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"Fluxo em Música, Movimento e Dança: Contributos da abordagem Orff-


Schulwerk em Educação Musical."

Conference Paper · November 2011

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João Cristiano Rodrigues Cunha


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“Fluxo em Música, Movimento e Dança: Contributos da abordagem Orff-
Schulwerk em Educação Musical.”

João Cristiano. R. Cunha


(jcrcunha@hotmail.com)

Universidade de Aveiro | INET-MD


DeCA - Departamento de Comunicação e Arte
(A/C Prof.ª Dr.ª Sara Carvalho)
Universidade de Aveiro
Campus Universitário de Santiago
3810-193 Aveiro

Resumo
Com base numa investigação-ação em curso, na área da música / pedagogia
musical, sustentada na relação entre a abordagem Orff-Schulwerk (música,
movimento e dança na educação) e o desenvolvimento do pensamento
musical, o presente artigo visa apresentar resultados relativos à ocorrência
de “optimal experiences / flow states” (Csikszentmihalyi, 1975; 1988; 1990;
1993; 1997) potenciados pela referida abordagem pedagógica em contexto
de Educação Musical (2.º ciclo - Ensino Básico genérico público). Para além
de permitir identificar indicadores de “optimal experiences / flow states” e,
assim, validar a opção metodológica, a análise de dados do estudo piloto
indicou a relevância que atividades baseadas no movimento e na dança
assumem na ocorrência dessas mesmas “optimal experiences / flow states”.

Palavras chave
Abordagem Orff-Schulwerk, Flow Theory, Pedagogia / Educação Musical.

Enquadramento teórico / Objectivos

Num período de profundas alterações sociais e culturais, no qual o


paradigma construtivista e as correntes pedagógicas que este impulsionou
mudaram mentalidades e formas de agir, as ideias pedagógico-musicais de
Carl Orff e Gunid Keetman marcaram, desde 1950 e de forma indelével, a

 
Educação Musical no mundo. Desde a sua génese, com base no trabalho
prático e criativo, a abordagem Orff-Schulwerk pressupõe que o participante,
criança ou adulto, tem que vivenciar, desfrutar, sentir, atuar, interagir e, assim,
desenvolver aspectos cognitivos, afetivos e sociais. De forma resumida, pode
entender-se a abordagem Orff-Schulwerk, cuja difusão e prática está
presente em mais de quarenta países de todo o mundo, como uma forma de
trabalho que, de forma holística, desenvolve as vertentes artística, criativa,
emocional e social do ser humano, numa interação entre expressão vocal,
instrumental e corporal. Assente nestes pressupostos, a investigação-ação
global em curso pretende contribuir para o entendimento do modo como a
abordagem Orff-Schulwerk potencia “optimal experiences / flow states”, a sua
implicação no crescimento global da personalidade e, particularmente, no
desenvolvimento do pensamento musical. Tendo como desígnio a validação
da opção metodológica, o estudo piloto revelou a observação de um elevado
número de indicadores de “optimal experiences / flow states” no decurso de
atividades que privilegiaram as vertentes de movimento e dança inerentes à
abordagem supra referida.

Metodologia

Com a duração de um período letivo (2010-2011), o estudo piloto teve como


amostra alunos do 2.º Ciclo do Ensino Básico - 5.º e 6.º anos de escolaridade
do ensino genérico público (n=50). Tendo presente que, segundo Custodero
(2005, p. 186), “(...) o “paradigma do flow” é particularmente adequado e bem
sucedido no estudo de processo artístico, através do qual os indivíduos são
desafiados a criar e desenvolver formas e significados com base nas suas
acções e habilidadades (...)”1, a recolha de dados foi desenvolvida através da
gravação áudio e vídeo da totalidade das aulas leccionadas em duas turmas,
entre os meses de outubro e dezembro de 2010. A visualização/audição dos
registos vídeo/áudio permitiu a análise de dados, cuja categorização se

                                                                                                               
1
Tradução de autor “(...) The flow paradigm is particularly well suited to the study of artistic
process, though which individuals are challenged to create form and meaning using skilled
actions. The word “flow” is used in numerous self-reports of composers throughout history to
describe their creative rendering. (...)” (Custodero, 2005).

 
2 3
desenvolveu com base na adaptação do FIMA , desenvolvido por
Custodero (1998; 1999; 2005; 2006) a partir do ESM 4.

