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Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e

Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

REVISTA QUERUBIM
Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais
Ano 11 Número 25 Volume 2
ISSN – 1809-3264

2015 2015 2015


2015
REVISTA QUERUBIM
NITERÓI – RIO DE JANEIRO
2015

NITERÓI RJ
Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e
Ciências Sociais – Ano 11 Nº25 v.2– 2015 ISSN 1809-3264

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Revista Querubim 2015 – Ano 11 nº 25 – vol .2 – 172 p. (fevereiro – 2015)


Rio de Janeiro: Querubim, 2015 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais
Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital

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OS DISCURSOS ESTIGMATIZADOS NO LIVRO DIDATICO DE LÍNGUA


PORTUGUESA: A QUESTÃO DA DIVERSIDADE LINGUÍSTICA

Ana Paula Domingos Baladeli


Mestre em Educação – Universidade Estadual de Maringá –UEM
Mestre e Doutoranda em Letras (Linguagem e Sociedade)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Professora Assistente – Letras
Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, campus de Realeza, PR.
Clarice Nadir von Borstel
Doutora em Linguística – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Professora Associada do Colegiado de Letras
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE
Campus de Marechal Cândido Rondon, PR

Resumo
A sociolinguística como método de pesquisa considera a diversidade linguística em função da
relação linguagem e sociedade. Diante disso, propomos problematizar a questão da diversidade
linguística a partir da análise de textos e atividades de leitura de livros didáticos de Língua
Portuguesa. Tal análise foi orientada conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais tendo em
vista que se trata de coleções didáticas distribuídas nacionalmente. Os dados indicam que a temática
da diversidade linguística está incluída em alguns textos dos livros didáticos, mas que ainda observa-
se a presença de discursos estigmatizados sobre as variedades linguísticas.
Palavras-chave: livro didático, Língua Portuguesa, diversidade linguística.

Abstract
The sociolinguistics as a research method considers linguistics diversity and in the language and
society relation. Therefore, we propose in this paper to discuss the subject of linguistics diversity
based on texts and reading activities of Portuguese textbooks. Such analyzes was guided by
National Curriculum as it the textbooks are distributed throughout the national territory. The data
indicate that the issue of linguistics diversity is included in the textbook but that is still observed
some stigmatized discourses about linguistics variety.
Keywords: textbook, Portuguese language, linguistics diversity.

Introdução

O livro didático, doravante LD, como material para o ensino de línguas continua sendo
objeto de pesquisa nas diferentes perspectivas teóricas, uma vez que, de modo geral, acaba sendo a
principal fonte disponível para leitura de alunos e professores (FREITAG, MOTTA, COSTA,
1997; BALADELI, 2014). As produções científicas sobre o livro didático revelam que o poder e o
status deste no ambiente escolar tem sido legitimado entre outros fatores pela falta de uma formação
adequada do professor que possibilite problematizar seus conteúdos. Além disso, cumpre
compreendê-lo como um artefato cultural, produzido sob determinadas.

No Brasil, o livro didático é selecionado, comprado e distribuído pelo Programa Nacional


do Livro Didático – PNLD, programa do MEC. Cumpre salientarmos que todo o LD reflete
pretensões editoriais e mercadológicas estas que nem sempre estão alinhadas aos pressupostos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, sobretudo no que se refere à questão do respeito à
diversidade linguística.
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No referido documento entre os objetivos da disciplina na educação básica consta em


destaque a ―[...] valorização das variedades linguísticas que caracterizam a comunidade dos falantes
da Língua Portuguesa nas diferentes regiões do país‖ (BRASIL, 1997, p. 64).

A discriminação de algumas variedades linguísticas, tratadas de modo preconceituoso e


anticientífico, expressa os próprios conflitos existentes no interior da sociedade. [...] é
importante que o aluno, ao aprender novas formas linguísticas, particularmente a escrita
e o padrão de oralidade mais formal orientado pela tradição gramatical, entenda que
todas as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura humana
(BRASIL, 1997, p. 82).

