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+ PENSADORES & EDUCACAO Angelo Vit6rio Cenci Aristételes & a Educagao auténtica ! Cariruco tit O IDEAL DO BEM VIVER E A VIRTUDE MORAL Q sistema educativo de Aristoteles € articulads ‘em vista um modelo de vida a ser aspirado por todos 03 homens Iii jimonia ou bem viver. Esse modelo de vida, de tipo comunitirio e englobante de diferentes tipos” de bens, é postulado a partir da anilise dos tipos de vida centio existentes, como a laborativa, a politica. a hedonista € a dedicada a ganhar dinheiro, e da conclusio da parcialidade ou unilateralidade de cada uma delas quando tomadas em si mesmas. O ideal do bem viver demanda um conjunto de ccondigdes para que a vida possa ser considerada valiosa, e a de suas dimensbes fundamentals é.a aquisicio uma de suas dimensbes funda co da virude ‘moral, a qual demanda uma aprendizagem que é media pela educagio, Cabe, pois, explicitar 0 ideal ético do bem viver ea virtude moral ¢ 0 papel que a educacao possui para a garantia de um e de outa. ideal ético do bem viver e a educacao Para 0s antigos_o individuo se definia por referéncia a algo maior que si proprio, a saber, seu povo, o cla, a polis, etc. Para 0S gregos essa referéncia para a constituig’o da identidade era a comunidade politica, o que explica a afir- magio de Aristételes de que o homem € por natureza um “ser vivente politico” (zoonpolitikon) (Pol, 1, 2, 1253; EM, 1X9, 11696). Um homem que por natureza nao fizesse parte da comunidade politica seria um animal ou um deus, pois 8 cesaria abaixo ou acima da condigo humana, O objetivo da polis era o bem viver, 0 qual se identifica com a finalidade ‘maior da propria educagao. Para explicitar 0 que é 0 bem viver (eudaimonia), o modo de vida mais elevado a ser as~ pirado, Arist6teles recorre ao seu procedimento corriqueiro, que € 0 de examinar as opinides correntes sobre. tema. Ele constata que as opinides a esse respeito sao diversas € que a maioria delas identifica o bem viver unilateralmente com uma determinada forma de vida ou com um tipo de bem especifico. Por conseguinte, alguns a identificam com a vida dedi- cada simplesmente a0 prazer €a0 $620, 0 qué € por ele des- carlado, pois isso tomaria o homem semelhante aos escrav ‘© aos animais, Ao invés de ter dominio sobre a diregio de sua vida, 0 homem que se submete servilmente aos desejos sensiveis e &s paixdes acaba vivendo como os escravos € © gado. Vale observar que Aristételes no descarta 0 papel do prazer, a0 contrario, este tem uma grande importancia, inclusive para a educa¢io, como veremos adiante. O que ele evita € a identificagao unilateral do prazer com o bem viver. ‘Outras pessoas, por sua vez, confundem a busca da/fonti> (Gimé) com a vida politica (bios politikos), © que também € descartado, pois esta € jor, uma vez que prestigio a fama dela decomentes dependem mais de quem confere a honra do. que jonrado, Aristételes, porém, - nfo condena o anseio do sujeito em assegurar um lugar na meméria das geragées posteriores. A busca da honra € apenas um sinal exterior desse anseio legitimo, razio pela {qual critica a timé e nao a bios politikos. Distinguem-se aqui, pois, dois modos de vida politica, uma vez que 5 honrarias deveriam ser concedidas somente as pessoas que sao dotadas ‘efetivamente de virtude moral. Por fim, o bem viver também nao pode ser confundido com a riqueza. Aristételes diferencia dois modos de adquirir riquezas, um natural, outro artificial. A economia doméstica visa “usar” as riquezas € por isso € natural; jd a arte de en- riquecer tem por fungi gerar € acumular riquezas, razio Reus ew ew weet pela qual € artificial (Pol, I, 9, 1257a). Os bens existem para que © homem livre nao precise se (preJocupar com eles, ¢ {isso ocorre justamente para se liberar destes para se ocupar ‘com os bens mais elevados. A arte natural de adquirir rique- zas pertence a economia doméstica; a outra, 20 comércio. Esta tiltima esti vinculada ao dinheiro e gera riqueza pela permuta de produtos. © modo artificial de enriquecer nao possui limites quanto a sua finalidade. A arte natural de ad- quirir bens ou de administrar a casa, propria da economia doméstica, possui limites, uma vez que ganhar dinheiro nao € sua finalidade. Ela € parte do bem viver, no se reduzindo 20 simples viver, como a outa Atist6teles observa que as pessoas que colocam como objetivo uma vida agradivel buscam a riqueza ilimitadamente, ‘medindo-a pelos prazeres do corpo € concentrando todas as suas energias nz busca de enriquecer. Como o desejo de luis prazeres € excessivo, elas buiscam meios de obté-los de modo que, se iss0 nao for possivel pela arte de enriquecer, © fazem “empregando todas suas faculdades de maneira con- traria 4 natureza” (Pol, I, 9, 12580). Essas pessoas base ‘na convicgo de que a riqueza € um fim em si mesmo e que todas as outras coisas seriam meios para tal fim. Como “a vida 450" € no “produgo”, 0 foco da vida humana, o ber a —rti“<—Cé™i~—™—OSO—S—sSsSsS nfo para a vida laborativa e & vida dedicada as riquezas. (Os bens exteriores, como as riquezas, dévein ser adquiridos ‘com moderacio, pois seu excesso para além das necessidades humanas ¢ nocivo, diferentemente dos bens da alma, como ol, VII, 1, 1323a-b). - . Todavia, Aristoteles no desconsidera a riqueza, assim ‘como vimos que nao desconsidera o prazer ¢ a honraria justa, pois a posse de bens exteriores esté entre as condicdes para 2 eudaimonia. A posse adequada da riqueza faz com que a virtude da generosidade aumente a da magnanimidade, ‘que € a capacidade de aspirar a grandes