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PROJETO DE PESQUISA
TÍTULO: BRANCAS DEMAIS PARA SER NEGRAS, NEGRAS DEMAIS PARA SER
BRANCAS: Impactos Psicológicos da Miscigenação no Brasil nas Mulheres Negras de
Pele Clara
Jequié - BA
2019
INTRODUÇÃO/ JUSTIFICATIVA
Essa pesquisa tem o intuito de inserir a respeito da mestiçagem como o processo que
se deu no país de forma drástica, onde suas consequências e impactos se reverberam na
população negra, representadas aqui nas mulheres negras de pele clara. Tem seu inicio no
encontro truculento de dominação que se instaurou entre os europeus, índios e negros tragos
em situação de escravidão para América. A princípio a escravidão e exploração de seus
corpos, e mais tarde a força da teoria da Eugênia presente na tese de embranquecimento faz
com que no Brasil o processo de mestiçagem se dê de modo intenso e vil, com peculiaridades
socioculturais que diferenciam esse processo de outros países.
Segundo Munanga (2008) no Brasil a localização racial é sim feita a partir de uma
analise biológica e genética, porém seu foco é estético. É possível que a questão cerne desse
trabalho nem existisse se essa analise fosse feita também de um ponto de vista sócio-político,
onde a aparência não fosse o ponto principal, pois assim teríamos a identificação racial de
forma precisa, entendendo-se todos negros, tendo pele clara ou retinta, salientando ainda que
as características que identificamos como a estética de traços negroides só corresponde a uma
parte do povo Africano.
No fim do século XVIII, os governantes começam a tomar consciência da ameaça contra a colônia que poderia
ser provocada pelo descompasso entre a ordem social e a ordem racial. Propuseram
então que se considerasse como escravos somente os que fossem negros e como
brancos todos os que fossem livres, assim ligando o preconceito contra os mestiços
não mais à cor da pele, mas ao "status", à condição jurídica. Proposta que não
agradou aos colonos brancos e foi substituída por um sistema no qual as pessoas de
cor são classificadas em um certo número de castas, de acordo com as nuanças.
(MUNANGA, p.19. 2008).
HIPOTESE
PROBLEMA
OBJETIVOS
GERAL
● Investigar entre mulheres negras de pele clara autodeclaradas como se deu o processo
de formação de identidade étnica;
● Averiguar quais são os impactos psicológicos vivenciados nesse processo de formação
da identidade étnica.
REFERENCIAL TEÓRICO
O racismo é definido como ideologia que confere significado e valor social negativo ao grupo racial detentor
fenótipo e ou genético que se desviam do perfil adotado como padrão, justificam
desigualdades e dominações politicas, e geram ou multiplicam condições e
exposição a prejuízos sociais na saúde entre outros. (PRESTES, p. 41, 2013).
Em suma, a escravidão assim como a eugenia apesar de terem sido difundidas por toda
a América, no Brasil se fez de forma massacrante, fomos o ultimo lugar a abolir a escravatura
e em sua duração se desenvolveu em maior numero e em piores condições, assim como o
planejamento de embranquecimento da população, executado e incentivado, pela elite
intelectual e politica da época. Esse foi cenário em que se forja a miscigenação brasileira e
esses são os principais motivos de sua estruturação perversa, onde se projeta uma trajetória de
sufocamento de um povo em detrimento de outro, também é neste contexto em que seus
descendentes buscam sua construção enquanto sujeitos.
É preciso conceituar miscigenação/ mestiçagem, a nível biológico entende-se
miscigenação como uma mistura entre grupos étnicos, gera-se um individuo que carregará a
carga genética desses dois ou mais grupos, formando assim uma maior diversidade fenotípica
e genotípica. Porém há que se analisar a miscigenação como um fenômeno multifacetário,
estando presente em outros âmbitos como o social, politico e pessoal.