Em se tratando do ensino de línguas, a concepção de língua como produção sociohistórica


influenciada pelas convenções dos usos dos diferentes grupos sociais implica na consideração de
que a fala e na escrita refletem modalidades com especificidades. Conforme von Borstel (2003)
heterogeneidade linguística ou diversidade linguística refere-se às variações que ocorrem no interior
das comunidades de fala, assim, para estudá-la a Sociolinguística analisa quanti e qualitativamente as
ocorrências na fala de determinados grupos considerando fatores como sexo, faixa etária e
escolaridade bem como a relação entre língua e sociedade.

Feita esta breve introdução ao tema, a partir da próxima seção propomo-nos analisar o
tratamento dado à questão da variação linguística em livros didáticos para o ensino de Língua
Portuguesa para o (6º ano). Devido ao fato de as coleções didáticas serem distribuídas em todo o
território nacional, a referida análise partiu dos pressupostos apresentados no documento oficial
para a disciplina no âmbito nacional, ou seja, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais –
PCNs (3º e 4º ciclos).

As contribuições da sociolinguística ao ensino de línguas

Conforme Alkmim (2005); Mollica (2010); Von Borstel (2012) e Tagliamonte (2012), a
sociolinguística valoriza a diversidade da linguagem e os usos diferenciados dos grupos sociais
tendo como objeto de estudo a língua falada e observada in locu.

Sociolinguística tem suas raízes na dialetologia, linguística histórica, linguagem e contato


com considerável influência da sociologia e da psicologia. É por isso que evoluiu para
um campo extremamente amplo. Uma definição abrangente seria a de que o domínio
de investigação da sociolinguística é a interação entre linguagem, cultura e sociedade
(TAGLIAMONTE, 2012, p.01)

O princípio da sociolinguística é a heterogeneidade e, por isso, busca catalogar as


ocorrências das variantes linguísticas considerando o perfil dos sujeitos entrevistados, as
características geográficas e os fatores socioculturais que incidem direta ou indiretamente na
manutenção e/ou extinção de variantes (TARALLO, 2002; MOLLICA, 2010).

Para a sociolinguística, a língua é entendida como real, dinâmica, híbrida, variável e as


escolhas feitas pelos informantes por uma ou outra variante é norteada pelo (re) conhecimento de
questões extralinguísticas como a crença no status de um grupo social sobre o outro. Dessa forma,
adotar a sociolinguística como referencial teórico ou metodológico, também implica na exploração
de outras temáticas além da diversidade, como por exemplo, a questão identitária e/ou
sociocultural.

LD de Português e a questão da diversidade linguística

O ensino de Língua Portuguesa conforme os PCNs (BRASIL, 1997) deve contemplar a


função social da língua, requisito básico para o ingresso do aluno no mundo letrado. Assim, o
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ensino de língua precisar favorecer na aprendizagem do aluno e possibilitar-lhe o domínio de


habilidades linguístico-discursivas que o capacitem a interagir pela língua de maneira adequada nas
diversas situações sociais de interlocução.

Segundo Bortoni-Ricardo (2008) há a necessidade de uma pedagogia sensível às diferenças


socioculturais manifestadas pelos alunos em sala de aula, dado que requer cautelosa intervenção do
professor no sentido de promover uma atitude reflexiva sobre as convenções e usos da língua em
diferentes situações de interlocução.
Diante da complexidade da questão e na tentativa de ilustrar que os livros didáticos podem
ser fontes de discursos estigmatizados, na sequência selecionamos os exemplares de livros didáticos
(manual do professor) para a Língua Portuguesa do 6º ano e, a partir delas focamos nossa análise na
dedicação dada pelas coleções ao tema variação linguística.

