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LUCAS ZAPATER BERTONI

HERMENÊUTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ANÁLISE:


PROPORCIONALIDADE E PONDERAÇÃO NA DOUTRINA E MAGISTRATURA
DO MINISTRO GILMAR FERREIRA MENDES.

CURITIBA
2015
2

LUCAS ZAPATER BERTONI

HERMENÊUTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ANÁLISE:


PROPORCIONALIDADE E PONDERAÇÃO NA DOUTRINA E MAGISTRATURA
DO MINISTRO GILMAR FERREIRA MENDES.

Monografia apresentada ao Curso de


Graduação em Direito, Área de
Habilitação em Direito do Estado, Setor
de Ciências Jurídicas, Universidade
Federal do Paraná, como parte das
exigências para obtenção do grau de
bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Daniel Wunder


Hachem

CURITIBA
2015
3

TERMO DE APROVAÇÃO

HERMENÊUTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM ANÁLISE:


PROPORCIONALIDADE E PONDERAÇÃO NA DOUTRINA E MAGISTRATURA DO
MINISTRO GILMAR FERREIRA MENDES.

Monografia aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel no


Curso de Graduação em Direito, Setor de Ciências Jurídicas da Universidade
Federal do Paraná, Área de Habilitação em Direito do Estado, pela seguinte banca
examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Daniel Wunder Hachem


Departamento de Direito Público
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná

Profa. Dra. Eneida Desiree Salgado


Departamento de Direito Público
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná

Profa. Dra. Adriana Schier


Faculdade de Direito da Universidade do Brasil

Curitiba, 01 de dezembro de 2015.


4

Aos meus pais e irmã, pelo apoio irrestrito


e pelas discussões jurídicas familiares.
Aos meus amigos, pela presença
constante durante todo esse tempo.
Ao meu orientador, pela cumplicidade e
paciência com minhas dificuldades.
5

AGRADECIMENTOS

Não direi aqui que estas primeiras palavras foram mais difíceis do que o
restante do trabalho, afinal, serão na verdade aquilo de mais autêntico ao longo do
texto. A dificuldade se encontra, todavia, na tarefa de tentar abraçar todos aqueles
que foram importantes em tão poucas palavras. A tentativa, entretanto, é obrigatória,
uma vez que este trabalho seja um dos mais importantes feitos de minha vida.
Primeiramente, meus agradecimentos são à minha família, extensa e
problemática como todas são, mas não menos sensacional. Aos meus pais, Marcelo
Bertoni e Aline Zapater, por tudo aquilo que passamos juntos, momentos bons e
ruins, por me proporcionarem com muito esforço os meus estudos desde sempre, e
principalmente, por me ensinarem que ninguém é infalível, que todos possuímos
defeitos e que a arte do convívio é reconhecer os seus próprios defeitos e aprender
a lidar com os dos outros.
À minha irmã Júlia, por me fazer cada dia melhor sabendo que aquilo que
sou de alguma forma influencia a sua vida e o seu crescimento. Tenho muito orgulho
de você e você já é uma pessoa incrível. Nossas brigas são nada além do mais puro
e profundo amor.
Aos meus avós, Manoel Zapater e Ondina Rocha, pelo exemplo de
felicidade e companheirismo que encanta a todos que estão ao seu redor, há mais
de 45 anos. Obrigado por praticamente toda a minha vida, a qual não imagino sem
vocês. Vocês sempre foram e sempre serão também meus pais e meus maiores
ídolos.
À minha bisavó, Dona Tunica, de onde quer que esteja, por transmitir amor
por cada segundo de sua vida. Queria demais que você estivesse aqui agora que
essa fase da minha vida está terminando, e sei que você também gostaria de estar.
A falta que você faz só não é maior porque todos nós sentimos você por perto cada
vez que uma flor surpreende pela beleza, ou que um pássaro nos encanta com seu
canto.
Ao meu tio André, desde sempre meu irmão mais velho, pelo grande cara
que você foi sempre, alguém que nunca deixou de procurar de todas as formas estar
por perto, sempre. E sempre estará.
6

Ao meu padrinho Renato, pela parceria de alguém que, muito além do que
um padrinho, é um grande amigo. O seu modo de enxergar a vida é único e muito
raro. Nunca deixe de ver o mundo dessa forma, pois as pessoas precisam disso.
Aos meus tios Roberto, Renata, Willer, Silene, Odaleia, Ricardo, Marcos,
Júnior, por toda a dedicação em mimar este sobrinho que espera, de coração,
sempre ter retribuído esse amor da forma mais singela que seja.
Aos meus primos, Isabele, Luan, Giovane, Cauã, Ricardo, Guilherme,
Karina, Fernando, Michel, Daniel, Marcos, Jean-Jacques, pelas boas risadas e
grandes momentos que vivemos juntos, com maior ou menor freqüência. Estes
estão sempre entre minhas melhores lembranças.
À minha tia Cristiane Canellas, pela fantástica jurista que é, cativante e
loucamente apaixonada por lecionar, assim como eu. Nossa insanidade alimenta
cada uma destas minhas próximas palavras, Cris. E obrigado pelo estupendo
cuidado e zelo que tem pelo Renato e pelo Cauã, eles precisam muito desse seu
carinho.
Em seguida, meus agradecimentos serão para aqueles responsáveis por me
tornar aquilo que sou hoje, com a sua contribuição significativa para cada uma das
minhas qualidades e defeitos. Não tenho orgulho maior do que admitir que minha
vida é pelos meus amigos. Como a frase clássica diz “Amigo é o irmão que a gente
escolhe”.
Aos meus irmãos de décadas, Gerson e João Rafael, pela parceria e carinho
de sempre, independente de distância ou tempo. Como sempre dissemos, cada
reencontro parece que não havia se passado um só segundo desde que estávamos
juntos. Com tudo o que passou, nossa amizade ainda é exatamente a mesma.
Aos meus irmãos de “só” uma década, Nathan Benetti, Junior “Fejão”, Lucas
“Pitta”, Rodrigo Cordeiro, Pedro Leão, Thiago Vieira, Felipe Castro, José Henrique
Toledo e Gabriel Gama. Em todos estes anos, nunca deixamos de nos preocupar
com o que o outro estava fazendo, se estava bem, e sempre compartilhamos todas
as nossas dores e alegrias, não necessariamente nessa ordem. Espero estar em
cada um desses momentos na presença de vocês, ou, pelo menos, o máximo
possível. Todos que hoje convivem comigo já ouviram das nossas histórias, porque
elas fazem parte daquilo que sou. Muito obrigado!
7

Às minhas amigas sempre tão carinhosas e generosas durante todos esses


anos. Ana Paula, Elisa, Fernanda, Daiene, Renata. À Meiri Aparecida Benetti, pelo
cuidado materno que teve comigo durante todo esse tempo e pela grande advogada
e mãe que é.
Aos amigos, mais do que colegas professores Luiz Roberto Relvas, quem
me ensinou a ser um “colecionador de amigos”, Luiz Alberto Franchin, o Tico, um
dos primeiros a acreditar em mim, Fernando e Roberta, casal mais alto astral do
mundo, Rubens José Benini, a sabedoria brincalhona mais brilhante de toda a
geografia, Marcelo Guereschi e Ana Claudia Freitas, amigos de muitos anos, nunca
apenas professores, Amir, Edson Fernando Batochio e Antonio Cesar Sica, sempre
na nossa memória, mestres que mostram dia após dia que nunca se deixa de ser
professor. Motta, Maurinho, Alex e Carlinhos, pelo carinho e amizade das mais
sinceras.
Finalmente, minha vida mudou consideravelmente nos últimos anos. Curitiba
acolheu a mim e à minha família de braços abertos e com várias oportunidades de
mudarmos o rumo de cada um de nós. Por isso, dedicarei estas últimas linhas
àqueles que transformaram a minha vida e foram determinantes para a realização
deste momento.
Aos meus grandes e essenciais amigos Daniel Cho e Antonio Seixas, pela
amizade sincera e profunda destes seis anos, com um grau de cumplicidade que
proporcionou a paz de espírito que precisei para chegar até aqui. Serei sempre grato
por tudo que fizeram por mim e pelo modo gentil que tratam minhas deficiências.
Aos amigos Luiz Octávio Stocco, Marcelo Muller, Sérgio Degrande, Wilmar
Martins, Alfredo Rosa, Gil Vicente Moraes e Mauricio Santos, por tornar meu
ambiente de trabalho algo extremamente gratificante e sensacional.
Aos amigos Paulo Liebl, o calouro mais parecido comigo que eu tive, eu
acho, Clovis Pinho, o colega mais brilhante que tive nestes anos e, ainda assim,
sempre humilde para negar isso, Rodrigo Saturnino, o maior lutador que eu conheço
e que merece todo o sucesso do mundo e Fernando Struecker, pela incrível
capacidade de agregar as pessoas com uma serenidade ímpar, pela parceria
incondicional de nível internacional, e porque juntos, nós somos capazes de fazer
quase tudo. Obrigado pela melhor viagem da minha vida.
8

À Ana Julia Louzada e Barbara Caramuru, pelos divertidíssimos e


acalorados debates ao longo destes últimos cinco anos.
À Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, instituição que
me proporcionou os melhores anos de minha vida. Espero que possa, um dia,
retribuir tudo aquilo que me foi oferecido. Guardarei com carinho e saudades cada
pessoa, da dona Regina ao Prof. Ricardo Marcelo, pela intensa dedicação que
dispendi na minha formação acadêmica, especialmente na parte institucional.
Espero ter contribuído para construir uma faculdade melhor para todos.
Aos professores Rodrigo Kanayama, André Peixoto de Souza, Francisco do
Rego Monteiro Rocha Junior, Ilton Norberto Robl Filho, Manoel Eduardo Alves
Camargo e Gomes, amigos além de mestres, por todos momentos divertidos que
compartilhamos, seja Curitiba ou Brasília.
Aos professores Luiz Edson Fachin, Vera Karam de Chueiri, José Roberto
Vieira, Sérgio Fernando Moro, Romeu Felipe Bacellar Filho, Egon Bockmann
Moreira, Luis Fernando Lopes Pereira e Fabricio Ricardo de Limas Tomio, exemplos
de docentes que dedicam diariamente suas vidas à construção do conhecimento.
Ao meu orientador, Daniel Wunder Hachem, um exemplo para minha vida,
alguém dedicado a ajudar os outros, especialmente através da docência. Deixou de
ser um professor e se tornou um amigo dedicado e leal, que posso contar sempre e
alguém que se preocupa verdadeiramente comigo.
Ao Centro Acadêmico Hugo Simas, associação acadêmica mais tradicional
do sul do mundo. Fazer parte da construção do CAHS foi a minha experiência mais
proveitosa e intensa destes últimos anos. Nunca me esquecerei de cada projeto
cumprido, cada plano, cada problema, sempre na companhia e parceria do Sérgio,
Carol, Bruna, Tonhão, Ruy, Paula, Vitória, Dimas, Bauer, João Camargo, Jones,
Bruno e Carmem. Foram momentos sensacionais que sempre lembraremos com
muito carinho. Serei sempre CAHS.
Ao Partido Democrático Universitário, mais do que um partido acadêmico,
um conjunto de amigos com a mesma motivação, o amor por aquela faculdade, e o
mesmo propósito, tornar o nosso curso cada vez melhor. Àqueles que me ensinaram
que o projeto político do PDU sempre foi simples e sincero, Álvaro, Fred, Marcella,
Jéssica, André Luiz, André Arnt, Marylia, Bernardo, Fábio, Carlos. Aos amigos que
9

conquistei sendo “verde”, muitos dos quais levarei a vida toda. Aos calouros que me
fazem acreditar que valeu à pena todo o esforço, horas de dedicação plena, para
que as pessoas acreditassem que queríamos o melhor para todos, Raissa, Mariana,
Gustavo, Pedro Costa, Pedro Wambier, Luzardo, Murilo, Marina, Rafael, João
“Barba”, Paulo Queiroz, Lucas Pereira, Eduardo Ono, e todos os outros que já me
dão orgulho suficiente para confiar esse partido que me é tão caro, de coração
aberto. Serei sempre Verde.
À Nathalia Alves, Guilherme Rezende, Joyce Tambosi, Guilherme Molina,
Raphael Gnatta, Rui Pereira, Nicolas Nogueira, pelos anos de compartilhamento de
trabalhos e apertos, risadas e choros, festas e doenças, churrascos e finais,
obrigado.
À minha comissão de formatura, pelo empenho em concretizar este desafio
e pela paciência de suprir e tolerar as minhas ausências, às vezes de forma não tão
delicada, mas contundente.
Ao Vitor Beux Martins, por representar aquilo que me deixa em paz em todos
os sentidos ao encerrar este ciclo da minha vida. Tive um aluno que se tornou
calouro, um calouro que se tornou amigo, um amigo que se tornou meu irmão mais
novo. Obrigado por me fazer realizado em minha profissão e em minha formação e,
sobretudo, pela fraternidade.
Ao Emerson e à Elaine, batalhadores que fazem parte da comunidade
acadêmica, sempre atenciosos e muito queridos com os alunos. Vocês são parte
essencial do Prédio Histórico.
E, indiscutivelmente, à inigualável Jane do Rocio Kiatkoski, a referência da
faculdade de direito, o porto seguro de todos os alunos e professores, a grande mãe
de todos aqueles que precisam de um colo ou de um puxão de orelha. Sinto-me
honrado de fazer parte de sua vida um pouco mais profundamente, conhecendo sua
linda família. Você é uma daquelas pessoas raras de se conhecer, pela
generosidade e dedicação com que trata qualquer pessoa. Aprendi muito contigo e
quero continuar aprendendo. Assumo aqui o compromisso formal e escrito de não
deixar nossa amizade enfraquecer.
À Deus, por me proporcionar uma vida tão plena de felicidade e repleta de
pessoas que tanto me fazem bem.
10

RESUMO

A regra da proporcionalidade é aplicada para a resolução do conflito entre


princípios. Os direitos fundamentais enquanto normas principiológicas devem passar por
esse exame, dividido em três etapas: adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito. Na doutrina brasileira atual a proporcionalidade tem sido utilizada com
frequência no Supremo Tribunal Federal. O Ministro Gilmar Mendes, por toda a sua obra
possui, além de sua produção acadêmica, grandes votos discutindo a proporcionalidade.
11

ABSTRACT

The proportionality rule is applied to the resolution of conflict between


principles. The fundamental rights while foremost rules must pass through this exam,
divided in three steps: adequacy, necessity and proportionality in strictu sensu. In the
current Brazilian doctrine, the proportionality has been used with frequency at the
Federal Supreme Court. The Justice Gilmar Mendes possesses in all his work,
besides his academic legacy, great votes discussing the proportionality.
12

SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................... 13

2. Proporcionalidade e Ponderação na Teoria Constitucional .................... 15


2.1. Pressupostos Metodológicos ......................................................................... 15
2.2. Princípios Constitucionais .............................................................................. 18
2.2.1. Conteúdo dos Princípios Constitucionais....................................................... 23
2.2.2. Natureza normativa (Mandamentos de Otimização)...................................... 29

3. Restrição a Princípios Fundamentais – Regra da Proporcionalidade..... 35


3.1. Adequação ..................................................................................................... 42
3.2. Necessidade.................................................................................................. 48
3.3. Proporcionalidade em stricto sensu ............................................................... 54

4. Proporcionalidade e Ponderação na obra do Ministro Gilmar Mendes .. 59


4.1. Considerações dogmáticas dos princípios fundamentais .............................. 60
4.2. “Princípio” da Proporcionalidade ................................................................... 64

5. Análise jurisprudencial do Ministro Gilmar Ferreira Mendes .................. 73


5.1. Método de seleção dos julgados ................................................................... 74
5.2. Análise dos julgados - Teses mais sustentadas ............................................ 85
5.3. Análise de julgados - Adequação à doutrina ................................................. 90

6. Conclusão ........................................................................................................... 93

Bibliografia .............................................................................................................. 95
13

1. Introdução

A proporcionalidade ocupa espaço relevante na teoria constitucional do


paradigma pós-positivista. Trata-se de importante conceito da teoria dos princípios
constitucionais.
Desde a pioneira contribuição de Robert Alexy, concebendo a
proporcionalidade como regra jurídica de resolução de conflitos entre princípios
constitucionais, a proporcionalidade ganhou destaque no debate doutrinário acerca
dos limites da sua utilização, da sua natureza normativa, e das suas diferentes
possibilidades.
A teoria de Alexy é fundada em uma distinção lógico-racional de natureza
entre princípios e regras jurídicas. Assim, pelo modo de aplicação de determinada
norma constitucional, pode se identificar a sua natureza.
A proporcionalidade enquanto regra aplica-se ao conflito entre princípios.
Tais princípios, os quais expressam direitos prima facie, funcionam como
mandamentos de otimização na dogmática dos direitos fundamentais.
O exame da proporcionalidade consiste em três sub-regras: a adequação
dos meios propostos aos fins pretendidos; a necessidade de se escolher
determinado meio adequado porque restringe de forma menos lesiva os direitos
fundamentais em jogo; e a proporcionalidade em sentido estrito, ou simplesmente
ponderação, que verificará a relação de precedência entre os princípios em jogo a
fim de realizar ao máximo a finalidade pretendida.
A ponderação possui duas etapas, enunciadas por Alexy através da Lei do
Sopesamento e a Lei dos Princípios Colidentes, as quais estabelecerão a relação de
precedência das possibilidades jurídicas dos princípios conflitantes.
No Brasil, o grande defensor desta teoria é o Prof. Virgílio Afonso da Silva,
entretanto, ainda isolado nesta opinião. De forma quase unânime, a doutrina
brasileira concebe a proporcionalidade enquanto princípio jurídico proveniente do
Estado de Direito, atribuindo a este princípio um destaque no conjunto das normas
constitucionais. Por sua vez, o Prof. Humberto Ávila defende que a
14

proporcionalidade não seja nem regra, tampouco princípio, mas sim um postulado,
um enunciado de aplicação prática sobre normas constitucionais.
Contudo, este trabalho não pretende tratar apenas de debates doutrinários.
De tal forma que a questão da proporcionalidade será questionada em relação à
produção doutrinária e jurisprudencial de um expoente do direito constitucional
brasileiro contemporâneo, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira
Mendes.
Partidário da corrente majoritária da doutrina que concebe a
proporcionalidade como princípio, Gilmar Mendes desenvolve o debate conceitual
estendendo a proporcionalidade para outras discussões do direito constitucional,
como o controle de constitucionalidade das leis e o controle entre os poderes, na
medida em que a proporcionalidade pode servir de limite e conformação à atuação
legislativa, como pode relativizar a aplicação dos princípios do controle de
constitucionalidade.
Assim, indo além do debate do conflito entre direitos fundamentais, o
magistrado discute a proximidade da proporcionalidade dos conceitos de
razoabilidade, devido processo legal, núcleo essencial dos direitos fundamentais e
proibição de proteção insuficiente dos mesmos.
Analisando de forma detalhada e comparativamente alguns julgados
selecionados com decisiva participação do ministro, observar-se-á a identificação de
fundamentos da proporcionalidade que regem a questão no Supremo Tribunal
Federal, a partir de casos antigos e já famosos e dos julgados mais recentes que
conduziram um novo entendimento do Tribunal, como por exemplo, a criação do
status supralegal dos tratados de direitos humanos na hierarquia das normas.
Este trabalho, pois, se propõe a discutir a dimensão adquirida pela
proporcionalidade na doutrina e jurisprudência brasileiras, tendo como fundamento
teórico Robert Alexy e por objeto de análise, a dogmática e magistratura do Ministro
Gilmar Ferreira Mendes, por toda a contribuição que estes dois nomes trouxeram ao
direito constitucional contemporâneo.
15

2. Proporcionalidade e Ponderação na Teoria Constitucional

A teoria constitucional contemporânea ou pós-positivista1 concebe princípios


e regras como normas constitucionais. Estas espécies normativas, contudo,
possuem naturezas, conteúdos e funções próprias no ordenamento jurídico, de
acordo com a vontade do Poder Constituinte.
A distinção entre regras e princípios, a discussão acerca da
fundamentalidade destas normas, se existe hierarquia entre elas, quais são os níveis
de aplicação de cada uma aos mais diversos casos concretos e o modo de
aplicação destas normas fazem parte do conteúdo da primeira parte deste primeiro
capítulo.
Preliminarmente, dentre as diversas correntes constitucionalistas que tem
por objeto esta questão acerca dos princípios e regras constitucionais,
2
especificamente após os estudos de Ronald Dworkin , o fundamento teórico deste
capítulo será a construção da teoria de Robert Alexy3.
A partir deste referencial teórico, serão reproduzidas aqui as concepções do
constitucionalista alemão acerca da máxima da proporcionalidade e da ponderação,
ferramentas metodológicas necessárias na aplicação das normas as quais tratam de
direitos fundamentais.

2.1. Pressupostos Metodológicos

O presente trabalho pretende analisar a produção de uma teoria


constitucional brasileira a partir da construção dogmática e jurisprudencial de um dos
maiores juristas da área dos últimos anos, o Ministro Gilmar Ferreira Mendes.
Para atingir tal objetivo, contudo, é necessário restringir o objeto de estudo
deste trabalho. Este recorte metodológico será realizado a partir de algumas
tendências e características da produção científica do ministro, bem como das

1
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro
(Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, v. I, nº. 6, setembro, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso
em: 05 de maio de 2015. p. 19-28.
2
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
3
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. 1. ed. 3ª
reimpressão. São Paulo: Malheiros, 2009.
16

construções jurisprudenciais feitas pelo Supremo Tribunal Federal ao longo dos


anos em relação ao tema.
A partir das concepções constitucionais do pós-positivismo jurídico, bem
como da formação científica do ministro Gilmar Mendes em seus estudos de
mestrado4 e doutorado5 na Alemanha, a teoria construída pelo eminente professor
da Universidade de Kiel, Robert Alexy, torna-se autoevidente.
Além disso, é bastante relevante constatar que as discussões acerca de
princípios constitucionais, direitos fundamentais e colisões entre esses direitos no
STF vêm sendo decididas a partir de uma racionalidade aproximada da proposta do
jurista alemão.
É preciso esclarecer que o Prof. Alexy não foi o único ou o pioneiro a
conceber técnicas como a ponderação ou a utilização de um conceito de
proporcionalidade a guiar as decisões judiciais6. Contudo, a sua contribuição para a
formação de uma dogmática acerca dos direitos fundamentais e do estabelecimento
de critérios lógicos e racionais para utilização dessas técnicas é inegável e
consideravelmente reproduzida e aceita na doutrina constitucional majoritária.
A construção que será realizada a seguir sobre o conceito, natureza e
conteúdo de princípios e regras é essencial para compreender de forma plena a
Teoria dos Direitos Fundamentais construída por Alexy. Feita esta distinção, tratar-
se-á de construir a “máxima” da proporcionalidade7 e a técnica da ponderação a

4
Dissertação de Mestrado defendida em 1989 na Universidade de Münster, Alemanha, sob orientação do
Prof. Hans-Uwe Erichsen, Reitor da Universidade de Münster, com o título "Die Zulässigkeitsvoraussetzungen
der abstrakten Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht" (Pressupostos de admissibilidade do
Controle Abstrato de Normas perante a Corte Constitucional Alemã). Vale ainda lembrar da dissertação
de Mestrado defendida também pelo ministro em 1987 na Universidade de Brasília, sob orientação do
Ministro José Carlos Moreira Alves, com o título "Controle de Constitucionalidade: Aspectos Jurídicos e
Políticos".
5
Tese de Doutorado defendida em 1990 na Universidade de Münster, Alemanha, sob orientação do Prof.
Hans-Uwe Erichsen, Reitor da Universidade de Münster, com o título "Die abstrakte Normenkotrolle vor dem
Bundesverfassungsgericht und vor dem brasilianischen Supremo Tribunal Federal" -- O Controle abstrato
de normas perante a Corte Constitucional Alemã e perante o Supremo Tribunal Federal.
6
Cf. HIRSCHBER, Lothar. Der Grundsatz der Verhältnismäbigkeit. Göttingen: Schwartz, 1982. p. 2 e ss.;
GRABITZ, Eberhard. Der Grundsatz der Verhältnismäbigkeit in der Rechtsprechung des
Bundesverfassungsgerichts. AöR 98. 1973. p. 571 e ss.; GENTZ, Manfred. Zur Verhältnismäbigkeit von
Grundrechtseingriffen, NJW 21. 1968. p. 1.601 e ss.; e LERCHE, Peter. Übermab und Verfassungsrecht.
Köln: Heymann, 1961. p. 19 e ss.
7
Ibid., estas obras concebem a proporcionalidade como uma “máxima”, composta por três “parciais”, quais
sejam a adequação, a necessidade, e a proporcionalidade em sentido estrito (a esfera do
sopesamento/ponderação). A doutrina constitucional não se preocupou com a precisão linguística de aferição
da proporcionalidade. Embora não seja para alguns um cuidado importante, neste trabalho serão tratados os
problemas derivados destas imprecisões (proporcionalidade como “máxima”, “princípio”, “valor”, “técnica”,
“regra”).
17

partir desta obra, a fim de conceber o sistema jurisdicional racional proposto pelo
jurista alemão.
No decorrer deste trabalho, verificar-se-á a recepção (ou não) desta teoria
na doutrina brasileira, especialmente a partir da obra do Ministro Gilmar Mendes, e
da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria de direitos fundamentais,
com especial enfoque nas decisões do referido ministro.
A importância desta análise é verificada pela tentativa da produção científica
da área do direito constitucional em produzir uma teoria constitucional genuinamente
brasileira, compreendendo cientificamente os objetos da nossa ordem constitucional,
quais sejam, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a própria Constituição, e
a produção doutrinária que fundamenta as decisões de nossa Suprema Corte.
Humildemente, este trabalho pretende colaborar com essa empreitada. Neste
sentido, o Prof. Dr. Titular Virgílio Afonso da Silva, da Universidade de São Paulo,
escreveu acerca das numerosas produções que se limitam a discutir as correntes
constitucionalistas dos direitos fundamentais, ou que procuram reproduzir de forma
automática os modelos e métodos destas correntes à realidade brasileira, sem
verificar suas possíveis peculiaridades:8
Se é verdade que a interpretação constitucional não é igual à interpretação
jurídica geral – (...) –, então, é tarefa da doutrina constitucional discutir de
forma concreta não somente o método ou conjunto de métodos – desde que
compatíveis – que ache aplicável à Constituição Brasileira, mas também
iniciar uma discussão de base, isto é, uma discussão de conteúdo, que vá
além da discussão metodológica. Ficar repetindo listas de métodos e
princípios elaborados para uma realidade e uma época diferentes pouco
acrescenta à discussão. Não se pode querer fazer direito constitucional
alemão no Brasil.

Logo, a partir da construção teórica de Robert Alexy acerca,


especificamente, dos conceitos de proporcionalidade e ponderação, serão
analisadas as produções dogmática e jurisprudencial do Min. Gilmar Mendes,
buscando definir a tendência de aplicação destes conceitos no direito brasileiro,
através da racionalidade do Supremo Tribunal Federal.