objetivos e de estar 3 altura deles. A riqueza € um bem relativo, pois quando «6 absolutizada € contra a natureza e € absurda, pois € sem pre meio para algum fign, como 0 lucro e, em sentido mais | amplo e contextualizado, para a eudaimonia. Portanto, @ ‘eudaimonia nao pode ser confundida com nenhuma dessas opinides quando tomadas de modo unilateralizado, As és Classes de bens identificadas até aqui como eudaimonia s30 pane dela-ndo seu todo, A panir do proprio Aristteles € possivel identificar entao um conjunto de caracteristicas pr6- prias desse seu modo de compreender o que é o bem viver, ‘considerando tais formas de vida apresentadas como parciais fe que deveriam ser integradas em um todo maior que elas. Esse moclo de vida tem de possuir uma constancia ou Linea, 5am drecionamento consciente, coerente © permanente para a vida ativa e contemplativa, Portanto, nao Seria corstniido de atividades Tsoladas, momentaneas cou fugazes, mas constagtes, A cudaimonia deve ser um | modo de vida incorporado como permanente, um modo de | Ser escolhido pelo sujito « vivido com constancia, Por essa Tako, dedicar-se unilateralmente aos prazeres, a fama ou a ganhar dinheiro impediria de orientar-se 20 essencial desse ,, modo de vida modelar. A eudaimonia esti associada 20 sm viver e4 e_com o siguples viver. Para tal ela | %, Jafastada das aividades vinculadas 2 garantia da subsisténcia, Lo"5°56 trabalho manual, e € identificada com as atividades ligadas bX a0 tempo livre (skbolé), proprio da vida politica e da vida Sa diferentes tipos de bens, embora observando a hierarquia Is.sbeticente entre eles em que hd primazia para os bens da alma. “Os bens [arguu.cnta Aristoteles] s30_divididos em trés classes, € alguns deles sio_descritos como exteriores, PS enquanto os outros se referem a alma ou 40 compo € 0s que 45 se referem 4 alma denominamos bens em sentido estrite ¢ > 265 por exceléncia” (EM, I, 8, 10980). A eudaimonta, todavia, be] quer também bens exteriores, pois so se podem praticar r i 390s belts com os meios adequados, como bons filhos, boa tL Kirpe_ amigos. etc. (EN, I, 10, 10992-1099b) ¢ bens do corpo, Ycontemplatva fcva © bem viver demanda também um equiltbrio entre 0s 6 ‘como a beleza, a satide, a forga, etc. Tomados isoladamente, esses sto condicin necesséria, mas no suficiente, para a eudaimonia. Uma existéncia completa deve abranger todos esses tipos de bens de forma equilibrada. Os bens da alma so mais importantes, mas nao so suficientes em si, pois necessitam da complementagao das demais classes de bens. ‘A eudaimonia tem de vir acompanhada por certa dose de prosperidade e pelo prazer. Isso nao significa, porém, que todos os bens possuam um valor igual. O proprio texto de Aristételes atesta essa diferenciacao: “|... dissemos, com efeito. (1, 6, 1098a), que ela € uma atividade da alma conforme a virtude, isto é, uma atividade de uma certa espécie; entio que, dos outros bens, alguns fazem necessariamente parte integrante da felicidade e, outros, sto apenas coadjuvantes. € titeis a titulo de instrumentos naturais” (EM, I, 10, 1099b). Come destaca Ross, comentando Aristételes, Oe Soe eeare nur felstde que gandes bene erin cb Som poses ve Os ben ins bens para nés quando os possuimos aum ceno li Tiago mae Is elon eae eae as inguém poets prceoder gue toner yadese possuir tanta vinude. 2) Ea respeito da alma que os bens staph eset eer vice-versa (1987, p. 269). A eudaimonia € relativamente isenta de vicissitudes € com capacidade de enfrenti-las, quando for © caso, com dignidade e galhardia. A grandeza de carater-pode subsisur, Pois, mesmo diante de circunstancias adversas (EM, I, 10, 1100a; 1,11, 11012). Fundamental para iss0 € 0 cultivo de si mediante as virtudes. Por essa razio, a eudaimonia deve ser levada adiante em consonincia com a razao, a capacidade de 0 sujeito dar um direcionamento. ido! para a vida fazer sentido e nao ser arrastado pelos seus ins- Uuntos e pulsdes presentes na dimensto sensitiva de sua alma A eudaimonia é o modo de vida mais elevado a ser al- mejado pelo ser humano. £ 0 fpice do que pode ser aspirado pelas possibilidades humanas, 0 que significa que nao ha renhum bem para além dela. Tudo o que for considerado valioso para 0 desenvolvimento da vida humana deve ser definido tomando-a como parimetro. Nao fosse assim, 0 sujeito poderia confundir um modo de vida relativo com 0 ais elevado € completo. E um modo de vida autossuficien- te, visa a uma existéncia completa, integradora, procurando cequilibrar todos 0s fins e atividades humanas sem dependet exclusivamente de nenhum outro modo de vida parcial, qualquer que seja (EN, I, 7). O seu alcance, todavia, depen- de do cultivo da alma mediante a virtude, algo diretamente vineulado a0 processo educative. © caréter contingente da ago humana e 0 habito ‘como meio de aquisigo da virtude moral Se a educagio demanda o aultivo do cariter mediante a vimude moral, trata-se de ver como ela pode ser adquirida. [Aristteles distingue duas espécies de virtude: a intelectual ¢-a.moral, Quanto 2 primeira, sua origem ¢ seu desenvol- vimento dependem em grande medida do ensino recebido, requerendo, por isso, experiéncia ¢ tempo (EN, If, 1, 1103a). De acordo com Sison, o ensino, tal como entendido pelos ‘gregos, envolve “o Conjunto ordenado de ages — instrucdo verbal, mediante gestos ou exemplos ~ cujo fim é a trans- ‘isso do saber, na medida em que isto seja possivel. (1A ‘experiéncia, por outro lado, significa a acumulagao interior ¢ ativa pelo sujeito dos objetos de sua sensibilidade externa ¢ interna, principalmente a