Coleção Diálogo: língua portuguesa


Unidade – Histórias do esporte
Texto – Tirinha de Xaxado personagem criado por Cedraz

Coleção Português: ideias e linguagens


Unidade – Uma língua, tantas variedades
Texto – História em Quadrinhos de Chico Bento personagem criado por Maurício de
Souza

Coleção Português: linguagens


Unidade – As variedades linguísticas
Texto - Tirinha de Chico Bento

Coleção Português: para viver


Unidade – Conto popular
Texto Canção folclórica Cuitelinho de autoria anônima

Os critérios adotados para a seleção das coleções e dos textos foram; ser LD para o 6º ano;
conter 1 (uma) unidade dedicada ao tema variação linguística e abordar a temática a partir da leitura
do texto multimodal. Assim, selecionamos 4 (quatro) coleções com 1 (um) texto cada para
refletirmos sua adequação aos princípios constante no documento nacional para o ensino de Língua
Portuguesa – os PCNs (BRASIL, 1997).

O texto faz parte da coleção Diálogo: língua portuguesa de autoria de Beltrão e Gordilho
(2009) desta análise trata-se de uma Tirinha, subgênero das HQ. A coleção didática em que consta
esta Tirinha Figura 01 é Diálogo: língua portuguesa, organizado por Eliana Beltrão e Tereza Gordilho,
livro este destinado ao 6º ano. O autor da Tirinha é Cedraz e apresenta na caracterização da
personagem Xaxado a figura de um nordestino. A Tirinha em 2 quadros ilustra um diálogo entre
uma personagem falante de uma variante linguística do campo e Xaxado, protagonista das tirinhas
de Cedraz. As perguntas que se seguem requerem do aluno a retomada da leitura da Tirinha para
relacionar o tema desta com o módulo 5 do LD destinado ao estudo do tema esporte. A tirinha
apresenta dois personagens conversando, Xaxado, menino com chapéu de cangaceiro e seu colega
Zé pequeno.

Quadro 01 –
Zé pequeno-Eu pidi um poquim de coro de vaca pra fazê uma bola, mas aquele
açoguero casquinha só me deu o coro da cabeça!
Xaxado-E deu pra fazer a bola?
Quadro 02-
Zé pequeno- De dá, deu...Mas tem qui chutá com cuidado!
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Fonte: BELTRÃO, E.S.; GORDILHO, T. (orgs). Diálogo: língua portuguesa. 6ºano.


São Paulo: FTD, 2009, p.216.

Essa Tirinha está presente na seção Trabalhando a gramática em que se propõe o estudo do
artigo definido e indefinido. A única questão de leitura relacionada ao tema variação linguística é a
atividade 1b. A história se passa num ambiente rural, no campo. Que elementos visuais e linguísticas comprovam
isso?

No manual do professor a resposta sugerida é que no manual do professor a resposta


sugerida é que ―o jeito como os personagens estão caracterizados fisicamente, com roupas e
chapéus típicos e descalços. Na fala linguística usada pelos falantes em algumas regiões do país‖
(BELTRÃO e GORDILHO, 2009, p. 216).

Excetuando a questão acima que requer do aluno a leitura inferencial do texto verbal,
explorando as características físicas dos personagens que remetem aos falantes da área rural de oura
variedade que não da norma-padrão. O tema diversidade linguística não é retomado ao longo a
coleção, tal fato parece indicar que as Tirinhas são inseridas em livros didáticos como chamariz para
o trabalho com a norma. Por essa razão, a atividade de leitura proposta para este texto parece
distanciar-se dos pressupostos da Sociolinguística e dos PCNs para o ensino de Língua Portuguesa.

A unidade 2 em que a HQ acima é apresentada é dedicada ao tema variação linguística e é


intitulada Uma língua, tantas variedades... encontra-se na coleção Português: ideias e linguagens de
autoria de Delmanto e Castro (2009). A unidade introduz o tema da diversidade linguística e, para
isso, começa conceituando a variedade padrão e não padrão exemplificando com textos de
diferentes gêneros; fragmento da crônica de Carlos Drummond de Andrade - Antigamente;
fragmento de Contos Gauchescos de Simões Lopes Neto; fragmento de A língua de Eulália de Marcos
Bagno; canção Asa-Branca de Luiza Gonzaga; HQ de Chico Bento de Maurício de Souza e também
anedota de Carlos Brickmann. No manual do professor ao final do livro didático os objetivos
apresentados para a unidade 2 – Uma língua, tantas variedades... são assim apresentados;

Refletir sobre a variação intrínseca ao processo linguístico no que diz respeito.