2.2. Princípios Constitucionais

8
SILVA, Virgílio Afonso da (Coord.). Interpretação Constitucional e Sincretismo Metodológico. In: Interpretação
Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 141.
18

A discussão sobre normas constitucionais é bastante anterior à produção de


Robert Alexy. O positivismo jurídico9, por exemplo, concebia um ordenamento
jurídico composto apenas por regras dotadas de normatividade, considerando os
princípios as técnicas de interpretação das regras, aproximando o princípio
constitucional da ideia de valor (subjetivo)10. Herbert L. Hart, como expoente do
positivismo, confere aos princípios um caráter meramente axiológico, valorativo,
portanto, desimportante para o mundo jurídico, o mundo do “dever ser”11.
Contudo, o enfraquecimento do positivismo clássico e o advento do pós-
positivismo jurídico, conceberam a chamada teoria clássica das normas
constitucionais. Tal teoria defende que princípios e regras funcionam de forma
orgânica para satisfazer as demandas jurídicas. Nesta concepção, toda solução de
casos concretos estaria necessariamente no ordenamento jurídico e tanto regras
quanto os princípios teriam função própria na aplicação e efetivação da Constituição.
Os princípios seriam divididos12 em fundamentais13(aqueles que definem o

9
Cf. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro
(Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), em que acrescenta: “O positivismo jurídico foi a
importação do positivismo filosófico para o mundo do Direito, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica,
com características análogas às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na
realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores
transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do
Direito, como todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e
não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito do
Direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça.” (p. 17).
10
Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado.6ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1998. “Se o valor é constituído por uma norma objetivamente valida, o juízo que afirma que um quid real, uma
conduta humana efetiva, é “boa”, isto é, valiosa, ou “má”, isto é, desvaliosa, exprime e traduz que ela é
conforme a uma norma objetivamente válida, ou seja, que deve ser (tal como é), ou que contradiz uma norma
objetivamente válida, quer dizer, não deve ser (tal como é). O valor, como dever-ser, coloca-se em face da
realidade, como ser; valor e realidade - tal como o dever-ser e o ser - pertencem a duas esferas
diferentes.(...) O valor em sentido subjetivo, ou seja, o valor que consiste na relação de um objeto com o
desejo ou vontade de uma pessoa, distingue-se do valor em sentido objetivo - ou seja do valor que consiste
na relação de uma conduta com uma norma objetivamente válida - ainda na medida em que aquele pode ter
diferentes graduações, pois o desejo ou vontade do homem é susceptível de diferentes graus de intensidade,
ao passo que a graduação do valor no sentido objetivo não é possível, visto uma conduta somente poder ser
conforme ou não ser conforme a uma norma objetivamente válida, contrariá-la ou não a contrariar - mas não
ser-lhe conforme ou contrariá-la em maior ou menor grau.” (p. 24-25)
11
Como se observa da referência acima, a dimensão do dever-ser para o positivismo jurídico trata-se do plano
de validade das normas jurídicas axiológicamente neutras. Trata-se, portanto, do argumento de validade da
norma quando se adéqua determinada contexto da realidade ao conteúdo enunciado pela norma. Assim, a
conduta prescrita pela norma representa o dever-ser jurídico das condutas possíveis na realidade, o plano do
ser.
12
Cf. BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação
constitucional. In: SILVA, Virgilio Afonso da (Coord.). Interpretação Constitucional. 1. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 271-316. “Uma classificação que se tem mostrado útil e parece ter resistido ao teste do
tempo é a que procura singularizar os princípios – princípios materiais, note-se, e não mais instrumentais –
de acordo com seu destaque no âmbito do sistema e sua abrangência. Os princípios, ao expressar valores ou
indicar fins a serem alcançados pelo Estado e pela sociedade, irradiam-se pelo sistema, interagem entre si e
pautam a atuação dos órgãos de poder, inclusive a do Judiciário na determinação do sentido das normas.
Nem todos os princípios, todavia, possuem o mesmo raio de ação. Eles variam na amplitude de seus efeitos
19

funcionamento do Estado e a organização do ordenamento jurídico, além de


conceber o núcleo do sistema jurídico), gerais14 (princípios derivados dos
fundamentais que serviriam de pressuposto axiológico para a criação de regras,
além dos direitos fundamentais como um todo, previstos no artigo 5º, da
Constituição Federal), e setoriais15, necessários ao pleno funcionamento dos
subsistemas jurídicos, dando coerência e unidade às regras destes.
Reforçando a concepção de categorias de normas constitucionais distintas,
Ronald Dworkin inovou a teoria constitucional ao entender a distinção entre regras e
princípios baseada não na fundamentalidade, abstração e generalidade 16. A
construção de sua teoria concebe que cada espécie normativa possui uma função
sistêmica própria, seja a regra constitucional, sejam os princípios, sejam as policys,
estas últimas equivalentes, aproximadamente, às políticas públicas de dever e
monopólio estatal.
É preciso reconhecer na teoria do jus filósofo estadunidense um caráter
assumidamente liberal, concebido a interpretar e solucionar os problemas da
hermenêutica constitucional do Common Law norte-americano. O desafio da sua
teoria é entender como a teoria da norma constitucional pode solucionar os hard
cases17.

e mesmo no seu grau de influência. Por essa razão, podem ser agrupados em três categorias diversas, que
identificam os princípios como fundamentais, gerais e setoriais.” (p. 304)
13
Idem. “Os princípios fundamentais expressam as principais decisões políticas no âmbito do Estado, aquelas
que vão determinar sua estrutura essencial. (...) Também se incluem nessa categoria os objetivos indicados
pela Constituição como fundamentais à República. e os princípios que regem suas relações internacionais.
Por fim, merece destaque em todas as relações públicas e privadas o princípio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III), que se tornou o centro axiológico da concepção de Estado Democrático de Direito e de
uma ordem mundial idealmente pautada pelos direitos fundamentais.” (p. 304-305)
14
Idem. “Os princípios constitucionais gerais, embora não integrem o núcleo das decisões políticas que
conformam o Estado, são importantes especificações dos princípios fundamentais. Têm eles menor grau de
abstração, sendo mais facilmente determinável o núcleo em que operam como regras. Por tal razão, prestam-
se de modo corrente à tutela direta e imediata das situações jurídicas que contemplam. Por serem
desdobramentos do princípios fundamentais, irradiam-se eles por toda a ordem jurídica.” (p. 305)
15
Idem. “Princípios setoriais ou especiais são aqueles que presidem um específico conjunto de normas afetas
a determinado tema, capítulo ou título da Constituição. Eles se irradiam limitadamente, mas no seu âmbito de
atuação são supremos”. (p. 305-306)
16
Fundamentalidade, abstração e generalidade consistem nos pressupostos básicos de distinção normativa
para a doutrina partidária da já referida teoria clássica.
17
Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério, os Hard Cases podem ser definidos, diferentemente
do positivismo, “O positivismo jurídico fornece uma teoria dos casos difíceis. Quando uma ação judicial
específica não pode ser submetida a uma regra de direito clara, estabelecida de antemão por alguma
instituição, o juiz tem, segundo tal teoria, o ‘poder discricionário’ para decidir o caso de uma maneira ou de
outra. Sua opinião é redigida em uma linguagem que parece supor que uma ou outra das partes tinha o
direito preexistente de ganhar a causa, mas tal ideia não passa de uma ficção. Na verdade, ele legisla novos
direitos jurídicos (new legal rights), e em seguida os aplica retroativamente ao caso em questão. Nos dois
últimos capítulos, argumentei que essa teoria da decisão judicial é totalmente inadequada; no presente
capítulo, vou descrever e defender uma teoria melhor. Em minha argumentação, afirmarei que, mesmo
20

Além do caráter liberal, a teoria de Dworkin inevitavelmente teceu duras


críticas à concepção positivista do direito constitucional, em especial ao seu
antecessor na cátedra de filosofia e teoria do direito em Oxford, Herbert Hart.
O positivismo de Hart concentra sua atenção nas regras constitucionais, as
quais devem ser aplicadas de modo integral, independentemente de casos fáceis ou
difíceis. Em uma aparente insuficiência da regra ao caso difícil, o magistrado deveria
pela sua discricionariedade hermenêutica, adequar o texto normativo ao suporte
fático do caso concreto. De modo bastante simplificado e grosseiro, as regras para
Hart não teriam uma aplicação hermeticamente objetiva, sendo o juiz protagonista
do processo de subsunção nos limites da sua discricionariedade hermenêutica,
conformando a “textura aberta” do texto ao caso concreto, efetivando a previsão
normativa. Neste ponto, é bastante elucidativa a lição do Prof. Virgílio Afonso da
Silva quando diz:18
Segundo essa distinção, (...) texto e norma não se confundem, pois o
primeiro é apenas um enunciado linguístico, enquanto que a norma é o
produto da interpretação desse enunciado. Um breve exemplo é suficiente
para deixar clara essa distinção. O inc. XL do art. 5º da Constituição tem a
seguinte redação: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
Isso é o que aqui se chama de texto ou enunciado. Esse texto exprime uma
norma que proíbe a retroação da lei penal, a não ser que essa retroação
beneficie o réu. Nesse último caso existe um dever de retroação. A mesma
norma poderia ser expressa por meio de outros enunciados, (,,,). Como se
vê, a despeito das variações na redação dos enunciados apresentados, por
meio da interpretação de todos eles chega-se à mesma norma. Toda norma
é, pois, produto da interpretação de um sinal linguístico, quase sempre um
texto.

Logo, em “O conceito de direito”19, Hart concebe o direito como um sistema


apenas de regras obrigatórias e necessárias, deixando os princípios no campo
facultativo da justificação social das regras. Para tanto, concebe que uma “regra de
reconhecimento”, algo como um critério de validade supremo, justifica a existência
das normas, divergindo de Dworkin, portanto, quanto à justificação e identificação do
direito.

quando nenhuma regra regula o caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O
juiz continua tendo o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes, e não de
inventar novos direitos retroativamente. Já devo adiantar, porém, que essa teoria não pressupõe a existência
de nenhum procedimento mecânico para demonstrar quais são os direitos das partes nos casos difíceis. Ao
contrário, o argumento pressupõe que os juristas e juízes sensatos irão divergir frequentemente sobre os
direitos jurídicos, assim como os cidadãos e os homens de Estado divergem sobre os direitos políticos...” (p.
127-128)
18
SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e Regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. In: Revista
Latino-Americana de Estudos Constitucionais. vol. 1. 2003. p. 616-617.
19
HART, H. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
21

Embora positivista moderado, Hart, mesmo reconhecendo a existência de


princípios, ignora sua obrigatoriedade pela demonstração do dever ser jurídico
destes, sendo que o ordenamento válido e aplicável é composto apenas pelas
regras, determinantes para mostrar o que, na verdade, é o direito.
Em contrapartida, Dworkin atribui aos princípios, a partir da dimensão da
universidade, a função de justificação moral e identificação holística do ordenamento
jurídico. Seriam eles padrões do direito preestabelecido que refletem os aspectos
morais dos jurisdicionados. Assim, direito e moral estariam umbilicalmente ligados e,
portanto, interligando a dimensão do que é o direito e do que ele deve ser.
Para o jusfilósofo estadunidense as regras jurídicas possuem um campo de
aplicação limitado. Além de possuírem um critério de validade vinculado à
justificação moral do direito, a aplicação de uma regra afirma sua validade. De tal
modo que, em um determinado caso em que duas regras são consideradas
aplicáveis, uma delas necessariamente será eivada de validade.
Hart, por sua vez, afasta a justificação moral da aplicação das regras
jurídicas e ao caracterizá-las como juízos determinantes, permite que a solução de
um caso concreto possa admitir, inclusive, a criação de regras pelos juízes. Em
resposta às críticas de Dworkin acerca da sua teoria das normas constitucionais 20,
Hart assim responde,21
os direitos e deveres jurídicos são o ponto em que o direito, com os seus
recursos coercivos, respectivamente protege a liberdade individual e a
restringe, ou confere aos indivíduos, ou lhes nega, o poder de, eles
próprios, recorrerem ao aparelho coercivo do direito. Assim, quer as leis
sejam moralmente boas ou más, justas ou injustas, os direitos e deveres
requerem atenção como pontos focais nas atuações do direito, que se
revestem de importância fundamental para os seres humanos, e isto
independentemente dos méritos morais do direito. Por isso, é falso que as
afirmações de direitos e deveres jurídicos só possam fazer sentido no
mundo real se houver algum fundamento moral para sustentar a afirmação
da sua existência.

De modo simplório, enquanto Hart considera os princípios acessórios à sua


teoria normativa, Dworkin destaca-os como uma espécie normativa necessária à
integridade do ordenamento jurídico, diferenciando as normas constitucionais de

20
DWORKIN, Ronald. “O modelo de regras I”. In: Levando os Direitos a Sério. Trad. Nelson Boeira. 1ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 23-72.
21
HART, H. “Pós-escrito”. In: O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1994. p. 332.
22

acordo com sua natureza, tendo as regras apenas a dimensão da validade,


enquanto os princípios possuem a dimensão do peso22.
Assim, embora reconheça a aplicabilidade imediata e subsuntiva das regras,
Dworkin considera necessária a aplicação dos princípios para a resolução dos
denominados hard cases, os quais, de acordo com as circunstâncias fáticas e
normas em conflito, serão resolvidos pela aplicação de um princípio com maior peso
do que os demais envolvidos.
A inovação da distinção qualitativa das normas constitucionais feita pelo
jurista norte-americano em relação à natureza normativa de princípios e regras foi
aprimorada pelo jurista alemão Robert Alexy, quem realizou trabalho notável ao
procurar adaptar a ideia de Dworkin aos sistemas de tradição germânica, e, por isso,
passou a ser utilizado e discutido, inclusive, nos mais modernos debates do direito
brasileiro.
Do mesmo modo que Dworkin, Alexy entende a distinção entre regras e
princípios como qualitativa, relativa à natureza lógica da espécie normativa. Neste
sentido,23
Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não
satisfeitas.Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquiloque
ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto,
determinaçõesno âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.Isso
significa que a distinção entre regras e princípios é urna distinçãoqualitativa,
e não urna distinção de grau. Toda norma é ou urna regraou um princípio.

O ponto de divergência da teoria de Alexy, contudo, está no âmbito da


aplicação dos princípios constitucionais como mandamentos de otimização24, e
acerca do seu conteúdoos quais prescindem uma reflexão um pouco mais
aprofundada.

22
DWORKIN, Ronald. op. cit. “Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do
peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos
compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o
conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração
exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra
frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do
conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é. (...)
Nesse sentido, uma regra jurídica pode ser mais importante do que outra porque desempenha um papel
maior ou mais importante na regulação do comportamento. Mas não podemos dizer que uma regra é mais
importante que outra enquanto parte do mesmo sistema de regras, de tal modo que se duas regras estão em
conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior.” (p. 42-43)
23
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2. ed. 4. reimp. São
Paulo: Malheiros, 2015. p. 91.
24
Idem. p. 90. Ver referência: “23. O conceito de mandamento é aqui utilizado em um sentido amplo, que inclui
também as permissões e as proibições.”
23

2.2.1. Conteúdo dos Princípios Constitucionais

Antes de se concentrar sobre a aplicação dos princípios constitucionais às


questões de direitos fundamentais, é necessário tecer alguns esclarecimentos
quanto ao conteúdo dos princípios constitucionais e a implicação disso no
ordenamento jurídico como um todo.
Até aqui foi relatado o conturbado caminho percorrido pelos princípios até a
aceitação pela doutrina de seu status de norma constitucional. Contudo, enquanto
norma constitucional, os princípios possuem características que particularizam seu
conteúdo. Neste ponto, imprescindível a análise do brilhante trabalho do Prof. Dr.
Titular Humberto Ávila, em que, ao desenvolver sua própria teoria dos princípios25,
analisa de forma ampla, ainda que simples, todas as concepções de princípios da
doutrina constitucional, estabelecendo 04 (quatro) critérios de distinção entre regras
e princípios, quais sejam26: o caráter hipotético-condicional; o modo final de
aplicação; o conflito normativo; e o caráter axiológico, afeto apenas aos princípios.
Neste momento, contudo, serão analisados o primeiro e o quarto critérios. O
modo final de aplicação e o conflito normativo serão detalhadamente trabalhados ao
longo do trabalho, pois são os fundamentos da hipótese a que ele se propõe.

2.2.1.1. Posições doutrinárias acerca do conteúdo dos princípios

Embora o Prof. Ávila desconstrua na análise de cada um dos critérios acima


expostos o marco teórico deste trabalho (a Teoria dos Direitos Fundamentais de
Robert Alexy), é bastante válido se refletir acerca da definição dos princípios ao qual
ele chega,27
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente
prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade,
para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o

25
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos.
16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015.
26
Ibidem. p. 59-60.
27
Ibid. p. 102. Não se pode analisar completamente esta definição de princípios sem a inevitável comparação
às regras, que são, para o Prof. Ávila, “normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e
com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência,
sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente
sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”.
24

estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta


havida como necessária à sua promoção.

Tal concepção, mesmo que sob pressupostos distintos, é semelhante à


construção feita pelo Prof. Luis Roberto Barroso e pela Prof.ª Ana Paula de Barcellos
quem, através dos mesmos critérios diferenciam regras e princípios, conceituando
estes da seguinte forma28:
Quanto ao conteúdo, destacam-se os princípios como normas que
identificam valores a serem preservados ou fins a serem alcançados.
Trazem em si, normalmente, um conteúdo axiológico ou uma decisão
política. Isonomia, moralidade, eficiência, são valores. Justiça social,
desenvolvimento nacional, redução das desigualdades regionais, são fins
públicos. Já as regras limitam-se a traçar uma conduta. A questão relativa a
valores ou a fins públicos não vem explicitada na norma porque já foi
decidida pelo legislador e não transferida ao intérprete. Daí ser possível
afirmar-se que regras são descritivas de conduta, ao passo que princípios
são valorativos ou finalísticos.

É absolutamente necessário ressaltar nesta posição uma divergência crucial


da teoria dos princípios do Prof. Ávila. Enquanto este constrói sua teoria com base
na sempre determinante posição do intérprete, atribuindo a última ratio da aplicação
das normas à interpretação, os Profs. Luis Roberto Barroso e Ana Paula de
Barcellos claramente atribuem a finalidade dos princípios ao legislador, concebendo
apenas a importância do intérprete na determinação do núcleo essencial dos
princípios em seu âmbito amplo, genérico e indeterminado, ou seja29,
Pode ocorrer ainda, em relação aos princípios, uma dificuldade adicional: o
fim a ser atingido, ou o estado ideal a ser transformado em realidade, pode
não ser objetivamente determinado, envolvendo uma integração subjetiva
por parte do intérprete. Um princípio tem um sentido e alcance mínimos, um
núcleo essencial, no qual se equiparam às regras. A partir de determinado
ponto, no entanto, ingressa-se em um espaço de indeterminação, no qual a
demarcação de seu conteúdo estará sujeita à concepção ideológica ou
filosófica do intérprete.

Neste sentido, ainda, a Prof.ª Regina Maria Macedo Nery Ferrari acrescenta
o elemento sistemático a essa concepção, na medida em que leciona que30,
Distinguir normas-regras de normas-princípios é tarefa complexa, que pode
ser embasada em distinções não só de cunho quantitativo, vale dizer, no

28
BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação
constitucional. op. cit. p. 282-283. Ver referência nº 25: “Essa característica dos princípios, aliás, é que
permite que a norma se adapte, ao longo do tempo, a diferentes realidades, além de permitir a concretização
do princípio da maioria, inerente ao regime democrático. Há um sentido mínimo, oponível a qualquer grupo
que venha a exercer o poder, e também um espaço cujo conteúdo será preenchido pela deliberação
democrática.” (p. 283)
29
Ibidem. p. 283.
30
FERRARI, Regina M. M. N. Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 61.
25

grau de abstração normativa, como no qualitativo, segundo seu papel


fundamental ou estruturante no ordenamento jurídico.
(...) Portanto, a adequada dimensão dos princípios só pode ser apreciada
frente a um caso concreto e a partir da universalidade da Constituição, na
medida em que, frente a uma determinada hipótese, pode haver a
incidência de vários princípios, o que permite que, em seu âmbito de
atuação, um possa sofrer restrição frente ao outro, isto é, sua exata
aplicação dependerá do evento em análise.

O ilustre Prof. Paulo Bonavides contempla em sua obra31 toda a trajetória


dos princípios desde a sua concepção pela teoria e filosofia do direito, até a sua
constitucionalização pós-positivista, tecendo as seguintes observações:
Em resumo, a teoria dos princípios chega à presente fase do pós-
positivismo com os seguintes resultados já consolidados: a passagem dos
princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e
positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição
crucial da ordem jusprivatista (sua antiga inserção nos Códigos) para a
órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da
distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios
da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação
de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o
reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra
sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como
espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão
máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de
seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios.

Embora a hipótese deste trabalho discorde da conclusão encontrada pelo


Prof. Bonavides, a concisão destes elementos da teoria dos princípios é bastante
elucidativa quanto à história constitucional dos mesmos. Sobre essa suposta
supremacia dos princípios (rejeitada neste trabalho em virtude da premissa de que a
distinção entre as normas constitucionais é de natureza normativa e aplicação), o
ilustre professor cearense assim leciona32:
Fazem eles a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema
jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se,
portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes. São
qualitativamente a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade
constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma
Constituição. De último, essa posição de supremacia se concretizou com a
jurisprudência dos princípios, que outra coisa não é senão a mesma
jurisprudência dos valores, tão em voga nos tribunais constitucionais de
nossa época. As sentenças dessas Cortes marcam e balizam a trajetória de
jurisdicização cada vez mais fecunda, inovadora e fundamental dos
princípios.

31
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 304.
32
Ibidem. p. 304-305.
26

O Prof. Celso Antonio Bandeira de Mello, brilhante teórico do direito


administrativo e do direito público, como um todo, por sua vez, define como
princípio33,
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o
espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência,
exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no
que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

Esta posição, contudo, não oferece uma distinção clara e qualitativa às


espécies normativas de princípios e regras. Na verdade, esta posição, do mesmo
modo que o Prof. Bonavides, exalta os princípios unicamente como fundamento
lógico do ordenamento, numa precedência lógica do texto constitucional.
Nessa mesma linha de pensamento, o Prof. José Afonso da Silva entende
que os princípios se opõem às normas no ordenamento, uma vez que as normas 34
são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo,
ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de
realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de
outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de
submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção
em favor de outrem. Os princípios são ordenações que se irradiam e
imantam os sistemas de normas, são ‘núcleos de condensações’ nos quais
confluem valores e bens constitucionais. (...) ‘os princípios, que começam
por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente
incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo
preceitos básicos da organização constitucional.

Esta posição, contudo, não condiz com a mais moderna dogmática da teoria
constitucional e dos direitos fundamentais, o que impõe que o presente trabalho se
debruce sobre as concepções primeiramente apresentadas sobre a questão.
Entretanto, vale refletir acerca da crítica feita pelo Prof. Emerson Garcia à posição
acima exposta35:
Aqueles que se opõem ao caráter normativo dos princípios normalmente
acenam com sua maior abstração e com a ausência de indicação dos
pressupostos fáticos que delimitarão sua aplicação, o que denotaria uma
diferença substancial em relação às normas, que veiculam prescrições
dotadas de maior determinabilidade, permitindo a imediata identificação das
situações, fáticas ou jurídicas, por elas reguladas. Tais fatores, no entanto,
não são aptos a estabelecer uma distinção profunda o suficiente para
dissolver a relação de continência existente entre normas e princípios.
Deve-se observar que o maior ou o menor grau de generalidade existente

33
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Criação de secretarias municipais. RDP. n. 15. Jan/Mar 1971.
34
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.
95-96.
35
GARCIA, Emerson. Conflito entre Normas Constitucionais: Esboço de uma Teoria Geral. Rio de Janeiro:
Editora Lumen Juris, 2008. p. 178.
27

em duas normas, a exemplo do maior ou do menor campo de aplicação, é


parâmetro incapaz de estabelecer diferenças de ordem ontológica entre
elas. Acresça-se que os princípios, ao estabelecerem orientações gerais
que alcançam situações que não são predeterminadas, possuem uma
capacidade expansiva maior que as regras, nas quais o fazer ou o não-fazer
é direcionado por circunstâncias nelas próprias predeterminadas, o que em
nada compromete o seu potencial regulador.
Os princípios, a exemplo das regras, carregam consigo acentuado grau de
imperatividade, exigindo a necessária conformação de qualquer conduta
aos seus ditames, o que denota o seu caráter normativo (dever ser). Sendo
cogente a observância dos princípios, qualquer ato que deles destoe será
injurídico, consectário da inobservância de um padrão normativo cuja
reverência é obrigatória.

Superada a discussão doutrinária acerca do conteúdo dos princípios


constitucionais, faz-se necessário discutir um aspecto relevante da teoria de Robert
Alexy quanto ao tema. Assim, iniciar-se-á, brevemente, a discussão acerca do
caráter prima facie de regras e princípios.

2.2.1.2. O caráter prima facie dos princípios

A distinção fundamental entre as espécies constitucionais aqui discutidas


para Robert Alexy se encontra nos efeitos normativos de cada regra ou princípio em
um caso de conflito entre dois direitos fundamentais.
Embora seja possível conceber regras que expressem direitos fundamentais,
o caráter principiológico de tais direitos é quase auto-evidente. Afinal,
contemporaneamente, aceita-se que nenhum direito fundamental é absoluto. Neste
caso, invariavelmente, todas as questões que envolvem conflitos de direitos
fundamentais resumem-se a decidir o grau de restrição de cada um desses direitos.
Alexy, portanto, utilizando-se de um conceito antigo, mas pouco utilizado,
consegue distinguir regras e princípios quanto aos seus efeitos. Tal conceito, o
caráter prima facie36 das normas é um ponto de partida para conceber a teoria
normativa do jurista alemão.
Como se verá adiante, os princípios devem ser realizados na maior medida
possível, enquanto as regras, através da subsunção, são aplicadas em um “tudo-ou-
nada”, termo difundido especialmente por Ronald Dworkin, que assim coloca37:

36
A obra fundamental acerca do tema, como reconhece o próprio Alexy (Teoria dos Direitos Fundamentais,
p. 103, nota nº 53) é de ROSS, W. D. The right and the good. Oxford: Clarendon, 1930. pp. 19 e ss., 28 e
ss.
37
DWORKIN. Ronald. Levando os direitos à sério. p. 39.
28

A diferença lógica entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza


lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares
acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas
distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras
são aplicadas à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra
estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece
deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a
decisão. Esse tudo-ou-nada fica mais evidente se examinamos o modo de
funcionamento das regras, (...).

Alexy constrói sua teoria normativa quanto às regras, chegando à mesma


conclusão, também pelo modo de funcionamento ou aplicação que apresentam, mas
com fundamentos um pouco distintos. O caráter prima facie das regras, para ele,
sempre será distinto dos princípios, pois as regras representam uma “razão 38
definitiva de um juízo concreto do dever-ser”39. Assim, o caráter prima facie das
regras é, em regra, definitivo.
Por sua vez, “em si mesmos, princípios nunca são razões definitivas”, tendo,
portanto, um caráter sempre prima facie, provisório e indeterminado. A relação de
preferência que será analisada adiante é fundamental para a construção do direito
definitivo, como explica o próprio Alexy40:
Se uma regra é uma razão para um determinadojuízo concreto - o que
ocorre quando ela é válida, aplicávele infensa a exceções -, então, ela é
uma razão definitiva. Se o juízoconcreto de dever-ser tem como conteúdo a
definição de que alguémtem determinado direito, então, esse direito é um
direito definitivo.Princípios são, ao contrário, sempre razões prima facie.
Isoladamenteconsiderados, eles estabelecem apenas direitos prima facie.
(...) Decisões sobre direitos pressupõem a identificaçãode direitos
definitivos. O caminho que vai do princípio, isto é, do direito prima facie, até
o direito definitivo passa pela definição deuma relação de preferência. Mas
a definição de urna relação de preferênciaé, segundo a lei de colisão, a
definição de urna regra. Nessesentido, é possível afirmar que sempre que
um princípio for, em últimaanálise, uma razão decisiva para um juízo
concreto de dever-ser,então, esse princípio é o fundamento de uma regra,
que representauma razão definitiva para esse juízo concreto. Em si
mesmos, princípiosnunca são razões definitivas.

Contudo, é necessário ressaltar que não se trata de dizer que regras não
podem ter fundamento que não seja principiológico, ou que os princípios não podem,
por si só, resolver casos concretos. Trata-se, apenas, da distinção teórica do caráter
prima facie, primordial, de cada uma das espécies normativas.

38
O termo razão utilizado por Alexy consiste no fundamento normativo de sua aplicação e é fundamental para
estabelecer a distinção normativa entre normas e princípios, melhor desenvolvida adiante.
39
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 108.
40
Idem. p. 108.
29

A seguir, tratar-se-á da aplicabilidade dos princípios aos hard cases de


direitos fundamentais, a partir da construção do método lógico-racional de Alexy.

2.2.2. Natureza normativa (Mandamentos de Otimização)

Na teoria constitucional contemporânea, como já dito até aqui, aceita-se a


afirmação de que princípios e regras são espécies de normas constitucionais e que
possuem funções distintas no ordenamento jurídico.
Enquanto alguns concebem a distinção entre as normas como de
fundamentalidade, abstração ou grau, Dworkin e Alexy construíram sua teoria sobre
a concepção de que princípios e regras são distintos em sua natureza lógica e
ontológica.
Até aqui, observou-se um pouco da teoria de Ronald Dworkin,
especialmente criada para desconstruir o positivismo na teoria constitucional. Agora,
contudo, analisar-se-á, ainda que de modo fugaz, os elementos que se destacam da
teoria genuína de Robert Alexy acerca das normas constitucionais.
As regras, para Alexy, são na verdade razões definitivas de decisão. Dessa
forma, possuem um caráter restrito à sua validade de acordo com o ordenamento
jurídico e se, por subsunção, se aplica à solução do caso concreto. Sob essa
perspectiva, todo enunciado de uma decisão que se aplica somente a um caso
concreto a partir do método da subsunção, pode ser tido como uma regra.
Por outro lado, os princípios nada têm de razões definitivas. São, por sua
vez, mandamentos de otimização. Ou seja, devem ser aplicados na sua máxima
medida, de acordo com as possibilidades fáticas. Assim, a priori, não se pode dizer
que um princípio possui maior peso ou importância do que outro, a partir
simplesmente do texto constitucional41. Essa diferença fundamental entre as
espécies normativas implica, sobretudo, em consequências jurídicas absolutamente
distintas quando analisamos conflitos de regras e de princípios em demandas de
direitos fundamentais.

