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03/10/2019 Os crimes omissivos impróprios (Penal) - Artigo jurídico - DireitoNet

ARTIGOS

Os crimes omissivos impróprios


O crime omissivo impróprio, também chamado de comissivo
por omissão, traduz no seu cerne a não execução de uma
atividade predeterminada juridicamente exigida do agente.

  Por José Carrazzoni Jr.

DIREITO PENAL | 30/JUL/2004

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O crime omissivo impróprio também chamado de comissivo por omissão,


traduz no seu cerne a não execução de uma atividade predeterminada
juridicamente exigida do agente. [1]

São crimes de evento, isto porque o sujeito que deveria evitar o injusto é
punido com o tipo penal correspondente ao resultado. [2]

Todavia o que faz de um delito omissivo, comissivo por omissão é a posição


de garantia do agente. Assim, o salva-vidas que assiste, inerte, ao
afogamento de um banhista incorre na prática do delito de homicídio
(comissão) por omissão. [3]

É dizer que nos crimes omissivos puros viola-se um dever legal de agir,
enquanto que na omissão imprópria o dever de operar do agente decorre de
uma norma proibitiva mas se erige de uma posição garantista. Logo, na
omissão pura integra o tipo, o não atendimento da ação devida; por isso,
tem-se na omissão imprópria uma desatenção (indireta, por omissão) “à
norma proibitiva de causar o resultado”. [4]

Assim, tanto na omissão própria como nos crimes comissivos por omissão (e

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nos crimes de omissão e resultado, como sugere a classi cação tripartida


dos delitos omissivos), há a essência de uma omissão, manifestando,
todavia, vultuosa relevância na estrutura típica destes delitos. [5]

I.I. A Posição de Garantia

A posição de garantia visa impedir a lesão a um bem jurídico amparado por


uma norma proibitiva. Assim, a “posição de garante” não pode ser imputada
a qualquer pessoa senão àqueles que, em virtude de sua especial proximidade
com tal bem, estejam investidos nesta qualidade. [6]

O garante atende a um seletivo e imperativo dever de agir (jurídico) que se


erige da assunção à prevenção de um risco. É dizer, que implica na subjetiva
exigência de resguardar bens jurídicos amparados por uma norma proibitiva.
[7]

Está em posição de garantia todo aquele que carrega uma obrigação de


impedir um resultado antijurídico. Deve, contudo, o garante proceder de
maneira ativa a m de evitar o injusto (obrigação de salvar). [8]

A posição de garante em razão do bem jurídico lesionado traz um


pressuposto “extralegal” do tipo. Podendo transformar o garantidor que se
omite a um resultado típico em autor (sob um aspecto normativo) de crime
comissivo por omissão por ocasião do resultado. [9]

A condição do garante exerce uma especial e estreita relação vital, unida


intimamente, com o bem jurídico lesionado. Assim, uma posição de garantia
pode estar condicionada objetivamente a um preceito jurídico em sentido
estrito, como por exemplo a família, o pátrio poder, o matrimônio etc. [10]

O nosso Código Penal, no artigo 13, § 2°, estabelece que o “dever jurídico
incumbe a quem: (a) tenha por lei obrigação de cuidado; (b) de outra forma,
assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; (c) com seu
comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”. Neste
sentido, são exemplos da ocorrência do delito de omissão: o carcereiro que

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deixa de prestar assistência ao preso, e este vem a morrer de inanição (a); a


enfermeira contratada para cuidar de doente e que deixa de aplicar a
medicação necessária à sua sobrevivência (b); quem espontaneamente,
encarrega-se de conduzir um ébrio (cego ou ferido) a determinado lugar e
acaba por abandona-lo (c).