mem6r.. através dela 0 homem ‘chega, indistintamente, a ciéncia (episteme) ¢ a arte (techne)” (4982, p. 210-211). A virude moral, dferentemente da intelec tual, é produto da habito, nao € engendrada no homem por fafureza, mas esta fornece a capacidade de receber a virtude cas capaci € apefscoada pelo fibito EN, 11, 11080) X palavra habwo deriva de ethos, Como destaca Lima bulos ethos, a saber, ia a 1806, com eta inicial (q), ¢ eos, com épsilon inicial (©). No primeiro sentido, denota a morada ou a casa do homem, abrigo protetor, lugar peninanente-¢ habitaal e que pode ser Senile s ecoremuldo pelo bomen, en commaic com ‘© dominio do reino da necessidade (Vaz, 1588, p. TS): Desse primeiro sentido origina-se ethos como costume. O segundo sentido refere-se a0 comportamento decorrente da repeticio constante dos mesmos atos, dizendo respeito as coisas que ‘ocorrem com frequéncia ou quase sempre, © ethos denota aqui uma disposicao permanente, “uma constincia no agir que se contrapde a0 impulso do desejo (orexis)" (Vaz, 1988, . 14). Ethos indica, nesta acepgao e através da palavra he- 2xi5, 0 processo genético do habito, o qual traduz 0 habito ‘como possessio estivel. Desse modo, como assinala ainda © autor, “o ethos como costume [J € principio € norma dos atos que iro plasmar 0 ethos como habito” (1988, p. 15). Hexis, como ressalta também Gularigia, € um termo que em ‘grego se vincula a0 verbo “ter”, do mesmo modo que em suas tradugdes latinas através de habitus e babilitas *habito” “habilidade") (1992, v. I, p. 178). A palavra habito indica, em shia instincia enquanto disposigho para 0 agir de uma determinada maneira, algo desenvolvido e incorporado de forma estivel pelo homem para além da necessidade natural. __ Para Aristteles € 0 hibito, ¢ nio a natureza, 0 que pe mite o desenvolvimento da virtude moral, pois “nada que ‘existe por natureza pode ser alterado pelo habito* (EN, Ul, 1, 1103a). Se os habitos e as vinudes adquiridas através deles fossem engendrados em nés por natureza, eles nio poderiam ser modificados nem pela educacto nem pela experiencia Em todas as faculdades advindas no homem por natureza Tecebe-se, primeiro, a potencialidade, que somente depois ‘se transforma_em atividade. Porém, quanto as varias formas de virtude moral nao ocorre do mesmo mado, pois somente € possivel adquiri-tas tendo-as efetivamente praticado. AS disposigdes morais (habitos) decorrem das atividades cor- frespondentes as mesmas (EN, Il, 1, 1103b). A aquisig30 da ° conformida Ja_A vitude, entio, permanece no ho- Gem de maneira estivel, o que tomaré mais facil ulteriores alos vimwosos _ —S principio da formacao de habitos em consonancia com a virtude tem uma enorme importancia para a compreensao da relagao entre virtude e educacio. As agoes humanas de- ‘vem ser deserwolvidas de uma mi pedeteraiad, ov wientadas de modo prévio e consciente, uma vez que sabes = a jem aos hbitos. Por essa razd0, observa [Aristoteles, “ndo ser pequena a diferenga [..J se formarmos ‘0s habitos de uma maneira ou de outra desde nossa Suse tenra infancia; ao contrdrio, ela seri de uma importincia muito grande, podemos dizer mesmo decisiva” (EN, 11, 1, 1103b). O habito deve ser a principal forma educar 0 individud na prilica da vimude porque nao existe regras predeterminadas acerca de como uma pessoa virtuosa a atuar, As agdes somente serio virtuosas se 0 agente as ad- {Guiriu adequadamente pelo habito, isto é, se foi educado por e para clas. O meio-termo como parametro da virtuide moral Se 0 hibit € 0 modo como a yirtude moral pode ser adquirida, 0 meio-termo ¢ a forma como ela & encontrada e preservadi_e, por outro lado, € destruida pela deficiéncia ou pelo excesso (EN, Il, 2, 1104a). Esse € um aspecto de fundamental importincia para a ética aristorélica ¢ tam- bém para sua concepga0 educativa, pois nao pode haver vimude nem cardter virtuoso onde hi excesso ou falta. A virtude implica fiediania)o meio-termo entre dois extre- ‘mos, Ha, primeiramente, um meio-termo em relacao a uma ‘proporcio aritmética, o meio-termo medido por referéncia 2 um objeto em si mesmo, ponto equidistante entre dois textremos. Fssa classe € simplesmente a do ponto médio de qualquer coisa que se esté medindo, o qual é um € 0 ‘mesmo pars todos. Porém, hé também uma segunda classe, que € 0 “meio-termo em relagio a nés! ¢ diferencia-se do prime Referee 2 virade moral, pois esta “se relaciona FeNrk or RElACTE 8 “aks * Ceampctas atbtt : z i : = i 3 comas emocdes ¢ agbes, matérias nas quais hd excesso, falta © meio-termo” (EN, Il, 5, 1106b). eos Dois elementos sto estabelecides aqui pelo proprio Aristételes no tocante ao meio-termo e a virtude moral. Primeiramente, a média indicada pela virtude deve ser de- terminada por nés € nao pode ser extraida de um objeto da maneira direta como podem ser obtidas outras classes de medidas, Em segundo lugar, esse meio-termo tera de] ser diferente quando as situagdes forem distintas. Desse modo, o que € uma média em uma determinada situacio pode néo s8-10 em outra, pois o “meio-termo em relacao a | 16s" pa0 € “tinico nem o mesmo para todos". A outra classe | je medida mencionada contrasta com esta, pois naquela ~ © meio-termo pode ser 0 “tinico € 0 mesmo em relacio a todos os homens” (EN, II, 5, 1106a). Nesse caso, trata-se da mesma medida, independentemente das circunstancias € de quem faca a medicao. ‘A primeira vista nos deparamos, no meio-termo em relag2o a nés, com um relativismo, Todavia, ha que se ressaltar que a definiglo deste termo médio da a¢i0 nao depende apenas da vontade arbitrdria do