41
Essa é uma distinção importante da teoria de Alexy em comparação à Dworkin. A teoria constitucional não
pode prever distinção prévia entre a importância dos princípios. Contudo, os tribunais, ao aplicá-los, através
de precedentes, pode, excepcionalmente, atribuir pesos distintos aos princípios, desde que de forma
fundamentada e sempre levando em consideração as especificidades do caso concreto. É o caso do Tribunal
Constitucional Alemão, que considera alguns princípios mais importantes que outros, exaltando sempre a
relevância da dignidade da pessoa humana.
30

De modo bastante simples, se existem duas regras conflitantes entre si,


subsumidas do ordenamento jurídico de acordo com as possibilidades fáticas, a
solução será através da declaração de invalidade/nulidade de uma delas, ou pela
revogação de uma delas através dos critérios clássicos da teoria do direito.42
Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz,em
uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine oconflito, ou se pelo
menos uma das regras for declarada inválida. (...) Se esse tipo de solução
não for possível, pelo menos uma dasregras tem que ser declarada inválida
e, com isso, extirpada do ordenamentojurídico. Ao contrário do que ocorre
com o conceito de validadesocial ou de importância da norma, o conceito de
validade jurídicanão é graduável. Ou uma norma jurídica é válida, ou não é.
Seuma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa
quetambém sua consequência jurídica é válida. Não importa a forma
comosejam fundamentados, não é possível que dois juízos concretosde
dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso, se
se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas
concretas contraditórias entre si, e essa contradição nãopode ser eliminada
por meio da introdução de uma cláusula de exceção,então, pelo menos uma
das regras dever ser declarada inválida.A constatação de que pelo menos
uma das regras deve ser declaradainválida quando uma cláusula de
exceção não é possível em umconflito entre regras nada diz sobre qual das
regras deverá ser tratadadessa forma. Esse problema pode ser solucionado
por meio de regrascomo lex posterior derogat legi priori e lex specialis
derogat legigenerali, mas é também possível proceder de acordo com a
importânciade cada regra em conflito. O fundamental é: a decisão é uma
decisão sobre validade.

Assim sendo, Alexy sustenta sua teoria com base na aplicação dos
princípios, inevitavelmente em colisão, buscando encontrar um método lógico-
racional para efetivar em máxima medida todos os princípios envolvidos.
Para tanto, concebe tal teoria de tal forma objetiva, que a apresenta em
linguagem matemática, no formato de duas leis bastante específicas.

2.2.2.1. Lei dos Princípios Colidentes ou Lei de Colisão

Para o jurista alemão, em uma colisão entre princípios deve-se analisar se


há precedência de algum princípio sobre outro, de acordo com as circunstâncias do
caso. Como observa o próprio autor,43
A solução para essa colisão consiste no estabelecimento de uma relaçãode
precedência condicionada entre os princípios, com base nascircunstâncias
do caso concreto. Levando-se em consideração o casoconcreto, o
estabelecimento de relações de precedências condicionadasconsiste na
fixação de condições sob as quais um princípio temprecedência em face do

42
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 92-93.
43
Ibidem. p. 96.
31

outro. Sob outras condições, é possível que aquestão da precedência seja


resolvida de forma contrária.Esse conceito de relação de precedência
condicionada tem importânciafundamental na compreensão das colisões
entre princípios e,com isso, para a teoria dos princípios.

Sem o refinamento técnico da obra de Alexy, tal postulado propõe que, como
teoricamente os princípios são igualmente importantes para o ordenamento jurídico
e perfeitamente aplicáveis a um determinado caso concreto mesmo que claramente
conflitantes, as circunstâncias do caso concreto determinarão, em regra 44, uma
relação de precedência entre os princípios envolvidos, que será capaz de determinar
qual princípio será realizado em sua máxima medida e quais serão os princípios de
alguma forma restringidos. Conforme observa Wilson Steinmetz,45
A lei de colisão, segundo Robert Alexy, não só é importante porque
descreve a estrutura lógica da solução da colisão, mas também porque
indica o que precisa ser fundamentado: o resultado da ponderação pode ser
formulado como uma regra – uma regra de precedência ou preferência (de
cuja generalização resulta a lei de colisão) que expressa uma relação de
precedência condicionada – sob a qual se subsume o caso concreto.

Inevitavelmente, para se compreender tal teoria resta necessário analisar a


linguagem matemática sob a qual é construída:

O próprio Alexy descreve o funcionamento da formulação acima de forma


bastante contundente, vejamos,46
Se o princípio P¹ tem precedência em face do princípio P² sob as condições
C: (P¹ P P²) C, e se do princípio P¹, sob as condições C, decorre a
consequência jurídica R, então, vale uma regra que tem C como suporte
fático e R como consequência jurídica: C → R.
Uma formulação menos técnica seria:
(...) As condições sob as quais um princípio tem precedência em face de
outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a
conseqüência jurídica do princípio que tem precedência.

Pode-se inferir do raciocínio acima exposto que a precedência entre os


princípios colidentes, de forma absolutamente condicionada às condições fáticas do
caso concreto, estabelece uma consequência jurídica específica de acordo com as
44
Em regra, pois é perfeitamente possível que determinado Tribunal não conclua que haja precedência de
qualquer dos princípios em jogo, sendo possível qualquer decisão que realize em máxima medida qualquer
princípio. Este, contudo, é um problema para a segurança jurídica do ordenamento e coerência do Tribunal,
sendo uma das mais contundentes críticas contemporâneas a Alexy.
45
STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. In:Interpretação
Constitucional. Virgílio Afonso da Silva (Org.) São Paulo: Malheiros, 2005. p. 37.
46
Ibidem. p. 99.
32

circunstâncias normativas e fáticas em questão. Tal consequência jurídica, como


razão definitiva da solução do caso, admite a forma de uma regra.
Assim, a chave da teoria de Robert Alexy está na relação de precedência
entre os princípios e, mais especificamente, como o intérprete estabelece tal
relação. Para tanto, o autor desenvolveu a Lei do Sopesamento47.

2.2.2.2. Lei do Sopesamento ou Fórmula do Peso

Neste ponto, estabeleceremos a correlação entre a teoria dos direitos


fundamentais de Alexy e o tema deste trabalho. A Lei do Sopesamento ou Fórmula
do Peso consiste, na verdade, na aplicação da Regra da Proporcionalidade 48 à Lei
de Colisão, determinando a precedência entre os princípios em cada caso concreto.
A Lei do sopesamento pode ser compreendida a partir do seguinte
enunciado, retirado do texto do próprio Alexy, 49
"Quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetaçãode um princípio,
tanto maior terá que ser a importância dasatisfação do outro".
Essa regra expressa uma lei que vale para todos os tipos de
sopesamentode princípios e pode ser chamada de lei do
sopesamento.Segundo a lei do sopesamento, a medida permitida de não-
satisfaçãoou de afetação de um princípio depende do grau de importância
dasatisfação do outro. Na própria definição do conceito de princípio, coma
cláusula "dentro das possibilidades jurídicas", aquilo que é exigidopor um
princípio foi inserido em uma relação com aquilo que é exigido pelo princípio
colidente. A lei de colisão expressa em quê essa relaçãoconsiste. Ela faz
com que fique claro que o peso dos princípiosnão é determinado em si
mesmo ou de forma absoluta e que só é possívelfalar em pesos relativos.

De tal forma que, como na matemática, as duas leis servem de contraprova


entre si. O postulado acima exposto propõe que a restrição de um princípio sobre
outro é proporcional ao grau de satisfação (em sua máxima medida) do que

47
Estabelecer-se-á, a partir deste ponto, uma análise da Lei do Sopesamento conforme a mais recente
concepção do jurista alemão, exposta em conferência do dia 26 de novembro de 2015, no Tribunal de
Justiçado Estado do Paraná, em que o autor revelou que nos últimos 10 anos vêm aperfeiçoando aspectos
importantes de sua proposição.
48
Neste ponto, Alexy também contesta a maior parte da doutrina. Em momento posterior tal afirmação da
proporcionalidade como regra será melhor desenvolvida, contudo, vale refletir sobre o pensamento do jurista
alemão: “A máxima da proporcionalidade é com frequência denominada ‘princípio da proporcionalidade’.
Nesse caso, no entanto, não se trata de um princípio no sentido aqui empregado. A adequação, a
necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito não são sopesadas contra algo. Não se pode dizer que
elas às vezes tenham precedência, e às vezes não. O que se indaga é, na verdade, se as máximas parciais
foram satisfeitas ou não, e sua não-satisfação tem como consequência uma ilegalidade. As três máx imas
parciais devem ser, portanto, consideradas como regras. Cf. , nesse sentido, Gorg Haverkate, Rechtsfragen
des Leistungsstaats, Tübingen: Mohr, 1983, p. 11, que faz menção a um ‘enunciado jurídico passível de
subsunção’.” (Ibidem, p. 117).
49
Ibidem. p. 167-168.
33

restringe. Neste caso, as circunstâncias que estabelecem a preferência da Lei de


Colisão precisam considerar o grau de restrição/satisfação dos princípios em jogo,
com a devida consideração das consequências fáticas e jurídicas sobre os direitos
fundamentais envolvidos.
Igualmente na linguagem matemática, a Lei do Sopesamento pode ser
assim descrita50:

Pelo enunciado acima transcrito, Alexy estabelece a relação de precedência


entre os princípios i e j através de três variáveis: peso abstrato; intensidade; e
variáveis epistêmicas. Assim, de modo racional e lógico, o intérprete utiliza-se da
ferramenta matemática para constatar a relação de precedência entre os princípios.
É deveras importante ressaltar que a mera atribuição de valores às variáveis
não resolve a questão. Nesse ponto, segundo Alexy, a argumentação jurídica é
imprescindível a justificar a intensidade dos valores atribuídos às variáveis.
Abaixo podemos analisar os valores tradicionais utilizados pelo Tribunal
Constitucional Alemão na resolução de casos difíceis sobre direitos fundamentais.

ESCALA 02 –
ESCALA 01 – GRAU
Variáveis I e W Variável R VALIDADE DO
DE INTERFERENCIA
ARGUMENTO

LEVE 20 = 1 20 = 1 CERTO

MODERADA 21 = 2 2-1 = ½ PLAUSÍVEL

GRAVE 22 = 4 2-2 = ¼ Evidentemente FALSO

Assim, resta evidente a relevância da argumentação jurídica para o uso


racional da Fórmula do Peso. Além disso, importante destacar que as variáveis
epistêmicas são capazes de alterar seriamente o resultado da equação.

50
Considerando dois princípios Pi e Pj, a relação de peso ou importância entre esses dois princípios (Wi,j), o que
na verdade se trata da relação de precedência da Lei de Colisão, é o resultado da razão entre as variáveis
peso abstrato (Wi e Wj), o qual é estipulado pelo intérprete de acordo com o ordenamento jurídico;
intensidade (Ii e Ij) do efeito destes princípios no caso concreto (de acordo com a adequação e necessidade);
e efeitos empíricos e normativos sobre direitos fundamentais (Ri e Rj), presentes apenas em casos difíceis e
que envolvem direitos fundamentais alheios, inclusive.
34

Embora o Prof. Alexy tenha desenvolvido um método de atribuição de


valores diverso da “Escala 01”51, ele reconhece a maneira coerente que o Tribunal
Constitucional Alemão vem utilizando nos últimos casos difíceis com que se
depararam.
Finalmente, pode-se inferir da Lei do Sopesamento os seguintes cenários
possíveis, sob as condições do caso concreto: (i) Wi,j> 1: o princípio Pi tem
precedência sobre Pj;(ii) Wi,j< 1: o princípio Pjtem precedência sobre Pi; e (iii) Wi,j =
1: nenhum dos princípios possui precedência sobre o outro, sendo qualquer decisão
possível pois as consequências jurídicas serão equivalentes quanto aos efeitos
sobre os direitos fundamentais.
Esta terceira possibilidade, contudo, é alvo de constantes críticas sobre
Alexy, pois não se pode precisar que, a decisão pela precedência de qualquer dos
princípios em jogo será igual no mundo dos fatos, pois princípios distintos geram
consequências jurídicas distintas.
No entanto, aos poucos tal método tem sido reconhecido dentre os mais
racionais e respeitados no mundo jurídico, por teoricamente restringir a
discricionariedade do juiz a formulações matemáticas racionais. Este trabalho,
entretanto, se concentra na construção da proporcionalidade por Alexy e na
aplicação de sua teoria pelo Supremo Tribunal Federal.

3. Restrição a Princípios Fundamentais – Regra da Proporcionalidade

51
Alexy propõe uma atribuição de valores mais refinada que a Escala 01, também chamada Trifásica (conceitos
0
leve, moderada e grave), a qual seria a escala Duplo trifásica com os seguintes conceitos: Muito leve (2 = 1);
1 2 3 4
moderadamente leve (2 = 2); pouco leve (2 = 4); levemente moderada (2 = 8); moderada (2 = 16);
5 6 7 8
moderada grave (2 = 32); pouco grave (2 = 64); grave (2 = 128); e gravíssima (2 = 256). Tal escala, sem
dúvida, intensifica a variação da intensidade dos princípios, considerando que um princípio pode ter
intensidade ou peso absoluto até 256 vezes maior que o outro em questão.
35

Princípios e regras enquanto espécies normativas pertencem à dimensão do


dever-ser. Assim, as consequências jurídicas no plano fático, em tese, não
consistem em elementos da norma jurídica. Contudo, na medida em que a
prescrição da norma tende a produzir efeitos sobre direitos fundamentais, há que se
refletir acerca do seu modo de aplicação.
Os direitos fundamentais, especialmente após as guerras mundiais, foram
elevados ao status de núcleo do ordenamento jurídico. As Constituições pós-
positivistas enalteceram sua proteção e garantias como objetivo do estado de direito.
Nesse sentido, quaisquer restrições a direitos fundamentais devem ser enfrentadas
com cautela e vistas como última ratio da aplicação do direito.
Como visto anteriormente, as regras jurídicas não oferecem grande
complexidade no seu modo de aplicação, e a teoria constitucional contemporânea
(pós-positivista) ainda admite como método ideal de aplicação a subsunção da
norma ao fato jurídico. Assim, as regras são concebidas no processo legislativo com
um suporte fático específico que, por si só, já delimita e restringe sua aplicação.
Por outro lado, os princípios, como dito até aqui, possuem um grau de
generalidade e indeterminação característico, típico do direito prima facie que
prescreve. Os direitos fundamentais, geralmente, são dotados dessas
características, pela grande abrangência da sua atuação. Afinal, qualquer cidadão
possui direitos fundamentais enquanto sujeito de direito e direitos fundamentais
enquanto coletividade social. Embora se admita uma norma de direito fundamental
assumir função de regra jurídica, não se pode negar seu caráter fundamentalmente
principiológico. Alexy concebe o como modelo teórico ideal o modelo misto de regras
e princípios, com níveis distintos5253.

52
ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais. pp. 136-137.
53
Idem. p. 140-141. Sobre o nível das regras, assim observa Alexy: “Quando, por meio de uma disposição de
direito fundamental, é fixada alguma determinação em relação às exigências de princípios colidentes, então,
por meio dela não é estabelecido somente um princípio, mas também uma regra. Se a regra não é aplicável
independentemente de sopesamentos, então, ela é, enquanto regra, incompleta. Na medida em que ela for
incompleta nesse sentido, a decisão constitucional pressupõe um recurso ao nível dos princípios, com todas
as incertezas que estão a ele vinculadas. Mas isso nada muda no fato de que as determinações devem ser
levadas a sério na medida em que forem suficientes. A exigência de se levar a sério as determinações
estabelecidas pelas disposições de direitos fundamentais, isto é, de levar a sério o texto constitucional, é uma
parte do postulado da vinculação à Constituição. E é apenas uma parte desse postulado, porque, dentre
outras razões, tanto as regras estabelecidas pelas disposições constitucionais quanto os princípios também
por elas estabelecidos são normas constitucionais. Isso traz à tona a questão da hierarquia entre os dois
níveis. A resposta a essa pergunta somente pode sustentar que, do ponto de vista da vinculação à
Constituição, há uma primazia do nível das regras. Ainda que o nível dos princípios também seja o resultado
de um ato de positivação, ou seja, de urna decisão, a decisão a favor de princípios passíveis de entrar em
36

Ao nível dos princípios pertencem todos os princípios que, sob a


Constituição alemã, sejam relevantes para as decisões no âmbito
dosdireitos fundamentais. Um princípio é relevante para uma decisão
dedireito fundamental quando ele pode ser utilizado corretamente a favorou
contra uma decisão nesse âmbito. Se ele puder ser utilizado
corretamente,então, ele é válido.
(...) Entre os princípios relevantes para decisões de direitos
fundamentaisnão se encontram somente princípios que se refiram a
direitosindividuais, isto é, que conferem direitos fundamentais prima
facie,mas também aqueles que têm como objeto interesses coletivos e
quepodem ser utilizados, sobretudo como razões contrárias a direitos
fundamentaisprima facie, embora possam ser também utilizados
comorazões favoráveis a eles. O conjunto básico dos princípios que
conferemdireitos fundamentais prima facie é facilmente
determinável.Sempre que uma disposição de direito fundamental garante
um direitosubjetivo, a ela é atribuído ao menos um princípio dessa
natureza.Mais difícil é responder à pergunta acerca dos princípios
relacionadosa interesses coletivos. Alguns deles podem ser atribuídos sem
maioresexigências a cláusulas de restrição qualificadas; outros, por meio
deuma interpretação institucional das disposições de direitos
fundamentais,podem ser atribuídos até mesmo ao suporte fático.

O duplo caráter normativo dos direitos fundamentais tem fundamento no seu


conteúdo e forma de aplicação, mas também com seu status de hierarquia
constitucional. Igualmente, as determinações do texto da Constituição nem sempre
resultam em colisões passíveis de sopesamento, admitindo o caráter de regras.
Ainda, é preciso destacar a já comum discussão entre os constitucionalistas
contemporâneos de que os princípios constitucionais são divididos de acordo com
sua função no texto da Constituição. Os princípios formais ou procedimentais 54
possibilitam o funcionamento democrático do processo constitucional, como por
exemplo, o princípio democrático, princípio da separação de poderes, etc. Por sua
vez, os princípios substanciais ou materiais expressam concretamente conteúdos de
direitos fundamentais. Essa divisão, contudo, não impede o sopesamento entre as
duas modalidades de princípios, em razão da sua equivalência na hierarquia
constitucional55.

colisão deixa muitas questões e m aberto, pois um grupo de princípios pode acomodar as mais variadas
decisões sobre relações de preferência e é, por isso, compatível com regras bastante distintas. Assim,
quando se fixam determinações no nível das regras, é possível afirmar que se decidiu mais que a decisão a
favor de certos princípios.”
54
Idem. p. 138. “Um princípio formal ou procedimental é, por exemplo, o princípio que sustenta que as decisões
relevantes para a sociedade devem ser tomadas pelo legislador democrático. Esse princípio formal pode,
junto com um princípio substancial que sirva a interesses apenas secundários da sociedade, ser sopesado
contra um princípio constitucional garantidor de um direito individual. Aquele princípio formal é, além disso, o
fundamento para as diversas formas de discricionariedade que o Tribunal Constitucional Federal garante ao
legislador.”
55
Essa distinção é bastante aceita na doutrina constitucional, embora com alguns argumentos distintos. Cf.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos
Direitos Fundamentais. 11. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
37

Há que se fazer, todavia, uma preliminar análise das questões


terminológicas que envolvem a proporcionalidade. Na doutrina brasileira, com base
na doutrina mais especializada sobre o tema, existem basicamente 03 (três)
posições acerca da classificação normativa da proporcionalidade. São elas:
proporcionalidade como regra56; proporcionalidade como princípio57; e
proporcionalidade como dever58.
A posição deste trabalho considera a proporcionalidade como uma regra
jurídica, em razão da sua aplicabilidade no caso de colisão entre direitos
fundamentais. Trata-se de aplicar cada uma das máximas da proporcionalidade a
partir da subsunção. Afinal, tal regra é utilizada justamente para resolver o impasse
entre os princípios colidentes, um método de aplicação e interpretação dos
princípios em jogo a fim de produzir um determinado resultado para o caso, uma
razão definitiva. De tal modo que, ao ser aplicada por meio da técnica da subsunção,
por não ser incluída entre as normas conflitantes, e por ser a norma pela qual se
produz uma razão definitiva, a proporcionalidade possui a estrutura normativa de
uma regra jurídica. Esta é a posição do Prof. Virgilio Afonso da Silva, que assim
leciona59:
O problema terminológico é evidente. O chamado princípio da
proporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não
com base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em
várias medidas, já que é aplicado de forma constante, sem variações. (,,,) É
correto, como já dito, que o chamado princípio da proporcionalidade não é
um princípio no sentido acima descrito. Mas Alexy enquadra-o, sim, em
outra categoria, pois classifica-o explicitamente como regra. (...) Alexy
afirma que os sub-elementos da proporcionalidade “devem ser classificados
como regras”, e cita como entendimento semelhante a posição de
Haverkate, segundo a qual a forma de aplicação da proporcionalidade e de
60
suas sub-regras é a subsunção . Como já visto acima, segundo a teoria
defendida por Alexy, somente regras são aplicadas por meio de subsunção.

A corrente doutrinária que defende a proporcionalidade como princípio o faz


com base nos seguintes argumentos: (i) a proporcionalidade não está prevista no
texto constitucional, tratando-se de norma implícita, característica que seria atribuída

56
É o caso de Robert Alexy e Virgílio Afonso da Silva.
57
Boa parte da doutrina brasileira, incluindo: Suzana de Toledo Barros, Willis Santiago Guerra Filho, Luis
Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, Wilson Steinmetz, Rodrigo Meyer Bornholdt, Paulo Bonavides, Ingo
Wolfgang Sarlet, Francisco Fernandes de Araújo, Regina Maria Macedo Nery Ferrari, entre tantos outros.
58
De modo pioneiro e inovador, é a tese defendida por Humberto Bergmann Ávila.
59
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. In: Revista dos Tribunais. 2002. pp. 25-26.
60
Ver nota de rodapé nº 47.
38

apenas aos princípios61; (ii) a proporcionalidade é uma norma fundamental ao


ordenamento jurídico, pela sua relevância e amplitude na jurisdição constitucional,
tendo, portanto, caráter principiológico62; (iii) na sua origem, a proporcionalidade
pode ser observada como desdobramento dos princípios do Estado de Direito, da
Igualdade, e do Devido Processo Legal63, sendo, pois, um princípio geral do direito
recentemente (pós-positivismo) consitucionalizado64.
Em relação à proporcionalidade como princípio é imprescindível esclarecer
que a doutrina brasileira majoritariamente adota tal concepção pela descrença de
que o rigor terminológico tão arduamente defendido por Alexy e Virgílio Afonso da
Silva (e compartilhado por este trabalho) seja realmente relevante na aplicação da
proporcionalidade quanto à produção de seus efeitos aos direitos fundamentais. Tal
esclarecimento é prestado por Wilson Steinmetz65:
Na linguagem dos juristas brasileiros, de modo geral, está consagrada a
expressão “princípio da proporcionalidade”. (...) De fato, se se toma como
definição operativa de “princípio” aquela de Robert Alexy – princípio como
mandamento de otimização – , então, é, por definição, incorreta a

61
Este argumento é utilizado por: BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o
controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Editora Brasília
Jurídica, 1996. pp. 86-87:“Vistos sob esse prisma, os princípios jurídicos constitucionais, como ‘ideias
jurídicas materiais que lograram uma consciência jurídica geral’, podem já estar escritos no texto da
Constituição, como podem estar implícitos. (...) A existência do princípio da proporcionalidade no nosso
sistema não depende assim, de estar contido em uma formulação textual da Constituição. Desde que seja
possível hauri-lo de outros princípios constitucionais, estará caracterizado e, de resto, sua aplicação será
obra dos Tribunais.”
62
Argumento este que é utilizado por: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 405-409;
STEINMETZ, Wilson. Princípio da Proporcionalidade e atos de autonomia privada. p. 12 (nota nº 1);
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da Proporcionalidade e Devido Processo Legal. In: Interpretação
Constitucional. Virgilio Afonso da Silva (Org.). pp. 268-269;
63
É necessário tecer alguns esclarecimentos acerca da relação entre a proporcionalidade e o devido processo
legal. Tal concepção está intimamente ligada ao direito norte-americano (BONAVIDES, Paulo. Curso de
Direito Constitucional; e GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido
processo legal; bem como GUERRA FILHO. Processo constitucional e direitos fundamentais), que
concebe a proporcionalidade como equivalente ou subalterna ao critério da razoabilidade. A fungibilidade
entre a proporcionalidade e a razoabilidade é aceita por parte da doutrina, notadamente em: BARROSO, Luis
Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação constitucional. pp. 302-
303. Contudo, pelo rigor deste trabalho em traçar a proporcionalidade concebida por Robert Alexy, não se
considera a equivalência entre os dois critérios. Para um panorama sobre a distinção aceita neste trabalho,
ver SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. pp. 27-31: “A regra da proporcionalidade no
controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal
Constitucional Alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser
razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência
constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com sub-elementos independentes – a
análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito – que são aplicados em
uma ordem pré-definida, e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia,
claramente, da mera exigência da razoabilidade.
64
Este argumento é utilizado por: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 405-409; GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Princípio da Proporcionalidade e Devido Processo Legal. pp. 268-269; BARROSO,
Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação constitucional. pp.
302-303; BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. pp. 162-166.
65
STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos da autonomia privada. pp. 11-12. nota nº 1.
39

expressão “princípio da proporcionalidade”, porque, no marco da teoria dos


princípios de Robert Alexy, a proporcionalidade é melhor classificada como
regra, à medida que não é objeto de ponderação ante princípio(s) oposto(s),
mas sim um mandamento definitivo a ser aplicado na forma do tudo-ou-
nada. No entanto, em primeiro lugar, a de Robert Alexy não é a única
definição operativa possível, e muito menos a única adotada no discurso
dos juristas. (...) Assim, é perfeitamente compreensível que, entre os juristas
brasileiros, haja preferência pela expressão “princípio da proporcionalidade”,
em detrimento de outras denominações. Em segundo lugar, há uma
tendência no discurso jurídico de qualificar como “princípios” normas que
são havidas, por razões diversas (ora razões jurídicas, ora razões
axiológicas, ora razões empíricas), como muito importantes no ou para o
sistema jurídico. Essa parece ser uma explicação plausível para para a
preferência dos juristas brasileiros. Em terceiro lugar, não obstante a
rigorosa e bem-informada análise de Humberto Bergmann Ávila e Virgílio
Afonso da Silva, não está claro, ainda, se, no plano interpretativo-aplicativo,
a questão terminológica produz interferências conceituais e metodológicas
relevantes do ponto de vista dos resultados práticos e sua justificabilidade e
controlabilidade racionais. Dizendo de outro modo, não está claro se o
dissenso terminológico tem implicações hermenêutico-constitucionais
relevantes.

Este é o posicionamento do grande constitucionalista Prof. José Joaquim


Gomes Canotilho, pioneiro no estudo dos princípios constitucionais em Portugal e no
Brasil, que trata a proporcionalidade como princípio, definindo-o como66:
Este princípio, atrás consideradocomo um sub-princípiodensificador do
Estado de direitodemocrático (...) significa, noâmbito específico das
leisrestritivas de direitos, liberdades egarantias, que qualquer limitação,feita
por lei ou com base na lei,deve ser adequada (apropriada),necessária
(exigível) e proporcional(com justa medida). A exigência daadequação
aponta para anecessidade de a medida restritivaser apropriada para a
prossecuçãodos fins invocados pela lei(conformidade com os fins).
Aexigência da necessidade pretendeevitar a adoção de medidasrestritivas
de direitos, liberdades egarantias que, embora adequadas,não são
necessárias para se obteremos fins de proteção visados pelaConstituição
ou a lei.