. fatores geográficos, históricos, sociológicos;
. às diferenças entre padrões da linguagem oral e da linguagem escrita;
. à seleção de registros em função da situação interlocutiva (formal ou informal);
. aos diferentes componentes do sistema linguístico em que a variação se manifesta; na
fonética (diferentes pronúncias), no léxico, na morfologia (DELMANTO e CASTRO,
2009, p. 20).

A HQ de Chico Bento está assim apresentada.

No 1º quadro. Na sala de aula a professora sentada em sua mesa pergunta.


Profa. Joãozinho foi à venda, comprou dois quilos de arroz a seiscentos cruzeiros, um
de feijão a quinhentos e um de toucinho a mil e duzentos! Quanto ele gastou?
Fora de enquadramento
Chico- Fessora! Será qui posso i lá fora um poquinho?
Profa. Claro!
No 2º quadro. Chico sai da escola
No 3º quadro. Chico vai até uma venda/mercado e pergunta ao vendedor.
Chico- Si eu comprá dois quilo di arroiz a seiscentos cruzero, um di fejão a
quinhentos, i um di toicinho a mir i duzentos, im quanto fica?
Fonte: DELMANTO, D.; CASTRO, M. C. Português: ideias e linguagens. 6º ano. 13
ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 47.
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As atividades de leitura seguidas da apresentação da HQ de Chico Bento são assim


apresentadas;

Compare as falas da professora e as de Chico Bento, um garoto que mora na zona


rural.
a) Quem usa a variedade padrão? Por quê?
b) Quem usa uma variedade não padrão?
c) Que marcas dessa variedade você encontra na fala de Chico Bento?
d) Depois do que conversamos nesta Unidade, você diria que a professora ‗fala certo‘
e o garoto ‗fala errado‘? Justifique. (DELMANTO e CASTRO, 2009, p. 47).

Alguns conceitos são apresentados na unidade antes da apresentação desta HQ do Chico


Bento, dado que evidencia uma maior preocupação dos autores em subsidiar a compreensão sobre
a diversidade linguística. Destaca-se ainda o fato de as perguntas serem problematizadoras do
dialeto usado por Chico Bento e a fala da professora, na tentativa de evitar juízos de valor e
situações preconceituosas em sala de aula.

Na unidade 2 da coleção Português: linguagens de autoria de Cereja e Magalhães (2009) há


uma tirinha de Chico Bento na seção variação linguística e novamente, observamos a personagem
de Maurício de Souza como representante do falar da área rural.

A Tirinha é composta de 2 quadros. Rosinha e Chico Bento conversando.


Quadro 01 - Rosinha- Meu sonho é entrá na igreja di branco com um buquê di fror di
laranjera!
Fora de enquadramento
Rosinha – I sabe o qui ocê vai dizê quando mi vê?
Chico-Sei
Quadro 02- Tá vendo aquela minina ali? Já foi minha namorada!
Fonte: CEREJA, W.R.; MAGALHÃES, T.C. Português: linguagens. 6º ano. 5 ed. São
Paulo: Atual, 2009, p. 44.

