitualização” que inclui tanto a ‘cultura’ como a ‘natureza’, parece corresponder ao que
Latour ([1991], 1999) chamará de Constituição, embora possa ser igualmente aproximada,
na medida em que só existe como complexo de ação e motivação atualizado em uma
coletividade humana concreta, dos conceitos latourianos de natureza-cultura e de coletivo.
Latour e Wagner são duas influências capitais sobre este livro; seus trabalhos
(desenvolvidos de modo independente) mostram uma clara mas pouco notada
convergência, em particular Nous n’avons jamais été modernes (Latour [1991]) e The
invention of culture (Wagner 1981). Além disso, eles me parecem completar-se bastante
bem, com o primeiro sendo nitidamente mais forte quando se trata de descrever a
12
17
Esse comentário está publicado em apêndice a Logique du sens (Deleuze 1969a: 350–
72; ver também id. 1969b: 333–35, 360). O conceito de Outrem pertence à fase que se
poderia chamar de estruturalista da obra de Deleuze; mas ele é retomado, em termos
praticamente idênticos, em seu último livro, Qu’est-ce que la philosophie? (Deleuze &
Guattari 1991: 21–24, 49), e justamente como o primeiro exemplo do que vem a ser um
conceito filosófico.
18
“[O]utrem para mim introduz o signo do não-percebido naquilo que percebo,
determinando-me a apreender o que não percebo como perceptível para outrem” (Deleuze
1969a: 355).
19
Utilizo aqui e doravante o substantivo ‘(o) Eu’ (e o pronome oblíquo ‘mim’), com inicial
maiúscula, para traduzir o francês (le) Moi ou o inglês (the) Self, e a forma ‘(o) eu’, com
minúscula, para traduzir o francês ‘le Je’ ou o inglês ‘the I’. A noção deleuziana de Outrem
dá conta precisamente da diferença entre o eu e o Eu, o Je e o Moi, diferença esta tanto
externa (outrem sou eu para um outro Eu e vice-versa) como interna (o eu é um outro que
14
o Eu). Tais ‘questões pessoais’ terão importância na parte III do livro, quando discutiremos
a deixis cosmológica e seus pronomes.
20
Esse ‘ele’ que é Outrem não é uma pessoa, uma terceira pessoa diversa do eu e do tu, à
espera de sua vez no diálogo, mas também não é uma coisa, um ‘isso’ de que se fala.
Outrem seria mais bem a “quarta pessoa do singular” — situada, digamos assim, na
terceira margem do rio —, anterior ao jogo perspectivo dos pronomes pessoais (Deleuze
([1979]: 79).
21
A idéia de uma realidade própria do possível — o possível tomado como realidade
implicada em sua expressão — é o que Deleuze ([1966]: 96ss; 1969b: 269ss) chama, via
Bergson, de virtual, por oposição ao atual. A distinção entre os pares virtual/atual e
possível/real, a que voltaremos, é importante para a rediscussão do conceito amazônico de
afinidade, feita na parte II deste livro, e para a análise do ‘tempo mítico’ feita na parte III.
15
22
Se o estruturalismo de Lévi-Strauss foi famosamente definido como um “kantismo sem
sujeito transcendental” (Ricœur 1963: 618) — e a fórmula foi assumida por Lévi-Strauss
(1963: 633; 1964: 19) —, poderíamos dizer que a sociologia durkheimiana é um kantismo
com sujeito transcendente, e a antropologia cognitiva contemporânea um kantismo com
sujeito empírico (a rigor, um inatismo de tipo cartesiano), ao passo que a filosofia de
Deleuze sugeriria um peculiar ‘kantismo com outrem transcendental’, que positiva o
kantismo negativo estruturalista em uma direção duplamente oposta à de sua empirização
cognitiva. Digo que o ‘kantismo’ deleuziano é peculiar, porque seu campo transcendental
não é concebido como uma figura da interioridade, isto é, não é ‘decalcado’ da forma
empírica da representação: ele não pressupõe uma forma-sujeito do campo, mas uma
relação impessoal e assubjetiva exterior a seus termos, e a noção de condição não envolve
uma semelhança retroprojetiva com o condicionado, mas é um princípio heterogenético
(Zourabichvili 1994: 46–47; Lebrun 1998). O que equivale a dizer: contra os vários
idealismos empíricos, ou kantismos sem o transcendental, um “materialismo
transcendental” (Stengers @@@), ou um transcendental sem Kant.
23
O ‘irmão da mãe’ é ao mesmo tempo exterior à família conjugal e o que a torna possível;
ele não é, portanto, um termo de mesma ordem que os membros da família (pai, mãe,
filho), mas uma relação diferenciante. O paralelo entre a estrutura de Outrem e o átomo de
parentesco não é apenas alegórico, como veremos na Parte II. Tal paralelo, note-se bem,
não passa por nenhuma noção de interdito ou de lei (que, entre outros defeitos, modela
indevidamente o constitutivo segundo a forma do regulativo): Outrem não é uma figura da
necessidade negativa, mas da possibilidade positiva.