Com efeito, o posicionamento majoritário da doutrina brasileira está


fundamentado ainda na concepção de princípios, idealizada pela doutrina
tradicional, como enunciados jurídicos dotados de maior grau de fundamentalidade,
generalidade e abstração67.

66
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5ª ed. Coimbra: Editora Almedina, 1992. p. 617.
67
Esta é a construção dogmática defendida por José Afonso da Silva e Paulo Bonavides, por exemplo. Ver
também nota de rodapé nº 16. Vale dizer que tais autores não concebem os princípios como uma espécie
normativa, mas como um conceito jurídico distinto da classificação das normas. Tal concepção gera um
problema terminológico considerável, uma vez que ao tratar a proporcionalidade como princípio, não se
preocupa em não tratá-la como regra, como se pode observar em BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional: “Em sentido amplo, entende Muller que o princípio da proporcionalidade é a regra
fundamental a que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem do poder;” (p. 406); “Do
caráter teleológico do Direito infere ele também a questão instrumental; de modo que fim e meio, em razão da
regra jurídica, se acham numa conexão normativa e também numa relação sistemática, determinada pelo
conjunto do Direito e da Sociedade.” (p. 407); “Tanto a jurisprudência constitucional em vários países da
Europa como os órgãos da Comunidade Europeia, já não vacilam em fazer uso frequente desse princípio. A
40

De fato, interessante é o argumento de Willis Santiago Guerra Filho quando


defende a proporcionalidade como um princípio, criticando a posição defendida
neste trabalho, dizendo que68
O fato de Alexy, na famosa “página 100” da edição original da Theorie der
Grundrechte, com apoio no professor de Direito Constitucional da
Universidade de Heidelberg, Haverkate, referir a possibilidade de os
“subprincípios da proporcionalidade” permitirem, tal como regras jurídicas, a
subsunção não implica ipso facto, ser o princípio da proporcionalidade uma
regra, pois o conteúdo de uma regra é a descrição (e previsão) de um fato,
acompanhada da prescrição de sua consequência jurídica, e não outra
regra – e regra sem previsão explícita na ordem jurídica. Da mesma forma,
pelo princípio lógico da “navalha de Ockham” – pelo qual não se devem
multiplicar desnecessariamente os termos, sem que haja entes diversos a
serem nomeados por eles – , também não pensamos que deixe de haver
sinonímia entre o princípio da proporcionalidade em sentido estrito e a
proibição de excesso “de ação”, por implicar o princípio também uma
“proibição de (excesso) de omissão”.

Por sua vez, a proporcionalidade também pode ser vista como um dever ou
postulado69, um postulado normativo-aplicativo, conforme leciona Humberto Ávila70:
“Nesse sentido, a proporcionalidade, como postulado estruturador da aplicação de
princípios que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade
entre um meio e um fim, não possui aplicabilidade irrestrita.”
A posição deste trabalho, como dito anteriormente, coaduna com o
pensamento do Prof. Virgílio Afonso da Silva, que concebe a proporcionalidade
como regra, nos seguintes termos71:
A regra da proporcionalidade é uma regra de interpretação e aplicação do
direito, empregada especialmente nos casos em que um ato estatal,
destinado a promover a realização de um direito fundamental ou de um
interesse coletivo, implica a restrição de outro ou outros direitos
fundamentais. O objetivo da aplicação da regra da proporcionalidade, como
o próprio nome indica, é fazer com que nenhuma restrição a direitos
fundamentais tome dimensões desproporcionais. É, para usar uma
expressão consagrada, uma restrição às restrições. Para alcançar esse
objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames da adequação, da
necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Esses três exames
são, por isso, considerados como sub-regras da regra da proporcionalidade.

doutrina, por sua vez, busca consolidá-lo como regra fundamental de apoio e proteção dos direitos
fundamentais e de caracterização de um novo Estado de Direito, fazendo assim da proporcionalidade um
princípio essencial da Constituição.” (p. 409); “Debaixo de certos aspectos, a regra da proporcionalidade
produz uma controvertida ascendência do juiz (executor da justiça material) sobre o legislador, sem chegar
todavia a corroer ou abalar o princípio da separação dos poderes.” (p. 412).
68
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. p. 268. nota nº 34.
69
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. p. 87 e ss.
70
Idem. p. 205.
71
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. p. 24.
41

Acerca destas diversas concepções da proporcionalidade, Rodrigo Meyer


Bornholdt procurou sintetizar as diversas funções da proporcionalidade, nas suas
variadas opções terminológicas e teóricas72:
Em vista dessas possíveis derivações, deve-se desde logo ressaltar a
multifuncionalidade do princípio da proporcionalidade: é por meio dele que
a) o quid de subjetivismo da decisão deve-se manifestar, através da
precedência de um dos direitos ou princípios (nomeadamente no princípio
da proporcionalidade em sentido estrito, mas não no seu sentido clássico de
proibição do excesso) em jogo; b) em decorrência disso, serve ele como
instrumental teórico no momento da ponderação; c) como proibição do
arbítrio, ao analisar a conveniência dos meios propostos com os fins a
serem atingidos; d) para a colmatação de colunas.

Uma vez minuciosamente tratada a questão terminológica concernente à


proporcionalidade, imediatamente iniciar-se-á a análise de seus 03 (três) elementos
ou sub-regras7374.
Já se deu a entender que há uma conexão entre a teoria dos princípios e a
máxima da proporcionalidade. Essa conexão não poderiaser mais estreita:a
natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa
implica aquela. Afirmar que a natureza dosprincípios implica a máxima da
proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas
parciais da adequação, danecessidade (mandamento do meio menos
gravoso) e da proporcionalidadeem sentido estrito (mandamento do
sopesamento propriamentedito), decorre logicamente da natureza dos
princípios, ou seja, que aproporcionalidade é deduzível dessa natureza.
(...) Princípios são mandamentos de otimização em face das
possibilidadesjurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em
sentidoestrito, ou seja, exigência de sopesamento,decorre da relativização
emface das possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito
fundamentalcom caráter de princípio colide com um princípio antagônico,a
possibilidade jurídica para a realização dessa norma depende do
princípioantagônico.Para se chegar a uma decisão é necessário um
sopesamentonos termos da lei de colisão.Visto que a aplicação deprincípios
válidos - caso sejam aplicáveis - é obrigatória, e visto quepara essa
aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento,o caráter
principiológico das normas de direito fundamental implica anecessidade de
um sopesamento quando elas colidem com princípiosantagônicos. Isso
significa, por sua vez, que a máxima da proporcionalidadeem sentido estrito
é deduzível do caráter principiológico dasnormas de direitos fundamentais.A
máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fatode princípios
serem mandamentos de otimização em face das possibilidadesjurídicas. Já
as máximas da necessidade e da adequaçãodecorrem da natureza dos
princípios corno mandamentos de otimizaçãoem face das possibilidades
fáticas.

Como esta temática permeará toda a extensão deste trabalho, serão


apresentadas diversas concepções dogmáticas complementares e semelhantes a
72
BORNHOLDT. Rodrigo Meyer. Métodos para Resolução do Conflito entre Direitos Fundamentais. p. 164.
73
É necessário destacar que embora haja divergência em relação aos elementos da proporcionalidade, todos
os posicionamentos dogmáticos até aqui expostos concebem a proporcionalidade como um conceito
tripartite.
74
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. pp. 116-117.
42

fim de, da forma mais clara e didática possível, estabelecer os fundamentos das
sub-regras da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

3.1. Adequação

Como já foi dito, a regra da proporcionalidade reflete uma relação de


precedência condicionada. Tais condições impõem os limites da abrangência do
princípio fundamental e representam as restrições aos direitos fundamentais em um
determinado caso concreto.
A decomposição da proporcionalidade em três sub-regras é anterior ao
pensamento de Alexy. Todavia, o jurista alemão introduziu novas provocações à
construção de cada um destes elementos.
Em sua teoria, as máximas da adequação e da necessidade representam as
possibilidades fáticas da aplicação de determinado princípio fundamental, enquanto
que a proporcionalidade em sentido estrito representa as possibilidades jurídicas de
tal aplicação75.
A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fatode
princípios serem mandamentos de otimização em face das
possibilidadesjurídicas. Já as máximas da necessidade e da
adequaçãodecorrem da natureza dos princípios corno mandamentos de
otimizaçãoem face das possibilidades fáticas.

A combinação destas sub-regras tem o objetivo específico de, ao mesmo


tempo, realizar na máxima medida possível o princípio fundamental que têm
precedência no caso concreto, restringindo na menor medida possível os direitos
fundamentais envolvidos, incluindo de terceiros. Nessa linha de raciocínio, ensina
STEINMETZ76:
A aplicação do princípio da proporcionalidade no âmbito das restrições ou
limitações de direitos fundamentais – e é esse âmbito que aqui interessa,
porque, primeiro, a colisão de direitos fundamentais (seja em sentido amplo,
seja em sentido estrito), dado o caráter principial dos direitos fundamentais,
é uma colisão de princípios e, segundo, a colisão de direitos fundamentais é
um dos fenômenos que se materializam como restrição ou limitação destes
direitos – pressupõe a estruturação de uma relação meio/fim, na qual o fim

75
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 118. Como também demonstra, com base nos
ensinamentos de Alexy, STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. p.
38: “Os princípios, como mandamentos de otimização, são normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. As possibilidades fáticas são
determinadas pelas máximas da adequação e da necessidade; e as possibilidades jurídicas, pelas máxima
da proporcionalidade em sentido estrito – esta última, o mandamento de ponderação propriamente dito.”
76
STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. p. 39.
43

é o objetivo ou finalidade pretendida pela restrição e o meio é a própria


decisão normativa (legislativa, administrativa, judicial ou contratual)
limitadora que pretende tornar possível o alcance ou a promoção do fim
almejado. O princípio da proporcionalidade ordena que a relação entre o fim
que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser adequada, necessária
e proporcional.

Logo, o exame dos elementos da proporcionalidade, na ordem


77 78
apresentada , representa o limite dos limites dos direitos fundamentais , sendo
fundamentais para um juízo de justiça e razoabilidade79 das decisões judiciais
referentes a direitos fundamentais.

Alexy de modo sempre pragmático constrói o sentido da máxima da


adequação através quase que exclusivamente de exemplos. Contudo, podemos
extrair de sua teoria que80

77
Segundo SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. pp. 34-35: “A real importância dessa ordem
fica patente quando se tem em mente que a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre implica a
análise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma
subsidiária entre si. Essa é uma importante característica, para a qual não se tem dado a devida atenção. A
impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade, é que o
juiz deve sempre proceder a análise de todas elas, quando do controle do ato considerado abusivo. Não é
correto, contudo, esse pensamento. É justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que
reside a razão de ser da divisão em sub-regras. Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se
dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a
análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema
já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade. Assim, a aplicação da regra
da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com simples exame da adequação do ato estatal
para a promoção dos objetivos pretendidos. Em outros casos, pode ser indispensável a análise acerca de sua
necessidade. Por fim, nos casos mais complexos, e somente nesses casos, deve-se proceder à análise da
proporcionalidade em sentido estrito.” No mesmo sentido, BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da
proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. p.
78: “É forçoso concluir que o princípio da necessidade traz em si o requisito da adequação. Só se fala em
exigibilidade se o meio empregado pelo legislador for idôneo à prossecução do fim constitucional.” E ainda,
MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle de constitucionalidade como garantia da
cidadania, necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de decisão: possibilidade da declaração de
inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade no direito brasileiro. Seleções jurídicas da COAD. São
Paulo, nº 08, 1993. p. 15: “apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode
ser inadequado”. Neste mesmo sentido, SCHOLLER, Heinrich. O princípio da proporcionalidade no direito
constitucional e administrativo da Alemanha. Trad. Ingo W. Sarlet. In: Revista Interesse Público, nº 2, 1999.
pp. 93-107: “a adequação representa a relação com a realidade empírica e deveria ser aferida em primeiro
lugar, ainda que o critério da necessidade tenha a melhor relevância jurídica. Meios que são adequados
podem mas não precisam ser necessários. Em contrapartida, meios necessários serão sempre adequados.”
78
Para uma noção de limite dos limites dos direitos fundamentais, ver SARLET, Ingo W. A eficácia dos
direitos fundamentais. pp. ; e SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; e MITIDIERO, Daniel. Curso de
Direito Constitucional Brasileiro. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. pp. 349-
350: “Para a efetivação de seus deveres de proteção, corre o Estado – por meio de seus órgãos ou agentes –
o risco de afetar de modo desproporcional outro(s) direito(s) fundamental(is), inclusive o(s) direito(s) de quem
esteja sendo acusado de violar direitos fundamentais de terceiros. Esta hipótese corresponde às aplicações
correntes do princípio da proporcionalidade como critério de controle de constitucionalidade das medidas
restritivas de direitos fundamentais – atuantes, nesta perspectiva, como direitos de defesa. O princípio da
proporcionalidade atua aqui, no plano da proibição do excesso, como um dos principais limites às limitações
dos direitos fundamentais.”
79
Ver BARROSO, Luis Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional.
Revista dos Tribunais – Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. n. 23. pp. 65-78.
80
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 590.
44

o aspecto da otimizaçãopresente na máxima da adequação não aponta


para um pontomáximo. Essa máxima tem, na verdade, a natureza de um
critério negativo.Ela elimina meios não adequados. Um tal critério negativo
nãodetermina tudo, mas exclui algumas coisas. Nesse sentido, ele ajusta-
seà ideia de uma ordem-moldura. Como elemento de uma ordem
comoessa, ele exclui algumas coisas - a saber: aquilo que não é adequado-
sem, com isso, determinar tudo.

Ou seja, o exame da adequação nada mais é do que a exclusão dos meios


não adequados para o fim esperado, geralmente, a efetivação dos direitos
fundamentais em sua máxima medida. Na doutrina brasileira, esta relação meio-fim
está intimamente ligada à adequação, aceita como início da aplicação da regra da
proporcionalidade. Neste sentido, o Prof. Virgílio Afonso da Silva leciona81:
Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é
alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um
objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja
completamente realizado. (...) Dessa forma, uma medida somente pode ser
considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para
fomentar a realização do objetivo pretendido.

De modo bastante frequente, a doutrina trata a sub-regra da adequação


como uma relação de pertinência entre os meios utilizados e os fins almejados 82 ou,
sob uma perspectiva negativa de aplicação, como vedação ao arbítrio83:
Consoante o primeiro elemento, a norma deve ser apta a alcançar a
consecução do interesse público, o que denota ser imprescindível a
presença de uma relação de adequação entre o meio utilizado e o fim
visado, importando em nítida vedação ao arbítrio. Nesse passo, é analisada
unicamente a adequação da norma, não sendo o momento oportuno para a
valoração da eficácia do meio escolhido ou o grau de restrição aos direitos
do cidadão, o que será objeto de aferição específica sob a ótica da
84
necessidade.
Desses elementos o primeiro é a pertinência ou aptidão, que, segundo
Zimmerli, nos deve dizer se determinada medida representa “o meio certo
para levar a cabo um fim baseado no interesse público”, conforme a
linguagem constitucional dos tribunais. Examina-se aí a adequação, a
conformidade ou a validade do fim. Logo se percebe que esse princípio
confina ou até mesmo se confunde com o da vedação de arbítrio, que
alguns utilizam com o mesmo significado do princípio geral da
proporcionalidade. Com o desígnio de adequar o meio ao fim que se intenta

81
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. pp. 36-37.
82
Esse é o entendimento de FERRARI, Regina M. M. N. Direito Constitucional. p. 662: “(...) adequação, isto
é, as medidas adotadas devem ser aptas para atingir os objetivos pretendidos”;
83
De modo bastante esclarecedor, tratando da concepção histórica da proporcionalidade e sua relação com as
ideias de vedação ao arbítrio e proibição de excesso, ver SARLET, Ingo W; MARINONI, Luiz G; MITIDIERO,
Daniel. Curso de Direito Constitucional. p. 349: “Embora não se pretenda sobrevalorizar a identificação de
um fundamento constitucional para os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no ordenamento
jurídico brasileiro, em termos gerais, é possível reconduzir ambos os princípios a um ou mais dispositivos
constitucionais. Assim, de acordo com a vertente germânica, o ponto de referência é o princípio do Estado de
Direito (art. 1º da CF), notadamente naquilo que veda o arbítrio, o excesso de poder, entre
outrosdesdobramentos. Já para quem segue a orientação do direito norte-americano, a proporcionalidade
guarda relação com o art. 5º, LIV, da CF, no que assegura um devido processo legal substantivo.”
84
GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais: esboço de uma teoria geral. p. 351.
45

alcançar, faz-se mister, portanto, que “a medida seja suscetível de atingir o


objetivo escolhido”, ou, segundo Hans Huber, que mediante seu auxílio se
85
possa alcançar o fim desejado.
O princípio da adequação – por vezes também denominado de princípio da
idoneidade ou princípio da conformidade – ordena que se verifique, no caso
concreto, se a decisão normativa restritiva (o meio, a medida) do direito
fundamental oportuniza o alcance da finalidade perseguida. Trata-se de
examinar se o meio é apto, útil, idôneo ou apropriado para atingir o fim
pretendido. (,,,) O exame da adequação da relação meio/fim tem caráter
empírico. Pergunta-se se o meio utilizado é adequado, empírica ou
86
faticamente, para alcançar o objetivo pretendido.

Ingo Sarlet, por sua vez, com base nos ensinamentos do mestre português
concebe também a proporcionalidade composta por três elementos sendo o primeiro
deles a87
adequação ou conformidade, no sentido de um controle da viabilidade (isto
88
é, da idoneidade técnica) de que seja em princípio possível alcançar o fim
almejado por aquele(s) determinado(s) meio(s), muito embora, para alguns,
para que seja atendido o critério, bastaria que o Poder Público (mediante
ação restritiva) cumprisse com o dever de fomentar o fim almejado.

A sub-regra da adequação tem, sobretudo, a função de observar a atuação


dos poderes constituídos na efetivação de direitos fundamentais, restringindo
medidas inadequadas de acordo com a pertinência, já tratada, entre meio e fim.
Neste sentido do uso institucional e democrático da máxima da adequação, Willis
Santiago Guerra Filho assim esclarece89:
Para haver adequação, o que importa é a conformidade com o objetivo e a
prestabilidade para atingir o fim da medida. O [Tribunal Constitucional
Alemão] reconhece, porém, que o estabelecimento de objetivos e meios
para alcançá-los é um problema de política legislativa (ou administrativa)
que a ele não cabe resolver, em substituição das autoridades
constitucionalmente competentes, reservando-se para interferir só em casos
excepcionais e raros, onde é patente sua inadequação e objetivamente
imprestável a medida, sendo a avaliação feita para torná-la claramente
errônea e refutável.
(...) Nesse quadro, vale acrescentar, com relação ao controle de medidas
provenientes da Administração Pública, que, por se tratar de uma função
estatal a ser exercida em obediência a normas preexistentes, não há tanto
que se discutir sobre finalidade e objetivos “desejados”, mas, sim, acima de
tudo, sobre a adequação daquelas medidas a tais propósitos, previstos
normativamente. Caso elas impliquem limitação de direitos fundamentais,
deve-se verificar, antes de mais nada, se o ato administrativo não deixou de
corresponder ao sentido da norma que deve realizar concretamente.

85
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. pp. 409-410.
86
STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. p. 40.
87
SARLET, Ingo W; MARINONI, Luiz G; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. p. 350.
88
Para uma outra concepção da adequação como idoneidade, ver CALLIESS, Christian. Die grundrechliche
Schutzpflicht im mehrpoligen Verfassungsrechtsverhältnis. JZ, 2006. p. 329.
89
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e devido processo legal. pp. 262-263.
46

O Prof. Virgílio Afonso da Silva 90, por sua vez, propõe um teste interessante
acerca da verificação se as medidas adotadas são realmente adequadas, da
seguinte maneira, utilizando-se do exemplo dos reality shows, de Wilson
Steinmetz91:
A medida é adequada? Adequação, como se definiu acima, refere-se à
aptidão de fomentar a realização de uma finalidade. Diante disso, é
necessário que se pergunte qual era a finalidade da restrição ao direito
fundamental atingido (a privacidade). Aqui, ou seja, ainda antes de se
perguntar se a medida é adequada, já começam os problemas. Ao contrário
do que ocorre com as medidas estatais restritivas de direitos fundamentais,
que, em geral, somente são legítimas quando pretendem, pela via da
limitação a um direito fundamental, fomentar outro direito fundamental ou
um interesse coletivo, nas relações entre particulares isso não é exigido.
Assim é que, na relação que se toma aqui como exemplo, a finalidade
perseguida é, do lado da rede de televisão, um aumento de sua audiência
por meio da exposição da privacidade dos participantes e, do lado dos
participantes, a exposição na mídia e o possível prêmio oferecido aos
vencedores daqueles shows. Steinmetz salienta que toda e qualquer
restrição a direito fundamental – incluindo-se aí aquelas decorrentes de atos
particulares – deve estar vinculada a uma finalidade constitucionalmente
legítima. O grande problema, neste ponto, é definir se aquilo que é legítimo
para o Estado é também legítimo para o particular e vice-versa. Não parece
ser o caso, pelo que acabou de ser exposto. Assim, no exemplo em
questão, a medida seria adequada simplesmente porque a restrição à
privacidade dos participantes propicia à rede de televisão uma grande
audiência e, aos participantes, a desejada exposição na mídia e,
eventualmente, um prêmio em dinheiro.

Finalmente, não se pode tratar da proporcionalidade analisando a doutrina


brasileira, sem se abordar as reflexões apresentadas na brilhante obra monográfica
da Prof.ª Suzana de Toledo Barros, quem exaustivamente analisou o panorama do
tema na doutrina, na legislação e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e
do Tribunal Constitucional Alemão.
De modo bastante claro, ela apresenta a melhor e mais didática síntese dos
aspectos da sub-regra da adequação, segundo a modesta opinião deste trabalho.
Nas palavras da Prof.ª Suzana de Toledo Barros,92
Entendido o princípio da proporcionalidade como parâmetro a balizar a
conduta do legislador quando estejam em causa limitações aos direitos
fundamentais, a adequação dos meios aos fins traduz-se em uma exigência
de que qualquer medida restritiva deve ser idônea à consecução da
finalidade perseguida, pois, se não for apta para tanto, há de ser
considerada inconstitucional.

90
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações entre
particulares. São Paulo: Malheiros. pp. 162-163.
91
Cf. STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. pp. 220 e ss.
92
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das
leis restritivas de direitos fundamentais. pp. 74-76.
47

(...) O exame da idoneidade da medida restritiva deve ser feito sob o


enfoque negativo: apenas quando inequivocadamente se apresentar como
inidônea para alcançar seu objetivo é que a lei deve ser anulada.

Em suma, a sub-regra da adequação pode ser verificada através de algumas


afirmações, quais sejam:
a) os meios escolhidos para efetivar/restringir direitos fundamentais devem
ser aptos e idôneos para atingir a finalidade pretendida;
b) o exame da adequação é feito de forma negativa, ou seja, se não há
certeza de que determinado meio é inidôneo ou inapto, ele pode ser considerado
adequado93;
c) a adequação também inclui um controle de legitimidade dos meios
propostos94;
d) corresponde ao primeiro exame da aplicação da proporcionalidade95;
e) a sub-regra da adequação é verificada através, especialmente, da
atuação do legislador, em sua atividade legiferante e da Administração Pública, na
ocasião da elaboração de políticas públicas referentes a direitos fundamentais
individuais ou coletivos96;
f) o exame da adequação é objetivamente teórico e não valorativo, não
importando o grau de eficácia dos meios adequados e sua conformidade futura com
o ordenamento jurídico97;

93
Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 590: “Ele demonstra, além disso, que o aspecto
da otimização presente na máxima da adequação não aponta para um ponto máximo. Essa máxima tem, na
verdade, a natureza de um critério negativo. Ela elimina meios não adequados. Um tal critério negativo não
determina tudo, mas exclui algumas coisas. Nesse sentido, ele ajusta-se à ideia de uma ordem-moldura.
Como elemento de uma ordem como essa, ele exclui algumas coisas - a saber: aquilo que não é adequado -
sem, com isso, determinar tudo.”
94
Ver nota de rodapé nº 90.
95
Ver nota de rodapé nº 77.
96
Ver nota de rodapé nº 89. Neste sentido, GARCIA, Emerson. Conflito entre normas constitucionais:
esboço de uma teoria geral. p. 351: “Observe-se, ainda, que a relação meios/fins apresentará nuances
distintas nas esferas legislativa e administrativa, pois à primeira é conferida maior discricionariedade, o que é
justificável por adotar medidas em relação a situações de risco potencial e abstrato, enquanto o
administrador, em regra, atua frente a situações atuais e concretas. Essa constatação é especialmente
relevante em relação ao ônus argumentativo para fins de demonstração da falta de proporcionalidade da
medida escolhida, sensivelmente maior no que diz respeito às medidas legislativas.” Ainda, BARROS,
Suzana de Toledo. op. cit diz acerca do controle jurisdicional da adequação, “Note-se que a possibilidade de
controle judicial sobre uma relação de causalidade, entre a medida restritiva adotada e o fim a que se destina,
por si só já abala a ideia do legislador onipotente, capaz de criar situações desarrazoadas, incoerentes ou até
mesmo bizarras. O juiz, por ocasião do controle de uma medida legislativa com repercussão na esfera de
liberdade do cidadão, em um primeiro passo procura deduzir a razão de tal intervenção. Desde que tal fim
esteja contido entre aqueles que a legitimam, ou, em outras palavras, desde que esteja o legislador
autorizado a proceder restrições naquela situação, deve o magistrado examinar se a medida restritiva é apta
a atingir o fim pretendido.” (p. 74)
97
Idem. “... sob a perspectiva da adequação, resta excluída qualquer consideração no tocante ao grau de
eficácia dos meios tidos como aptos a alcançar o fim desejado. A questão sobre a escolha do meio melhor,
48

g) a adequação dos meios/fins pode se dar de modo total ou parcial98.

3.2. Necessidade

O segundo elemento que compõe a regra da proporcionalidade é a máxima


da necessidade ou exigibilidade. Trata-se de um exame mais profundo e sensível
das medidas adequadas destinadas a efetivar/restringir direitos fundamentais.
Concebida por Robert Alexy ainda no plano das possibilidades fáticas da aplicação
da proporcionalidade99, é o exame da verificação dos efeitos produzidos por cada
uma das medidas consideradas adequadas no exame anterior.
Através da sua opção pelo pragmatismo da construção dogmática, Alexy
define a sub-regra da necessidade através da análise de um conflito de direitos
fundamentais hipotético, qual seja100:
Para demonstrar corno a máxima da necessidade decorre do
caráterprincipiológico dessas normas, será utilizada, aqui, a forma
maissimples que um exame da necessidade pode ter. O fato de a
máximada necessidade impor dificuldades adicionais em casos mais
complexos pode expor suas limitações, mas nada diz acerca de sua
dedutibilidade do caráter principiológico das normas de direitos
fundamentais.A constelação mais simples é caracterizada pela presença de
apenasdois princípios e dois sujeitos de direito (Estado/cidadão). Ela tem
aseguinte estrutura: o Estado fundamenta a persecução do objetivo Zcom
base no princípio P1 (ou Z é simplesmente idêntico a P1). Hápelo menos
duas medidas, M1 e M2, para realizar ou fomentar Z, eambas são
igualmente adequadas. M2 afeta menos intensamente queM1 - ou
simplesmente não afeta - a realização daquilo que uma normade direito
fundamental com estrutura de princípio - P2 - exige. Sobessas condições,
para P1 é indiferente se se escolhe M1 ou M2. Nessesentido, P, não exige
que se escolha M1 em vez de M2, nem que se escolha M2 em vez de M1.
Para P2, no entanto, a escolha entre M1 e M2não é indiferente. Na
qualidade de princípio, P2 exige uma otimizaçãotanto em relação às

menos gravoso ao cidadão, já entra na órbita do princípio da necessidade. (...) É possível, pois, que uma lei
contemple, ou pareça contemplar, no momento de sua edição, uma relação meio-fim adequada e, ao longo
do tempo, mostre-se discordante do programa da Lei Fundamental, seja porque os efeitos previstos não
ocorreram, seja porque se tenham verificado ulteriores consequências jurídicas indesejáveis. Essa
circunstância é muito comum em se tratando de leis interventivas na economia e não está apta a justificar um
juízo de inadequação.”
98
Idem. “... questiona-se se a adequação há de ser total ou pode ser apenas parcial, isto é, se há ou não
exigência de uma absoluta concatenação entre o meio empregado e o resultado obtido. (...) um juízo de
adequação se faz em face de uma situação concreta, não se podendo olvidar, contudo, que a lei, como
produto da vontade do legislador, é, no momento de sua edição, apenas uma previsão abstrata cujas
virtualidades só com o decurso do tempo vão se revelando.”
99
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. “A questão da precedência em relação a uma
conseqüência jurídica limitada deve ser distinguida dos problemas da adequação e da necessidade, a serem
analisados mais adiante, os quais dizem respeito às possibilidades de realização fática do princípio.” (p. 98);
“Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios corno mandamentos
de otimização em face das possibilidades fáticas.” (p. 118)
100
Idem. pp. 118-119.
49

possibilidades fáticas quanto em relação às possibilidades jurídicas. No que


diz respeito às possibilidades fáticas, P2pode ser realizado em maior
medida se se escolhe M2 em vez de M1. Por isso, pelo ponto de vista da
otimização em relação às possibilidades fáticas, e sob a condição de que
tanto P1 quanto P2 sejam válidos,apenas M2 é permitida e M1 é proibida.
Esse raciocínio vale paraquaisquer princípios, objetivos e medidas.
Portanto, o exame da necessidade,que o Tribunal Constitucional Federal
define como a exigênciade que "o objetivo não possa ser igualmente
realizado por meio deoutra medida, menos gravosa ao indivíduo", decorre
do caráter principiológicodas normas de direitos fundamentais.