Resultados

Os dados (áudio e vídeo) recolhido in loco no decurso do estudo piloto


permitiram validar a opção metodológica e a observação de um elevado
número de indicadores de “optimal experiences / flow states” definidos em
cada uma das dimensões do FIMA. Neste particular, deve salientar-se que
atividades que privilegiaram as vertentes de movimento e dança (inerentes à
abordagem Orff-Schulwerk), revelaram um maior número de indicadores de
“optimal experiences / flow states” definidos nas diferentes dimensões do
FIMA. Para cada um dos indicadores, é apresentado um, de vários exemplos
observados:

                                                                                                               
2
Cf. Anexo 1: “Definições e exemplos de indicadores de fluxo em crianças” - Tradução de
autor “Definitions and examples of flow indicators in young children (FIMA – Flow Indicators
in Musical Activity), (Custodero 1998).
3
FIMA – Flow Indicators In Musical Activity – Formulário que inclui indicadores afectivos e
comportamentais, desenvolvido após (e com base no) ESM - Experience Sampling Form
(Csikszentmihalyi & Csikszentmihalyi, 1987). Tradução de autor “(…) FIMA – Flow Indicators
In Musical Activity - Coding Form (Custodero, 1998) wich included affective and behavioral
indicators and was modeled after The Experience Sampling Form (Csikszentmihalyi &
Csikszentmihalyi, 1987) (...)” (Custodero 2005).
4
ESM - Experience Sampling Method – No início da década de 1970, Csikszentmihalyi
desenvolveu o "Experience Sampling Method," ou ESM para determiner a forma como as
pessoas passavam o seu dia-a-dia. O ESM utilizava, como instrumentos, um pager ou um
relógio programável para alertar as pessoas de que deveriam preencher duas páginas do
bloco de notas que traziam com elas. Os sinais de alerta eram programados para diferentes
momentos. Ao receber o alerta, a pessoa escrevia onde estava, o que estava a fazer, em
que estava a pensar, com quem estava e classificava, em várias escalas numéricas, o
estado de consciência vivido no momento: Quão feliz, concentrada e motivada estava, quão
alta estava a sua auto-estima, etc. Tradução de autor “(...) ESM - Experience Sampling
Method – In the early 1970's Csikszentmihalyi developed the "Experience Sampling Method,"
or ESM, to determine how people actually spend their ordinary days: The ESM uses a pager
or a programmable watch to signal people to fill out two pages in a booklet they carry with
them. Signals are programmed to go off at random times ... At the signal the person writes
down where she is, what she is doing, what she is thinking about, who she is with, and then
rates her state of consciousness at the moment on various numerical scales: how happy she
is, how much she is concentrating, how strongly she is motivated, how high her self-esteem is,
and so on. (…)” , In http://www.enlightenment.com/, (acedido em 5 de novembro de 2011).

 
Dimensão Indicador de Fluxo Exemplo(s) observado(s)

“Auto-atribuição /
Auto-conhecimento” • Aluno cria/prepara, voluntariamente, o seu “gesto sonoro” 5 /
movimento num momento de pausa de todo o grupo / “momento
(Self-Assignment) morto” da aula.
“Indicadores de
Procura de
Desafios” “Auto-correção”
(Challenge • Aluno apercebe-se do “erro” cometido na repetição de “gesto sonoro” /
Seeking movimento / dança e concentra-se para corrigir e estar em
Indicators) (Self-Correction) conformidade com o grupo/turma.

“Gestos • Alunos criam “gestos sonoros” / movimentos / danças em diferentes


deliberados” dinâmicas/andamentos, vivenciando através de movimento corporal
conteúdos musicais.
(Deliberate Gestrure)

[Tabela 1: Indicadores de Procura de Desafios” (Challenge Seeking Indicators)]

Dimensão Indicador de Fluxo Exemplo(s) observado(s)

“Antecipação”
Indicadores • Espontaneamente, surgem “gesto sonoros” / movimento / dança, com
de (Antecipation) base numa ideia musical anteriormente trabalhada (ex: canção).
Monitorização
de Desafios”
(Challendge “Expansão”
Monitoring • Alunos criam “gestos sonoros” / movimentos / danças de maior
Indicators) (Expansion) complexidade.