Recorde-se que a relação avuncular é o que produz a diferença entre o ‘eu’ (o filho,
no átomo lévi-straussiano) e o ‘outro’ (o pai), bem como sua projeção temporal. O filho
difere do pai através do irmão da mãe. Na verdade, todas as posições familiares são criadas
pela função avuncular: além da díade pai-filho, ela distingue o marido de sua mulher (ao
pô-los como não-germanos), e o filho de sua mãe (via a posição do pai como diferente do
irmão desta). Não seria, então, por acaso que os Daribi da Nova Guiné definem o tio
16
materno como constituindo a ‘base’ ou ‘causa’ do sobrinho uterino (Wagner 1967): o pai
pode ser o autor eficiente da criança, mas o tio é sua razão suficiente.
17
(…)
24
Isso parafraseia uma passagem de Deleuze: “A diferença não é o diverso. O diverso é o
dado. Mas a diferença é aquilo pelo qual o dado é dado. Aquilo pelo qual o dado é dado
como diverso” (1969b: 286).
18
25
Ética a Nicômaco, 1170 b 6.
26
Reencontro — este livro está cheio de reinvenções do alheio — exatamente tal
formulação em Manuela Carneiro da Cunha (1978: 93-94), a propósito da diferença entre o
companheiro (um ‘outro Eu’) e o amigo formal (um ‘eu-Outro’) dos Timbira, figuras que são
os esquematismos rituais, respectivamente, das posições de irmão e de cunhado. Esse
último par (ou antes, as idéias que eles encarnam) é longamente tematizado na parte II a
seguir.
19
27
Seria possível formular o problema a partir de uma outra tradição ocidental fundadora,
por exemplo, da figura do Próximo bíblico — aquele que devemos ‘amar como a nós
mesmos’. A convergência entre essas duas imagens tão diferentes, o Amigo (e a philia) e o
Próximo (e a agapè), só é pertinente do ponto de vista de seu comum contraste com o
regime amazônico da alteridade.
20
28
Considerando-se que o Deus cristão é um híbrido greco-judaico, dir-se-ia (e Hegel deve
ter dito isso em algum lugar) que a parte que se interiorizou como Sujeito é a judaica, e a
que se exteriorizou como Natureza, a grega.
29
Considerações em parte inspiradas na história contada por Latour ([1991]: 50-53,
passim) sobre a “Constituição” dos modernos, e, pela mesma via, no livro de Funkenstein
(1986) sobre as relações entre teologia e imaginação científica na transição para a
modernidade.
21
(…)
As regras do jogo
30
O fato de que o discurso do antropólogo consista canônica e literalmente em um texto
tem muitas implicações, que não cabe desenvolver aqui. Elas foram objeto de atenção
exaustiva por parte de correntes recentes de reflexão auto-antropológica. O mesmo se diga
do fato de que o discurso do nativo não seja, geralmente, um texto, e do fato de que ele
tenha sido frequentemente tratado como se o fosse.
31
Itálicos removidos. Traduzi por ‘conexão’ a palavra rapport, que Simondon distingue de
relation, ‘relação’: “podemos chamar de relação a disposição dos elementos de um sistema
que está além de uma simples visada arbitrária do espírito, e reservar o termo conexão
para uma relação arbitrária e fortuita… a relação seria uma conexão tão real e importante
como os próprios termos; poder-se-ia dizer, por conseguinte, que uma verdadeira relação
entre dois termos equivale, de fato, a uma conexão entre três termos” (id.: 66).
32
Veja-se M. Strathern 1987 para uma análise dos pressupostos relacionais desse efeito de
conhecimento. A autora argumenta que a relação do nativo com seu discurso não é, em
princípio, a mesma que a do antropólogo com o seu, e que tal diferença ao mesmo tempo
23
condiciona a relação entre os dois discursos e impõe limites a toda empresa de auto-
antropologia.
24
33
Elas são como pré-condições das perguntas feitas na seção anterior, sobre o regime de
Outrem no mundo de outrem.
34
Somos todos nativos, mas ninguém é nativo o tempo todo. Como recorda Lambek (1998:
113) em um comentário à noção de habitus e congêneres, “as práticas encorporadas são
realizadas por agentes capazes também de pensar contemplativamente: nada do que ‘não
é preciso dizer’ permanece não-dito para sempre” (nothing ‘goes without saying’ forever; a
alusão é a um artigo de M. Bloch [1992] cujo título fala do que ‘goes without saying’ para o
nativo, e que caberia ao antropólogo dizer em seu lugar). Pensar contemplativamente,
sublinhe-se, não significa pensar como pensam os antropólogos: as técnicas de reflexão
variam crucialmente. A antropologia reversa do nativo (o cargo cult melanésio, por
exemplo; Wagner 1981: 31–34) não é a auto-antropologia do antropólogo (Strathern 1987:
30–31): uma antropologia simétrica feita do interior da tradição que gerou a antropologia
não é simétrica a uma antropologia simétrica feita de fora dela. A simetria não cancela a
diferença, pois a reciprocidade virtual de perspectivas em que penso aqui não é nenhuma
‘fusão de horizontes’.
25
35
Via de regra, supõe-se que o nativo faz, sem saber o que faz, as duas coisas — a
raciocinação natural e a racionalização cultural —, em fases, registros ou situações
diferentes de sua vida. As ilusões do nativo são, note-se, tidas por necessárias, no duplo
sentido de inevitáveis e úteis (são, dirão outros, evolucionariamente adaptativas). É tal
necessidade que define o ‘nativo’, e o distingue do ‘antropólogo’: este pode errar, mas
aquele precisa se iludir.
