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Já fazia em torno de um ano que havia tido contato com cogumelos e já

possuía umas 8 sessões no cartel. Pensei comigo mesmo “quero ir além disto, como
posso? ” então fiquei sabendo através de um amigo da trombeta. Combinamos de ir
para o apartamento de uma amiga, ela estava curiosa também. Para preparar o chá
utilizamos 15 flores enormes e róseas para um litro de água, cheias de poder pois
foram coletadas durante a lua cheia, estávamos confiantes. Sentamos após pronto,
bebi um copo, maria (nome fictício) outro, e roberto outro. Fumamos um baseado
como de praxe, depois bebi mais um copo junto dela. Enquanto bebíamos uns amigos
foram lá conversar conosco, ficaram um tempo e foram embora. Em torno de 30 a 40
minutos haviam se passado e os primeiros efeitos começaram a se manifestar. Não
lembro bem o que veio antes, mas senti a boca ressecando aos poucos, a pupila
dilatando, uma leve taquicardia e perda de coordenação e equilíbrio. Ao fim de uma
hora minhas pernas perderam 100% do movimento, a boca e os olhos já não
produziam saliva, mucosa ou fluido algum, a tontura ficou mais forte, e um sono
absurdo começou a me assolar. – A partir de agora eu não sei exatamente como as
coisas aconteceram, mas na minha visão foram assim-
Fui ao banheiro beber água me arrastando pelo chão e ver se melhorava,
estava confuso, mas bem ainda. Quando voltei, sobre o roberto eu não sei de nada
pois me foquei na maria. Ela estava dormindo com os olhos abertos e sentada. Se
movia, olhava para a parede, mas parecia hipnotizada em um estado catatônico ou de
zumbificação. Comecei a ficar preocupado por ela. Então o pesadelo começou. Não
sei a ordem das coisas. Perdi a noção do tempo e espaço (não como acontece com
cogumelos, de forma leve.. a sensação que eu tive foi que passei até mais que um dia
neste inferno. O tempo simplesmente não passava, os ponteiros dos relógios não se
moviam. Minha visão começou a enxergar tudo dobrado, e em alguns casos,
triplicado. Extremamente embaçada, era impossível ler qualquer coisa, mas eu ainda
reconhecia bem o ambiente. Levantei então a hipótese de ter morrido, me sentia
racional ainda. Pois o “cadáver” de minha amiga estava em cima da cama, do outro
rapaz também, onde estaria o meu? Resolvi procurar.
Ouvi vozes na sacada, pensei “preciso pedir ajuda”, abri a sacada e não havia
ninguém, mas as vozes continuavam. Ouvi a campainha tocar sem parar, como se
tivesse um moleque pentelho apertando sem parar. Fui com raiva abrir a porta e não
tinha ninguém na porta. Abri a porta mais três vezes, aí a campainha parou. Sentei no
sofá e pensei “ok vou ficar parado e esperar passar, isso já não dá para aguentar
“olhei no relógio e era meia noite ainda. Mas meia noite não foi quando tomamos os
copos? Estava confuso. Olhei de novo e eram 3 da manhã, pensei “ok não posso
confiar nos meus sentidos nem na visão”, mas após essa tentativa de manter a calma
eu tive um pensamento fulminante que me deixou desolado por dentro “as três da
manhã é o horário do demônio” e logo após comecei a ouvir vozes e risadas vindo de
um quarto.