Consigne-se por oportuno que nos exemplos supra expostos a


superveniência de dano ao bem jurídico tutelado ensejará a imputatio
juris sob a forma de crime omissivo impróprio, desde que concorrido o real
poder de agir. [11]

O real poder de agir limita (e fundamenta) a antijuridicidade da omissão


imprópria. Neste sentido, o agente (garantidor) deve possuir consigo o real
poder de agir para incorrer na prática do delito de omissão. É dizer, que o
sujeito que vê uma pessoa se afogando e não pula na água porque não sabe
nadar, não incorre em delito omissivo porque lhe carece o dever de agir. [12]

I.II. Forma Culposa

A omissão culposa imprópria, traduz no seu cerne, que o sujeito, signatário


do dever de impedir o resultado, deve atender a um cuidado relativo quanto à
maneira e ao modo de efetuar sua atividade em razão do perigo da produção
do resultado. [13]

Contudo cabe esclarecer que, nos delitos omissivos impróprios culposos, a


norma em que se fundam não é dotada de uma autonomia própria. Note-se,
que entre normas de cuidados e normas determinativas, sobrevem, in casu,
as normas proibitivas de conduta. Assim, nesta norma proibitiva encontra-
se fundamento à incriminação, logo, a omissão somente terá relevância
quando puder ser equiparada à comissão. Isto é poder dizer que a situação
típica nada representa pelo fato de a “ação esperada referir-se ao
impedimento do resultado típico, que normalmente é produzido por ação”.
[14]

I.III. Tentativa

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Em verdade, trata-se “da omissão da tentativa de impedir o resultado”.


Assim, o sujeito que estava se afogando e se salva por um imprevisto, ao
agente que não atuou, não se pode dizer que há feito a tentativa de impedir o
resultado, senão que omitiu-se de fazer a tentativa de salvamento. O que se
omite é a tentativa (inidônea) de impedir o resultado, assim, o fazer que
deveria ter sido empregado restaria inócuo porque o sujeito se salvou por
força de um imprevisto. [15]

Este “omitir a tentativa” de impedir o resultado, se relaciona diretamente


com a tentativa acabada de um delito de comissão. Isto porque, a tentativa de
omissão começa e termina, no momento em que o garante deveria empregar
determinado fazer à impedir o resultado. [16]

O relevante à solucionar o problema, acerca da tentativa nos delitos


omissivos, é analisar a partir de que momento o agente se põe em “atividade
para a realização do tipo legal”, por omissão, gerando assim, “o início da
lesão ao dever, dentro de uma situação concreta de perigo”. [17]

Contudo, a doutrina majoritária [18] norteia-se pela perempção da primeira


oportunidade de socorro, onde o bem tutelado encontra-se diretamente em
perigo. É dizer que o garantidor incorrerá na tentativa quando tão logo tome
conhecimento e nada faça para impedir o resultado, que veio a ser impedido
por um terceiro ou por força alheia ao garante. [19]

Wessels ainda refere que, em caso de perigo distante (ou ausência da


proximidade de resultado), “a tentativa começa no momento em que o
perigo atinge um estágio agudo e o garantidor prossegue inativo, ou em que
tira das suas mãos a possibilidade de atuação salvadora e deixa o
acontecimento percorrer seu caminho”. Logo, o agente somente incorrerá
em crime omissivos tentado se o bem jurídico tutelado livrar-se da lesão por
terceiro, caso contrario o garante responde pelo crime consumado. [20]

I.IV. Participação

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Não há que se falar em participação nos delitos omissivos impróprios, assim


como nos próprios. O garante que se omite a evitar o injusto, não é cúmplice,
senão autor por omissão. Isto porque, o garantidor por sua investidura, tem
de agir no domínio nal do feito para repelir o injusto. [21]

São delitos de dever [22], con gura-se no garante uma certa especialização,
pela obrigação de obrar face a um dever legal de assistência. Assim, não se
veri cam a participação nem co-autoria. Cada qual responde pela sua
omissão, “com base no dever que lhe é imposto”. [23]

No clássico exemplo de Kaufmann, “se 50 nadadores assistem impassíveis


ao afogamento de uma criança, todos ter-se-ão omitido de prestar-lhe
salvamento, mas não comunitariamente. Cada um será autor do fato
omissivo, ou melhor, autor colateral de omissão”. [24]