26
36
É assim que interpreto a declaração de Wagner (1981: 35): “Estudamos a cultura através
da cultura, e portanto as operações, sejam quais forem, que caracterizam nossa
investigação devem ser também propriedades gerais da cultura.” Isso poderia ser
aproximado da passagem de Le cru et le cuit supracitada (ver nota 2), onde Lévi-Strauss
fala da relação de determinação recíproca entre o pensamento do nativo e o pensamento
do antropólogo (1964: 21).
37
Ver, sobre isso, Jullien 1989: 312. Os problemas reais de outras culturas são problemas
apenas possíveis da nossa; o papel da antropologia é o de dar a essa possibilidade (lógica)
o estatuto de virtualidade (ontológica), determinando — isto é, construindo — sua operação
latente em nossa própria cultura.
27
outro, como uma figura de Outrem que, antes de ser sujeito ou objeto, é a
expressão de um mundo possível. É por não aceitar a condição de não-sujeito (no
sentido de outro que o sujeito) do nativo que o antropólogo introduz, sob a capa
de uma proclamada igualdade de fato com este, sua sorrateira vantagem de
direito. Ele sabe demais sobre o nativo desde antes do início da partida; ele pré-
define e circunscreve os mundos possíveis expressos por esse outrem; a
alteridade desse outrem foi radicalmente separada de sua capacidade de
alteração. O autêntico animista é o antropólogo, e a observação participante é a
verdadeira (ou seja, falsa) participação primitiva.38
O problema não está, portanto, em ver o nativo como objeto, e a solução
não reside em pô-lo como sujeito. Que o nativo seja um sujeito, não há a menor
dúvida; mas o que pode ser um sujeito, eis precisamente o que o nativo obriga o
antropólogo a pôr em dúvida. Tal é a ‘cogitação’ especificamente antropológica; só
ela permite à antropologia assumir completamente a presença virtual de Outrem
que é sua condição — a condição de passagem de um mundo possível a outro —, e
que determina as posições derivadas e permutáveis de sujeito e de objeto.39
O físico interroga o neutrino, e não pode discordar dele; o antropólogo
responde pelo nativo, que então só pode (de direito e, frequentemente, de fato)
concordar com ele. O físico precisa se associar ao neutrino, pensar com seu
recalcitrante objeto; o antropólogo associa o nativo a si mesmo, pensando que seu
objeto faz as mesmas associações que ele — isto é, que o nativo pensa como ele.40
O problema é que o nativo certamente pensa, como o antropólogo; mas, muito
provavelmente, ele não pensa como o antropólogo.41 O nativo é, sem dúvida, um
objeto especial, um objeto pensante ou um sujeito. Mas se ele é objetivamente um
sujeito, então o que ele pensa é um pensamento objetivo, a expressão de um
38
Os nativos — aqueles que são o objeto deste livro — também são ‘animistas’, atribuindo
aos objetos sobre que pensam uma certa condição de sujeito. Mas, como veremos, seu
animismo vai na direção oposta à do animismo do antropólogo, pois distribui a identidade e
a alteridade, de um lado, e o fato e o direito, de outro, de um modo radicalmente diferente.
39
Um exemplo dessa problematização é o capítulo 6 de The gender of the gift (Strathern
1988), onde se desmonta o argumento sobre a exploração do trabalho feminino nas
sociedades melanésias. A autora mostra como tal argumento implica um sujeito
completamente ausente das premissas nativas — premissas do ‘trabalho’ nativo inclusive —
, ao assumir como naturais as idéias européias de que o trabalho produtivo seria o foco da
conversão do valor social, podendo ser assim apropriado por outrem, e de que as pessoas
teriam um direito natural à propriedade de seu trabalho (isto é, de que elas ‘devem’ possuir
e controlar o fruto de sua atividade). Esse livro de M. Strathern é, em seu todo, um
prodigioso esforço de conceitualização do que pode ser um sujeito outro, enquanto efeito
de um outro regime de funcionamento da estrutura de Outrem.
40
A noção de ‘recalcitrância’ é de Isabelle Stengers, mas a tomo via Latour.
41
Ou como registrou memoravelmente Dorsey sobre Duas-Gralhas, seu interlocutor
omaha: “Two Crows denies it” (Barnes 1984).
28
mundo possível, ao mesmo título que o que pensa o antropólogo. Por isso, a
diferença malinowskiana entre o que o nativo pensa (ou faz) e o que ele pensa
que pensa (ou que faz) é uma diferença pouco interessante. É justamente por ali,
por essa bifurcação da natureza do outro, que pretende entrar o antropólogo (que
faria o que pensa).42 A boa diferença, ou diferença real, é entre o que pensa (ou
faz) o nativo e o que o antropólogo pensa que (e faz com o que) o nativo pensa, e
são esses dois pensamentos (ou fazeres) que se confrontam. Tal confronto não
precisa se resumir a uma mesma equivocidade de parte a parte — o equívoco
nunca é o mesmo, as partes não o sendo; e de resto, quem definiria a adequada
univocidade? —, mas tampouco precisa se contentar em ser um diálogo edificante.
O confronto deve poder produzir a mútua implicação, a comum alteração dos
discursos em jogo, pois não se trata de chegar ao consenso, mas ao conceito.