agente. Hi, sim, uma_margem (latitude) que se localiza entre os extremos. onde este meio € agenciado, ¢, para tal, tem-se de levar em conta as circunstncias, mas 0 meio-termo tem de estar em. Consonancia com a reta razao. Esta esté associada a0 bom iid funcionamento da inteligenia pritica, que a parte racional 8 a alma encarregada de orientar as coisas varliveis ¢ intervir nas escolhas do agente. Como a virtude moral é entendida como uma disposicio dé escolha ea escolha é um dksejo deliberado, para que a escolha seja boa a razio deve ser verdadeira e 0 desejo deve ser correto, ou seja, precisa RAVEF consoniinda entre 0 que @ Tazo afirma e 0 que desejo persegue. “O bom funcionamento do intelecto priti- co consiste na verdade correspondente a0 desejo correto” resume Aristoteles (EN, VI, 2, 1139a). © excesso. a falta e€ © meio-termo referem-se a sei ientos, paixdes € agdes. Por essa razio, o meio-termo Yrvde worl-> Lesyoscas eee cbkabe SME ehh ARS é justamente o termo médio em relagio as paixbes € 3s | agdes, onde 0 excesso € a falta sao uma forma de erro, € 0 { meiotemo, un modo de conéeio moral. Diferentemente Gr achciencla moral, que Teside nos exiremos por excesso ou por falta, a virtude moral esté associada a0 equilibrio no agir, sendo esse_as| mental o que caracteriza a Virtude moral. Embora seja uma mediania, ‘com relagio a0 ‘fem a virtude moral € um “extremo”, no sentido de ser 0 ponto mais elevado, pois com referéncia ao que € excelente ‘e mais perfeito ela é um extremo (EN, Il, 6, 11074), Das consideragdes acerca do papel do habito ¢ do meio- termo _ respectivamente, defiico genética especifica da virtude moral — decorre a defini¢do completa da virtude moral: ptata-se de um modo de ser que consist num mei 50" determinado pela raz. Em outros termos € ‘de forma mais 3%. | detathada: a) trata-se de uma disposigao da alma ou modo de ser (habito) rclacionado coma escola (voluntaria) de agdes \ e paixdes; b) modo de ser ess.que consiste num meio-termo ( mefo-termo relative a nés), c) determinado pela aza0- j razio gragas & qual um homem dotado de di pbrénesis) 0 determinaria (EN, Ii, 6, 11072). Em que pese essa tripla € a mesmo tempo tnica definigio do que é a virtude moral, Aristoteles reconhece ‘daramente nao set um intento facil alcangar 0 meio-termo, ‘0 meio-termo deve ser determinado como 0 determinaria © hhomem prudent, o homem de sabedoria prtica. Trata-se de agenciar a usta medida como 0 faria 0 phrénimos, uma vez ‘que a virtude requer que a agio .da adiante de forma deliberada e por isso €determinada racionalmente ¢ requer ‘um conhecimento pritico. A virtude moral € definida entio Tomo uma disposicio para a escolha, a qual é um desejo deliberativo, isto é, calculado, raGonal. A escolha envolve ‘6 desejo por um fim e a Fazio. Esta atua para descobrir 05 meios adequados a0 fim desejado, A ago humana deve ser duplamente orientada: de um lado tem-se de ajustar 0 desejo (orexis) e a razio (Jogos) para que o homem no seja Dresa de suas pulsdes; por outro, € preciso que o logas seia 82 correto (orthas logos), pois do cont 10 poder sdcheatanmtes despespoe sede ___ Essa dificuldade em orientar-se pelo meio-termo reforca ainda mais © valor que possui o agir virtuoso. Ocorre que proceder assim em relagao a pessoa cesta, até © ponto certo, no momento certo, pelo motivo certo ¢ da maneira cena, nao € para qualquer um, nem ¢ facil, e € isso que explica que agir bem € raro, louvavel e belo, ressalta Aristételes GEN, Tl, 9, 1109a). © meio-termo que caracteriza a virtude moral € estabelecido levando-se em conta 2s circunstancias. Nem seripre ele € 0 ponto cental entie dois extremos; anes on en cain cas eon cance: cia especifica, Porém, nao € arbitrario nem relativista. Isso & atestado pela propria natureza do saber ético. Seu estatuto metodolégico se aproxima, nesse sentido, a0 das artes. Ocor- te que, assim como acontece com a satide, as matérias que se referem & acao ‘nada tém de fixo”, 0 que demanda das pessoas engajadas na aco examinar em cada caso 0 que é adequado a situacao (EN, Il 2, 1104a). Em que pese 0 grau de dificuldade reconhecido para determind-lo, Aristételes sugere que quem procura alcangar (© meio-termo na ago deve, antes de tudo, evitar o extre- ‘mo mais contrério a ele ¢ indica uma maneira de buscé-lo: “De dois extremos, com efeito, um induz mais em erro que 0 outro; por conseguinte, ja que atingir 0 meio-termo 6 extremamente dificil, devemos |... escolher 0 menor dos males” (EN, I, 9, 1109a). £ claro que nao se trata de limitar- se a escolher a “menos pior” das altemativas presentes em relacao a tim curso de a¢a0. © homem, quando dotado da pbronesis, a virtude do discernimento que possibilita a boa deliberagio, teré muito mais facilidade de levar adiante esta avaliagao acerca de como deve ser agenciado 0 meio-termo ‘em cada circunstincia da agio. A determinacao do meio- termo nao € arbitréria porque resulta da escolha orientada pela pbrénesis; 6, pois, algo discemido. A deliberaga0 que ‘© homem prudente faz para orientar 0 curso de sua aco ‘obedece a reta raz3o. Trata-se de uma escolha deliberada, a qual possibilita oferecer razbes para agir de uma maneira 20 invés de outra numa determinada circunstancia Por nao cer muito facil adotar © meio-termo como um habito, apenas as pessoas que se desviam de forma conside- ravel dele podem ser censuradas. Do mesmo modo, so as circunstincias especificas que permitem ao agente inclinar-se adequadamente mais no sentido do excesso ou da falta em vista do meio-termo: Quanto a dizer até que ponto ¢ em que medida 0 desvio é