Temos alguns exemplos históricos e até literários de como a miscigenação foi e ainda
é vista como degradação da raça humana a níveis de saúde e doença, morais, estéticos, de
personalidade dentre outros, - a exemplo disso o reconhecido autor Nina Rodrigues inicia um
de seus escritos com a seguinte frase: “A mestiçagem humana é um problema biológico dos
mais apaixonantes intelectualmente e que tem o dom especial de suscitar sempre as
discussões mais ardentes” . Ou como trás Munanga (2008) sobre o pensamento de Euclides da
Cunha “Para ele, o mestiço, traço de união entre raças, é quase sempre um desequilibrado,
um decaído, sem a energia física dos ascendentes selvagens e sem a atitude intelectual dos
ancestrais superiores”. ( p.28).
Como uma das ações de promover a segregação da população negra cria-se
posteriormente o pardo, não só como um grupo formado pela miscigenação, mas como
conceito. O pardo torna-se então o não lugar, o sujeito não faz mais parte do grupo étnico
racial ao qual pertence negros, tão pouco chegam a estar socialmente na posição de sujeitos
brancos, o que resta então ao pardo é configurar sua existência em um espaço de transição
para o alcance de algo, que é a branquitude.
No inicio de uma elaboração que pretende relacionar a questão racial com o impacto
psicológico no individuo, já é muito simbólico que o grupo ao qual o mesmo é colocado seja
esse lugar que nem mesmo chega a ser. Afinal, pardo é uma cor, não se trata de etnia, não tem
passado, raízes, ancestralidade, é por fim uma criação. É a partir dessa condição que penso
estar localizada a dificuldade da construção de uma identidade. Da mesma forma que Gomes
(2009) pretendo que seja vista identidade nesse projeto [...] como um processo que não se dá
apenas a começar do olhar de dentro, do próprio negro sobre si mesmo e seu corpo, mas
também na relação com o olhar do outro, do que está fora.” [...] “construído historicamente
em uma sociedade que padece de um racismo ambíguo e do mito da democracia racial.”
(p.2-3).
Até aqui, por motivos didáticas de exposição dos argumentos que tecem as hipóteses
desse projeto, as questões foram colocadas a respeito da miscigenação formando um grupo,
entendendo que as dificuldades vivenciadas são a todos os indivíduos marcados por esses
processos, no entanto esse projeto tem um recorte étnico e de gênero. Disponho-me a analisar
os resultados desses eventos em mulheres, sendo ainda mais especifica, a explorar o cenário
de vida das mulheres negras de pele clara.
Primeiro quero salientar porque o recorte de gênero, além da escolha obvia do
atravessamento de minha própria existência ou do fato de estarmos em uma sociedade de
modelo patriarcal, dominada pelo machismo. Para além desses fatores entendo que há sobre
as mulheres negras um fardo mais pesado, seja em qual ponto de vista se deseja olhar, devido
a isso é possível pensar que esse é o grupo que se encontra num processo continuo de
adoecimento psíquico. O recorte étnico por sua vez se faz por entender que existem lugares do
qual não posso falar, compreensões que não poderiam nascer de forma processual da minha
visão de mundo, decidi pesquisar, portanto do que me cabe como mulher negra.
O processo de formação de identidade é subjetivo e pessoal, se constrói baseado nas
vivencias, relações e experiências e é inegável que todas essas bases são incessantemente
atravessadas pelo lugar em que essas sujeitas ocupam socialmente, portanto a formação de
identidade é antes de tudo social, perpassa pelas questões históricas, politicas, comunitárias,
familiares, financeiras, afetivas e étnicas. Quando se pensa em um grupo especifico como as
mulheres negras que são desde o inicio da história de nosso país preteridas de tantas maneiras,
imagina-se a dificuldade de efetuar essa construção de forma saudável, já que há prejuízos
para esse grupo em todos os âmbitos citados a cima. Segundo Costa (1984) “Para que o
sujeito construa enunciados sobre identidade, de modo a criar uma estrutura psíquica
harmoniosa, é necessário que o corpo seja predominantemente vivido e pensado como local e
fonte de vida e prazer.” (p. 6).