Evoquei a distinção criticista entre o quid facti e o quid juris. Ela pareceu-
me útil porque o primeiro problema a resolver consistia nessa avaliação da
pretensão ao conhecimento implícita no discurso do antropólogo. Tal problema não
é cognitivo, ou seja, psicológico; não concerne à possibilidade empírica do
conhecimento de uma outra cultura.43 Ele é epistemológico, isto é, político. Ele diz
respeito à questão propriamente transcendental da legitimidade atribuída aos
discursos que entram em relação de conhecimento, e, em particular, às relações
de ordem que se decide estatuir entre estes discursos, e que certamente não são
42
Que faria o que pensa porque a bifurcação de sua natureza, ainda que admitida por uma
questão de princípio, distingue, na pessoa do antropólogo, o ‘antropólogo’ do ‘nativo’, e
portanto vê-se expulsa de campo antes do início do jogo. A expressão ‘bifurcação da
natureza’ é de Whitehead ([1920] 1964: cap. II); ela protesta contra a divisão do real em
qualidades primárias, inerentes ao objeto, e qualidades secundárias, atribuídas ao objeto
pelo sujeito. As primeiras são a meta própria da ciência, mas ao mesmo tempo seriam, em
última instância, inacessíveis; as segundas são subjetivas e, em última instância, ilusórias.
Isto produz duas naturezas, “das quais uma seria conjetura e a outra, sonho” (ver a citação
em Latour 1999: 62–76, 315 n. 49 e n. 58). Tal bifurcação, obviamente, repete-se na
oposição antropológica entre natureza e cultura. E quando o objeto é ao mesmo tempo um
sujeito, como no caso do nativo, a bifurcação de sua natureza se transforma na distinção
entre a conjetura do antropólogo e o sonho do nativo: cognição vs. ideologia (Bloch 1985),
teoria primária vs. secundária (Horton [1993]), modelo inconsciente vs. consciente (Lévi-
Strauss 1958a), representações proposicionais vs. semi-proposicionais (Sperber 1982) e
assim por diante.
43
Ver M. Strathern (1999b: 172), sobre os termos da relação possível de conhecimento
entre, por exemplo, os antropólogos ocidentais e os melanésios: “Isto nada tem a ver com
compreensão, ou com estruturas cognitivas; não se trata de saber se eu posso entender
um melanésio, se posso interagir com ele, comportar-me adequadamente etc. Estas coisas
não são problemáticas. O problema começa quando começamos a produzir descrições do
mundo”.
29
(…)
44
A distinção quid facti/quid juris é, disse eu, política; mas ela pouco tem a ver com o tipo
de autodesconstrução que a antropologia recente vem se comprazendo em empreeender. O
contraste entre o direito e o fato a que me refiro não coincide com aquele entre o ideal e a
realidade, o dito e o feito — ele, na verdade, o inverte. Recuso, em outras palavras, a
hipótese de que a desigualdade histórica entre a sociedade do antropólogo e a do nativo
tenha jamais sido uma condição de possibilidade da antropologia como disciplina; vejo tal
desigualdade, ao contrário, como um obstáculo intelectual maior. Mas afirmar uma
igualdade de facto, isto é, empírica, entre os dois pólos em nome de uma condição genérica
comum não resolve o problema, enquanto não se tiram as consequências de direito, no
plano do conhecimento. Em suma: não adianta criticar o colonialismo antropológico, a
essencialização dos ‘outros’, a naturalização do primitivo etc., se continuamos a operar
teoricamente com noções como illusio, ideologia, méconnaissance, fetichismo, e outras
tantas sobrevivências (no sentido tyloreano) da noção iluminista de superstição.
45
A ponderação é de Alfred Gell (1998: 4); ela poderia, é claro, aplicar-se igualmente à
‘natureza humana’.
30
46
O que parafraseia a fórmula do Totemismo hoje (Lévi-Strauss 1962a): não são as
semelhanças que diferem, são as diferenças que se assemelham.
47
Esse argumento é apenas aparentemente semelhante ao que Sperber (1982: cap. 2)
avança contra o relativismo. Pois esse autor não crê que as culturas sejam essencialmente
diversas: para ele, elas são exemplares contingentes de uma mesma natureza humana
substantiva. (Ver a crítica de Ingold [2000: 164] a Sperber, feita de outro ponto de vista,
mas compatível com o aqui adotado).
48
Sobre essas duas idéias de limite, uma de origem platônica e euclidiana, a outra de
origem arquimediana e estóica (que reaparece no cálculo infinitesimal do século XVII), ver
Deleuze 1981.
31
Da concepção ao conceito
Isso tudo não quereria apenas dizer que o ponto de vista perseguido no livro é ‘o
ponto de vista do nativo’, como os antropólogos professam de longa data? De fato,
não há nada de particularmente original no ponto de vista aqui adotado; a
originalidade que conta é a do ponto de vista indígena, não a de meu comentário.