Na sequência a atividade de leitura requer a identificação de aspectos pontuais da narrativa


a fim de que o aluno seja capaz de responder; o tipo de sonho que Rosinha teve; que pergunta
Rosinha fez no 2º quadrinho, sendo as atividades subsequentes baseadas em perguntas abertas
(respostas pessoais). A partir da 3ª atividade as perguntas relacionam-se ao tema variação linguística
e está assim apresentada no livro didático;

3. A língua portuguesa que falamos no Brasil não é igual em todo lugar. Nessa tira, por
exemplo, Chico Bento e Rosinha, por viverem no campo, falam o ―dialeto caipira‖,
isto é, um português diferente daquele que é usado em outros lugares. Se você fala de
modo diferente do deles, então que palavras utilizariam no lugar de:
a) ‗frô‘
b) ‗laranjera‘
c) ‗ocê‘
4. A língua usada por Chico Bento e Rosinha é diferente daquela utilizada por jornais,
revistas e livros. Apesar disso, é possível compreender o que eles dizem?
5. Se você e sua família vieram de uma região do país diferente daquela em que você
mora atualmente, comente com os colegas: Que diferenças há entre o português
falado naquela região e o falado na cidade em que você vive hoje? Cite alguns casos
(CEREJA e MAGALHÃES, 2009, p. 44).

No manual do professor resposta sugerida para a pergunta 5 é Sim, perfeitamente, sem


qualquer outra informação que subsidie a problematização do porquê ou que contextualize os
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fatores extralinguísticos que podem influenciar a fala de Chico Bento e de Rosinha. Um aspecto a
ser destacado refere-se à assertiva da homogeneização da fala do morador da área rural como se
todos praticassem a variante caipira de Chico Bento. O último texto selecionado trata-se de uma
canção folclórica apresentada na coleção Português: para viver juntos é de autoria de Costa; Marchetti;
Soares (2009).

Cuitelinho
Cheguei na beira do porto
onde as ondas se espaia.
As garça dá meia volta
e senta na beira da praia.
E o cuitelinho não gosta
que o bota de rosa caia, ai, ai.

Ai quando eu vim
da minha terra
despedi da parentaia.
Eu entrei no Mato Grosso
dei em terras paraguaia.
Lá tinha revolução,
enfrentei fortes bataia, ai, ai.

A sua saudade corta,


como aço de navaia.
O coração fica aflito,
bate uma, a outra faia.
E os óio se enche d‘água
Que até a vista se atrapaia, ai.
Fonte: COSTA, L.C.; MARCHETTI, G.; SOARES, J.J.B (orgs). Português: para viver
juntos. 6º ano, São Paulo: Ed. SM, 2009, p. 60.

A unidade 2 intitulada Conto popular apresenta na seção reflexão linguística o tema


Variação linguística: variedades regionais. Antes de qualquer definição do que seja diversidade linguística,
são apresentadas as seguintes questões.

a) Identifique as palavras do texto escrito de um modo diferente do dicionário. Por


que você supõe terem sido registradas dessa forma?
b) O verso ―As garça dá meia volta‖ reproduz um modo de falar com em seu
cotidiano? Como você o escreveria em uma redação escolar? (COSTA,
MARCHETTI, SOARES, 2009, p. 60).

Seguem-se às questões a apresentações de definições de variação linguística; variedade


linguística; variedade regional e de norma padrão. Ressalta-se que as respostas sugeridas para as
questões anteriores atuam como problematizadoras da fala regional evidenciada por termos como;
espaia, parentaia, bataia, navaia, faia, atrapaia caracterizando o processo do recurso prosódico de
monotongação.

Retomando os pressupostos apresentados nos PCNs (BRASIL, 1997), esta unidade parece
considerar a relação linguagem e sociedade sendo o tratamento dado ao tema apontado como
positivo para o (re)conhecimento por parte do aluno das diferenças linguísticas e do caráter
dinâmico e histórico de toda e qualquer língua.
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Considerações finais

Propomo-nos visitar alguns exemplares de coleções didáticas destinadas ao ensino de Língua


Portuguesa do 6º ano buscando identificar o tratamento dado pelo tema da diversidade linguística. Vale
destacar que todas as 4 (quatros) unidades analisadas apresentaram como exemplares do dialeto caipira
como exemplar da fala não padrão do Português o que se tornou evidente quando do uso de Tirinha ou
HQ da personagem Chico Bento em 3(três) dos 4(quatro) textos selecionados.