“Extensão”
• Alunos continuam a desenvolver “gesto sonoro” / movimento / dança
em “momentos de pausa” e “final de aula”, querendo repetir ainda que
o tempo letivo tenha terminado.
(Extension)

[Tabela 2: Indicadores de Monitorização de Desafios” (Challenge Monitoring Indicators)]

Dimensão Indicador de Fluxo Exemplo(s) observado(s)

“Indicadores “Consciencialização
do Contexto dos adultos e dos
Social” pares” • Aluno repete, voluntariamente, “gesto sonoro” / movimento / dança
com colega, de forma a vivenciar e corrigir/melhorar o
(Social Context (Awareness of Adults trabalho/prestação de todo o grupo.
Indicators) and Peers)

[Tabela 3: Indicadores de Contexto Social” (Social Context Indicators)]

                                                                                                               
5
Entenda-se por “gesto sonoro”, gesto expressivo que tem um som. Definição apresentada
por Maschat, Verena, (2004, Julho, 23), in Curso Internacional de Verano “Música e Danza
en la Educación 2004”, Madrid: Asociación Orff España y Dirección General de Centros
Docentes – Consejería de Educación de la Comunidad De Madrid).

 
Discussão

Para além de indicarem forte probabilidade de que, baseada em processos


emocionais e fundamentada empiricamente na Flow Theory, a abordagem
Orff-Schulwerk potencia o despertar e desenvolvimento do pensamento
musical (Cunha, 2011), o estudo piloto permitiu verificar a observação de um
elevado número de indicadores de “optimal experiences / flow states” em
atividades que privilegiaram as vertentes do movimento e dança. Nesse
sentido, é de extrema importância refletir sobre estas atividades em contexto
de Educação Musical, dada a ligação à música ser muito mais forte e direta
quando nela se envolve todo o corpo em movimento. Os indicadores de
“optimal experiences / flow states” observados validam a premissa orffiana6
de que qualquer ser humano tem nos seus movimentos corporais naturais o
ponto de partida de toda a sua musicalidade. Nas palavras de Goodkin (2004,
p. 61), “(…) o movimento na aula de música não serve apenas para as
crianças libertarem a abundante energia que lhes é característica. O seu
objetivo é “moldar/harmonizar” o corpo como um instrumento de expressão
(…)” 7 . O corpo humano como instrumento de expressão e vivência de
emoções reforça o “poder” que as atividades desenvolvidas com base na
abordagem Orff-Schulwerk assumem no desenvolvimento global da
personalidade, num “mundo” onde música, movimento e dança se encontram
de tal forma unidos, que a sua vivência é tão profícua quanto indissociável.

Agradecimentos

À Professora Doutora Sara Carvalho (DeCA – Universidade de Aveiro), pela


orientação, discussão e sugestões.
Ao INET-MD, Centro de Estudos em Música e Dança, pelo apoio prestado.

                                                                                                               
6
Que é característico ou próprio das ideias pedagógicas de Carl Orff e Gunild Keetman.
7
Tradução de autor de “(...) movement in the music class in not merely an outlet for the
children to release their abundant energy. Its purpose is to shape the body as an instrument
of expression. (...)”, Goodkin, Doug. (2004), (p. 61).

 
Referências Bibliográficas
Csikszentmihalyi, M. (1975). Beyond Boredom and Anxiety. San Francisco
CA: Jossey-Bass.
Csikszentmihalyi, M. (1988). “The flow experience and its significance for
human psychology” in Csikszentmihalyi Mihaly and Csikszentmihalyi Isabella
(Eds.) (1998) Optimal Experience: Psychology Studies of Flow in
Consciousness, Cambridge: Cambridge University Press.
Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The Psychology of Optimal Experience.
New York: Harper & Row.
Csikszentmihalyi, M. (1993). The Evolving Self: A Psychology for the Third
Millennium. New York: Basic Books.
Csikszentmihalyi, M. (1997). Finding Flow: The Psychology Of Engagement
With Everyday Life. New York: Basic Books.
Cunha, J. (2011). “Música e Experiência de Fluxo”. PERFORMA’11, eds R.
Pestana e S. Carvalho, pub. Universidade de Aveiro.
Custodero, L. (1998). “Observing flow in young children's music learning”.
General Music Today, 12 (1), 21-27.
Custodero, L. (1999). “Constructing of musical understandings: The flow-
cognition interface”. Cognitive Processes of Children Engaged in Musical
Activity – Conference paper.
Custodero, L. (2005). “Observable indicators of flow experience: A
developmental perspective of musical engagement in young children from
infancy to school age”. Music Education Research, 7(2), 185-209.
Custodero, L., & Stamou L. (2006) “Engaging classrooms: Flow indicators as
tools for pedagogical transformation”, in Proceedings of the 9th International
Conference on Music Perception and Cognition. Bologna, Italy: Bononia
University Press.
Goodkin, Doug. (2004). Play, Sing & Dance – An Introduction to Orff-
Schulwerk, (p. 17), New York: Schott Music, Mainz.