Mas, sobre a questão do objetivo ser o ponto de vista do nativo — a resposta é
sim, e não. Sim, e mesmo mais, porque o problema é o de saber o que é um
‘ponto de vista’ para o nativo, entenda-se, qual é o conceito de ponto de vista
presente nas culturas amazônicas: qual o ponto de vista nativo sobre o ponto de
vista. Não, por outro lado, porque o conceito nativo de ponto de vista não coincide
com o conceito de ponto de vista do nativo; e porque meu ponto de vista não pode
ser o do nativo, mas o de minha relação com o ponto de vista nativo. O que
envolve uma dimensão essencial de ficção, pois trata-se de pôr em ressonância
49
Ver, nessa direção, a argumentação fenomenológica de Mimica 1991: 34-38.
32
50
Essa leitura da noção de Gedankenexperiment é aplicada por T. Marchaisse à obra de F.
Jullien sobre o pensamento chinês (Jullien & Marchaisse 2000: 71), a qual foi outra
influência importante sobre o presente livro. Ver também Jullien 1989: 311-12, sobre as
‘ficções’ comparativas.
33
51
Respondendo aos críticos de sua análise da socialidade melanésia, que a acusam de
negar a existência de uma ‘natureza humana’ inclusiva dos povos daquela região, Marilyn
Strathern (1999b: 172) esclareceu: “[A] diferença que existe está no fato de que os modos
pelos quais os melanésios descrevem, dão conta da natureza humana, são radicalmente
diferentes dos nossos — e o ponto é que só temos acesso a descrições e explicações, só
podemos trabalhar com isso. Não há meio de eludir essa diferença. Então, não se pode
dizer: muito bem, agora entendi, é só uma questão de descrições diferentes, então
passemos aos pontos em comum entre nós e eles… pois a partir do momento em que
entramos em comunicação, nós os fazemos através dessas autodescrições. É essencial dar-
se conta disso”. O ponto, com efeito, é essencial. Ver também o que diz F. Jullien, sobre a
diferença entre se afirmar a existência de diferentes “modos de orientação no pensamento”
e se afirmar a operação de “outras lógicas” (in Jullien & Marchaisse 2000: 205–07).
34
expressão como em seu conteúdo. Eles não são, nem reflexos verídicos da cultura
do nativo (o sonho positivista), nem projeções ilusórias da cultura do antropólogo
(o pesadelo construcionista). O que eles refletem é uma certa relação de
inteligibilidade entre as duas culturas, e o que eles projetam são as duas culturas
como seus pressupostos imaginados. Eles operam, assim, um duplo
desenraizamento: são como vetores sempre a apontar para o outro lado,
interfaces transcontextuais cuja função é representar, no sentido diplomático do
termo, o outro no seio do mesmo, lá como cá.
Os conceitos antropológicos, em suma, são relativos porque são relacionais
— e eles são relacionais porque são relatores. Tal origem e função relacional
costuma vir marcada na ‘assinatura’ característica desses conceitos por uma
palavra estranha: mana, totem, kula, potlatch, tabu, gumsa/gumlao… Outros
conceitos, não menos autênticos, portam uma assinatura etimológica que evoca
antes as analogias entre a tradição cultural de onde emergiu a disciplina e as
tradições que são seu objeto: dom, sacrifício, parentesco, pessoa… Outros, enfim,
são invenções vocabulares que procuram generalizar dispositivos conceituais dos
povos estudados — animismo, oposição segmentar, troca restrita, cismogênese…
—, ou, inversamente, desviam para o interior de uma economia teórica específica
certas noções difusas de nossa tradição — proibição do incesto, gênero, símbolo,
cultura… —, buscando universalizá-las.53
Vemos então que numerosos conceitos, problemas, entidades e agentes
propostos pelas teorias antropológicas se originam no esforço imaginativo das
sociedades mesmas que elas pretendem explicar. Não estaria aí a originalidade da
antropologia, nesta sinergia relacional entre as concepções e práticas provenientes
dos mundos do ‘sujeito’ e do ‘objeto’? Reconhecer isso ajudaria, entre outras
coisas, a mitigar nosso complexo de inferioridade frente às ‘ciências naturais’.
Como observa Latour:
52
Dúvidas que se estendem ao tratamento da “geofilosofia” em Deleuze & Guattari (1991:
cap. IV), que coincidem parcialmente com as expressas por Jullien 1998, e que serão
desenvolvidas oportunamente.
53
Sobre a ‘assinatura’ das idéias filosóficas e científicas e o ‘batismo’ dos conceitos, ver
Deleuze & Guattari 1991: 13, 28–29.
36
Talvez em Lima…
Roy Wagner, desde seu The Invention of Culture, foi um dos primeiros
antropólogos que soube radicalizar a constatação de uma equivalência entre o
54
Sobre a ‘não-filosofia’ — o plano de imanência ou a vida —, ver Deleuze & Guattari 1991:
43–44, 89, 105, 205–06, bem como todo o comentário de Prado Jr 1998.
38
Ou, como diria Deleuze: não se trata de afirmar a relatividade do verdadeiro, mas
sim a verdade do relativo. É digno de nota que Wagner associe a noção de relação
à de ponto de vista (os termos relacionados são pontos de vista), e que essa idéia
de uma verdade do relativo defina justamente o que Deleuze chama de
‘perspectivismo’. Veja-se assim, desde já, como o perspectivismo não é um
relativismo — afirmação de uma relatividade do verdadeiro —, mas um
relacionalismo — a verdade do relativo é a relação.55
Indaguei o que aconteceria se recusássemos a vantagem epistemológica do
discurso do antropólogo sobre o do nativo; se entendêssemos a relação de
conhecimento como suscitando uma modificação, necessariamente recíproca, nos
termos por ela relacionados, isto é, atualizados. Isso é o mesmo que perguntar: o
que acontece quando se leva o pensamento nativo a sério? Quando o propósito do
antropólogo deixa de ser o de explicar, interpretar, contextualizar, racionalizar
esse pensamento, e passa a ser o de o utilizar, tirar suas consequências, verificar
os efeitos que ele pode produzir no nosso? O que é pensar o pensamento nativo?