Conceitualmente, Alexy no pósfacio da sua obra principal101, define a sub-


regra da necessidade como “Ela exige que, dentre dois meios aproximadamente
adequados, seja escolhido aquele que intervenha de modo menos intenso.”102 De
modo bastante interessante, o jurista alemão relaciona a ideia da otimização103 dos
meios adequados feita no âmbito da necessidade com a construção teórica de
Pareto.104
Nesse sentido, também a máxima da necessidade é expressão daideia de
eficiência de Pareto. E m razão da existência de um meio que intervém
menos e é igualmente adequado, uma posição pode ser melhoradasem que
isso ocorra às custas da outra posição. É claro que,ao contrário do que
ocorre com o exame da adequação, aqui não ocorreuma simples eliminação
de meios. Mas ao legislador também nãoé prescrita categoricamente a
adoção do meio que intervém em menorintensidade. O que se diz é apenas
que, se o legislador quiser perseguiro objetivo escolhido, ele pode adotar
apenas o meio mais suave,ou um meio igualmente suave ou um meio a
inda mais suave. Isso nãoé nenhuma otimização em direção a algum ponto
máximo, mas apenasa vedação de sacrifícios desnecessários a direitos
fundamentais.

Por sua vez, o Prof. Virgílio Afonso da Silva concebe a necessidade como
“um exame imprescindivelmente comparativo, enquanto que o da adequação é um
105
exame absoluto.” Deste modo, a necessidade trata da comparação da eficiência
paretiana entre os meios já considerados adequados, na otimização de direitos
fundamentais.106

101
Tal pósfacio passou a integrar a “Teoria dos Direitos Fundamentais” a partir de 2002.
102
Idem. p. 590.
103
Idem. p. 590. “... se não se pretende abandonar a máxima da adequação, não é possível passar ao largo de
algum tipo de otimização. Ele demonstra, além disso, que o aspecto da otimização presente na máxima da
adequação não aponta para um ponto máximo.” Ainda, SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o
razoável. p. 44: “Qual é a relação entre a otimização diante das possibilidades fáticas e a regra da
proporcionalidade? As possibilidades fáticas dizem respeito às medidas concretas que podem ser utilizadas
para o fomento e a proteção de direitos fundamentais. Se para o fomento do princípio P1, há duas medidas
estatais, M1 e M2, que são igualmente adequadas para esse fim, mas M1 restringe um outro direito
fundamental P2, é de se admitir que a otimização desse princípio P2 exija que seja empregada a medida M2.
Essa consequência da otimização de P2 em relação às possibilidades fáticas presentes nada mais é do que
a já analisada sub-regra da necessidade.”
104
Idem. p. 591.
105
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. p. 38.
106
Ibid. p. 38.
50

Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso


a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a
mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o
direito fundamental atingido.

Recuperando a análise do exemplo prático dos reality shows, o Prof. Virgílio


Afonso da Silva questiona, expondo um dos maiores problemas do exame da
necessidade, a restrição mínima de direitos fundamentais quando no âmbito da
autonomia privada107:
A medida é necessária? Na forma como aplicada no controle de atos
estatais restritivos de direitos fundamentais, uma medida que limita um
direito fundamental somente é necessária “caso a realização do objetivo
108
perseguido...” Mais uma vez é necessário que aqui se indague acerca da
possibilidade de aplicação desse raciocínio às relações entre particulares. A
resposta parece ser negativa. Exigir que os particulares adotem, nos casos
de restrição a direitos fundamentais, apenas as medidas estritamente
necessárias – ou seja, as menos gravosas – para o atingimento dos fins
perseguidos nada mais é do retirar-lhes a autonomia de livremente dispor
sobre os termos de seus contratos. Em outras palavras: exigir a obediência
à regra da necessidade não é uma forma de solução da colisão entre direito
fundamental e autonomia privada, já que essa autonomia estará
necessariamente comprometida pelas próprias exigências dessa regra. Se
aos particulares não resta outra solução que não a adoção das medidas
estritamente necessárias, não se pode mais falar em autonomia.

A doutrina diverge pouco acerca do conteúdo da sub-regra da necessidade,


apresentando, contudo, diversos sinônimos como a exigibilidade 109,
indispensabilidade110, proporcionalidade propriamente dita111, máxima do “meio mais
suave”112e vedação do excesso113.

107
SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas relações
entre particulares. pp. 163-164.
108
Ver nota nº 106.
109
Cf. SARLET, Ingo W; MARINONI, Luiz G; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. p. 351:
“necessidade ou exigibilidade, em outras palavras, a opção pelo meio restritivo menos gravoso para o direito
objeto da restrição”; STEINMETZ, Wilson. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. p. 40;
BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação
constitucional. p. 303: “a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso
para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso)”; GUERRA FILHO, Willis Santiago.
Processo constitucional e direitos fundamentais. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Celso Bastos Editor
(Instituto Brasileiro de Direito Constitucional), 2001. p. 70;
110
Cf. STEINMETZ, Wilson A. Princípio da proporcionalidade e atos de autonomia privada. p. 40; GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. p. 71;
111
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 410: “O segundo elemento ou subprincípio da
proporcionalidade é a necessidade, ao qual também alguns autores costumam dar tratamento autônomo e
não raro identificá-lo com a proporcionalidade propriamente dita.”
112
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 410: “... podendo assim o princípio da
necessidade ser também chamado princípio da escolha do meio mais suave”; GUERRA FILHO, Willis
Santiago. Processo Constitucional e direitos fundamentais. p. 70.
113
BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história: a nova interpretação
constitucional. p. 303.
51

No mesmo sentido, Rodrigo Meyer Bornholdt define a necessidade como


uma sub-regra a qual114
exige que o meio menos prejudicial seja utilizado. Segundo Alexy, sua
aplicação torna claro o caráter principiológico das normas de direito
constitucional. É que, sendo os princípios mandados de otimização, exigem
eles sua máxima realização, em todos os aspectos. Assim, se existem dois
meios para se alcançar um determinado fim, será adotado aquele que
prejudique menos outros princípios constitucionais, em vista dessa
115
exigência. Pode-se sustentar, apoiado em Ipsen , que esse princípio exige
mais: para seu atendimento, é necessária a fundamentação da decisão, a
exigir uma comparação entre outras hipóteses igualmente adequadas. Se
apenas sobrar, para a realização do fim proposto, uma medida, é ela que
deverá ser utilizada.

Suzana de Toledo Barros, em sua obra assevera que o exame da


necessidade “de uma medida restritiva, bem de ver, traduz-se por um juízo positivo,
pois não basta afirmar que o meio escolhido pelo legislador não é o que menor
lesividade causa.”116 Ela reforça ainda, a identidade e vinculação da sub-regra da
necessidade com o elemento anterior, qual seja, a adequação 117. De forma didática
e analítica, concebe a necessidade da seguinte forma: 118
O pressuposto do princípio da necessidade é que a medida restritiva seja
indispensável para a conservação do próprio ou de outro direito
fundamental e que não possa ser substituída por outra igualmente eficaz,
mas menos gravosa. (p. 76)
A exigibilidade, [...], é um atributo obtido a partir de uma relação: examina-
se se o meio eleito para a consecução do fim proposto era aconselhável e
não se, em si mesmo, era exigível, porque não se pode jamais olvidar que o
princípio da proporcionalidade contempla o exame da norma legal no plano
intrínseco, ou seja, sob a ótica da sua conexão material entre meios e fins.
(p. 77)

Finalmente, Suzana de Toledo Barros discute contundentemente duas


críticas feitas à necessidade como critério de aplicação da proporcionalidade. São
elas: a discricionariedade do sujeito que aplica a regra da proporcionalidade119; e a
limitação temporal e espacial do juízo de (des)necessidade120.

114
BORNHOLDT, Rodrigo Meyer. Métodos para resolução do conflito entre direitos fundamentais. pp. 167-
168.
115
IPSEN, Jörn. Staatsrecht II – Grundrechte. 2. ed. Neuwied/Kriftel: Luchterhand, 1998.
116
BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. p. 78.
117
Idem. Ver nota de rodapé nº 77.
118
Idem. pp. 76-80.
119
Idem. pp. 78-79. “Acresce aduzir que o juízo acerca da exigibilidade de uma medida restritiva não se dará
senão pela valoração complementar no caso concreto, que envolve uma avaliação sobre o grau de afetação
do destinatário, em função do meio eleito. Haverá aqui, portanto, uma margem de livre apreciação do juiz que
nem por isso retira o seu caráter objetivo, antes se explica em função da própria natureza da ciência do
direito. O que se pretende apenas registrar é que o processo de avaliação da necessidade de uma medida
legal restritiva de direito é controlável e pode ser, em inúmeras situações, respaldada por provas, já que,
assim como em relação ao subprincípio da adequação, está ligada à otimização de possibilidades fáticas.”
120
Idem. p. 79.
52

A aferição da necessidade de uma restrição a direito fundamental dá-se


tanto qualitativa como quantitativamente. De fato, uma medida legislativa
restritiva considerada apta quanto ao modo de restrição conducente ao
resultado a ser obtido pode se revelar totalmente inadequada quando se
questiona, por exemplo, a sua duração no tempo.
É possível, tecnicamente, estabelecer uma relação de pertinência lógica
entre a duração de uma medida restritiva e a finalidade para a qual foi
imposta, sobretudo quando estão em causa medidas processuais
cautelares, seja no processo civil ou penal.

Esta delimitação temporal e espacial também foi observada por José


Joaquim Gomes Canotilho, como alguns dos “outros elementos conducentes a uma
maior operacionalidade prática”121. Seriam eles:
a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais “poupado” possível
quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial
aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a
exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da
medida coactiva do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a
medida se limitará à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser
sacrificados.

Wilson Antonio Steinmetz sistematiza as discussões doutrinárias acerca da


sub-regra da necessidade a partir de 04 (quatro) notas essenciais, a partir dos
critérios da prejudicialidade e da eficiência, da seguinte maneira122:
No princípio da necessidade, identificam-se, no mínimo, quatro notas
essenciais. A primeira, já exposta, é o da ingerência ou intervenção mínima
no exercício do direito fundamental pelo seu titular. A segunda é a de que
se parte da hipótese de que havia ou pode haver uma medida alternativa
menos gravosa. É a presença do elemento da dúvida. Nesse sentido, é o
princípio da desconfiança. A terceira nota essencial é a da comparabilidade
dos meios ou das medidas de restrição. Inicialmente, compara-se adotando
o critério da menor prejudicialidade. Se houver empate no quesito
prejudicialidade, então verifica-se qual é o meio ou medida mais eficaz. (...)
A quarta nota essencial é a dimensão empírica. É um juízo de conteúdo
empírico aquele que indica qual é o meio menos prejudicial.

Por fim, resta destacar a construção interessante feita pelo Prof. Humberto
Ávila, através da decomposição do exame da necessidade em duas etapas, na qual
assevera que123
o exame da necessidade envolve duas etapas de investigação: em primeiro
lugar, o exame da igualdade de adequação dos meios, para verificar se os
meios alternativos promovem igualmente o fim; em segundo lugar, o exame
do meio menos restritivo, para examinar se os meios alternativos restringem
em menor medida os direitos fundamentais colateralmente afetados.

121
CANOTILHO, José J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria
Almedina, 2003. p. 270.
122
STEINMETZ, Wilson Antonio. Colisão de Direitos Fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto
Alegre: Livraria do advogado, 2001. p. 151.
123
ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. p. 170 e ss.
53

De modo que podemos sistematizar tais preocupações relativas à


adequação em algumas afirmações que a caracterizam, quais sejam:
a) o exame da necessidade está definitivamente ligado ao exame anterior da
adequação, uma vez que o meio necessário sempre será adequado, no âmbito das
possibilidades fáticas da aplicação da proporcionalidade.
b) trata-se de um juízo positivo e comparativo entre medidas igualmente
adequadas, sendo necessária aquela com menor potencial lesivo aos direitos
fundamentais envolvidos.
c) o objetivo da medida necessária será otimizar os direitos fundamentais
envolvidos em sua máxima medida, num raciocínio paretiano.
d) os critérios para escolha da medida necessária são a prejudicialidade e a
eficiência das medidas adequadas em questão.
e) é necessário delimitar os direitos fundamentais em jogo, os destinatários
envolvidos, a duração dos efeitos da medida considerada adequada, e seu âmbito
espacial de atuação.
f) é um juízo eminentemente prático e empírico, vinculado à ideia de
vedação ao excesso, procurando a intervenção mínima das medidas restritivas
sobre direitos fundamentais.
g) é composta por duas etapas de análise, as quais devem ser feitas de
forma racional e não discricionária: o exame da igualdade dos meios adequados; e o
exame do meio menos restritivo de direitos fundamentais.
Com esta análise, conclui-se o exame da atuação da regra da
proporcionalidade sobre as possibilidades fáticas que envolvem um conflito entre
direitos fundamentais.

3.3. Proporcionalidade em sentido estrito

A sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito diz respeito, de modo


elementar, às possibilidades jurídicas124 da aplicação da regra em um determinado
conflito entre direitos fundamentais. Trata-se do exame das escolhas jurídicas que
realizam ou restringem direitos fundamentais. Retorna-se, pois, ao ponto da

124
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 118: “A máxima da proporcionalidade em sentido
estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas.”
54

otimização dos princípios colidentes125, uma vez que as normas de direitos


fundamentais têm caráter principiológico.126
Princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades
jurídicas e fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentidoestrito, ou
seja, exigência de sopesamento, decorre da relativização emface das
possibilidades jurídicas. Quando uma norma de direito fundamentalcom
caráter de princípio colide com um princípio antagônico,a possibilidade
jurídica para a realização dessa norma depende do princípioantagônico.
Para se chegar a uma decisão é necessário um sopesamento nos termos
da lei de colisão. Visto que a aplicação deprincípios válidos - caso sejam
aplicáveis - é obrigatória, e visto quepara essa aplicação, nos casos de
colisão, é necessário um sopesamento,o caráter principiológico das normas
de direito fundamental implica anecessidade de um sopesamento quando
elas colidem com princípiosantagônicos. Isso significa, por sua vez, que a
máxima da proporcionalidadeem sentido estrito é deduzível do caráter
principiológico dasnormas de direitos fundamentais. (pp. 117-118)
A máxima daproporcionalidade em sentido estrito - a terceira máxima
parcial da máxima da proporcionalidade - expressa o que significa a
otimizaçãoem relação aos princípios colidentes. Ela é idêntica à lei do
sopesamento,que tem a seguinte redação:Quanto maior for o grau de não-
satisfação ou de afetação de umprincípio, tanto maior terá que ser a
importância da satisfação dooutro. (p. 593)

Parte da doutrina não considera a proporcionalidade em sentido estrito como


um elemento da máxima da proporcionalidade, pela sua suposta discricionariedade
e falta de critério lógico e racional, dando ao intérprete o controle sobre o conflito
entre direitos fundamentais127. Contudo, como visto anteriormente neste trabalho, a
tradução dos juízos de peso e importância das normas em jogo confere
racionalidade ao sopesamento e tornam os resultados deste autônomos da vontade
do intérprete.
O Prof. Virgílio Afonso da Silva, com base na teoria de Alexy descreve a
proporcionalidade em sentido estrito como “um sopesamento entre a intensidade da
restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito
fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.”128
Quanto ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, é bastante
frequente o debate acerca dos limites restritivos dessas possibilidades jurídicas. Na
verdade, trata-se de um debate entre aqueles que defendem que existe um limite ao
125
Ver pontos 1.2.2.1 e 1.2.2.2 deste trabalho.
126
ALEXY, Robert. op. cit.
127
Neste sentido, ver SARLET, Ingo W; MARINONI, Luiz G; MITIDIERO, Daniel. op. cit. p. 352: “De outra parte,
há quem questione a utilização da terceira exigência interna, qual seja a da proporcionalidade em sentido
estrito, sob o argumento central de que as etapas da adequação e da necessidade são suficientes para
assegurar a aplicação da proporcionalidade, e que justamente a terceira fase é responsável pelos excessos
de subjetivismo cometidos por conta da proporcionalidade, expondo-a, neste sentido justificadamente, aos
seus críticos.”
128
SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. p. 40.
55

sopesamento na restrição de determinado direito fundamental, qual seja o seu


núcleo ou conteúdo essencial, e aqueles que argumentam que não existe limite
material ao sopesamento, mantendo apenas o julgamento se determinada restrição,
por menor que seja, é proporcional à otimização do outro direito fundamental em
jogo.
O Prof. Virgílio Afonso da Silva claramente acredita que a limitação do
sopesamento está desvinculada da ideia do núcleo essencial, como assevera que129
Para que uma medida seja reprovada no teste da proporcionalidade em
sentido estrito, não é necessário que ela implique a não-realização de um
direito fundamental. Também não é necessário que a medida atinja o
chamado núcleo essencial de algum direito fundamental. Para que ela seja
considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que
fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para
justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É possível, por
exemplo, que essa restrição seja bem pequena, bem distante de implicar a
não-realização de algum direito ou de atingir o seu núcleo essencial. Se a
importância da realização do direito fundamental, no qual a limitação se
baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela desproporcional.

Willis Santiago Guerra Filho, por sua vez, aceita tanto a construção do
núcleo essencial, quanto a argumentação acima exposta do discípulo de Alexy 130.
Por sua vez, Ingo Sarlet reconhece tal debate como fundamental para se reduzir
para “aprimorar os mecanismos de controle das restrições e reduzir os níveis de
131
subjetivismo e irracionalidade na aplicação da proporcionalidade”, como se vê,
Com efeito, há de se levar em conta, neste contexto, que resta enfrentar o
problema de até que ponto medidas adequadas e necessárias podem,
ainda assim, resultar em compressão excessiva do bem afetado pela
restrição, sendo questionável se a categoria do núcleo essencial por si só
pode dar conta do problema. De outra parte, a aceitação de que os direitos
fundamentais possuem um núcleo essencial remete novamente ao
problema de saber se esse núcleo é o que resulta do processo de
ponderação...

O núcleo essencial referido seria, portanto, aquele limite imanente de todo


direito fundamental132 o qual, na teoria constitucional contemporânea, guarda
estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

129
Idem. p. 41.
130
Cf. GUERRA FILHO. Processo Constitucional e direitos fundamentais. pp. 70-71: “Isso significa [a sub-
regra da proporcionalidade em sentido estrito], acima de tudo, que não se fira o ‘conteúdo essencial’ de
direito fundamental, com o desrespeito intolerável da dignidade da pessoa humana, bem como que, mesmo
em havendo desvantagens para, digamos, o interesse de pessoas, individual ou coletivamente consideradas,
acarretadas pela disposição normativa em apreço, as vantagens que traz para interesses de outra ordem
superam aquelas desvantagens.”
131
SARLET, Ingo W; MARINONI, Luiz G; MITIDIERO, Daniel. op. cit. pp. 352-353.
132
Para uma melhor análise dos limites imanentes dos direitos fundamentais ver: STEINMETZ, Wilson Antonio.
Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. pp. 43-62.
56

Interessante também destacar que a doutrina frequentemente trata a


máxima da proporcionalidade em sentido estrito como máxima da justa medida 133 ou
ainda máxima da razoabilidade134. Tais tratamentos derivam do juízo de ponderação
(ou sopesamento) que consiste no próprio método de aplicação da
proporcionalidade em sentido estrito. Um juízo que torna a medida já adequada e
necessária, em proporcional, justa e razoável.
Finalmente, alguns autores admitem a decomposição do exame da
proporcionalidade em sentido estrito. O próprio Robert Alexy possui sua própria
concepção sobre o assunto qual seja135:
A análise do conteúdo dessa lei [lei do sopesamento] mostra que a
ponderação consiste em três passos. Primeiro: determinação
(“mensuração”) do grau de não-satisfação ou de não-realização de um
princípio (o princípio restringido). Trata-se de “quantificar” o grau de
intensidade da intervenção ou da restrição. Segundo: avaliação da
importância (“peso”) da realização do outro princípio (o princípio oposto).
Terceiro: demonstração de que a importância da realização do princípio
oposto justifica a não-realização do princípio restringido.

O próprio Tribunal Constitucional Alemão, a partir da necessidade de


racionalizar a ponderação como argumento decisório, propôs a decomposição da
sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito em 03 (três) critérios, como
apresenta Suzana de Toledo Barros,136

133
O termo “justa medida” como outro significado da proporcionalidade em sentido estrito é atribuído a
CANOTILHO, José J. G. op. cit. p. 263. Neste sentido, BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. p. 82: “A
proporcionalidade em sentido estrito, como visto, é um princípio que pauta a atividade do legislador segundo
a exigência de uma equânime distribuição de ônus. Todavia, por si, não indica a justa medida do caso
concreto.”; também, STEINMETZ, Wilson A. Colisão de direitos constitucionais e princípio da
proporcionalidade. p. 152: “O princípio exige que na relação meio-fim haja uma reciprocidade razoável,
racional. (...) É o princípio da justa medida.”; e do mesmo autor, STEINMETZ, Wilson A. Princípio da
proporcionalidade e atos de autonomia privada. p. 41: “Ele [proporcionalidade em sentido estrito] ordena que
‘os meios elegidos devam manter-se em uma relação razoável com o resultado perseguido.’ Esse dever é
cumprido mediante o exame do equilíbrio ou da ‘justa medida’ entre a restrição (o meio) e a finalidade
pretendida.”
134
Cf. SARLET, Ingo W; MARINONI, Luiz G; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. pp. 351-
355: “proporcionalidade em sentido estrito (que exige a manutenção de um equilíbrio (proporção) e, portanto,
de uma análise comparativa) entre os meios utilizados e os fins colimados, no sentido do que por muitos tem
sido também chamado de razoabilidade ou justa medida.” (p. 351); “(...) a supressão do exame da relação
entre os meios e os fins ínsita ao terceiro momento (da proporcionalidade em sentido estrito) poderá resultar
na própria violação do princípio da razoabilidade, que não se confunde com o da proporcionalidade, mas com
este guarda íntima relação.” (p. 352); “(...) o fato é que, mesmo a ponderação sendo considerada
simplesmente como coincidente com o raciocínio requisitado pelo princípio da razoabilidade como parâmetro
da atuação normativa estatal, é este seguramente o ponto de contato mais importante entre a
proporcionalidade e a razoabilidade. É por esta razão que a razoabilidade é também identificada com a
proporcionalidade em sentido estrito, o que, todavia, não significa necessariamente que se trate de noções
integralmente fungíveis e que não tenham uma aplicação autônoma.” (p. 355)
135
ALEXY, Robert. Direito Constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição especializada.
RT 799. São Paulo, Ed. RT, 2002. p. 43.
136
BARROS, Suzana de Toledo. op. cit. p. 83.
57

Assim, por exemplo, o Tribunal Constitucional Alemão criou três critérios, a


partir dos quais faz a ponderação dos meios em relação aos fins, em se
tratando de direitos fundamentais: a) quanto mais sensível revelar-se a
intromissão da norma na posição jurídica do indivíduo, mais relevantes hão
de ser os interesses da comunidade que com ele colidam; b) do mesmo
modo, o maior peso e preeminência dos interesses gerais justificam uma
interferência mais grave; c) o diverso peso dos direitos fundamentais pode
ensejar uma escala de valores em si mesmo, como ocorre na esfera
jurídico-penal.

Como se pode ver, a proporcionalidade em sentido estrito, ou sopesamento,


ou ainda ponderação (como será trata a partir de agora neste trabalho, em razão do
amplo uso na doutrina e especialmente na jurisprudência brasileira) representa um
exame das possibilidades jurídicas do conflito de direitos fundamentais, a fim de
obter uma decisão justa em razoável quanto à otimização/restrição dos direitos
colidentes. Em síntese, as principais reflexões acerca da proporcionalidade em
sentido estrito podem ser resumidas em:
a) trata-se da terceira etapa do exame da regra da proporcionalidade.137
b) de modo semelhante à necessidade no plano das possibilidades fáticas, a
proporcionalidade em sentido estrito objetiva a otimização dos princípios colidentes
em relação às possibilidades jurídicas, de acordo com o peso e importância
atribuídos no caso concreto.
c) o limite da restrição imposta pelo sopesamento sobre direitos
fundamentais pode ser a hipótese em que as vantagens sejam desproporcionais em
relação à restrição, ou até que se restrinja determinado direito até o seu núcleo
essencial, inviolável em razão da sua íntima vinculação ao princípio da dignidade da
pessoa humana.
d) entende-se o sopesamento como o momento de realização plena da
proporcionalidade, mas também a realização do princípio da razoabilidade, através
da construção de uma decisão proporcional, justa e razoável.
e) pode-se conceber a decomposição da proporcionalidade em sentido
estrito em etapas, dotando de racionalidade a aplicação da regra.
f) a ponderação deve ser feita a fim de evitar a discricionariedade e juízos
valorativos, aplicando-se, preferencialmente, métodos lógico-racionais na sua

137
Com a exceção de GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e direito fundamentais, que
concebe a proporcionalidade em sentido estrito como primeiro exame da regra da proporcionalidade.
58

efetivação, como a lei do sopesamento e a lei dos princípios colidentes, proposta por
Robert Alexy.
Exaustivamente tratadas a regra da proporcionalidade e sua importância na
teoria dos princípios, este trabalho propõe-se, a partir deste ponto, a examinar as
adaptações feitas pela doutrina e jurisprudência de autoria do Min. Gilmar Mendes,
em relação à dogmática da proporcionalidade no âmbito dos direitos fundamentais.

4. Proporcionalidade e ponderação na obra do Ministro Gilmar Mendes

De forma geral, na primeira parte deste trabalho foi apresentada uma teoria
dos princípios constitucionais bastante específica, condicionada à dogmática dos
direitos fundamentais construída por Robert Alexy138, basicamente. Tal construção
concebe as normas de direitos fundamentais em um modelo misto de regras e
princípios. Contudo, de forma contundente, tais normas possuem um caráter
principiológico, nos termos da sua aplicação.
Assim, os princípios fundamentais apresentam algumas características (já
apresentadas) que servem de parâmetro objetivo da análise que será realizada, a
partir de agora, da dogmática constitucional do Ministro Gilmar Ferreira Mendes. São

138
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais...
59

eles: (i) princípios são mandamentos de otimização, que devem ser realizados na
maior medida possível; (ii) os princípios exprimem direitos apenas prima facie139; (iii)
a colisão de princípios não é resolvida no plano da validade, mas sim a partir do
peso e importância de cada um no caso concreto; (iv) a atribuição de pesos ou
importância distintos aos princípios colidentes geram uma relação de precedência,
que é fundada nas possibilidades fáticas e jurídicas dos direitos fundamentais
envolvidos; (v) a regra da proporcionalidade é o meio fundamental de resolução dos
conflitos entre princípios fundamentais, pela ponderação lógico-racional das
possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto.
Obviamente que a síntese feita acima não aborda todos os aspectos da
dogmática dos princípios no direito brasileiro, mas basta como parâmetro objetivo da
continuação deste trabalho.

4.1. Considerações dogmáticas dos princípios fundamentais

Pois bem, Gilmar Ferreira Mendes, enquanto teórico referencial do direito


constitucional brasileiro trata da teoria dos princípios com bastante profundidade em
um trabalho em especial, qual seja Hermenêutica Constitucional e Direitos
Fundamentais140. Contudo, a proporcionalidade e a dogmática dos direitos
fundamentais são assuntos recorrentes de outros textos do autor, os quais serão
referidos ao longo deste capítulo.