“(...) Nascer com a pele preta e/ou outros caracteres do tipo negroide e compartilhar de
uma mesma história de desenraizamento, escravidão e discriminação racial, não organiza, por
si só, uma identidade negra.” (SOUZA, p.77, 1990). Partindo dessa afirmação em que Souza
defende a ideia de que no Brasil é necessário “tornar-se negro”, é possível refletir sobre a
condição das mulheres negras de pele clara e seus processos de identificação étnica. Até
pouco tempo não se discutia questões de colorismo, sendo assim essa possibilidade de
identificar-se com seu grupo étnico em nosso país é extremamente recente. Segundo o IBGE
(2018) ocorreu o aumento de 32,2% de autodeclarados pretos em relação a ultima pesquisa
feita em 2012, foram pelo menos três séculos de negação ao pertencimento, ao
reconhecimento de semelhanças como descoberta de si.
É preciso salientar que esse projeto não pretende encobrir os impactos positivos dos
quais desfrutam mulheres negras de pele clara, ao oposto disso deseja expor a conjuntura em
que se encontram essas mulheres, e para isso é preciso pensar em todos os elementos. Sabe-se
que há privilégios e que assim como a ascensão social, a tonalidade da pele clara facilita
inclusão social em vários âmbitos, no entanto é preciso sair da superfície da questão e atingir
os pontos de compreensão em que demonstram que os privilégios vêm sempre carregados de
violência, a exemplo disso uma das pautas mais marcantes do movimento negro no Brasil a
respeito da temática é a de que negros de pele clara tem a opção de “escolher” em qual grupo
étnico desenvolve um processo de identificação, além de transitar por eles, e por isso não há
como comparar os processos racistas em sociedade, o que acaba sendo uma das causas de
uma não homogeneização do grupo.
Apesar da validade do discurso, o mesmo perde o ponto de vista do outro lado, na qual
existe uma enorme represaria e que está é dual, antes da escolha, o sujeito se vê fadado a
construir o principio de sua identidade num lugar sem passado. No entanto, segundo Munanga
(2008) “Essa identidade, que é sempre um processo e nunca um produto acabado, não será
construída no vazio, pois seus constitutivos são escolhidos entre os elementos comuns aos
membros do grupo: língua, história, território, cultura, religião, situação social, etc.” (p.14).
Por isso esses sujeitos que são vistos como pardos procuram aproximar a construção da sua
identidade com o grupo étnico ao qual pertence os negros ou com o grupo étnico ao qual
pertence os brancos.
Se for negado pelo individuo fazer parte da engrenagem de embranquecimento há uma
necessidade de uma incessante repetição da autoafirmação, pois esse pertencimento negro é
questionado o tempo inteiro. Por outro lado se a “escolha” de identificação é feita a favor do
embranquecimento, há negação de si mesmo, o que desencadeia dois processos psicológicos,
um a nível individual da dor e angustia de uma autonegação, promoção de auto-ódio, e o
outro a nível social, pois não é possível sair ileso de discriminação e racismo em um país
como o Brasil quando se é marcado racialmente. “Ser negro é ser violentado constante,
continua e cruel, por dois motivos o primeiro é absorver os ideais dos brancos e o segundo é
negar o corpo negro.” (COSTA, p.2, 1984).
Falando em privilégios, o maior deles talvez seja o fato de não lidar tão comumente
com o racismo exposto, no entanto esse ato de torna-se negra também elucidam situações de
sofrimento provocadas pelo racismo que até então eram entendidas como falhas pessoais, o
que por si só já é enorme impacto psíquico, entendendo que promove a não valoração pessoal,
o sentimento de rejeição e de incapacidade.
A rejeição causa feridas e pode ser internalizada, chegando a um ponto da própria mulher negra não se aceitar.