A análise ilustrou que embora a diversidade linguística encontre espaço nos livros didáticos,
estando presente ao longo de unidades inteiras, a elaboração das atividades de leitura que seguem aos
textos nem sempre estão alinhadas a um ensino crítico de línguas que favoreça a reflexão do aluno sobre
as diferenças da fala e da escrita e das situações em que as mesmas são empregadas. Soma-se ainda o
fato de ênfase no dialeto ‗caipira‘ como o único fenômeno que destoa da norma-padrão acaba por
estigmatizar ainda mais os falantes desta variedade, podendo até cristalizar visões distorcidas do aluno
sobre o que os usos da linguagem como se a referência fosse o ‗certo‘ e o ‗errado‘.

Em linhas gerais, algumas das unidades trazidas neste artigo indicam uma maior preocupação
com a abordagem dada ao tema dado que acaba refletindo na elaboração das atividades e nos
encaminhamentos sugeridos no manual do professor. Destacamos também que a sala de aula representa
um lugar privilegiado para desconstrução de preconceitos sejam linguísticos ou de outra espécie e, que
uma abordagem menos atenta a forma como os discursos são apresentados no livro didático pode
resulta na manutenção da estigmatização de certas variantes linguísticas, por isso a necessidade de que o
tema continue sendo pesquisado.

Referências
ALKMIM, Tânia M. Sociolinguística. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. (orgs). Introdução à linguística:
domínios e fronteiras. v. 1, São Paulo: Cortez, 2005.
BALADELI, Ana P.D. Identidades socioculturais no livro didático: em busca do ensino crítico de
Língua Inglesa. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2014.
BELTRÃO, Eliana; GORDILHO, Tereza. (orgs). Diálogo: língua portuguesa. 6º ano. São Paulo: FTD,
2009.
BORTONI-RICARDO, Stella M. A diversidade linguística do Brasil e a escola. In: BRASIL. Salto para o
futuro – TV Escola. Português: um nome dado, muitas línguas. Ano XXIII, Boletim 08, maio de 2008.
Disponível em: <http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/182411Port_ling.pdf#page=55> Acesso em 12
abr. 2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – 1º e 2º ciclos. Brasília: MEC,
1997.
CEREJA, William R.; MAGALHÃES, Thereza C. (orgs). Português: linguagens. 5. ed. Manual do
professor 6º ano. São Paulo: Ed. Atual, 2009.
COSTA, Cibele L.; MARCHETTI, Greta; SOARES, Jairo J. B. Português: para viver juntos. Manual do
professor 6º ano. São Paulo: Ed. SM, 2009.
DELMANTO, Dileta; CASTRO, Maria C. (orgs). Português: ideias e linguagens. 13 ed. Manual do
professor 6º ano. São Paulo: Ed. Saraiva, 2009.
FREITAG, Bárbara; MOTTA, Valéria R.; COSTA, Wanderley F. (orgs). O livro didático em questão. 3 ed.
São Paulo: Cortez, 1997.
MOLLICA, Maria C.; BRAGA, Maria L. (orgs). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação.
4 ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2010.
TAGLIAMONTE, Sali A. Variacionist sociolinguistics: change, observation, interpretation. UK,
Wiley-Blackwell Publishers, 2012.
TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 7. ed. São Paulo: Ed. Ática, 2002.
Von BORSTEL, Clarice N. Sociolinguística: abordagens quantitativa e qualitativa. Revista Línguas &
Letras, v.2, n.1, 2003. p. 165-172.
Von BORSTEL, Clarice N. A diversidade linguística e cultural em contextos escolares diversos. Muitas
vozes, Ponta Grossa, v. 1, n. 1, 2012. p. 109-125. Disponível em:
<http://www.revistas2.uepg.br/index.php/muitasvozes/> Acesso em: 13 nov. 2014.
Enviado em 30/12/2014/Avaliado em 25/01/2015

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