139
Além do tópico tratado neste trabalho acerca do tema, ver HECK, Luís Afonso. Regras, princípios jurídicos e
sua estrutura no pensamento de Robert Alexy. In: LEITE, George Salomão (organizador). Dos princípios
constitucionais. Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. 2003, p. 65:
"Quem quer inserir uma exceção carrega uma carga argumentativa, que se refere não só a isto, que Sua
resolução deve ser melhor que a prevista pela regra, mas também a isto, que ela deve ser tanto melhor que
se justifique um desvio de algo determinado autorizadamente. Isso é um fundamento para isto, que constitui
regras têm um caráter prima facie essencialmente mais forte que princípios. As regras formam, em virtude
dessa qualidade, a parte dura do ordenamento jurídico. Quanto mais peso é atribuído ao princípio da
vinculação no determinado autorizadamente e quanto mais é fixado por regras, tanto mais duro é o
ordenamento jurídico."
140
MENDES, Gilmar F; COELHO, Inocêncio M; BRANCO, Paulo G. G. Hermenêutica Constitucional e
Direitos Fundamentais – Instituto Brasiliense de Direito Público. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
60

Primeiramente, na obra acima referida, o autor reconhece princípios e regras


como espécies do gênero norma jurídica.141142 Embora reconheça a tese ontológica
da diferenciação de princípios e regras com base no grau de abstração e
generalidade do conteúdo de tais normas143, Gilmar Mendes admite a distinção
lógica que Ronald Dworkin144, de forma pioneira, atribui às espécies normativas
destacadas.
A partir de tal teoria, o magistrado brasileiro reconhece as regras jurídicas
como normas “aplicadas à maneira de proposições disjuntivas, isto é, se ocorrerem
os fatos descritos na sua hipótese de incidência145 e se elas forem normas
válidas”146. Assim, resta claro que as regras possuem uma prescrição normativa,
uma consequência jurídica prevista. Ademais, a dimensão da validade das regras é
específica e absoluta, não sendo possível que duas regras, que tratam do mesmo
fato, mas que possuam hipótese de incidência distintas, possam ser válidas no
mesmo caso, pois terão necessariamente consequências jurídicas distintas.147
Neste ponto, as regras conflitantes produzem uma situação antinômica,
aparentemente resolvida, na opinião do Ministro148, com os critérios (ou regras de
solução de conflitos) estabelecidos na teoria do direito149, quais sejam o cronológico,
o hierárquico e o da especialidade (“Lex posterior derogat priori; Lex superior
derogat inferiori; Lex specialis derogat generali”).
Por sua vez, os princípios teriam duas dimensões de diferenciação em
relação às regras: a dimensão lógica-racional, em consonância com o marco teórico

141
Idem. p. 44. Para o autor, a classificação das normas constitucionais em princípios e regras está fundada na
dimensão prática, “sobretudo em âmbito constitucional, essa distinção tem como base a estrutura normativo-
material dos preceitos constitucionais, com enormes reflexos na sua interpretação e aplicação...”
142
Tal referência merece destaque em razão da posição doutrinária já apresentada, especialmente de José
Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo...) e Paulo Bonavides (Curso de Direito
Constitucional...) de que princípios não seriam normas constitucionais, sendo caracterizados de forma
distinta. Ver notas de rodapé nº 31 a 34.
143
Trata-se dos critérios de diferenciação adotados pela doutrina tradicional, notadamente, CANOTILHO.
Direito Constitucional. pp. 1034-1035.
144
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério...
145
A prescrição normativa das regras jurídicas é tradicionalmente tratada como “hipótese de incidência” na
doutrina brasileira, especialmente pelos notáveis trabalhos de Pontes De Miranda, Geraldo Ataliba, Alfredo
Augusto Becker e Paulo De Barros Carvalho.
146
MENDES, Gilmar F; COELHO, Inocêncio M; BRANCO, Paulo G. G. op. cit. p. 45.
147
Neste sentido, o autor leciona “Daí se dizer que, na aplicação aos casos ocorrentes, disjuntivamente as
regras valem ou não valem, incidem ou não incidem, umas afastando ou anulando as outras, sempre que as
respectivas consequências jurídicas forem antinômicas ou reciprocamente excludentes.” (Hermenêutica
Constitucional...p. 45)
148
Idem. p. 46.
149
Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica.Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti.
Bauru: EDIPRO, 2001.
61

deste trabalho; e a dimensão institucional, brevemente tratada no capítulo anterior 150


e a seguir detalhada de modo mais profundo.
Em relação à dimensão institucional, os princípios constitucionais foram
normas fundamentais que demandavam a exigência de certo consenso durante o
processo constituinte. Desta forma, representam aqueles valores que são exaltados
por todos, independente das diferenças ideológicas, atribuindo unidade política à
Constituição.151
Quanto à sua dimensão lógica, por sua vez, Gilmar Mendes reconhece as
características aferidas aos princípios por Robert Alexy, como normas que
expressam direitos prima facie, adquirindo o perfil de mandamentos de otimização,
cuja realização pode ser feita em vários graus de efetivação, na máxima medida
possível. São, pois, “normas qualitativamente distintas das regras de direito”152.
Assim, embora reconheça os princípios como normas mais genéricas e
abstratas, indeterminadas, fundamentais, fundamentos normativos das regras, cujo
conteúdo aproxima a noção de justiça do ordenamento jurídico153, o magistrado
brasileiro concebe fundamental a caracterização dos princípios como mandamentos
de otimização, reconhecendo o caráter principiológico das normas de direitos
fundamentais.
De forma ainda que superficial, é importante observar que a doutrina do
autor reflete acerca das características dos direitos fundamentais quanto ao seu
conteúdo reconhecidas pelo paradigma pós-moderno, quais sejam:
a) os direitos fundamentais não são totalmente universais, uma vez que
alguns deles são destinados à parcela específica dos cidadãos, restringindo o
campo de titularidade deste determinado direito fundamental.154
b) não são absolutos, uma vez que “tanto outros direitos fundamentais,
como outros valores com sede constitucional podem limitá-los”155.

150
Ver nota de rodapé nº 32 e 33.
151
Nas palavras do autor: “os princípios jurídicos possuem, igualmente, uma importante dimensão institucional,
como fatores de criação e manutenção de unidade política, à medida que, nos momentos constituintes, por
exemplo, graças à amplitude e à indeterminação do seu significado, eles viabilizam acordos ou pactos de
convivência sem os quais as disputas ideológicas seriam intermináveis, e os conflitos delas resultantes não
permitiriam a promulgação consensual das leis fundamentais.” (Hermenêutica Constitucional e Direitos
Fundamentais. p. 47).
152
Idem. p. 50.
153
Idem. pp. 51-52.
154
Idem. pp. 119-120.
155
Idem. p. 121.
62

c) são dotados de historicidade, pois, em sua relatividade, são


conformados pelo espaço e contexto histórico no qual se inserem, demonstrando
assim a “índole evolutiva dos direitos fundamentais”156.
d) os direitos fundamentais são inalienáveis quando se tratam de direitos
que resguardam a integridade física e moral do indivíduo, sendo difícil a adjetivação
de quais direitos seriam incluídos nessa definição157.
e) não são indisponíveis, se cedidos parcialmente em uma determinada
relação jurídica que imponha a restrição do direito fundamental, sendo, contudo,
impossível a disponibilidade de todos os direitos fundamentais e passível de
revogação a qualquer tempo158.
f) os direitos fundamentais integram o texto constitucional, vinculando
todos os poderes constituídos e servindo de parâmetro hermenêutico do
ordenamento jurídico159.
g) os direitos fundamentais possuem aplicabilidade imediata, pois são
“normas de caráter preceptivo, e não, meramente programático”. Assim, “os direitos
fundamentais não são meramente normas matrizes de outras normas, mas são
também, e sobretudo, normas diretamente reguladoras de relações jurídicas”160.
As normas de direitos fundamentais, portanto, aceitas como princípios 161
assumem a dimensão normativa de mandamentos de otimização, ou seja, “são
determinações para que um determinado bem jurídico seja satisfeito e protegido na
maior medida que as circunstâncias permitirem.”162 Acerca das implicações desta
característica dos princípios fundamentais, o Ministro Gilmar Mendes recupera uma
outra questão da teoria dos princípios difundida por Robert Alexy, o caráter prima
facie dos princípios:163
Essa característica dos princípios de funcionarem como mandatos de
otimização revela-lhes um elemento essencial. Eles possuem um caráter
prima facie. Isto significa que o conhecimento da total abrangência de um

156
Ibidem. p. 121.
157
Idem. pp. 123-124.
158
Idem. pp. 124-125.
159
Idem. pp. 125-126.
160
Idem. pp. 133-136.
161
Idem. “No âmbito dos direitos fundamentais, porém, normas que configuram princípios são mais frequentes”
(p. 181); “Os conflitos de direitos fundamentais reconduzem-se a um conflito de princípios” (p. 182).
162
Idem. p. 181. Neste mesmo sentido, CANOTILHO, José J. G. Direito Constitucional. p. 1123: “são normas
que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e
jurídicas.”
163
MENDES, Gilmar F; COELHO, Inocêncio M; BRANCO, Paulo G. G. Hermenêutica Constitucional e Direitos
Fundamentais. p. 183.
63

princípio, de todo o seu significado jurídico, não resulta imediatamente da


leitura da norma que o consagra, mas deve ser complementado pela
consideração de outros fatores.

Assim, os princípios seriam dotados de uma normatividade apenas


“potencial, com virtualidades de se adaptar à situação fática, na busca de uma
solução ótima164.” 165
Reconhecido o conflito de princípios fundamentais como uma relação de
prevalência de um princípio sobre o outro de acordo com as possibilidades fáticas, o
limite da restrição dos princípios em jogo, como já foi brevemente discutido neste
trabalho, pode ser o núcleo essencial dos direitos fundamentais, posição esta
compartilhada por Gilmar Mendes.166
Essa ideia de um “limite dos limites” dos direitos fundamentais relacionada à
proteção do núcleo essencial é bastante presente na doutrina constitucional,
especialmente a partir da positivação deste postulado em várias das Constituições
contemporâneas.167 O Ministro Gilmar Mendes, inclusive, trabalha as diferentes
posições doutrinárias que tratam a respeito do núcleo essencial dos direitos
fundamentais.168
A teoria absoluta do núcleo essencial concebe este como uma “unidade
substancial autônoma que, independentemente de qualquer situação concreta,
estaria a salvo de eventual decisão legislativa.”169

164
Para uma melhor referência da ideia de otimização do conteúdo dos direitos fundamentais, ver notas de
rodapé nº 103.
165
VARELA DE MATOS. Colisão de Direitos Fundamentais em Direito Constitucional e Conflitos de
Direitos em Direito Civil. Porto: Almedina e Leitão, 1998. p. 18.
166
MENDES, Gilmar F; COELHO, Inocêncio M; BRANCO, Paulo G. G. Hermenêutica constitucional e direitos
fundamentais. p. 183: “Devem-se comprimir no menor grau possível os direitos em causa, preservando-se a
sua essência, o seu núcleo essencial.”
167
É o caso da Lei Fundamental de Bonn (art. 19, II), da Constituição Portuguesa de 1976 (art. 18º, nº 3) e da
Constituição Espanhola de 1978 (art. 53, nº 1). A respeito da Constituição Brasileira de 1988, o magistrado
assim leciona: “A ordem constitucional brasileira não contemplou qualquer disciplina direta e expressa sobre
aproteção do núcleo essencial de direitos fundamentais. É inequívoco, porém, que o texto constitucionalveda
expressamente qualquer proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais(CF, art. 60,
§ 4º, IV).Tal cláusula reforça a ideia de um limite do limite também para o legislador ordinário.Embora omissa
no texto constitucional brasileiro, a ideia de um núcleo essencial decorre do própriomodelo garantístico
utilizado pelo constituinte.A não admissão de um limite ao afazer legislativo tornaria inócua qualquer proteção
fundamental.”(MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo G. G. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. rev. e atual.
São Paulo: Saraiva, 2014. p. 212.)
168
Ibidem. pp. 243-246.
169
Idem. pp. 243-244. Neste mesmo sentido, em outro texto, qual seja MENDES, Gilmar; MARTINS, Ives G.
Sigilo bancário, direito de autodeterminação sobre informações e princípio da proporcionalidade. In:
Repertório IOB de Jurisprudência: Tributário e Constitucional, n.24, p.438-436, 2ª quinzena dez. 1992. “É
que as restrições aos direitos fundamentais devem mostrar-se compatíveis com o princípio da
proporcionalidade ou da razoabilidade. Do contrário, esvaziar-se-ia por completo o núcleo essencial do direito
fundamental.” Neste mesmo sentido, MENDES, Gilmar. Art. 5º, II. In: Comentários à Constituição do
Brasil. CANOTILHO, José J. G...[et al.]. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 247: “A questão da reserva
64

Por sua vez, a teoria relativa entende o núcleo essencial como o resultado
da ponderação, com base na proporcionalidade. Sendo assim, “o núcleo essencial
seria aquele mínimo insuscetível de restrição ou redução com base nesse processo
de ponderação. [...] a proteção do núcleo essencial teria significado marcadamente
declaratório.”170
Conclui-se, portanto, que “o princípio da proteção do núcleo essencial
destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente
de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais.”171

4.2. “Princípio” da Proporcionalidade

Como foi tratado anteriormente, a natureza normativa da proporcionalidade


desperta várias divergências na doutrina, além de que é tratada de formas distintas
pelo direito. Já foi tratado neste trabalho, também, a opção generalizada da doutrina
brasileira em tratar a proporcionalidade como um princípio, especialmente pela sua
relevância para o ordenamento jurídico e uma suposta despreocupação quanto aos
efeitos que as opções terminológicas podem causar nas relações jurídicas. 172
Neste trabalho, discorda-se de tal posição, defendendo a utilização do
critério do modo de aplicação para tratar a proporcionalidade, enquanto norma
jurídica, como uma regra.
O Ministro Gilmar Mendes, todavia, compartilha o posicionamento da
doutrina majoritária, construindo sua teoria acerca do “princípio” da
proporcionalidade.

legal envolve aspectos formais, relacionados com a competência para o estabelecimento de restrição de
direitos, com o processo e a forma de realização e com aspectos materiais, referentes ao exercício dessa
competência, principalmente no que concerne às condições das reservas qualificadas, aos limites
estabelecidos pelo princípio da proteção do núcleo essencial, à aplicação do princípio da proporcionalidade e,
com ele, do princípio da ponderação.”
170
Idem. p. 244. Acerca deste eventual caráter declaratório, ver também MENDES, Gilmar. Art. 5º, II. p. 247: “É
que a inflexível vinculação do legislador aos direitos individuais pode reduzir a sua tarefa a uma simples
confirmação do juízo de ponderação sobre os princípios relevantes. Isso levaria praticamente a uma confusão
entre restrições constitucionais imediatas e as reservas legais, atribuindo-se a estas últimas caráter
meramente declaratório.”
171
Ibid. p. 243.
172
Cf. MENDES, Gilmar. Art. 5º, XXXVI. In: Comentários à Constituição do Brasil. CANOTILHO, José J.
G...[et al.]. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 371: “Tinha-se a consciência, entretanto, principalmente no
contexto de um Estado Constitucional, que a aplicação desse entendimento sem maiores cautelas poderia
provocar sérios prejuízos aos particulares, com manifesto desrespeito ao princípio da equidade e, hoje
diríamos, ao princípio da proporcionalidade, que baliza toda a concretização dos direitos fundamentais.”
65

De tal modo que, como o próprio magistrado reconhece em sua obra, existe
uma divergência significativa sobre os fundamentos da proporcionalidade. Parte da
doutrina acredita ser este o princípio do Estado de Direito, de tal modo que seria
possível aplicar a proporcionalidade nas relações entre os poderes constituídos 173,
ampliando sua aplicação à integridade da ordem constitucional como núcleo do
Estado de Direito.174
Este trabalho, como já foi demonstrado, sustenta a tese de que o
fundamento da proporcionalidade está nos direitos fundamentais, especialmente em
colisão.175
E o Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, é partidário da concepção de que
a proporcionalidade na verdade é um princípio geral do direito que, em sua
dimensão constitucionalizada, adquire uma nítida semelhança com o princípio do
devido processo legal, herdado da tradição estadunidense.176
Esta posição do magistrado brasileiro é compartilhada por grandes nomes
do direito constitucional pátrio, já destacamos, como Willis Santiago Guerra Filho177
e Paulo Bonavides178.

173
Neste sentido, BARROSO, Luis Roberto. Interpretação constitucional como interpretação específica. In:
Comentários à Constituição do Brasil. CANOTILHO, José J. G...[et al.]. São Paulo: Saraiva/Almedina,
2013. p. 94: “Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos
ou administrativos quanto: (i) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado
(adequação); (ii) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para
chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); (iii) os custos superem os benefícios, ou
seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em
sentido estrito). O princípio pode operar, também, no sentido de permitir que o juiz gradue o peso da norma,
em uma determinada incidência, de modo a não permitir que ela produza um resultado indesejado pelo
sistema, fazendo assim a justiça do caso concreto.
174
Esta é uma posição diversas vezes adotada nas decisões do Tribunal Constitucional Alemão.
175
Posição compartilhada da obra dos professores Robert Alexy e Virgílio Afonso da Silva, principalmente, que
sustentam essa posição com base em julgados do Tribunal Constitucional Alemão neste sentido.
176
Ver notas de rodapé nº 63 e 64. Ver também MENDES, Gilmar. Art. 5º. LIV. In: Comentários à Constituição
do Brasil. CANOTILHO, José J. G...[et al.]. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 430. “A noção de devido
processo legal significa, portanto, a exigência de um processo justo. O processo justo não é apenas aquele
que está formalmente preestabelecido em lei, mas o processo previsto de forma adequada e razoável para a
consecução de sua finalidade primordial no Estado Democrático de Direito, que é a garantia e proteção dos
direitos fundamentais. Assim, em seu natural significado processual, o devido processo também compreende
um aspecto material ou substancial vinculado às ideias de razoabilidade e proporcionalidade, que
condicionam a própria criação legislativa do processo.”
177
GUERRA FILHO, Willis S. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. O jurista cearense, de modo
bastante inovador na dogmática, sustenta que a proporcionalidade na verdade seria, no nosso ordenamento
jurídico, a norma fundamental concebida por Hans Kelsen, com toda a sua abrangência e relevância ao
direito como fundamento de todas as outras normas e seu papel de atribuir harmonia, integridade, unidade e
coerência ao sistema jurídico.
178
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
66

O argumento mais contundente favorável a esse posicionamento é trazido


pelo Ministro Gilmar Mendes, através da doutrina de Bernhard Schlink179, é
demonstrado através de uma experiência realizada na Cardozo Law School:180
Assenta Schlink que o significado central do princípio da proporcionalidade
foi demonstrado noâmbito do discurso jurídico, que ultrapassaria as
fronteiras entre as diversas ordens jurídicas. Comoexemplo, menciona o
professor alemão que a Cardozo Law School realizou, em 1996, um
seminário coma presença de sete juízes de Cortes Superiores e Cortes
Constitucionais de sete diferentes países, no qualse examinou um caso
fictício em um país igualmente fictício. Schlink destaca que os sete
juízesintegrantes desse tribunal fictício encontraram rapidamente uma
“língua” comum – a língua do princípioda proporcionalidade com a
indagação sobre a legitimidade dos objetivos do legislador e sobre
anecessidade das restrições impostas à liberdade dos cidadãos para a
consecução daqueles objetivos.

Logo, para o magistrado, a proporcionalidade não está restrita às colisões


entre direitos fundamentais ou à manutenção do Estado Democrático de Direito.
Trata-se de um princípio inerente ao funcionamento sistêmico do direito, relacionado
à construção lógica e harmônica do ordenamento jurídico.181
Quanto aos elementos que compõem a proporcionalidade, Gilmar Mendes
destaca apenas as sub-regras da adequação e da necessidade, destacando a
proporcionalidade em sentido estrito como elemento prescindível ao exame da
proporcionalidade, como leciona:182
Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal no
princípioda reserva legal proporcional, pressupõe não só alegitimidade dos
meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a
adequaçãodesses meios para consecução dos objetivos pretendidos e a
necessidade de suautilização. O subprincípio da adequação exige que as
medidas interventivas adotadas se mostremaptas a atingir os objetivos
pretendidos. A Corte Constitucional examina se o meio é
“simplesmenteinadequado”, “objetivamente inadequado”,“manifestamente
inadequado ou desnecessário”, “fundamentalmenteinadequado”, ou “se com
sua utilização o resultado pretendido pode serestimulado”.O subprincípio da
necessidade significa que nenhum meiomenos gravoso para o indivíduo
revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivospretendidos.

Por outro lado, em outro texto de sua autoria, o Ministro atribuiu uma função
específica à proporcionalidade em sentido estrito no exame da regra em sentido

179
SCHLINK, Bernhard, Der Grundsatz der Verhältnismässigkeit, In: BADURA, Peter; DREIER, Horst (Edit.)
Festschrift 50 Jahre Bundesverfassungsgericht. Tübingen: Mohr Siebeck, 2001. p. 449.
180
MENDES, Gilmar F; BRANCO, Paulo G. G. Curso de Direito Constitucional. p. 215.
181
Idem. “Embora aparentemente redutora da fundamentação do princípio da proporcionalidade, essa posição
aponta uma compreensão do princípio da proporcionalidade como princípio geral de direito. São muitas as
manifestações que se colhem na jurisprudência sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade como
princípio geral de direito.” (p. 219).
182
Idem. pp. 220-221.
67

amplo. Neste texto ele salienta que “um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou
razoabilidade da medida restritiva há de resultar da rigorosa ponderação entre o
significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador
(proporcionalidade em sentido estrito).”183
A razão pela qual o magistrado preteriu a proporcionalidade em sentido
estrito dos elementos essenciais do “princípio” da proporcionalidade está fundada no
receio de subjetivismo e de judicialização das escolhas legislativas (mais
democráticas)184. Contudo, este trabalho partilha da construção dogmática de Robert
Alexy, quem responde tais críticas no posfacio da sua Teoria dos Direitos
Fundamentais, incluído ao restante do texto em 2002.185 Em síntese, como já foi
dito, a aplicação da Lei dos Princípios Colidentes e da Lei do Sopesamento, de
forma lógica e racional seriam capazes de dirimir quaisquer juízos valorativos e
subjetivos do Poder Judiciário. Ainda, Alexy ressalta que a argumentação jurídica é
absolutamente necessária para fundamentar e dotar de legitimidade os juízos
expressos nas variáveis das operações matemáticas apresentadas.186
O conteúdo realmente relevante, na opinião de Gilmar Mendes, do
“princípio” da proporcionalidade está concentrada nos elementos da adequação e da
necessidade, portanto.187 A importância da proporcionalidade em sentido estrito ou
da ponderação, tratada neste trabalho como sinônimo desta sub-regra, na obra do
magistrado é tratada de forma constante em todas as obras aqui analisadas. Por

183
MENDES, Gilmar; MARTINS, Ives G. Sigilo bancário, direito de autodeterminação sobre informações e
princípio da proporcionalidade. In: Repertório IOB de Jurisprudência: Tributário e Constitucional, n.24,
p.438-436, 2ª quinzena dez. 1992.
184
Cf. MENDES, Gilmar F; BRANCO, Paulo G. G. Curso de direito constitucional. p. 221. “De qualquer forma,
um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível
equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador
(proporcionalidade em sentido estrito). É possível que a própria ordem constitucional forneça um indicador
sobre os critérios de avaliação ou de ponderação que devem ser adotados. Pieroth e Schlink advertem,
porém, que nem sempre a doutrina e a jurisprudência se contentam com essas indicações fornecidas pela Lei
Fundamental, incorrendo no risco ou na tentação de substituir a decisão legislativa pela avaliação subjetiva
do juiz. Tendo em vista esses riscos, procura-se solver a questão com base nos outros elementos do
princípio da proporcionalidade, enfatizando-se, especialmente, o significado do subprincípio da necessidade.
A proporcionalidade em sentido estrito assumiria, assim, o papel de um controle de sintonia fina, indicando a
justeza da solução encontrada ou a necessidade de sua revisão.”
185
Para mais detalhes acerca da resposta de Alexy a estas críticas, ver especificamente o item III. 3. 2 (pp. 593-
611)
186
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy,
2001.
187
Cf. MENDES, Gilmar; MARTINS, Ives G. Sigilo bancário, direito de autodeterminação sobre informações e
princípio da proporcionalidade. In: Repertório IOB de Jurisprudência: Tributário e Constitucional, n.24,
p.438-436, 2ª quinzena dez. 1992. “O pressuposto da adequação exige que as medidas interventivas
adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade
significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz para a
consecução de tais objetivos.”
68

exemplo, em alguns textos a ponderação é tratada exatamente como sopesamento


definido por Alexy188, enquanto que em outros textos se aproxima mais da ideia de
“princípio da concordância prática”189.
É interessante ainda ressaltar um outro aspecto da doutrina do Ministro
Gilmar Mendes acerca da proporcionalidade. Trata-se da evolução da dogmática
dos direitos fundamentais em relação a estender o conteúdo da sub-regra da
necessidade enquanto proibição do excesso190 para conceber um conceito de
abrangência muito mais ampla, qual seja, a proibição da insuficiência. Valendo-se,
ainda, dos ensinamentos de Schlink, o magistrado assim leciona:191
Schlink observa, porém, que, se o Estado nada faz para atingir um dado
objetivo para o qual devaenvidar esforços, não parece que esteja a ferir o
princípio da proibição da insuficiência, mas sim umdever de atuação
decorrente de dever de legislar ou de qualquer outro dever de proteção. Se
secomparam, contudo, situações do âmbito das medidas protetivas, tendo
em vista a análise de sua eventualinsuficiência, tem-se uma operação
diversa da verificada no âmbito da proibição do excesso, na qual
seexaminam as medidas igualmente eficazes e menos invasivas. Daí
concluiu que “a conceituação de umaconduta estatal como insuficiente,
porque ‘ela não se revela suficiente para uma proteçãoadequada e eficaz’,
nada mais é do ponto de vista metodológico, do que considerar referida
condutacomo desproporcional em sentido estrito”.

Ou seja, além da construção clássica das restrições de direitos fundamentais


partirem do Estado, sendo necessário um âmbito de proteção em relação a este,
atualmente se concebe a prestação positiva do Estado como um dever fundamental
na efetivação destes direitos, sendo desproporcional a omissão estatal em um
conflito de direitos fundamentais que poderia ser dissolvido pelo mesmo. Neste
sentido, leciona:192

188
Cf. MENDES, Gilmar. Colisão de Direitos Fundamentais: Liberdade de Expressão e de Comunicação e
Direito à Honra e à Imagem. In: Revista dos Tribunais, n.5, p.16-20, out. 1993: “No processo de ponderação
desenvolvido para solucionar o conflito de direitos individuais não se deve atribuir primazia absoluta a um ou
a outro princípio ou direito. Ao revés, esforça-se o Tribunal para assegurar a aplicação das normas
conflitantes, ainda que, no caso concreto, uma delas sofra atenuação.”
189
Cf. MENDES, Gilmar. Colisão de Direitos Individuais: anotações. In: Revista dos Tribunais, v.5, n.18, p.388,
jan./mar. 1997: “Ressalte-se, porém, que, tal como apontado no presente trabalho, o Tribunal Constitucional
não se limita a proceder a uma simplificada ponderação entre princípios conflitantes, atribuindo precedência
ao de maior hierarquia ou significado. Até porque, como observado dificilmente logra-se estabelecer uma
hierarquia precisa entre direitos individuais e outros valores constitucionalmente contemplados. Ao revés, no
juízo de ponderação indispensável entre os valores em conflito, contempla a Corte as circunstâncias
peculiares de cada caso. Daí afirmar-se, correntemente, que a solução desses conflitos há de se fazer
mediante a utilização do recurso à concordância prática, de modo que cada um dos valores jurídicos em
conflito ganhe realidade.” Neste sentido também, HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der
Bundesrepublik Deutschland, 1988, p. 27.
190
Tal concepção foi trabalhada no capítulo anterior.
191
MENDES, Gilmar F; BRANCO, Paulo G. G. Curso de direito constitucional. p. 221.
192
MENDES, Gilmar. Os Direitos Fundamentais e seus múltiplos significados na ordem constitucional. In:
Revista Jurídica Virtual da Presidência da República. Brasília, vol. 2, n. 13, junho/1999.
69

Os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção,


expressandotambém um postulado de proteção. Haveria, assim, para
193
utilizar uma expressão de Canaris ,não apenas uma proibição do excesso,
mas também uma proibição de omissão.