Como resultado, comprometimentos de ordem psíquica, que podem culminar em
baixa autoestima, prejuízo na formação da identidade, depressão e transtornos
psiquiátricos diversos. (PRESTES, p.51, 2013).
Outro tocante cruel é o estereótipo social que perpassam ás mulheres negras, se as
retintas sofrem com o essa imposição da força, de serem reconhecidas como mulheres
guerreiras, como trás Prestes (2013) falando de como os danos Psicológicos que envolvem
esse estereótipo e a resiliência fundamentada nas mulheres negras é devastador, e não
isentando as mulheres negras de pele clara da vivencia desses danos psíquicos, a elas é dado
com mais potência o estereótipo da “mulata exportação”, a erotização exacerbada sobre seus
corpos é a prova que a ideia colonial da mulata de vida fácil, sedutora e imoral ainda persiste
no imaginário social Brasileiro. Sobre isso tão bem ilustra Elisa Lucinda (2009) com seu
poema Mulata Exportação:
O processo de torna-se negra no Brasil é ainda mais árduo para as que possuem pele
clara, pois ainda que não se reconheçam negras, a negritude nelas ora ou outra será
reconhecida. Em uma sociedade que está numa busca constante pelo embranquecimento de
seus corpos, a autodeclaração é antes de tudo um reconhecimento político-social, é
resistência, é o firmamento de uma postura que normalmente lhes tira a pouca tolerância nos
espaços majoritariamente brancos e a não inserção total em espaços majoritariamente negros,
trazendo-lhes o constante peso psicológico que é ter que provar sua própria existência.
METODOLOGIA
A abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez
que ambos são da mesma natureza: ela se volve com empatia aos motivos, às
intenções, aos projetos dos atores, a partir dos quais as ações, as estruturas e as
relações tornam-se significativas (MINAYO; SANCHES, 1993. p. 244).
Para além disso a pesquisa qualitativa tem uma concepção de profundidade dos
conteúdos obtidos, o que nesse projeto se faz essencial devido ao seu caráter de investigação
psicológica, entendendo que os dados a serem coletados não são objetivos ou de fácil acesso.
Segundo Creswell (2010):
A pesquisa qualitativa é um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos
atribuem a um problema social ou humano. O processo de pesquisa envolve as
questões e os procedimentos que emergem, os dados épicamente coletados no
ambiente do participante, a análise dos dados indutivamente construída a partir das
particularidades para os temas gerais e as interpretações feitas pelo pesquisador
acerca do significado dos dados. (p.15).
O grupo focal representa uma fonte que intensifica o acesso às informações acerca de um fenômeno, seja pela
possibilidade de gerar novas concepções ou pela análise e problematização de uma
ideia em profundidade. Desenvolve-se a partir de uma perspectiva dialética, na qual
o grupo possui objetivos comuns e seus participantes procuram abordá-los
trabalhando como uma equipe. Nessa concepção, há uma intencionalidade de
sensibilizar os participantes para operar na transformação da realidade de modo
crítico e criativo. (BACKES et al, p. 2, 2011).
A pesquisa pretende se realizar com cinco sujeitas, tendo em vista que irá se investigar
suas trajetórias de vida, e como elas enxergam esses processos históricos de sua formação
identitária é preciso que elas sejam mulheres autodeclaradas negras, não retintas.
CRONOGRAMA
REFERÊNCIAS
BACKES. D.S; et al. Grupo focal como técnica de coleta e análise de dados em pesquisas
qualitativas. São Paulo: Mundo da Saúde, 2011. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/artigos/grupo_focal_como_tecnica_coleta_analise_dados_pesq
uisa_qualitativa.pdf. Acesso em: 05 set, 2019.
CONT. V. D. Francis Galton: eugenia e hereditariedade. São Paulo: UNICAMP, 2008.
GOMES, N. L. Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra.
Belo Horizonte: Autêntica, 2009.