censuravel € algo dificil de ser determinado racional- ‘mente, como € alhures © caso para todos os objetos percebidos pelos sentidos. Tais precisdes sto do dominio do individual e a discriminacao aliada da sensacio. Mas dissemos © suficiente para mostrar que 0 estado que ‘ocupa : posigao intermediaria é em todas as coisas digno de nossa aprovacao, mas que por vezes devemos pender tanto para 0 excesso quanto para a falta, pois € deste ‘modo que atingiremos mais facilmente © meio-termo € ‘0 que correto (EN, Il, 9, 1119b). Essa constatagdo acerca das dificuldades do agente em determinar ¢ mieio-termo na acao leva-o a sugerir tés regras priticas ou condigdes para atingi-lo, Séo elas: a) “Evitar 0 €x- tremo mais contrario a ele”; b) estar atento aos “erros para os «quais nés mesmos nos inclinamos mais facilmente” mediante a observagao “do prazer do sofrimento que experimenta~ mos” e buscar 0 “extremo oposto”; ¢) tomar precaucao “contra ‘o que é agradavel e contra © prazet, pois nessa matéria nao julgamos comimparcialidade” (EN, 11,9, 1109a-b). Lewmnot A DIMENSAO ETICA DA EDUCAGAO Depois de mostrar como a educacao em Aristételes demanda um determinado modo de vida ¢ de tratar sobre a maneira como a virtude € adquirida, bem como do meio- termo como seu pardmetro fundamental, cabe explicitar (05 aspectos centrais da dimensio ética de sua concepgio educativa. Tal dimensio vincula-se a sua doutrina sobre a virtude € demanda a explicitagao das condigdes para que ‘uma ago possa ser considerada virtuosa, a tematizacao do papel do prazer para a educacio e a abordagem da educagia mediante a virtude. ‘As condigGes para o agir virtuoso Se a virtude esti no centro da ética e também da edu- caclo, a questo € explicitar sob que condigdes uma ago pode ser considerada virtunsa, De certa maneira, a virude € adquirida do mesmo modo que a arte, pois nem uma nem outra surgem em nés por natureza. Ambas sio adquiridas pela pritica reiterada de determinados atos. No entanto, hi ‘uma importante diferenga entre o exercicio dos atos virtuosos € 0 das artes ou oficios. Se_na arte Gechne) o importante & 9 produto pronto, no caso da virtude moral o resultado da “Obra” demanda alguns elementos a mais. No Basta qué o resultado da a¢i0 seja exitoso ou bom, que a ago seja justa ou moderada, por exemplo, pois pode sé-lo assim por acaso, ‘Uma pessoa pode agir de forma justa circunstancialmente por ‘Ser Vantajoso ou conveniente para si aparentar ser justa. As 5s agdes podem esconder as intengdes reais do agente. Também. podem ser acidentais: alguém pode restituir algo de que era depositirio contra a vontade e por medo, como exemplifica © proprio Aristételes (EN, V, 10, 1135b). (0 cariter virtuoso de um agente no se identifica com a ‘mera pritica de ages virtuosas. Para uma ago ser virtuosa necessita resultar de uma escolha do agente, © fato de uma acao poder ser boa acidentalmente ou de forma oportunista ‘exige que para ela ter valor moral o agente necessita atender a certas condigdes no préprio ato de praticé-la: “O agente deve também estar em certas condigoes quando 0s {atos] pratica: ‘em primeiro lugar, deve agir conscientemente; em segundo lugar, deve agir deliberadamente e deliberar em funca0 dos proptios atos; em terceiro lugar, sua ago deve provir de ‘uma disposicao moral firme e imutavel” (EN, Il, 3, 1105a). (© homem virtuoso € aquele que executa as ages de uma maneira determinada, ou seja, em primeiro lugar deve saber o que esti fazendo e como 0 esti fazendo (ter € atuar com co- nhecimento pritico). Necessita saber que, nas circunstancias fem que esti agindo, a postura adotada por ele € adequada, ‘que se trata do que deveria efetivamente fazer e que isso nao € insensato, irresponsivel, nem deficiente moralmente, Em segundo lugar, deve escolher livremente 0 ato em questo ¢ escolhé-lo unicamente por este ser virtuoso. A voluntarie dade € condigao para a virtuosidade do ato. Necessita, pois, ‘escolher 0 que esti fazendo a partir de si pr6prio, agir por € com opgao porque, em tais circunstincias, € 0 que deve ser feito, Tem de escolhé-lo deliberadamente e por seu proprio. ‘valor, O cariter consiste numa disposicdo, um modo de ser permanente, que orienta a agio do agente com constancia Bm terceiro lugar, seu ato deve brotar de um cariter firme e invaridvel, nao deve ser um evento casual, leviano, ste aspecto da firmeza do cariter pode ser exemplificado com a situagao do soldado que luta valentemente nao porque nas circunstancias de uma batalha nao encontra nenhum modo de fugir, mas por possuir valentia: do contririo, ele teria apenas um forte espitito de sobrevivéncia, mas n3o %6 virtuosidade (Lear, 1994). O mesmo vale para as agoes jus- tas © moderadas, as quais se identificam com aquelas que 0 homem justo e moderado praticaria. Porém, o agente nao é justo e moderado apenas por pratici-las, isto &, por fazé-las aleatoriamente, e, sim, porque as pratica como o fariam os homens justos e moderados. & em fungao de seu carter que © homem virtuoso escolhe a ago virtuosa por ela propria, Essa posicao permite a Aristételes colocar-se claramente contra uma postura intelectualista em relac3o a ética: “Muitos homens nao os praticam — atos moderados e justos (AVC) -, mas se refugiam em teorias e pensam que estio sendo fil6- sofos e assim se tornario bons, procedendo de certo modo como pacientes que ouvem atentamente seus médicos, mas nada fazem do que hes é prescrito” (EN, I, 4,1105b). Agit virtuosamente resulta da pritica de ages reiteradas em con- formidade com a virtude e demanda pois agit consciente, voluntariamente e com firmeza de cardter. A ppremissa antropol6gica fundamental de Aristételes e 0 papel do prazer para a educacao, ‘A compreensio das condicdes da acio virwosa ¢ das especificidades da virtude moral, ststentada no critério do meio-termo, e da concepgao de educacio associada a esta pressupée uma premissa antropolégica fundamental: os homens tendem a buscar o prazer e a evitar 0 sofrimento. A propria virtude moral se relaciona com tais aspectos ¢ apren- der a administri-los adequadamente esté no cere de toda educacao: “..]