Como já se pode observar, uma questão tratada também no capítulo anterior


merece análise mais detalhada quando se trata da produção doutrinária de Gilmar
Mendes194. Trata-se da coincidência ou, com a devida vênia do termo, confusão
entre os conceitos de proporcionalidade e razoabilidade. Em diversas passagens de
suas obras, observa-se a utilização indistinta dos termos, indicando a coincidência
de seus conteúdos no ponto de vista do magistrado.195 Ressalte-se que tal confusão
não foi utilizada apenas pelo magistrado, mas também por parte da doutrina mais
especializada do direito constitucional que reconhece a fungibilidade entre a
razoabilidade e a proporcionalidade.196
Por fim, uma última relação deve ser estabelecida a partir da centralidade
que guarda em relação à obra doutrinária de Gilmar Mendes: a relação entre a

193
CANARIS, Claus-Wilhelm, Grundrechtswirkungen und Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen
Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts, JuS 1989, p. 161 (163).
194
Ver nota de rodapé nº. 63.
195
Este é o caso, por exemplo de MENDES, Gilmar; MARTINS, Ives G. Sigilo bancário, direito de
autodeterminação sobre informações e princípio da proporcionalidade. Repertório IOB de Jurisprudência:
Tributário e Constitucional, n.24, p.438-436, 2ª quinzena dez. 1992, em diversos trechos como: “A par do que
podemos chamar ‘juízo abstrato sobre a proporcionalidade ou a razoabilidade’, tal como explicitado acima,
também no país, a necessidade de um juízo concreto quanto à proporcionalidade, que se há de fazer quando
da aplicação singularizada da norma. É que, muitas vezes, não se afigura suficiente a afirmação quanto à
razoabilidade genérica da decisão legislativa, tornando-se imperioso que a autoridade encarregada de aplicar
o direito ao caso concreto proceda à aferição da razoabilidade in concreto.” Em contrapartida, BARCELLOS,
Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 204,
ver nota de rodapé nº 276: “Embora não haja necessidade de aprofundar a discussão nesta sede, vale
registrar que razoabilidade e proporcionalidade não são expressões tecnicamente fungíveis, como a doutrina
contemporânea tem procurado destacar.”
196
Cf. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação constitucional como interpretação específica. In: Comentários à
Constituição do Brasil. CANOTILHO, José J. G...[et al.]. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 94: “O
princípio da razoabilidade-proporcionalidade, termos aqui empregados de modo fungível, é de grande
importância na dogmática jurídica contemporânea, tanto por sua dimensão instrumental, quanto material”;
vale ainda analisar a referência do texto citado, precisamente nota de rodapé nº 20: “A ideia de razoabilidade
remonta do sistema jurídico anglo-saxão, tendo especial destaque no direito norte-americano, como
desdobramento do conceito de devido processo legal substantivo. O princípio foi desenvolvido, como próprio
do sistema do common Law, através de precedentes sucessivos, sem maior preocupação com uma
formulação doutrinária sistemática. Já a noção de proporcionalidade vem associada ao sistema jurídico
alemão, cujas raízes romano-germânicas conduziram a um desenvolvimento dogmático mais analítico e
ordenado. De parte isto, deve-se registrar que o princípio, nos Estados Unidos, foi antes de tudo um
instrumento de direito constitucional, funcionando como um critério de aferição da constitucionalidade de
determinadas leis. Já na Alemanha, o conceito evoluiu a partir do direito administrativo, como mecanismo de
controle dos atos do Executivo. Sem embargo da origem e do desenvolvimento diversos, um e outro abrigam
os mesmos valores subjacentes: racionalidade, justiça, medida adequada, senso comum, rejeição aos atos
arbitrários ou caprichosos. Por essa razão, razoabilidade e proporcionalidade são conceitos próximos o
suficiente para serem intercambiáveis.”
70

dogmática dos direitos fundamentais e o controle de constitucionalidade.197 De modo


mais específico, o controle de constitucionalidade possui uma relação estreita com o
controle de proporcionalidade das medidas que tendem a restringir direitos
fundamentais.198
Na análise da constitucionalidade das restrições legais aos direitos
fundamentais, decisivo é o controle de proporcionalidade da lei, seja na
qualidade de proibição de excesso ou em sua versão de proibição de
proteção insuficiente. Nesse âmbito, o princípio da reserva legal pode ser
traduzido, de maneira geral, como princípio da reserva legal proporcional.

Não obstante todas as críticas feitas por este trabalho sobre algumas das
posições dogmáticas do Ministro Gilmar Mendes, ele próprio reconhece a difícil
tarefa de optar por determinada corrente doutrinária, apresentando as controvérsias
que dominam o tema na doutrina pátria. Trata-se, pois, de uma síntese das
discussões acerca da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, como
leciona:199
Dessa forma, o princípio da proporcionalidade como dimensão específica do
princípio do devido processo legal ganhou autonomia na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. É certo, por outro lado, que essa vinculação
normativa entre devido processo legal (substantivo) e princípio da
proporcionalidade não é livre de críticas. Argumenta-se que os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade decorrem do próprio sistema de
princípios protegido constitucionalmente e não necessitam de nenhum
dispositivo textual para fundar suas bases normativas. Pode-se afirmar, em
outra perspectiva, que o dever de proporcionalidade está implícito no
próprio Estado de Direito. E, em verdade, também na qualidade de
metanormas ou sobreprincípios de interpretação de normas constitucionais
e legais, proporcionalidade e razoabilidade não se identificam em
dispositivos normativos específicos.

Em síntese do que fora abordado, podemos destacar algumas


características doutrinárias próprias da obra do Ministro Gilmar Mendes. Tais traços
devem ser analisados criticamente e, a fim de compreender o próximo passo deste
197
MENDES, Gilmar. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.
198
MENDES, Gilmar. Art. 5º, II. p. 249. Ainda neste sentido, MENDES, Gilmar. Art. 5º. LIV. In: Comentários à
Constituição do Brasil. CANOTILHO, José J. G...[et al.]. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. pp. 430-431:
“[...] são exemplos de aplicação das cláusulas do devido processo legal como parâmetro de controle da
razoabilidade dos atos estatais. [...] A experiência constitucional norte-americana influenciou decisivamente a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que também passou a reconhecer no dispositivo constitucional
do art. 5º, LIV, a cláusula do devido processo legal material ou substantivo, com a finalidade de realizar o
controle de razoabilidade e de proporcionalidade das leis. O princípio do devido processo legal garantido pelo
art. 5º, LIV, tornou-se, dessa forma, fundamento para os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
[...] Esse princípio constitucional, que tem a sua origem histórica nos Estados Unidos, lá é interpretado no
sentido de abarcar os casos em que há falta de razoabilidade de uma norma. Por isso mesmo já houve quem
dissesse que é um modo de a Suprema Corte americana ter a possibilidade de certa largueza de medidas
para declarar a inconstitucionalidade de leis que atentem contra a razoabilidade.”
199
MENDES, Gilmar. Art. 5º, LIV. In: Comentários à Constituição do Brasil. CANOTILHO, José J. G...[et al.].
São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. p. 431.
71

trabalho, devem ser comparados às características apresentadas no início deste


capítulo. São elas:
a) normas-regras e normas-princípios possuem distinções de caráter lógico-
racional, bem como distinções qualitativas, segundo o grau de abstração,
generalidade e fundamentalidade das normas constitucionais.
b) as regras possuem apenas a dimensão da validade, enquanto os
princípios possuem duas dimensões: a do peso ou importância; e a dimensão
institucional, atribuída pelo legislador constituinte originário, elevando a importância
dos princípios na ordem constitucional.
c) os direitos fundamentais possuem caráter principiológico e possuem
algumas características importantes: não são absolutamente universais; podem ser
relativizados; são dotados de historicidade; os direitos fundamentais individuais são
inalienáveis; todos os direitos fundamentais podem ser disponíveis; são direitos
constitucionalizados; e possuem aplicabilidade imediata.
d) os direitos fundamentais admitem duas modalidades de limites às suas
restrições, os “limites dos limites”; trata-se do núcleo essencial do direito
fundamental, um limite material, e o “princípio” da proporcionalidade, um limite formal
e hermenêutico das medidas restritivas de direitos fundamentais.
e) o “princípio” da proporcionalidade tem como fundamento os princípios da
teoria geral do direito, tendo sido constitucionalizado recentemente pelo paradigma
pós-positivista.
f) os elementos imprescindíveis da proporcionalidade são a adequação e a
necessidade; os conflitos entre direitos fundamentais devem procurar ser
solucionados nesses exames.
g) a necessidade, atualmente, ora se apresenta como proibição do excesso,
ora como proibição de insuficiência; por sua vez, a ponderação é tida ora como
sopesamento típico de princípios; ora como princípio da concordância prática.
h) os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade possuem lógicas
semelhantes quanto à sua função, mas não são termos coincidentes, admitindo-se a
fungibilidade dos conceitos de forma simplista.
i) existe uma relação intrínseca no direito brasileiro entre o exame (controle)
da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade.
72

A partir deste ponto, abordados exaustivamente os assuntos dogmáticos


necessários à fundamentação deste trabalho, debruçar-se-á sobre a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, a fim de verificar a aplicação dos conhecimentos
doutrinários aos casos concretos de conflitos de direitos fundamentais no direito
brasileiro.

5. Análise jurisprudencial do Ministro Gilmar Ferreira Mendes

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes ocupa a cadeira nº do Supremo Tribunal


Federal desde 2002. Contudo, a carreira do magistrado nos estudos da Constituição
e do direito constitucional começou anos antes, incluindo a sua participação
decisiva, ainda que indireta, no processo constituinte de 1988 e na sua atuação junto
à Procuradoria Geral da República.200

200
Cf. Currículo informado no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
<http://www.stf.jus.br/portal/ministro/verMinistro.asp?periodo=stf&id=36>: “Exerceu na Administração Pública
os cargos de Procurador da República com atuação em processos do Supremo Tribunal Federal (outubro de
1985 a março de 1988). Foi Adjunto da Subsecretaria-Geral da Presidência da República (1990 e 1991) e
Consultor-Jurídico da Secretaria-Geral da Presidência da República (1991 e 1992). Desempenhou a função
de Assessor Técnico na Relatoria da Revisão Constitucional na Câmara dos Deputados (dezembro de 1993 a
junho de 1994), tendo sido responsável pela elaboração de inúmeros estudos e pareceres. Foi Assessor
73

Assim, na delimitação temática do presente trabalho, tanto o trajetória


doutrinária quanto a produção jurisprudencial do ministro foram decisivas para que
sua obra fosse o núcleo destas páginas.
Ao longo deste texto, diversos livros e artigos de sua autoria foram citados,
de modo geral, com relativa coerência teórica, demonstrando a fortíssima influência
do direito constitucional alemão sobre sua formação acadêmica, tendo ele se
tornado uma das maiores referências no estudo do direito constitucional no Brasil
desde o advento da Constituição de 1988, especialmente.
A influência do direito alemão sobre sua obra, é importante destacar,
também fizeram da escolha do ministro algo pertinente à corrente doutrinária que
norteia o fundamento metodológico deste trabalho, notadamente do Prof. Robert
Alexy. Como ambos tiveram influências semelhantes, supõe-se que a análise de
suas produções de forma conjunta não produza grandes diferenças, além daquelas
contribuições genuínas trazidas por ambos, em suas brilhantes trajetórias
acadêmicas.
Deste modo, os fundamentos teóricos trazidos até este momento nestas
páginas servirão de critério de análise de julgados do Ministro Gilmar Mendes nestes
anos de Supremo Tribunal Federal.
Nas próximas páginas, serão discutidos brevemente os assuntos dos
julgados selecionados, dois casos fundamentais à construção da proporcionalidade
no STF, e a análise dos julgados em si, extraindo deles as teses levantadas pelo
ministro e, em seguida, a adequação destas teses às construções dogmáticas
discutidas neste trabalho anteriormente. Por fim, de forma breve, a implicação
destes debates na construção da proporcionalidade no Tribunal.

5.1. Método de seleção dos julgados

Técnico no Ministério da Justiça, na gestão do Ministro Nelson Jobim (1995 e 1996), período no qual
colaborou na coordenação e na elaboração de projetos de reforma constitucional e legislativa. Foi Subchefe
para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, de 1996 a janeiro de 2000, e Advogado-Geral da União, de janeiro de
2000 a junho de 2002. Foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, por decreto de 27 de maio de
2002, decorrente da aposentadoria do Ministro Néri da Silveira, havendo tomado posse em 20 de junho de
2002. Escolhido pelo Supremo Tribunal Federal, integrou o Tribunal Superior Eleitoral de 29 de junho de 2004
a 27 de abril de 2006. Assumiu a Presidência do TSE em 21 de fevereiro de 2006 e, em 27 de abril de 2006,
renunciou em virtude de sua posse na Vice-Presidência do Supremo Tribunal Federal. Foi eleito pelos seus
pares para exercer a Presidência do Supremo Tribunal Federal para o biênio 2008-2010, tendo sido
empossado em 23 de abril de 2008, e, também, a Presidência do Conselho Nacional de Justiça desde 26 de
março de 2008.”
74

A seleção destes julgados foi feita de forma a restringir o objeto de análise


deste trabalho apenas àqueles casos em que a manifestação do ministro foi
determinante nos julgamentos. De tal forma que foram selecionados casos em que o
magistrado fora Relator ou Relator p/o Acórdão, em que seus votos foram
condutores ou da tese vencedora ou mesmo a tese que provocou o debate, mesmo
que vencida.
De modo sucinto, através de pesquisa simples de jurisprudência no portal do
Supremo Tribunal Federal na internet201, tendo como parâmetro de pesquisa os
termos “proporcionalidade” e “ponderação”, filtrando os resultados indicando o
Ministro Gilmar Mendes como objeto da pesquisa.
É necessário aqui se fazer um pequeno esclarecimento. Ao longo de todo o
trabalho restou claro que a ponderação nada mais é do que uma etapa da regra da
proporcionalidade. Mais precisamente, a sub-regra da proporcionalidade em sentido
estrito.
Entretanto, notadamente, os tribunais brasileiros se utilizam do termo
ponderação de forma mais ampla, semanticamente distinta da interpretação
constitucional do termo202. Assim, foi preciso realizar a pesquisa dos termos
combinados a fim de evitar divergências enormes entre a pesquisa desejada e os
resultados obtidos, uma vez que haveria muitas dezenas de julgados que de nada
serviriam a testar a hipótese construída neste trabalho.
Logo, com relação ao exame dos julgados, de maneira geral, foram
localizadas: 05 (cinco) ações diretas de inconstitucionalidade; 02 (dois) recursos
extraordinários; 11 (onze) habeas corpus; e 01 (uma) questão de ordem em medida
cautelar em ação cautelar, totalizando 19 (dezenove) julgados ao todo.
De modo bastante simples, os julgados tratam, individualmente dos
seguintes assuntos:

201
Endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp>
202
Cf. Dicionário Michaelis – Ponderação: “1 Ato de ponderar. 2 Reflexão. 3 Sisudez. 4 Importância.” Disponível
em <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-
portugues&palavra=pondera%E7%E3o>
75

1. Embargos de Declaração em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº


203
2.791-3/PR : Trata-se de embargos opostos pelo Governador do Estado do Paraná
em face da decisão que julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade
para declarar a inconstitucionalidade da expressão “bem como os não-remunerados”
de lei estadual que incluía no regime de contribuição da Paranáprevidência os
serventuários da Justiça. Os embargos tinham objetivo de sanar omissão quanto à
modulação de efeitos da decisão, uma vez que vários serventuários já estavam
aposentados com o regime previdenciário e outros estavam próximos de tal
situação. Embargos não acolhidos por maioria, vencido o Relator (Min. Gilmar
Mendes).
2. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.947/DF204: Trata-se de ação
direta de inconstitucionalidade que declarou a inconstitucionalidade do parágrafo
único do artigo 1º da Lei Complementar nº 78/1993, que atribuiu ao Tribunal
Superior Eleitoral, por omissão legislativa, a competência de fixar critérios de
representação proporcional eleitoral nos Estados, em observância aos parâmetros
estipulados no artigo 45, § 1º, da Constituição Federal. Ação julgada procedente,

203
“EMENTA Embargos de declaração. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. Inscrição na
Paranaprevidência. Impossibilidade quanto aos serventuários da justiça não remunerados pelos cofres
públicos. Modulação. Eficácia em relação às aposentadorias e pensões já asseguradas e aos serventuários
que já preencham os requisitos legais para os benefícios. 1. A ausência, na ação direta de
inconstitucionalidade, de pedido de restrição dos efeitos da declaração no tocante a determinados
serventuários ou situações afasta, especificamente no caso presente, a apontada omissão sobre o ponto. 2.
Embargos de declaração rejeitados, por maioria.” (ADI 2791 ED, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 22/04/2009, DJe-167 DIVULG
03-09-2009 PUBLIC 04-09-2009 EMENT VOL-02372-01 PP-00095)
204
“EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL. ART.
1º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 78/1993. DEFINIÇÃO DA
REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ART. 45,
§ 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROPORCIONALIDADE RELATIVAMENTE À POPULAÇÃO.
OBSERVÂNCIA DE NÚMEROS MÍNIMO E MÁXIMO DE REPRESENTANTES. CRITÉRIO DE
DISTRIBUIÇÃO. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR. INDELEGABILIDADE. TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL. FUNÇÃO NORMATIVA EM SEDE ADMINISTRATIVA. LIMITES. INVASÃO DE
COMPETÊNCIA. 1. O art. 45, § 1º, da Constituição da República comanda a definição, por lei complementar
(i) do número total de Deputados e (ii) da representação dos Estados e do Distrito Federal, proporcionalmente
à população – e não ao número de eleitores –, respeitados o piso de oito e o teto de setenta cadeiras por
ente federado. Tal preceito não comporta a inferência de que suficiente à espécie normativa
complementadora – a LC 78/1993 –, o número total de deputados. Indispensável, em seu bojo, a fixação da
representação dos Estados e do Distrito Federal. A delegação implícita de tal responsabilidade política ao
Tribunal Superior Eleitoral traduz descumprimento do comando constitucional em sua inteireza. 2. Compete
ao legislador complementar definir, dentre as possibilidades existentes, o critério de distribuição do número
de Deputados dos Estados e do Distrito Federal, proporcionalmente à população, observados os demais
parâmetros constitucionais. De todo inviável transferir a escolha de tal critério, que necessariamente envolve
juízo de valor, ao Tribunal Superior Eleitoral ou a outro órgão. 3. Inconstitucionalidade do parágrafo único do
art. 1º da Lei Complementar nº 78/1993 por omissão do legislador complementar quanto aos comandos do
art. 45, § 1º, da Carta Política de definição do número total de parlamentares e da representação por ente
federado. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, sem modulação de efeitos.” (ADI 4947,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em
01/07/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
76

sem modulação de efeitos, por maioria de votos, vencido o Relator (Min. Gilmar
Mendes).
3. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.020/DF205: Trata-se de ação
direta de inconstitucionalidade que declarou a inconstitucionalidade do parágrafo
único do artigo 1º da Lei Complementar nº 78/1993, em julgamento conjunto com as
ADI’s 4.947/DF, 5.028/DF (ambas de relatoria do Min. Gilmar Mendes) e 4.963 e
4.965 (ambas de relatoria da Min. Rosa Weber).

205
“EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL.
ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI COMPLEMENTAR Nº 78/1993. AUSÊNCIA
DE QUÓRUM QUALIFICADO PARA A APROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 1º, CAPUT E PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 78/1993. RESOLUÇÃO Nº 23.389/2013 DO TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL. DEFINIÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA
DOS DEPUTADOS. ART. 45, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROPORCIONALIDADE
RELATIVAMENTE À POPULAÇÃO. OBSERVÂNCIA DE NÚMEROS MÍNIMO E MÁXIMO DE
REPRESENTANTES. CRITÉRIO DE DISTRIBUIÇÃO. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR.
INDELEGABILIDADE. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. FUNÇÃO NORMATIVA EM SEDE
ADMINISTRATIVA. LIMITES. INVASÃO DE COMPETÊNCIA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema
Corte, viável o controle abstrato da constitucionalidade de ato do Tribunal Superior Eleitoral de conteúdo
jurídico-normativo essencialmente primário. A Resolução nº 23.389/2013 do TSE, ao inaugurar conteúdo
normativo primário com abstração, generalidade e autonomia não veiculado na Lei Complementar nº 78/1993
nem passível de ser dela deduzido, em afronta ao texto constitucional a que remete – o art. 45, caput e § 1º,
da Constituição Federal –, expõe-se ao controle de constitucionalidade concentrado. Precedentes. 2. Embora
apto a produzir atos abstratos com força de lei, o poder de editar normas do Tribunal Superior Eleitoral, no
âmbito administrativo, tem os seus limites materiais condicionados aos parâmetros do legislador
complementar, no caso a Lei Complementar nº 78/1993 e, de modo mais amplo, o Código Eleitoral,
recepcionado como lei complementar. Poder normativo não é poder legislativo. A norma de caráter
regulatório preserva a sua legitimidade quando cumpre o conteúdo material da legislação eleitoral. Pode
conter regras novas, desde que preservada a ordem vigente de direitos e obrigações, limite do agir
administrativo. Regras novas, e não direito novo. 3. Da Lei Complementar nº 78/1993, à luz da Magna Carta
e do Código Eleitoral, não se infere delegação legitimadora da Resolução nº 23.389/2013 do Tribunal
Superior Eleitoral. 4. O art. 45, § 1º, da Constituição da República comanda a definição, por lei complementar
(i) do número total de Deputados e (ii) da representação dos Estados e do Distrito Federal, proporcionalmente
à população – e não ao número de eleitores –, respeitados o piso de oito e o teto de setenta cadeiras por
ente federado. Tal preceito não comporta a inferência de que suficiente à espécie normativa
complementadora – a LC 78/1993 –, o número total de deputados. Indispensável, em seu bojo, a fixação da
representação dos Estados e do Distrito Federal. A delegação implícita de tal responsabilidade política ao
Tribunal Superior Eleitoral traduz descumprimento do comando constitucional em sua inteireza. 5. Compete
ao legislador complementar definir, dentre as possibilidades existentes, o critério de distribuição do número
de Deputados dos Estados e do Distrito Federal, proporcionalmente à população, observados os demais
parâmetros constitucionais. De todo inviável transferir a escolha de tal critério, que necessariamente envolve
juízo de valor, ao Tribunal Superior Eleitoral ou a outro órgão. 6. A Resolução impugnada contempla o
exercício de ampla discricionariedade pelo TSE na definição do critério de apuração da distribuição
proporcional da representação dos Estados, matéria reservada à lei complementar. A renúncia do legislador
complementar ao exercício da sua competência exclusiva não legitima o preenchimento da lacuna legislativa
por órgão diverso. 7. Inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar nº 78/1993 por
omissão do legislador complementar quanto aos comandos do art. 45, § 1º, da Carta Política de definição do
número total de parlamentares e da representação por ente federado, e da Resolução nº 23.389/2013 do
TSE, por violação do postulado da reserva de lei complementar ao introduzir inovação de caráter primário na
ordem jurídica, em usurpação da competência legislativa complementar. Ação direta de inconstitucionalidade
julgada parcialmente procedente, sem modulação de efeitos.” (ADI 5020, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2014, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
77

4. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.028/DF206: Trata-se de ação


direta de inconstitucionalidade que declarou a inconstitucionalidade do parágrafo
único do artigo 1º da Lei Complementar nº 78/1993, em julgamento conjunto com as
ADI’s 4.947/DF, 5.020/DF (ambas de relatoria do Min. Gilmar Mendes) e 4.963 e
4.965 (ambas de relatoria da Min. Rosa Weber).
5. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
5.136/DF207: Trata-se de ação proposta com medida cautelar contra o § 1º do artigo
28 da Lei nº 12.663/2012 (“Lei Geral da Copa”) por suposta violação do direito
fundamental à liberdade de expressão. Ação julgada improcedente com medida

206
“EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL.
RESOLUÇÃO Nº 23.389/2013 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DEFINIÇÃO DA REPRESENTAÇÃO
DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS. ART. 45, § 1º, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PROPORCIONALIDADE RELATIVAMENTE À POPULAÇÃO.
OBSERVÂNCIA DE NÚMEROS MÍNIMO E MÁXIMO DE REPRESENTANTES. CRITÉRIO DE
DISTRIBUIÇÃO. MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR. INDELEGABILIDADE. TRIBUNAL
SUPERIOR ELEITORAL. FUNÇÃO NORMATIVA EM SEDE ADMINISTRATIVA. LIMITES. INVASÃO DE
COMPETÊNCIA. 1. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, viável o controle abstrato da
constitucionalidade de ato do Tribunal Superior Eleitoral de conteúdo jurídico-normativo essencialmente
primário. A Resolução nº 23.389/2013 do TSE, ao inaugurar conteúdo normativo primário com abstração,
generalidade e autonomia não veiculado na Lei Complementar nº 78/1993 nem passível de ser dela
deduzido, em afronta ao texto constitucional a que remete – o art. 45, caput e § 1º, da Constituição Federal –,
expõe-se ao controle de constitucionalidade concentrado. Precedentes. 2. Embora apto a produzir atos
abstratos com força de lei, o poder de editar normas do Tribunal Superior Eleitoral, no âmbito administrativo,
tem os seus limites materiais condicionados aos parâmetros do legislador complementar, no caso a Lei
Complementar nº 78/1993 e, de modo mais amplo, o Código Eleitoral, recepcionado como lei complementar.
Poder normativo não é poder legislativo. A norma de caráter regulatório preserva a sua legitimidade quando
cumpre o conteúdo material da legislação eleitoral. Pode conter regras novas, desde que preservada a ordem
vigente de direitos e obrigações, limite do agir administrativo. Regras novas, e não direito novo. 3. Da Lei
Complementar nº 78/1993, à luz da Magna Carta e do Código Eleitoral, não se infere delegação legitimadora
da Resolução nº 23.389/2013 do Tribunal Superior Eleitoral. 4. O art. 45, § 1º, da Constituição da República
comanda a definição, por lei complementar (i) do número total de Deputados e (ii) da representação dos
Estados e do Distrito Federal, proporcionalmente à população – e não ao número de eleitores –, respeitados
o piso de oito e o teto de setenta cadeiras por ente federado. Tal preceito não comporta a inferência de que
suficiente à espécie normativa complementadora – a LC 78/1993 –, o número total de deputados.
Indispensável, em seu bojo, a fixação da representação dos Estados e do Distrito Federal. A delegação
implícita de tal responsabilidade política ao Tribunal Superior Eleitoral traduz descumprimento do comando
constitucional em sua inteireza. 5. Compete ao legislador complementar definir, dentre as possibilidades
existentes, o critério de distribuição do número de Deputados dos Estados e do Distrito Federal,
proporcionalmente à população, observados os demais parâmetros constitucionais. De todo inviável transferir
a escolha de tal critério, que necessariamente envolve juízo de valor, ao Tribunal Superior Eleitoral ou a outro
órgão. 6. A Resolução impugnada contempla o exercício de ampla discricionariedade pelo TSE na definição
do critério de apuração da distribuição proporcional da representação dos Estados, matéria reservada à lei
complementar. A renúncia do legislador complementar ao exercício da sua competência exclusiva não
legitima o preenchimento da lacuna legislativa por órgão diverso. 7. Inconstitucionalidade da Resolução nº
23.389/2013 do TSE, por violação do postulado da reserva de lei complementar ao introduzir inovação de
caráter primário na ordem jurídica, em usurpação da competência legislativa complementar. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente, sem modulação de efeitos.” (ADI 5028, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2014, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
207
“Ação direta de inconstitucionalidade. §1º do art. 28 da Lei n. 12.663/2012 (“Lei Geral da Copa”). Violação da
liberdade de expressão. Inexistência. Aplicação do princípio da proporcionalidade. Juízo de ponderação do
legislador para limitar manifestações que tenderiam a gerar maiores conflitos e atentar contra a segurança
dos participantes de evento de grande porte. Medida cautelar indeferida. Ação julgada improcedente.” (ADI
5136 MC, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/07/2014, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
78

cautelar indeferida, por maioria de votos, nos termos do voto do Relator (Min. Gilmar
Mendes).
6. Habeas Corpus nº 91.613/MG208: Trata-se de habeas corpus impetrado
com objetivo de trancamento de ação penal por tráfico de influência, com
fundamento em suposta impossibilidade de investigação por parte do Ministério
Público e ilicitude das provas colhidas (gravação clandestina). Ordem denegada pela
excepcionalidade da investigação por parte do Ministério Público e por entendimento
do STF quanto às provas colhidas. Julgamento por unanimidade, nos termos do voto
do Relator (Min. Gilmar Mendes).
7. Habeas Corpus nº 96.056/PE209: Trata-se de habeas corpus impetrado
com objetivo de declarar a ilicitude das provas que fundamentaram o recebimento
das denúncias, uma vez que o juízo não motivou de forma contundente a sua
decisão a ponto de justificar as quebras de sigilo fiscal, bancário e telefônico dos
impetrantes. Medida liminar de suspensão da Ação Penal indeferida. Habeas corpus
conhecido e deferido para declarar as provas ilícitas e o desentranhamento dos
autos. Ordem concedida em parte, por unanimidade, nos termos do voto do Relator
(Min. Gilmar Mendes).