Aleluia! Era a voz de meus amigos que tinham ido nos visitar! Eles poderiam
me ajudar. Fui me arrastando pelos braços no chão até lá com muita dificuldade,
encostei o ouvido na porta e ouvi uma conversa descontraída, não tinha erro, eram
eles. Abri a porta e me escorei na parede. Eram eles mesmo. Conversamos alguma
bobagem, por alguns segundos me senti no paraíso. Longe de todo medo e horror que
estava vivenciando. Lembrei que Maria precisava de ajuda, saí do quarto e fechei a
porta para ir ver ela. No que fechei a porta tive um lapso único de racionalidade
“Gabriel.. seu tolo.. (uma voz falando comigo dentro da minha cabeça) teus amigos
não te deixaram já? Já não foram embora? Quem são estes então?” Quando pensei
no que a voz disse e fez sentido, senti minha espinha gelar. A temperatura do lugar
começou a despencar, parecia que tinha caído de 30° para 10°. Senti um aperto no
peito, comecei a chorar de medo, suspirei e tomei coragem. “Se estou mesmo
sonhando acordado, como em todo sonho, agora que sei que eles são de mentira, se
eu voltar lá, eles terão sumido. Com o choque eu talvez acorde. Talvez ache meu
corpo. (O tempo todo eu tinha a impressão de ser um espírito) Tomei coragem e abri a
porta de novo, enfiei a cabeça para olhar e vi eles com os olhos vermelhos, como
bestas na noite, e uma aura negra, uma atmosfera pesada de um miasma tóxico como
uma neblina no quarto. Eu não via mais os cantos do quarto, parecia não ter fim. Eles
me olharam e falaram “O que foi, não ia cuidar de sua amiga? Ela precisa de ti
Gabriel. Ou prefere sentar aqui e conversar? Temos respostas” Estava paralisado de
medo. Não conseguia mover os braços, as pernas, nada. Fiquei chorando baixinho e
olhando para eles apavorado, não sei por quanto tempo. Quando um deles finalmente
levantou da cama e começou a caminhar até mim, eu tive uma injeção de adrenalina
no corpo e recuperei os movimentos dos braços, me virei de barriga no chão de costas
para eles e comecei a me puxar para fora do quarto, quando parecia quase livre
pensei que poderiam me pegar pelos meus pés já que eu não sentia eles. Virei rápido
para trás para olhar e não tinha mais ninguém. Apenas escuridão. Acho que foi nesse
momento que mijei nas calças de medo.
Fui até o banheiro para beber mais água, tirei a roupa e entrei no box. Só o que
aparecia pela casa agora eram figuras malignas, disformes, escuras, pouco nítidas e
de olhos vermelhos me observando. Sons indescritíveis. Estática de televisão, unhas
arranhando uma parede, uma voz aleatória saindo de um rádio desligado. Eu estava
surtando. Liguei o chuveiro e fechei os olhos para fugir daquele pesadelo. De olhos
fechados o medo era muito mais forte, pois eu me sentia indefeso “como vou me
proteger se alguém se estiver de olhos fechados?” saí, consegui me secar e por uma
bermuda. Voltei para a sala e eram meia noite de novo. Aí foi o fim, não aguentava
mais chorar e pedir para acabar logo aquele inferno. Quanto tempo tinha se passado
de verdade? Uma hora? Quatro? Um dia inteiro? Tudo parecia possível. Olhei para
maria e enxerguei um corpo grudado ao teto, como um espelho em cima do dela. O
corpo abriu os olhos e me encarou no fundo da minha alma. Este olhar, este único
olhar foi o suficiente para que eu desistisse de tudo. Fiquei aterrorizado, comecei a
gritar sozinho, me debater no chão, perdi toda e qualquer razão. Pensei “me levem
logo então desgraçados mas me tirem deste tormento”. Aí lembrei que poderia estar
sonhando. Poderia ser tudo um pesadelo ruim, mesmo tão real? Só havia um modo de
descobrir. Subi na cama e fiquei sentado olhando para o teto com o último fio de
coragem que me restava. A entidade presa ao teto estendeu seu braço, como se
quisesse me dar a mão. Eu já não pensava mais, parecia estar fazendo qualquer coisa
de forma mecânica. Estendi a mão de volta, e nossos dedos se tocaram. EU SENTI O
TOQUE DAQUELA CRIATURA. E logo após só consegui deitar o corpo na cama, sem
falar, sentir ou pensar em nada. Estava em choque. Me tapei, tapei maria e roberto.
Os abracei forte desejei que o inferno me levasse logo, dormi e não lembro de mais
nada. Acordamos de manhã já completamente melhores, tirando a visão que ficou
embaçada (algo como um grau 4 de miopia) durante três dias, mesmo com colírio.
Maria não lembrava de nada, ela diz ter sentido sono quando começou a bater
e dormiu. Essa foi a experiência dela. Quanto a roberto não sei, passei distante dele a
noite inteira. Quanto a mim, sinto que teria vivido toda esta experiência horripilante em
meus sonhos, se tivesse cedido ao sono. Mas como não cedi e quis ficar acordado
para “curtir a trip” eu tive o pesadelo acordado mesmo. Tão real quanto eu e você.
Desde então aprendi o poder aterrorizante da Trombeta, senti seu veneno me levar ao
delírio e uma grande lição para alguém que se achava em total controle de
alucinógenos. Uma grande lição, dura, dura mesmo.

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