é por causa do prazer que praticamos o mal © € por causa do sofrimento que deixamos de praticar 0 bem. ‘Assim, devemos ser levados, de um modo ou de outro, desde ‘a mais tenra infincia a encontrar no prazer € no sofrimento ‘© que € certo, pois, como observava Platio, nisso consiste a verdadeira educasao" (EN, Il 2, 1104b). Essa premissa decorre dda propria estrutura da alma apetitiva ~ a qual se caracteriza por uma tensio permanente entre certa dose de razo € os desejos -. ¢ aprender a dosar prazer € sofrimento € chave para a constituigao de um bom ou mau cardter. x [Arist6teles divide a alma em trés partes — vegetativa, apetitiva e racional -, € a educagao do cariter se vincula 2 segunda de tais dimensoes. Esse cariter hibrido — por mis- turar instintos e pulsdes e certa dose de razo — ¢ “tenso” ‘da alma apetitiva faz. com que esta deva ser bem cultivada que se dé uma atencio especial ao modo como se administra a tensio entre prazer € sofrimento ali existente: “L..] € por causa do prazer e do sofrimento que os homens se tomam ‘maus, pelo modo como 0s persegue ou os evita” CEN, Hh, 2, 1104b), Trata-se de aprender a perseguir ou a evitar deter- minados prazeres e sofrimentos, assim como de assimilar 0 modo adequado de persegui-los ou evité-los, bem como de evitar a agir erradamente de qualquer outro modo. ‘Arist6teles reconhece que a tendéncia em buscar 0 pra- zer acompanha o homem desde sua inffincia, razao por que no € ficil est desprender-se dela. Por conseguinte, cultivar o carater mediante bons habitos € uma tarefa exigente, ¢ a ‘educagio em Aristételes tem como um de seus pilares fun- damentais a organizacio dos desejos de modo que as agdes boas resultem na obtengio de prazer ¢ as mas, em softimento, Como os prazeres e 0 sofrimento nao estio determinados de forma rigida pela natureza, podem ser organizados pelo habito e pela pritica bem orientada das agdes humanas, pela ‘educagao, portanto, € € em funcao deles que os homens atuam bem ou mal. No caso de um homem mau, 08 pra- zeres encontram-se mal distribuidos, pois, ao agir mal, age contra sua propria natureza, prejudicando-se (Lear, 1994). Ha prazeres que podem resultar numa grande satisfacdo ~ ‘como € 0 caso de uma alimentacao agradavel -, mas ser, 20 mesmo tempo, altamente prejudiciais & sa“ide. Os prazeres,. quando mal distribuidos, podem propiciar 2 autodestruico do proprio agente. ‘Central nesta premissa de Aristoteles € 0 fato de a virtude ¢a deficiéncia moral se vincularem as mesmas coisas, ou seja, a forma de regular as ages mediante prazer ¢ sofrimento: “LJ por ess razio devemos necessariamente centrar todo ‘nosso estud9 sobre essas noses. pois nossa reago sadia nin ant seg = wah UR nH ou viciosa a0 prazer e ao sofimento nao resulta indiferente a condugio da vida" (EN, Il, 3, 1105a). Morrer pela patria, por exemplo, € doloroso (penoso), mas nobre (nobilitante), porque a coragem é uma virtude, Do mesmo modo, tomar aio amargo pode ser penoso (desagradvel), mas é bom (vantajoso) para a satide, Aprender a regular a tendéncia a buscar o prazer € a evitar 0 sofrimento & algo que se situa nna base da propria concepcio educativa aristotéica. Se € assim, as escolhas do agente devem orientar-se pela busca do que € correto (o bem), no apenas pelo que € agradavel Aeescolha nao deve orientar-se automaticamente pela busca do prazer e por evitar 0 que causa dor, mas pela busca do bbem, sendo este prazeroso ou nao. ‘A questo € como orientar ou organizar corretamente 0 desejo, ja que o bem real pode ser confundido ou substituido pelo bem aparente, Nesse sentido, Arist6teles observa que © homem vulgar (mau) tende a desejar qualquer coisa a0 caso, sobretudo os bens aparentes. Porém, vale ressaltar, ‘nem sempre um bem aparente pode ser simplesmente identi- ficado com um bem falso. O:bem aparente pode coincidir ou rao com o bem real, Ele pode parecer e ser real. © homem bio (bom), por sua vez, aspira ao objeto de desejo verda- deiro (o bem real). Para este, parecer bom tem de ser igual a ser bom. © homem sabio (spoudaios) reine condigoes de julgar corretamente as coisas por saber orientar seu deseo. Por essa razio, as coisas que ele deseja the parecem como realmente sio. O homem bom se diferencia dos outros por ter aprendido a perceber 0 que € correto em cada coisa e se constiui como norma e medida em relagio as coisas, (© prazer, assim como 0 sofrimenito que acompanha as ages, € um indicio das disposigoes morais do sujeito e & ‘um elemento que esta na base da educagio e da formagio humana. O proprio Aristteles afirma que o prazer tem li gases muito estreitas com a natureza humana e que 6 por essa razio que na educaglo dos jovens utiliza-se o prazer € © sofrimento para guié-los (EN, X, 1, 1172a). Se é um dado fundamental da natureza humana, a educacao tem de levi-lo devidamente em conta, Além disso, a fruicdo das coisas que se deve fruir e o desprezo para com o que se deve desprezar tém uma enorme importancia na formacao do carater, ¢ isso acompanha o ser humano por toda a vida. © modo como se leva adiante esse aprender adequadamente gostar das coisas certas e a desgostar das coisas erradas tem um grande peso em relacio 2 virtude moral ea uma vida bem vivida (EN, X, 1, 11722. ‘Conforme Arist6teles, o prazer tem um papel fundamen- tal na vida humana, a tendéncia a buscé-lo se desenvolve naturalmente desde a infancia e com o tempo ele se enraiza ‘em nossa vida. Ele tem grande importincia por aperfeigoar as aces e, pois, também, a vida humana: pode-se pensar que todos 0s homens, sem exceq20, aspi- ram a0 prazer, pois todos anseiam por vver. A vida € uma ‘eterminada aividade e cada homem exerce svaatvidade tno dominio e com as faculdades que mais estima. (.