I.V. Princípio da Reserva Legal

Os delitos omissvos impróprios, ou comissivos por omissão, aludem à tipos


penais, os quais expressam, muitas vezes, um fazer ativo. Logo, surgiu a
di culdade de amoldar-se a comissão por omissão nestes tipos, sob pena de
estar-se ferindo o princípio da reserva legal. [25]

O princípio da reserva legal, é um mecanismo garantista dentro do direito


penal moderno, manifestando desde já, que para haver crime é necessário
que haja expressa previsão legal (nullum crimem sine lege). Logo, o direito
penal buscou “soluções visando harmonizar as exigências de justiça material
de incriminação de certas omissões”. [26]

Neste sentido, o § 2° do artigo 13 do Código Penal pátrio, ao indicar o dever


jurídico de agir, satisfaz o princípio da reserva legal. Assim, remete o
aplicador da lei penal, a fazer o entendimento, que para a con guração de
um delito omissivo impróprio, su ciente é, o agente não ter impedido o
resultado, que podia impedir, e que juridicamente estava obrigado a evitar,
como decorrência de um dever de agir, originado em qualquer uma das
hipóteses descritas nas alíneas (a), (b) e (c) do dispositivo supra referido.

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[27]

Não se pode, contudo, deixar de fazer alusão a uma “inevitável” margem de


discricionariedade que o aplicador, pode dispor quando da adequação de um
delito comissivo por omissão ao artigo 13, § 2º do Código Penal, que
exigencialmente “uma interpretação restritiva podem minimizar”. [28]

Em que pese, as manifestações críticas, ao princípio da reserva legal nos


delitos comissivos por omissão, acerca da legalidade (ou não), é unanime
entre os doutrinadores contemporâneos, que tudo que fora produzido
(inclusive o dispositivo brasileiro sobre o tema) é passível de um
aperfeiçoamento jurídico à realidade, para que condutas relevantes para o
direito penal não resultem inócuas.

Notas

[1] WESSELS, Johannes. Direito Penal. Parte geral. Tradução de Juarez


Tavares. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1976, p. 161 e ss.

[2] BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Crimes Omissivos Impróprios. Belo


Horizonte: Editora Del Rey, 1996, p. 73.

[3] Idem, ibidem.

[4] COELHO, Walter. Teoria Geral do crime. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris Editor, 1998, p. 86.

[5] Idem, ibidem, p. 86 e 87.

[6] MONREAL, Eduardo Novoa. Fundamentos de los Delitos de Omisión. Buenos


Aires: Depalma, 1984, p. 135.

[7] Idem, ibidem, p. 136.

[8] Idem, ibidem, p. 136.

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[9] WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman. Tradução de Juan Bustos Ramírez
e Sérgio Yáñez Pérez. Santiago do Chile: Editorial Juridica de Chile, 1997, p.
251.

[10] Idem, ibidem. p. 252.

[11] COELHO, Walter. Op. Cit, p. 90.

[12] Idem, ibidem, p. 90.

[13] TAVARES, Juarez. Direito Penal da Negligência. Uma contribuição à teoria


do crime culposo. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2003, p. 440.

[14] Idem, ibidem.

[15] WELZEL, Hans. Ob. Cit, p. 262.

[16] Idem, ibidem.

[17] WESSELS, Johannes. Ob. cit, p. 169.

[18] Assim: Herzberg, Lönnies, Maihofer, Maurach, Schöder, entre outros.

[19] WESSELS, Johannes. Op. Cit, p. 170.

[20] WESSELS, Johannes. Op. Cit, p. 170.

[21] WELZEL, Hans. Op. Cit, p. 263.

[22] Terminologia proposta por Roxin.

[23] TAVARES, Juarez. As Controvérsias em torno dos Crimes Omissivos. Rio de


Janeiro: Instituto Latino-americano de Cooperação Penal, 1996, p. 86.

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[24] Idem, ibidem.

[25] LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. Op. Cit, p. 132.

[26] Idem, ibidem, p. 133.

[27] Idem, ibidem, p. 142.

[28] Idem, ibidem, p. 142.

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