55
Sobre o contraste entre “relatividade do verdadeiro” e “verdade do relativo”, ver Deleuze
1988: 30, Deleuze & Guattari 1991: 123. Zourabichvili (1994: 55), comentando essas
passagens, fala em “perspectivismo não-relativista”, fórmula que, por coincidência, é a
39
mesma empregada por L.H. Lopes dos Santos a propósito de Wittgenstein — “um
perspectivismo sem relativismo” —, e referida por Prado Jr. (1998:320).
56
A expressão “aparentemente irracional” é uma fórmula secular da antropologia, de
Andrew Lang ([1883], in Detienne 1981: 28) a Dan Sperber (1982).
57
Como professam as que poderíamos chamar de ‘antropologias do senso comum’, tais a
de Obeyesekere (1992) contra Sahlins (ver Sahlins 1995) e, mais recentemente, LiPuma
(1998), que aspira a ser o Obeyesekere de Marilyn Strathern.
58
As observações de Wittgenstein sobre o Golden Bough permanecem, a esse título,
completamente pertinentes. Entre outras: “Um símbolo religioso não se funda sobre
nenhuma opinião. E é somente em relação à opinião que se pode falar em erro”; “Creio que
o que caracteriza o homem primitivo é que ele não age a partir de opiniões (ao contrário,
Frazer)”; “O absurdo consiste aqui no fato de que Frazer apresenta tais idéias [sobre os
ritos da chuva etc.] como se esses povos tivessem uma representação completamente falsa
(e mesmo insensata) do curso da natureza, quando eles possuem apenas uma
interpretação estranha dos fenômenos. Isto é, se eles pusessem por escrito seu
conhecimento da natureza, ele não se distinguiria fundamentalmente do nosso. Apenas sua
40
magia é outra” (Wittgenstein [1930–48]: 15, 24, 27). Sua magia, ou, poderíamos dizer,
seus conceitos.
59
Nota a desenvolver: distinguir entre uma concepção ‘ontológica’ de crença, como a de
Tarde (a crença como preensão), de uma concepção epistemológica, a crença como
representação falsa ou inverificável. O problema com teorias como a de Sperber é que
esses dois sentidos de ‘crença’ são confundidos, ou melhor, o segundo é contrabandeado
41
(…)
Suponhamos então que o primeiro enunciado faça sentido para, por exemplo, os
Ese Eja da Amazônia boliviana: “A afirmação, que eu frequentemente ouvi, de que
‘todos os animais são Ese Eja’ …” (Alexiades 1998: 179).61 Pois bem. Isabella
Lepri, estudante de antropologia que hoje trabalha, por coincidência, junto a esses
mesmos Ese Eja, perguntou-me, penso que em maio de 1998, se eu acreditava
que os pecaris são humanos, como dizem os índios. Respondi que não — e o fiz
porque suspeitei (sem razão) que ela acreditava que, se os índios diziam tal coisa,
então devia ser verdade. Acrescentei, algo mentirosamente, que só ‘acreditava’
em átomos e genes, na teoria da relatividade e na evolução das espécies, na luta
de classes e na lógica do capital, enfim, nesse tipo de coisa; mas que, como
antropólogo, tomava perfeitamente a sério a idéia de que os pecaris são humanos.
Ela me contestou: “Como você pode sustentar que leva o que os índios dizem a
sério? Isso não é só um modo de ser polido com seus informantes? Como você
pode levá-los a sério se só finge acreditar no que eles dizem?”
Essa intimação de hipocrisia obrigou-me, é claro, a refletir, e a dar uma
resposta bem mais longa. Tão longa, de fato, que boa parte deste livro consiste
nela. Estou convencido de que a questão de Isabella é absolutamente crucial, de
que toda antropologia digna desse nome precisa respondê-la, e de que não é nada
fácil respondê-la bem.
Uma resposta possível, naturalmente, é aquela implícita na declaração de
Lévi-Strauss citada mais atrás, onde ele opunha, à vacuidade referencial do mito,
sua plenitude diagnóstica: dizer que os pecaris são humanos não nos ‘diz’ nada
sobre os pecaris, mas muito sobre os humanos que o dizem. Essa é a solução
clássica da antropologia, de Durkheim aos dias de hoje. Muita da antropologia
chamada cognitiva, por exemplo, pode ser vista como uma elaboração exaustiva
de tal atitude, que consiste em reduzir o discurso indígena a um conjunto de
proposições, selecionar aquelas que são falsas (alternativamente, ‘vazias’) e
produzir uma explicação de por que os humanos acreditam nelas, visto que são
falsas ou vazias. Uma explicação, também por exemplo, pode ser aquela que
conclui que tais proposições são objeto de um embutimento ou aspeamento por
parte de seus enunciadores (Sperber 1974, 1982); elas remetem, portanto, não
ao mundo, mas à relação dos enunciadores com seu próprio discurso. Tal relação é
mais diretamente explicitada nas antropologias ditas ‘simbolistas’, de tipo
61
Alexiades cita seu interlocutor em espanhol — ‘Todos los animales son Ese Eja’. Note-se
já aqui uma primeira torção: ‘todos’ os animais (o etnógrafo mostra que há numerosas
exceções) não são ‘humanos’, e sim ‘Ese Eja’, etnônimo que pode ser traduzido como
‘pessoas humanas’, em oposição a ‘espíritos’ e a ‘estrangeiros’.