-1 0 prazer vem aperfeigoar as atividades e, por conseguinte, 2 vida aspirada.£, pois, normal que os homens tendam do prazer, pois para cada um deles 0 prazer aperfeicoa a vida (J. CEN, X, 5, 1758). 0 prazer intensifica as atividades, e cada classe de coi sas é realizada com melhor discernimento € maior precisio pelas pessoas quando essas se dedicam as suas atividades com prazer (EN, X, 51175a). © papel do educador é, pois, orientar o educando a executar agdes em consonancia com determinados tos, pois © habituar-se a praticar determinadas ‘agbes virtuosas cria as condigdes para que, com 0 tempo, ddesaparega 0 sofrimento e este dé lugar a0 prazer na pritica de tais ages. O prazer tem um papel fundamental para a aquisicao da virtude moral. Ele € um meio da acto educa- tiva que complementa 0 hibito, pois o acompanha € € seu indicio. Como a acao mais completa €, 20 mesmo tempo, 4 ‘que da maior prazer e agrado, chega um momento em que a facilidade em realizé-la e a satisfagao que ela gera ao agente fazem desaparecer todo cariter coativo. Isso faz com que © permaneca © hébito arraigado na forma de uma disposigao permanente. Aristételes acredita que isso faria com’que © agir mal aparecesse ao sujeito como pouco atraente, contririo a raz3o e desagradavel em sua realizacio, O prazer € uma espécie de mola propulsora das agdes hummanas e € condicao para a eficicia da aco educativa. Como resume Lombard, “o processo educativo consiste primeiro em criar os habitos pelos quais 0 prazer € colocado a servigo do bem. Esses habitos, uma vez adquiridos, formam as virtudes morais, ‘cuja pritica serd um prazer constante. Os meios da educagao moral alcancam, assim, seus fins (.1" (1994, p. 63). ‘A educacao mediante a virtude Com a elaboragdo de sua ética das virtudes e com a cexplicitagao de sua concepeao politica, Aristoteles recolhe a heranca da paideia grega em geral ¢ de seus antecessores, sobretudo de Socrates, Platao e Is6crates, colocando-a so- bre bases mais amplas. Ele fortalece a nogiio de que educar © cidadao € educar nas virudes e que as vitudes morais, enquanto_virudes do cariter, nio podem ser_ensinadas. A seu juizo, o saber relativo & ago humana e ao melhor modo de agir nao € passivel de transmissio. Isso se deve, como jé observamos, 3 natureza intrinsecamente contingente da agio humana e ao cariter pritico da aprendizagem da vvirtude moral. Ora, a paideia aristotélica se assenta no conceito de pritica referido a0 exercicio de atos virtuosos. Vimos que a educagao € educagao para a virtude medignte o exercicio de-bons habitos e acompanhados pelo [prazer. A relaclo indissociavel entre educagao e virtude tem por base 0 solo dda prixis humana. O sujeito para ser educado tem de sé-lo mediante a virtude. Trata-se de uma educagio orientada por ‘uma racionalidade pritica que tem como referéncia 0 cari- ter contingente da ago humana. O saber ético tem como base um conceito de verdade de cariter pritico. Esta, para no ser diluida pela ciéncia, a episteme e sua racionalidade demonsirativa. ter de limitar-se a seu objeto (a préxis) e o receber um estatuto condizente com este, pritico, pois. Tal objeto, a aco humana, é contingente e singular, uma vez que esti sempre sujeito a mudangas. Por essa razio, Aristételes observa também que as matérias relativas ao "terreno da aca0 ‘edo stil nada tém de fixo", € 0 exame dos casos particulares 6 “avesso a exatida0” (EN, I, 2, 1104a). (Ora, 0 fato de a acio fazer parte das coisas verdadei- ras em linhas gerais nao relativiza nem desqualifica sua importancia. Antes, aponta para sua especificidade. Assim, deve-se considerar que “cada caso particular tende & exati- dao compativel com a matéria tratada e somente na medida apropriada a nossa investigacio" CEN, I, 7, 10984). As pessoas ‘a0 agirem precisam levar em conta em cada caso “o que adequado & ocasiio", a exemplo do médico ao tratar de ‘curar seu paciente ou do navegante ao tomar decisdes em alto-mar. Esse aspecto € central para a educacio moral, pois a ética implica um saber de situacdo, a compreensdo, um saber que auxilia a perceber e a penetrar na singularidade das situagdes concretas, Como observa Gadamer, trata-se, no que se refere ao agente, de “compreender-na situag! concreta 0 que é que esta pede dele, ou, em outras palavzas, quem age deve ver a situagao concreta & luz do que se exige dele em geral” (1984, p. 384). Para a compreensio do problema acerca da relagao centre educagio € virtude moral faz-se necessério retomar ainda duas distingées, quais sejam: entre 0 saber te6rico € 0 saber pritico e entre o saber pritico € 0 poiético. A diferenca originaria entre o saber te6rico € 0 saber pritico esta em que © primeiro € contemplativo e tem como fim conhecer © que as coisas io. a0 passo que © segundo visa ao agit. O saber te6rico € aquele que trata de objetos imutaveis, o que nao pode ser de outro modo, ou seja, daquilo que € necessirio, tais como eram entendidos os conhecimentos da matemitica pelos gregos. O saber pritico trata daquilo que pode ser de ‘outro modo, do contingente, ou seja, da escolha entre dife- rentes possibilidades presentes nas citcunstincias do agit. No caso da pris, o que se tem em vista € 0 aprimoramento do vest aetna: aN tun Ans SUE réprio sujeito da agao, Nesse sentido, a préis distingue-se da poiesis, o saber produtivo que trata dos objetos feitos pelo homem. A poiesis volta-se para 0 aprimoramento do objeto produzido, que € externo ao agente, a0 passo que a prézxis vvisa a0 aprimoramento do sujeito que age, e a mudanga por cla gerada é interna ao sujeito. ‘A.natureza da educagio mediante as virtudes a ser rea- lizada na polis tem de ser buscada no ambito da praxis, uma Vez que esta se, ¢ visa a uma transformagio interna ao agente. A compreensio da acao humana deman- da um tipo de racionalidade distinto daquele presente na base das cigncias teoréticas, que 9 agit humano comporta ‘contingéncia, de modo a requerer um tipo de racionalidade Préprio. Por essa razao, o saber pritico também nao pode ser confundido, muito menos reduzido a racionalidade propria das ciéncias poiéticas que esto na base das atividades pro- dutivas € possuem um sentido instrumental. A ética vincula, pois, um tipo de racionalidade especifico, a racionalidade da précis, ¢ tem como centro as virtudes. Como se nao bastasse, a formacao do sujeito mediante a ago € central para a concepao educativa de Arist6teles. Como a virtude € produto de habito e, pois, de exercicio a ser levado adiante reiteradamente pelo proprio sujeito € nio de instrugao, a dimensio ética nao pode ser inserida de fora para dentro ‘no proceso educativo. Arist6teles vai indicar trés fatores que devem operar de modo integrado entre si e que possibilitam aos homens fomarem-se bons € dotados de virtudes: a natureza (phy- 'i5), 0 habito (ethos) € a°razao (logos) (Pol, VII, 14, 13324), ‘A natureza € 0 que faz alguém nascer homem, com suas potencialidades, e nao outro animal qualquer; em segundo lugar, o homem necessita nascer com certas “qualidades de corpo € alma” que serio aprimoradas por bons hdbitos. O habito permite transformar as qualidades para melhor ou para pior, ou seja, para a virtude ou para o vicio. Por fim, 0 homem € 0 Gnico ser dotado de razio e, por esse motivo, deve usi-la para orientar sua vida. Como a natureza é dada 6 de uma vez por todas ao homem ao nascer, a educagao—em sentido mais especifico - deve ocupar-se com os dois outros fatores, a saber, a formagao dos habitos ¢ o desenvolvimento da razio, O habito e a razao podem desenvolver as poten- Gialidades que sio dadas pela natureza propria do homem. Esses trés aspectos devem ser conduzidos de forma a serem harmonizados entre si evitando-se agir contrariamente & natureza e aos habitos. Trata-se aqui de atualizar, mediante bons habitos e guiado pela razao, aquelas potencialidades advindas da natureza pr6pria do homem, uma vez que ‘este nasce com a capacidade de adquirir as virtudes € de desenvolvé-las, Essas qualidades so necessdrias para que 0s homens-cidadaos sejam bem guiados na polis pelo legislador. O restante “é obra da educagio, pois os homens aprendem algumas coisas pelo habito € outras pelo ensino dos mestres” (Pol, Vil, 14, 13320). O ideal de homem e de educagao de Aristoteles sustenta- se no jé mencionado principio de que a vida humana, para ser virtuosa, precisa ser exercitada em bons habitos, ¢ estes tém de ser acompanhados pelo prazer, Como as virtudes morais nao sio adquiridas de modo natural ou espontineo, nem ensinadas, sto desenvolvidas mediante 0 cultivo dos habitos, o que demanda um aprendizado exercitado através das vivencias, Assim, € pela pritica de agdes em que o sujito tem de engajar-se dentro de suas relagdes com outras pessoas aque ele se torna virtuoso. Em suma, argumenta 0 proprio “Aristoteles, “nossas disposicées morais (habitos AVC) provém das agdes que Ihes sao semelhantes” (EN, Il, 2, 1103b). A virtude € produto da pritica amadurecida de determinados habitos que devem ser cultivados desde tenra idade e 0 seu exercicio requer, pois, um aprendizado pelo o exercicio constante. Isso sugere que © processo educativo € longo e deve ser bem orientado desde o principio (Merve, 2000). Por conseguinte, haveri uma grande diferenca entre formar ou nao os habits de um modo correto: desde a in- fancia. A alma de quem aprende deve ser cultivada, primei- ramente, por meio de Habitos. os quais permitem ao sujeito ro aprender a rejeitar ou a querer 0 que € correto (EN, X, 10, 1179b). O habito tem por base as paixdes'e € a estas que a virtude moral esta relacionada, assim como a verdadeira educagao (EN, Il, 2, 1104b). A educacao pelo exercicio de bons habitos € decisiva para a formagao de um sujeito com cariter virtuoso. O cultivo dos habitos assume primazia no proceso educative justamente por levar 0 sujeito a aprender a distinguir e a preferir 0 que é correto em relagio ao que no €. O que distinguiré o homem virtuoso serdo justamente os habitos enraizados no seu cariter. As virtudes, do mesmo ‘modo como ocorre com as artes, sio adquiridas mediante a sua pritica efetiva € reiterada pelo sujeito. Assim como, no caso da citara, aprender teoria musical nao se constitui em condicao suficiente para toci-la bem, no caso das virtudes morais nito basta saber 0 que sio para 0 sujeto tomar-se virtuoso. £ preciso, afirma Aristételes, “esforcar-nos por possui-las e colocé-las em pritica” (EN, X, 10, 1179b).

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