Maschat, V. (1999). Las ideas pedagógicas en el Orff-Schulwerk. Orff España


(1), 4-5.

 
Anexo 1: “Definições e exemplos de indicadores de fluxo em crianças”
Adaptação / tradução de autor de “Definitions and examples of flow indicators in young children” (FIMA
– Flow Indicators in Musical Activity), de Lori Custodero (1998).

Indicador de Definição Exemplos:


Fluxo
(Definition) a) Infância (Infant Examples);
(Flow Indicator) b) Contexto Escolar / Musical
(School-Aged Child Examples).
instruções directas. Medido no FIMA como “Desafio
(Iniciados pelo indivíduo, fora de um contexto de

“Auto-atribuição / Atividade deliberadamente a) Criança levanta o lenço acima da sua


Auto-conhecimento” iniciada pela criança, mais que cabeça para iniciar o “Peek-a-boo game”
pelo adulto.
“Indicadores de Procura de Desafios”

(Self-Assignment) b) Aluno dedilha uma escala no violino,


enquanto os seus colegas afinam.
(Challenge Seeking Indicators)

Reconhecimento de erro e a) Criança começa a puxar (para baixo) o


“Auto-correção” ajuste (para estar em lenço no decurso do “Peek-a-boo game”,
conformidade com) às regras antes da pista / dica / ajuda musical e para e
Percebido” (Perceived Challenge)

estabelecidas para espera pela pista / dica / ajuda musical.


determinada atividade, sem
instrução física ou verbal do b) Criança ajusta/corrige o dedilhado
(Self-Correction)
adulto. enquanto toca, sem pista / dica / ajuda
externa.

Qualidade de movimentos a) Criança tira o lenço da cabeça no fim do


“Gestos deliberados” muito concentrados e “Peek-a-boo game”, usando as duas mãos
controlados , (exagerados num movimento enérgico .
até), mas sem movimentos
(Deliberate Gestrure) estranhos. b) Com uma postura correta, a criança
coloca, devagar e cuidadosamente, cada um
dos seus dedos no braço do violino.
Medido no FIMA como “Indicador de transformação”

“Antecipação” Esforço ou tentativa, verbal ou a) Criança levanta-se e corre imediatamente


física, para adivinhar/descobrir antes da pista / dica musical “run away”,
Inciados pelo indíviduio em contexto de instruções directas.

ou mostrar/revelar o que vem quando canta “Bell Horses”.


a seguir na atividade que está
“Indicadores de Monitorização de Desafios”

(Antecipation) a desenvolver-se. b) Criança dispõe/prepara os pés e as


pernas de forma a demonstrar a sequência
(Challendge Monitoring Indicators)

de passos que estabelecem uma postura


correta para tocar violino.

“Expansão” Transformar, de alguma a) Criança utiliza lenços de diferentes cores,


forma, o material apresentado cada vez que o “Peek-a-boo game” é
para que este seja mais iniciado.
desafiador / apelativo /
(Expansion) motivador. b) Criança cria um novo movimento rítmico,
para substituir um modelo/padrão pré-
(transformational indicators)

estabelecido.

“Extensão” Continuar a empenhar-se com a) Quando a turma vê a fotografia de um


o material apresentado, cavalo, alguma criança começa a cantar
depois do professor ter “Bell Horses”, ao qual se junta (é
terminado. acompanhado pelo) o resto da turma.
(Extension) (toddlers).

b) Criança continua a cantar / tocar uma


peça depois do professor ter disto que tinha
terminado.
“Indicadores do Contexto

Qualquer interação observável a/b) Quando a turma canta “5 Little Ducks’


(Social Context Indicators)

que envolva um olhar song”, a criança anda pela sala, mantendo o


“Consciencialização prolongado, um” virar de contacto visual com adultos e partilha o
dos adultos e dos cabeça”, ou outro movimento “quacking” com aqueles que respondem ao
físico, na direção de outra seu convite.
Social”

pares”
pessoa.

Tentativas / esforços em Criança muda o movimento / andamento de


envolver, verbal ou uma peça musical, para que este
(Awareness of Adults fisicamente, outra pessoa são corresponda ao do seu par (colega),
and Peers) especialmente notados /
dignos de atenção.

 
 

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