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O estudo dos fenômenos sociais e de suas distribuições espaciais não é algo novo nas

sociedades humanas. Pelo contrário, a produção de mapas trata-se de um dos recursos mais
antigos para subsidiar as investigações, análises e produção de conhecimentos acerca de uma
realidade delimitada espacial e temporalmente. É neste sentido que a construção de um olhar
espacializado

impõe a necessidade de se pensar como interpretar a relação entre a


distribuição da ocorrência de um determinado fenômeno,
representado em uma determinada área (óbitos por homicídios em
distritos da capital), com as várias dimensões da realidade naquele
espaço (como a condição de instrução e renda dos chefes das
famílias, e de qualidade dos domicílios). (SOUZA; TORRES, 2003, p.
37)

Com o desenvolvimento, a partir da segunda metade do século XX, da Tecnologia da


Informação e da Engenharia Cartográfica gradualmente foi possível armazenar, integrar,
produzir análises complexas e representar informações e dados espacializados em
computadores, superando a dificuldade que envolvia a capacidade de análises múltiplas com
mapas em papel.

Surge assim o Geoprocessamento, termo que

denota a disciplina do conhecimento que utiliza técnicas


matemáticas e computacionais para o tratamento da informação
geográfica. (...) Pode-se dizer, de forma genérica, “Se onde é
importante para seu negócio, então Geoprocessamento é sua
ferramenta de trabalho”. Sempre que o onde aparece, dentre as
questões e problemas que precisam ser resolvidos por um sistema
informatizado, haverá uma oportunidade para considerar a adoção
de um SIG. (CÂMARA et Alli, 2003, p. 1)

Os SIG’s, Sistemas de Informações Geográficas, consistem nas ferramentas para


geoprocessamento das informações geográficas que

possibilitam o cruzamento de informações que se encontram em


bases de dados distintas e que possuem unidades espaciais
diferentes. Isso possibilita o estabelecimento de correlações espaciais
entre esses eventos expressos nos mapas e, do ponto de vista
espacial, indicar com mais critério as áreas de intervenção. O grande
salto qualitativo no uso da sobreposição de cartografias digitais é a
possibilidade de criação de um novo dado, que seria impossível de
ser elaborado por simples cruzamento de tabelas, porque as
unidades espaciais de agregação das informações são diferentes.
(SOUZA; TORRES, 2003, 39)

Como abordado em aulas anteriores o Diagnóstico Socioespacial é um processo que se


vale de técnicas e tecnologias para planejamento e execução de políticas sociais, e que, para
tal, trata de questões de ordem operacional que demandam a produção e análise de dados,
indicadores e variáveis. Por isso, a construção deste instrumento para a formulação e
execução de políticas sociais busca responder ao problema básico de “onde agir”, no sentido
da proteção social para todos e da garantia de direito. Neste contexto, a utilização de Sistemas
de Informações Geográficas e de dados georreferenciados se alia, dado que permite análises
que levem em conta dados geolocalizados, permitindo a identificação das principais manchas
de ocorrência do problema que deve ser enfrentado.

A relevância dos estudos utilizando dados geolocalizados consiste no fato de que os


fenômenos sociais que se desenrolam nos territórios, lócus da proteção social e realização da
cidadania, envolvem escalas espaciais menores que os tradicionais de municípios e distritos,
por exemplo. Acerca desta problemática, SOUZA e TORRES (2003, p. 36) argumentam que se
remete a três aspectos principais:

- a distribuição dos equipamentos públicos não é consistente com a


distribuição da população demandante. Equipamentos podem estar
localizados no centro da cidade, distantes dos locais de moradia da
população mais pobre (...).

- o perfil da população varia ao longo da dimensão espacial, seja em


estrutura etária e taxa de crescimento, seja em termos
socioeconômicos. Em outras palavras, em função da grande dinâmica
demográfica intra-urbana podem existir escolas em locais sem
crianças e crianças em locais sem escolas, mesmo se a taxa de
cobertura para todo o município se aproxima de 100%. Isso indica
que, até quando existentes, equipamentos sociais têm de ser
adaptados ao perfil da população local, suas características
sociodemográficas.

- riscos sociais são cumulativos. Certas regiões agregam um conjunto


significativo de problemas sociais, tais como baixos níveis de
escolaridade, domicílios precários, baixa renda, exposição a riscos
ambientais, etc. A identificação desses locais é crucial para as
políticas sociais voltadas para os grupos sociais mais vulneráveis, tais
como as políticas de transferência de renda. Isso indica também que
o enfrentamento desse tipo de fenômeno requer políticas que
ultrapassem o recorte setorial.

Analisemos os mapas produzidos pelo Dossiê criança e adolescente: 2018, organizado


por MANSO e GONÇALVES (2018), pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de
Janeiro.

O relatório apresenta uma série de mapas que busca analisar a distribuição dos óbitos
de crianças e adolescentes no Estado do Rio de janeiro. Nota-se de antemão a concentração da
densidade de óbitos violentos de crianças e adolescente na área da Região Metropolitana
(Mapa 1 e 2), principalmente nas principais comunidades marcadas pela marginalização e
atuação profunda de conflitos com o poder do narcotráfico.
São justamente tais “regiões” aquelas que também apresentam os piores indicadores
sociais, o que induziria à conclusão de que os homicídios estariam diretamente ligados a essas
condições socioeconômicas e a condição de exclusão socioespacial.

Outro dado relevante consiste no entrecruzamento dos locais de registro do óbito


violento e os locais de moradia das crianças e adolescentes. Segundo os dados apresentados,
observa-se a prevalência de 80% dos casos com proximidade do local de moradia de até 10km,
sendo a distância considerada próxima.
Este dado coloca em evidência a relevância das relações de poder e dominação sobre o
espaço, sobretudo nas áreas sujeitas ao controle ilegal do território, na prevalência da
vitimização letal de menores de idade, sendo um efeito nocivo profundamente nocivo a esta
parcela da população e um grande desafio à proteção social.

Bibliografia

CÂMARA, Gilberto et. Ali. Introdução à Geoinformática. DPI/INPE, 2003. Disponível em:
http://www.dpi.inpe.br/gilberto/livro/introd/cap1-introducao.pdf. Ultimo acesso em 28 de
Janeiro de 2018.

MANSO, Flávia Vastano; GONÇALVES, Luciano de Lima. Dossiê criança e adolescente: 2018. Rio
de Janeiro: RioSegurança, 2018.

SOUZA, Gustavo de Oliveira Coelho de; TORRES, Haroldo da Gama. O estudo da metrópole e o uso de
informações georreferenciadas. São Paulo Perspec., São Paulo , v. 17, n. 3-4, p. 35-44, 2003.
Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392003000300005&lng=en&nrm=iso .
Último acesso em 11 Abril de 2019.

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