44
não são humanos. Mas esse saber — um saber essencialmente arbitrário, para não
dizer burro — deve parar aí: seu único interesse consiste em ter despertado o
interesse do antropólogo. Não se pode pedir mais a ele. Não se pode, acima de
tudo, incorporá-lo implicitamente na economia do comentário antropológico, como
se fosse necessário explicar (como se o essencial fosse explicar) por que os índios
crêem que os pecaris são humanos quando de fato eles não o são. É inútil
perguntar-se se os índios têm ou não razão a esse respeito: pois já não o
‘sabemos’? Mas o que é preciso saber é justamente o que não se sabe — a saber,
o que os índios estão dizendo, quando dizem que os pecaris são humanos.
Uma idéia como essa está longe de ser evidente. O problema que ela coloca
não reside na cópula, como se ‘pecari’ e ‘humano’ fossem noções comuns
partilhadas pelo antropólogo e pelo nativo, e a única diferença residisse na
equação bizarra entre os dois termos. É perfeitamente possível, diga-se de
passagem, que o significado lexical ou a interpretação semântica de ‘pecari’ e
‘humano’ sejam mais ou menos os mesmos para os dois interlocutores; não se
trata de um problema de tradução, ou de decidir se os índios e nós temos os
mesmos natural kinds (provavelmente, provavelmente). O problema é que a idéia
de que os pecaris são humanos é parte do sentido dos ‘conceitos’ de pecari e de
humano naquela cultura, ou melhor, é essa idéia que é o verdadeiro conceito em
potência — o conceito que determina o modo como as idéias de pecari e de
humano se relacionam. Pois não há ‘primeiro’ os pecaris e os humanos, cada qual
de seu lado, e ‘depois’ sobrevém a idéia de que os pecaris são humanos: ao
contrário, os pecaris, os humanos e sua relação são dados simultaneamente.62
A estreiteza intelectual que ronda a antropologia, em casos como esse,
consiste na redução das noções de pecari e de humano exclusivamente a variáveis
independentes de uma proposição, quando elas também podem ser vistas — se
queremos levar os índios a sério — como variações inseparáveis de um conceito.
Dizer que os pecaris são humanos, como já observei, não é dizer algo apenas
sobre os pecaris, como se ‘humano’ fosse um predicado passivo e pacífico (por
62
Não estou aqui me referindo ao problema da aquisição ontogenética de ‘conceitos’ ou
‘categorias’, no sentido que a psicologia cognitiva dá a estas palavras. A simultaneidade das
idéias de pecari, humano e de sua identidade (condicional e contextual) é, do ponto de
vista empírico, uma característica do pensamento dos adultos dessa cultura. Ainda que se
admitisse que as crianças começam por adquirir ou manifestar os ‘conceitos’ de pecari e de
humano antes de serem ensinadas que “os pecaris são humanos”, resta que os adultos,
quando agem ou argumentam com base nesta idéia, não reencenam em suas cabeças tal
suposta sequência cronológica, primeiro pensando nos humanos e nos pecaris, depois em
sua associação. Além disso e sobretudo, tal simultaneidade não é empírica, mas
transcendental: ela significa que a humanidade dos pecaris é um componente a priori da
idéia de pecari (e da idéia de humano).
46
se trata com isso de identificar os atributos dos pecaris a atributos dos humanos,
mas de algo muito diferente. Os pecaris são pecaris e humanos, são humanos
naquilo que os humanos não são pecaris; os pecaris implicam os humanos, como
idéia, em sua distância face aos humanos. Assim, quando se diz que os pecaris
são humanos, não é para identificá-los aos humanos, mas para diferenciá-los de si
mesmos.
Disse acima que a idéia de que os pecaris são humanos está longe de ser
evidente. Por suposto: nenhuma idéia interessante é evidente. Esta, em particular,
não é não-evidente porque seja falsa ou inverificável (os índios dispõem de vários
modos de verificá-la), mas porque diz algo não-evidente sobre o mundo. Os
pecaris não são evidentemente humanos, eles o são não-evidentemente. Isso
quereria dizer que tal idéia é ‘simbólica’, no sentido que Sperber deu a este
adjetivo? Entendo que não. Sperber concebe os conceitos indígenas como
proposições, e pior, como proposições de segunda classe, ‘representações
semiproposicionais’ que prolongam o ‘saber enciclopédico’ sob um modo não-
referencializável: confusão do autopositivo com o referencialmente vazio, do
virtual com o fictício, da imanência com a clausura…63 Mas é possível ver o
‘simbolismo’ de outro modo que esse de Sperber, que o toma como algo lógica e
cronologicamente posterior à enciclopédia ou à semântica, algo que marca os
limites do conhecimento verdadeiro ou verificável, o ponto onde ele se transforma
em ilusão.64 Os conceitos indígenas podem ser ditos simbólicos, mas em sentido
muito diferente; não são subproposicionais, são superproposicionais, pois supõem
as proposições enciclopédicas mas definem sua significação vital, seu sentido ou
valor. As proposições enciclopédicas é que são semiconceituais ou subsimbólicas,
não o contrário. O simbólico não é o semiverdadeiro, mas o pré-verdadeiro, isto é,
o importante ou relevante: ele diz respeito, não ao que ‘é o caso’, mas ao que
importa no que é o caso, ao que interessa para a vida no que é o caso. O que vale
um pecari?
63
O simbolismo de Sperber funciona um pouco como a razão kantiana, essa faculdade que
não pode deixar de pôr os problemas mesmos que ela não pode resolver. Semelhante
inspiração faz a teoria sperberiana muito mais devedora de Lévi-Strauss do que seu autor
estaria disposto a admitir: a semelhança, por exemplo, da ‘representação
semiproposicional’ de Sperber com a noção lévi-straussiana do mana como ‘significante
flutuante’ (ou: lá onde estavam o cérebro e o discurso, o mundo e o real devem advir) é
profunda, e ao mesmo tempo profundamente recalcada.
64
Ilusão ‘necessária’, mas temporária. Como Lévi-Strauss, Sperber parece crer que a ‘cota’
de simbolismo ou de vacuidade referencial do pensamento humano diminui
assintoticamente com o progresso histórico da ciência. Curiosa crença milenarista no
advento de uma factualização absoluta das ‘crenças’… Esta sim é uma autêntica idéia
reguladora da Razão.
48
2. Os corpos indígenas. Meu colega Peter Gow narrou-me, cerca de um ano atrás,
a seguinte cena, presenciada em uma de suas estadas entre os Piro da Amazônia
peruana:
Uma professora da missão [na aldeia de] Santa Clara estava tentando convencer
uma mulher piro a preparar a comida de seu filho pequeno com água fervida. A
mulher replicou: “Se bebemos água fervida, contraímos diarréia”. A professora,
rindo com zombaria da resposta, explicou que a diarréia infantil comum é causada
justamente pela ingestão de água não-fervida. Sem se abalar, a mulher piro
respondeu: “Talvez para o povo de Lima isso seja verdade. Mas para nós, gente
nativa daqui, a água fervida dá diarréia. Nossos corpos são diferentes dos corpos
de vocês” (Gow, com.pess. 12/10/00).
O que pode o antropólogo fazer com essa resposta da mulher índia? Várias coisas.
Gow, por exemplo, teceu comentários argutos sobre a anedota, em um artigo em
preparação:
Este enunciado simples [“nossos corpos são diferentes”] captura com elegância o
que Viveiros de Castro [1996] chamou de perspectivismo cosmológico, ou
multinaturalismo: o que distingue os diferentes tipos de gente são seus corpos,
não suas culturas. Deve-se notar, entretanto, que esse exemplo de cosmologia
perspectiva não foi obtido no curso de uma discussão esotérica sobre o mundo
oculto dos espíritos, mas em uma conversação em torno de preocupações
eminentemente práticas: o que causa a diarréia infantil? Seria tentador ver as
posições da professora e da mulher piro como representando duas cosmologias
distintas, o multiculturalismo e o multinaturalismo, e imaginar a conversa como
um choque de cosmologias ou culturas. Isto seria, penso, um engano. As duas
cosmologias/culturas, no caso, estão em contato já há muito tempo, sua
imbricação precede de muito os processos ontogenéticos através dos quais a
professora e essa mulher piro vieram a formulá-las como auto-evidentes. Mas
sobretudo, tal interpretação estaria traduzindo a conversa nos termos gerais de
uma de suas partes, a saber, o multiculturalismo. As coordenadas da posição da
mulher piro estariam sendo sistematicamente violadas pela análise. Isso não quer
dizer, é claro, que eu creia que as crianças devem beber água não-fervida. Mas
isso quer dizer que a análise etnográfica não pode ir adiante se já se decidiu de
antemão o sentido geral de um encontro como esse. Sugiro que estamos, aqui,
diante de uma cosmologia única e coordenada, e que se manifesta na maneira
49
65
Ela reproduz, a quatro séculos de distância, o mesmo equívoco evocado por Lévi-Strauss
(1952, 1955) a propósito dos espanhóis e dos nativos das Antilhas, e que lhe serviu para
tirar a célebre conclusão: “O bárbaro é, antes de mais nada, aquele que crê na barbárie”.
50
piro exprime, nesse caso, não seria assim uma outra visão de um mesmo corpo,
mas um outro conceito de ‘corpo’, cuja relação com o nosso é, justamente, o
problema. O conceito piro de corpo, por exemplo, pode não estar na alma, isto é,
na ‘mente’, como imagem de um corpo fora dela; ele pode estar, ao contrário,
inscrito no corpo (Viveiros de Castro 1996). Não o conceito como ‘perspectiva’
(visão) sobre um corpo extra-conceitual, mas o corpo como perspectiva interna do
conceito — o corpo como implicado no conceito de perspectiva. E se, como diria
Spinoza, não sabemos o que pode um corpo, quanto menos saberíamos o que
pode esse corpo. Para não falar de sua alma.
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