208
“Habeas corpus. Trancamento de ação penal. investigação criminal realizada pelo Ministério Público.
Excepcionalidade do caso. Possibilidade. gravação clandestina (gravação de conversa telefônica por um
interlocutor sem o conhecimento do outro). Licitude da prova. Precedentes. ordem denegada. 1. Possibilidade
de investigação do Ministério Público. Excepcionalidade do caso. O poder de investigar do Ministério Público
não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir,
inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo
Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O tema comporta e reclama
disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos
fundamentais. A atuação deve ser subsidiária e em hipóteses específicas. No caso concreto, restou
configurada situação excepcional a justificar a atuação do MP: crime de tráfico de influência praticado por
vereador. 2. Gravação clandestina (Gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento
do outro). Licitude da prova. Por mais relevantes e graves que sejam os fatos apurados, provas obtidas sem
a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas
de procedimento não podem ser admitidas no processo; uma vez juntadas, devem ser excluídas. O presente
caso versa sobre a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento de outro, isto é,
a denominada “gravação telefônica” ou “gravação clandestina”. Entendimento do STF no sentido da licitude
da prova, desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação. Repercussão
geral da matéria (RE 583.397/RJ). 3. Ordem denegada.” (HC 91613, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 14-09-2012 PUBLIC
17-09-2012 RTJ VOL-00224-01 PP-00392)
209
“Habeas Corpus. 2. Quebra de sigilo bancário e telefônico. Alegação de que as decisões proferidas pelo
magistrado de primeiro grau não foram devidamente motivadas, por terem apresentado mera menção às
razões expostas pelo Parquet. 3. Ausência de decisão com fundamentos idôneos para fazer ceder a uma
excepcional situação de restrição de um direito ou garantia constitucional. 4. Prova ilícita, sem eficácia
jurídica. Desentranhamento dos autos. 5. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, deferido.”
(HC 96056, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/06/2011, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 07-05-2012 PUBLIC 08-05-2012 RT v. 101, n. 922, 2012, p. 710-718)
79

8. Habeas Corpus nº 102.087/MG210: Trata-se de habeas corpus


impetrado com objetivo de declarar a atipicidade de conduta de porte de arma de
fogo desmuniciada. Ordem denegada, por maioria de votos, vencido o Relator (Min.
Celso de Mello), nos termos do voto do Redator para o Acórdão (Min. Gilmar
Mendes).

210
“HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA
CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDADOS
CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE
DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA
DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS.
1.1. Mandados constitucionais de criminalização: A Constituição de 1988 contém significativo elenco de
normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas
(CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas é possível identificar um mandado
de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não
podem ser considerados apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas
uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de
proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandados constitucionais de
criminalização, portanto, impõem ao legislador, para seu devido cumprimento, o dever de observância do
princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2.
Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de
intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade
de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a)
controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade
(Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal
deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger
os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens.
Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela
Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de
excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal
exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais
transgressoras de princípios constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de
arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir,
deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como
pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado
em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o
indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só,
comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em
abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens
jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc.
Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as
medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe
permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade
legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de
inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico
legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública
(art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há
inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de
outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A
danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta
ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade
normativa. 4. ORDEM DENEGADA.” (HC 102087, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/02/2012, DJe-159 DIVULG 13-08-2012
PUBLIC 14-08-2012 REPUBLICAÇÃO: DJe-163 DIVULG 20-08-2013 PUBLIC 21-08-2013 EMENT VOL-
02699-01 PP-00001)
80

9. Habeas Corpus nº 104.410/RS211: Trata-se de habeas corpus


impetrado com objetivo de declarar a atipicidade de conduta de porte de arma de
fogo desmuniciada. Ordem denegada, por maioria de votos, nos termos do voto do
Relator (Min. Gilmar Mendes), com cassação da liminar anteriormente deferida.

211
“HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA
CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS
CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE
DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA
DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA. 1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS.
1.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de
normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas
(CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um
mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais
não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando
também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam
não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como
proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais
de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância
do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2.
Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de
intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade
de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a)
controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade
(Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal
deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger
os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens.
Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela
Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de
excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal
exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais
transgressoras de princípios constitucionais. 2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA.
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de
arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir,
deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar,
manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como
pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado
em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o
indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só,
comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em
abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens
jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc.
Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as
medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe
permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade
legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de
inconstitucional. 3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico
legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública
(art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há
inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de
outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A
danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta
ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade
normativa. 4. ORDEM DENEGADA.” (HC 104410, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma,
julgado em 06/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 26-03-2012 PUBLIC 27-03-2012)
81

10. Habeas Corpus nº 107.184/RS212: Trata-se de habeas corpus


impetrado com objetivo de confirmar sentença absolutória de 1º grau, reformada por
instância superior pela reincidência no delito de furto. Ordem concedida, por
unanimidade, em razão do princípio da insignificância, nos termos do voto do Relator
(Min. Gilmar Mendes).
11. Habeas Corpus 108.527/PA213: Trata-se de habeas corpus impetrado
com o objetivo de declarar nulo julgamento do Tribunal do Júri por violação das
prerrogativas do advogado constituído momentos antes do julgamento, o qual
pugnou pelo adiamento do mesmo, o que lhe foi negado, e por violação à ampla
defesa do paciente acusado por homicídio duplamente qualificado da missionária
Dorothy Stang. Pedido liminar de expedição de alvará de soltura do paciente, por
excesso de tempo de cárcere. Ordem concedida em parte, para anular o julgamento
do Tribunal do Júri, porém com a manutenção da custódia do impetrante, entendido
que a defesa contribuiu para a mora do processo. Julgamento por maioria, nos
termos do voto do Relator (Min. Gilmar Mendes).
12. Habeas Corpus nº 108.872/RS214: Trata-se de habeas corpus
impetrado com objetivo do trancamento da ação penal ou extinção da punibilidade
do paciente denunciado pelo crime de furto. Ordem concedida, por unanimidade, em
razão do princípio da insignificância, nos termos do voto do Relator (Min. Gilmar
Mendes).

212
“Habeas Corpus. 2. Furto. Bem de pequeno valor (R$ 29,00). Mínimo grau de lesividade da conduta. 3.
Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. 4. Ordem concedida.” (HC 107184,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 18/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-220 DIVULG 18-11-2011 PUBLIC 21-11-2011)
213
“Habeas corpus. 2. Princípio da ampla defesa. Tratamento isonômico das partes (princípio da paridade de
armas). Em observância ao sistema processual penal acusatório instituído pela Constituição Federal de 1988,
a aplicação do art. 456 do CPP deve levar em conta o aspecto formal e material de seu conteúdo normativo,
ante a ponderação do caso concreto. 3. O reconhecimento, pelo defensor público nomeado, de que a análise
dos autos limitou-se a apenas quatro dos vinte e seis volumes, por impossibilidade física e temporal (12 dias),
somado à complexidade da causa, prejudicou a plenitude da defesa (“a”, inciso XXXVIII, artigo 5º, da CF/88)
do paciente levado ao Tribunal do Júri. 4. Excesso de prazo na duração da prisão preventiva. Contribuição da
defesa para a mora processual. 5. Ordem concedida, em parte, para declarar nulo o julgamento do Tribunal
do Júri realizado em 12 de abril de 2010. Mantida a custódia do paciente.” (HC 108527, Relator(a): Min.
GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-236 DIVULG
29-11-2013 PUBLIC 02-12-2013)
214
“Habeas Corpus. 2. Tentativa de furto. Bem de pequeno valor (R$ 100,00). Mínimo grau de lesividade da
conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. 4. Reincidência. Irrelevância
de considerações de ordem subjetiva. 5.Ordem concedida.” (HC 108872, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, julgado em 06/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-183 DIVULG 22-09-2011 PUBLIC
23-09-2011)
82

13. Habeas Corpus nº 110.004/RS215: Trata-se de habeas corpus


impetrado com objetivo do trancamento da ação penal, do reconhecimento da
atipicidade do delito de furto e da confirmação das decisões absolutórias de 1ª e 2ª
instâncias, cassada pelo STJ. Ordem concedida, por maioria de votos, em razão do
princípio da insignificância, nos termos do voto do Relator (Min. Gilmar Mendes).
14. Habeas Corpus nº 110.711/RS216: Trata-se de habeas corpus
impetrado com objetivo do trancamento da ação penal, do reconhecimento da
atipicidade do delito de estelionato com base no princípio da insignificância. Ordem
denegada, por maioria de votos, em razão da reiteração delitiva e reprovabilidade da
conduta do paciente, vencido o Relator (Min. Gilmar Mendes), nos termos do voto do
Redator para o Acórdão (Min. Ricardo Lewandowski). Liminar anteriormente deferida
cassada.
15. Habeas Corpus nº 112.400/RS217: Trata-se de habeas corpus
impetrado com objetivo do trancamento da representação por ato infracional de
menor, do reconhecimento da atipicidade do ato equiparado ao delito de furto
simples tentado e de obstar a imposição da medida socioeducativa. Ordem
concedida, por maioria de votos, em razão do princípio da insignificância, nos termos
do voto do Relator (Min. Gilmar Mendes).

215
“Habeas Corpus. 2. Tentativa de furto. Bem de pequeno valor (R$ 139,80). Mínimo grau de lesividade da
conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade. Precedentes. 4. Ordem concedida.” (HC
110004, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 06/12/2011, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-043 DIVULG 29-02-2012 PUBLIC 01-03-2012)
216
“Ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELO CRIME DE ESTELIONATO.
REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REPROVABILIDADE E
OFENSIVIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. REINCIDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I – A aplicação do
princípio da insignificância de modo a tornar a ação atípica exige a satisfação, de forma concomitante, de
certos requisitos, quais sejam, conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade social da ação,
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica inexpressiva. II – Embora a vantagem
patrimonial ilícita obtida (R$ 55,00) possa ser considerada de pequena expressão, outros vetores devem ser
considerados, com vistas ao reconhecimento da insignificância da ação. III – Infere-se dos autos que o
paciente dá mostras de fazer das práticas criminosas o seu modus vivendi, uma vez que possui diversos
antecedentes referentes à prática de crimes contra o patrimônio, respondendo a outras ações penais e, mais,
já fora condenado por receptação, o que denota a reprovabilidade e ofensividade da conduta. IV – Ordem
denegada.” (HC 110711, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG
14-03-2012 PUBLIC 15-03-2012)
217
“Habeas corpus. 2. Ato infracional análogo ao crime de furto tentado. Bem de pequeno valor (R$ 80,00).
Mínimo grau de lesividade da conduta. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Possibilidade.
Precedentes. 4. Reincidência. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. 5. Ordem concedida.” (HC
112400, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22/05/2012, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-155 DIVULG 07-08-2012 PUBLIC 08-08-2012)
83

16. Habeas Corpus nº 122.535/ES218: Trata-se de habeas corpus


impetrado com o objetivo de inadmitir a denúncia do paciente pelo delito de
desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, confirmando a
sentença de 1º grau que se valeu do princípio da insignificância. Liminar indeferida.
Ordem denegada, por unanimidade, pela periculosidade social da ação e ausência
de constrangimento ilegal do paciente, nos termos do voto do Relator (Min. Gilmar
Mendes).
17. Recurso Extraordinário nº 349.703/RS219: Trata-se de recurso
extraordinário interposto por instituição financeira tendo por objeto a prisão civil de
depositário infiel. Recurso conhecido e desprovido, por unanimidade, pela
supralegalidade dos tratados de direitos humanos que proíbem a medida coercitiva,
nos termos do voto do Relator p/ o Acórdão (Min. Gilmar Mendes).
18. Recurso Extraordinário nº 567.985/MT220: Trata-se de recurso
extraordinário interposto pelo INSS em face de decisão que concedeu benefício

218
“Habeas corpus. 2. ‘Serviço de Rádio Cidadão’. Exploração clandestina de atividade de telecomunicações. 3.
Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Periculosidade social da ação. 4. Ausência de
constrangimento ilegal. Ordem denegada.” (HC 122535, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda
Turma, julgado em 12/08/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-168 DIVULG 29-08-2014 PUBLIC 01-09-
2014)
219
“PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO
BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE
DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem
qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana
sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais
base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre
direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição,
porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos
humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela
anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o
Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-
FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO
DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação
fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros
meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma
que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da
proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica,
equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou
uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário
infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito
em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (RE 349703, Relator(a): Min. CARLOS
BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104
DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-04 PP-00675)
220
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei
de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República,
estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de
84

previdenciário previsto no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da


Assistência Social), uma vez que a beneficiária não atende os critérios do
dispositivo. Recurso conhecido e desprovido, por maioria dos votos, em razão da
superveniência de outras leis que concederam benefícios sociais com base em
critérios mais abrangentes, com base no voto do Relator (Min. Marco Aurelio),
vencido em parte quanto à declaração de inconstitucionalidade, sem nulidade, do §
3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, nos termos do voto do Redator para o Acórdão (Min.
Gilmar Mendes).
19. Questão de ordem em medida cautelar em Ação Cautelar Inominada nº
189/SP221: Trata-se de Ação cautelar inominada proposta por dois vereadores que
pretendem a declaração da inconstitucionalidade do art. 1º do Decreto Legislativo nº
10/1999, da Câmara Municipal de São João da Boa Vista que diminuiu o número de
cadeiras naquela casa legislativa, tendo os Requerentes perdido seus cargos, com
os respectivos vencimentos. Questão de ordem em medida cautelar referendada

deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma
pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per
capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua
constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade
social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao
apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão
do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do
critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-
se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de
miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que
estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei
10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a
conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo
de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e
jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de
concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso
extraordinário a que se nega provimento.” (RE 567985, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013)
221
“EMENTA: Ação cautelar inominada. Efeito suspensivo a recurso extraordinário. 2. Decisão monocrática
concessiva. Referendum do Plenário. 3. Número de vereadores. Art. 29, IV, da Constituição Federal.
Precedente: RE 197.917/SP, Maurício Corrêa, sessão plenária de 24.03.04. 4. Existência de plausibilidade
jurídica da pretensão e ocorrência do periculum in mora. 5. Cautelar, em questão de ordem, referendada” (AC
189 MC-QO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 09/06/2004, DJ 27-08-2004 PP-
00052 EMENT VOL-02161-01 PP-00001 RTJ VOL 00192-01 PP-00003)
85

pelo Tribunal pleno, por unanimidade, nos termos do despacho do Relator (Min.
Gilmar Mendes).

5.2. Análise dos julgados - Teses mais sustentadas

Analisando os julgados acima detalhadamente, pode-se extrair algumas


teses sustentadas pelo Tribunal acerca do princípio da proporcionalidade. Contudo,
é preciso destacar que só será considerada a aplicação devida da proporcionalidade
quando a fundamentação do voto constar a subsunção dos fatos às sub-regras da
adequação e da necessidade e a ponderação das hipóteses jurídicas envolvidas,
conforme a construção de Robert Alexy.
Os critérios de análise dos julgados (teses sustentadas referentes à
proporcionalidade) são os seguintes:
a) Utilização da ponderação entre o princípio da nulidade no controle de
constitucionalidade, e o princípio da segurança jurídica, arguido com fundamento no
interesse social; tese sustentada para modular efeitos em ações de controle de
constitucionalidade. Tal fundamentação aparece nos seguintes julgados: AC 189
MC-QO/SP222; ADI 2791-ED/PR; ADI 4947/DF223; ADI 5020/DF; e ADI 5028/DF. De
forma a demonstrar a ocorrência desta tese, veja-se:
Parece evidente que o princípio da segurança jurídica tem aqui um peso
incontestável, capaz de sobrepujar o próprio postulado da nulidade absoluta
da lei inconstitucional. Como se sabe, o princípio da nulidade continua a ser
a regra. O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de
ponderação que, tendo em vista a análise fundada no princípio da
proporcionalidade, faça prevalecer a ideia da segurança jurídica ou outro
princípio constitucionalmente relevante, manifestado sob a forma de
interesse social relevante. Assim, a não-aplicação do princípio da nulidade
não se há basear em consideração de política judiciária, mas em
fundamento constitucional próprio. [...] Vê-se, pois, que terá significado
especial o princípio da proporcionalidade, especialmente a
proporcionalidade em sentido estrito, como instrumento de aferição da
justeza da declaração de inconstitucionalidade (com efeito da nulidade),
tendo em vista o confronto entre os interesses afetados pela lei
inconstitucional e aqueles que seriam eventualmente sacrificados em

222
“Na espécie, não parece haver dúvida de que um juízo rigoroso de proporcionalidade recomenda a
preservação do modelo legal existente na atual legislatura. É um daqueles casos notótios, em que a eventual
decisão de caráter cassatório acabaria por distanciar-se ainda mais da vontade constitucional.” (p. 36)
223
“Nessa ordem de ideias, longe de ostentar caráter discricionário ou traduzir arbítrio da Corte Constitucional,
a limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade consubstancia o dever, inerente à jurisdição
constitucional, de assegurar a melhor harmonização possível entre o reconhecimento da supremacia da
Constituição, que tenciona no sentido da decretação da nulidade ab initio do ato normativo com ela
incompatível, e de outro, o excepcional interesse social e os princípios da segurança jurídica, da
razoabilidade e da proporcionalidade que, em tais circunstâncias, apontam noutro sentido.” (p. 147)
86

consequência da declaração de inconstitucionalidade. (ADI 2791-ED/PR.


pp. 8-9)

Não se questiona a possibilidade de aplicação do princípio da


proporcionalidade para justificar a modulação de efeitos de determinada declaração
de inconstitucionalidade, o problema se encontra naqueles julgados que apenas
tratam da ponderação, e ainda de forma genérica, como recurso argumentativo. Este
é o caso da AC 189 MC-QO/SP e da ADI 2791-ED/PR.
b) Utilização dos termos “proporcionalidade” e “razoabilidade” como
sinônimos, abstraindo de certo modo o conteúdo do princípio da proporcionalidade,
que deve simplesmente evitar aquilo que é “irrazoável”. Este é o caso dos julgados
ADI 4947/DF224, ADI 5020/DF, e ADI 5028/DF, bem como do HC 107184/RS225 e HC
108527/PA226.
c) Ausência de qualquer tipo de fundamentação, com a mera citação de
que foram ponderados interesses em jogo, algo completamente indevido do ponto
de vista metodológico e prejudicial à segurança jurídica, uma vez que as razões de
decisão tornam-se obscuras. Infelizmente, é o caso dos julgados: HC 91613/MG227;
HC 108527/PA, HC 108872/RS228, HC 110004/RS, HC 110711/RS, HC 112400/RS,
HC 122535/ES e o RE 567985/MT.

224
Idem. p. 147.
225
“Processos em que me posicionei pelo reconhecimento da insignificância penal como expressão de um
necessário juízo de razoabilidade e proporcionalidade de condutas que, embora formalmente encaixadas no
molde legal-punitivo, materialmente escapam desse encaixe. E escapam desse molde simplesmente formal,
como exigência da própria justiça enquanto valor ou bem coletivo que a nossa Constituição Federal prestigia
desde o seu principiológico preâmbulo. Justiça como valor, reitero, a se concretizar mediante uma certa
dosagem de razoabilidade e proporcionalidade na concretização dos valores da liberdade, igualdade,
segurança etc. Com o que ela, justiça, somente se realiza na medida em que os outros valores positivos se
realizem por um modo peculiarmente razoável e proporcional. Equivale a dizer: a justiça não tem como se
incorporar, sozinha, à concreta situação humana, exatamente por ser ela a própria resultante de uma certa
cota de razoabilidade e proporcionalidade na historicização de valores positivos (os mencionados princípios
da liberdade, da igualdade, da segurança etc). Donde a compreensão de que falar do valor da justiça é falar
dos outros valores que dela venham a se impregnar por se dotarem de um certo quantum de
ponderalibilidade, se por este último termo (ponderabilidade) englobarmos a razoabilidade e a
proporcionalidade no seu processo de concreta incidência.” (pp. 19-20)
226
“Nesse contexto, entendo que o volume e a complexidade da causa demandariam a fixação de um prazo
mais elastecido de adiamento do que os 12 dias fixados pelo juízo processante, em atenção aos princípios da
razoabilidade, da proporcionalidade e, ainda, do devido processo legal substantivo, não o meramente formal.”
(pp. 23-24)
227
“Em razão dessa estreita ligação, não raro ocorrerão situações a envolver a colisão entre esses direitos.
Nesse ponto é que assume relevo singular a aplicação do princípio da proporcionalidade, como regra de
ponderação de valores para a superação de eventuais conflitos. Assim, atento às situações peculiares do
caso concreto, cabe ao intérprete sopesar os interesses em conflito, com o objetivo de estabelecer qual
princípio deverá prevalecer, segundo um critério de justiça prática.” (p. 33)
228
“ Dessarte, insta asseverar, ainda, que, para chegar à tipicidade material, há que se pôr em prática juízo de
ponderação entre o dano causado pelo agente e a pena que lhe será imposta como consequência da
intervenção penal do Estado. A análise da questão, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, pode
justificar, dessa forma, a ilegitimidade da intervenção estatal por meio do Direito Penal.” (p. 10)
87

A extensa relação dos julgados apontados (mais precisamente 08 julgados)


reflete a falta de critério e preocupação dos ministros do Supremo Tribunal Federal,
em geral, na utilização da regra da proporcionalidade, instrumento por excelência da
resolução de conflito de direitos fundamentais.
d) Utilização de fundamentação teórica pertinente e verificada no caso
concreto. Como esperado, embora parte dos julgados desapontem na forma de
aplicação da proporcionalidade, outros julgados possuem fundamentação
229
consistente, como é o caso dos julgados: HC 96056/PE , HC 102087/MG, HC
104410/RS e RE 349703/RS. Neste sentido, vale a observação do seguinte
posicionamento:
“A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só,
comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação
de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a
melhor alternativa, ou a medida mais eficaz, para proteção de bens jurídico-
penais supra-individuais ou de caráter coletivo, como o meio ambiente, por
exemplo. A antecipação da proteção penal em relação à efetiva lesão torna
mais eficaz, em muitos casos, a proteção do bem jurídico. Portanto, pode o
legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão,
definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva
proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies
de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade
legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade,
poderá ser tachada de inconstitucional. [...]Em primeiro lugar, no âmbito de
análise segundo a máxima da adequação, é possível constatar que não
serão idôneos para proteção de determinado bem jurídico os atos
legislativos criadores de tipos de perigo abstrato que incriminem meras
infrações administrativas, as quais não têm aptidão para produzir, sequer
potencialmente, qualquer perigo em concreto para o bem jurídico em
questão. Isso quer dizer que os crimes de perigo abstrato devem restringir-
se aos comportamentos que, segundo os diagnósticos e prognósticos
realizados pelo legislador com base em dados e análises científicas
disponíveis no momento legislativo – e, daí, a importância da verificação de

229
“ Verifica-se, assim, que a garantia constitucional de inviolabilidade dos dados e das comunicações, visando a
preservar o direito à intimidade (CF, art. 5º, XII), conflita com a possibilidade de sua devassa nas hipóteses
de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que por ordem judicial fundamentada. Diante
desse choque de princípios constitucionais, considero adequada a análise da legitimidade da medida que
determina a quebra do sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas a partir de sua conformidade ao princípio constitucional da proporcionalidade. O
princípio da proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em sentido
substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma exigência positiva e material
relacionada ao conteúdo de atos restritivos de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do
limite" ou uma "proibição de excesso" na restrição de tais direitos. [...]Em síntese, a aplicação do princípio da
proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre
distintos princípios constitucionais, de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos
direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São
três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito. [...] há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade,
se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado
(isto é, apto a produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso
e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, estabelecesse uma relação ponderada entre o
grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).” (pp. 8-10)
88

fatos e prognoses legislativos em sede de controle judicial de


constitucionalidade – geralmente configuram perigo para o bem jurídico
protegido, estando descartados aqueles que apenas de forma excepcional
podem ensejar tal perigo. [...] Nesse sentido, segundo a máxima da
necessidade, quando houver medidas mais eficazes para a proteção do
bem jurídico-penal, porém menos gravosas para os direitos individuais em
jogo, os crimes de perigo abstrato serão contrários aos princípios da
subsidiariedade e da ofensividade e, dessa forma, ao princípio da
proporcionalidade. Meros ilícitos que são objeto de responsabilização
jurídica eficaz por meio do Direito Civil ou do Direito Administrativo tornam
desnecessária a intervenção do Direito Penal, que deve operar apenas
como ultima ratio. [...] No âmbito da proporcionalidade em sentido estrito,
deverá ser verificado se a restrição a direitos fundamentais como resultado
da incriminação de comportamentos perigosos em abstrato pode manter
uma relação de proporcionalidade com a proteção do bem jurídico em
questão alcançada pela medida normativa de caráter penal. Em outros
termos, quanto maior for a intervenção penal em direitos fundamentais dos
afetados, maior deverá ser a efetiva proteção do bem jurídico por ela
almejada.” (HC 102087/MG. pp. 40-42)

É necessário destacar que não se exige grandes discussões doutrinárias


para bem aplicar a proporcionalidade, apenas o respeito aos seus exames e a
correta construção da fundamentação fática e jurídica do caso de acordo com a
aplicação da regra da proporcionalidade.
e) Utilização de conceitos da doutrina análogos à proporcionalidade, a fim
de melhor explicitá-la. De modo bastante adequado, cumprem este critério os
mesmos casos apontados no item anterior, quais sejam: HC 96056/PE; HC
102087/MG; HC 104410/RS; e RE 349703/RS. Veja-se um trecho que demonstra a
utilização de tais fundamentos:
Caberia indagar se, nesses casos, seria possível falar, propriamente, de
conformação ou concretização ou se se tem, efetivamente, uma restrição,
que poderá revelar-se legítima, se adequada para garantir a função social
da propriedade, ou ilegítima, se desproporcional, desarrazoada, ou
incompatível com o núcleo essencial desse direito. (RE 349703/RS. p. 77)

Como já foi exposto neste trabalho, a ideia de núcleo essencial de direitos


fundamentais está intimamente ligada à proporcionalidade, sendo tida ora como
sinônimo, ora como outra espécie de restrição de direitos fundamentais.
f) Utilização de discussões doutrinárias do próprio Gilmar Mendes, quais
sejam, por exemplo, a ideia de proibição de insuficiência, reserva legal proporcional,
bem como a conformação ao legislador, observada no trecho acima transcrito. É o
caso do HC 104410/RS e do RE 349703230, veja-se:

230
Ver nota de rodapé nº 218 com menção à “reserva legal proporcional”.
89

Assim, na dogmática alemã, é conhecida a diferenciação entre oprincípio da


proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot)e como
proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). No primeiro caso,o
princípio da proporcionalidade funciona como parâmetro de aferiçãoda
constitucionalidade das intervenções nos direitos fundamentais
comoproibições de intervenção. No segundo, a consideração dos
direitosfundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao
princípioda proporcionalidade uma estrutura diferenciada13. O ato não
seráadequado caso não proteja o direito fundamental de maneira ótima;
nãoserá necessário na hipótese de existirem medidas alternativas
quefavoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará
osubprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de
satisfaçãodo fim legislativo for inferior ao grau em que não se realiza o
direitofundamental de proteção. (HC 104410/RS. p. 17)

É necessário ressaltar que, por toda a brilhante trajetória acadêmica do


Ministro Gilmar Mendes, todos os votos do magistrado deveriam possuir estas
discussões, a fim de qualificar a argumentação jurídica e a tutela jurisdicional,
valendo-se dos ensinamentos de uma extensa produção teórica no direito
constitucional.
g) Finalmente, o último critério foi a verificação da utilização da teoria dos
direitos fundamentais de Alexy nos casos selecionados. Destacam-se sob essa
perspectiva apenas dois casos: o HC 96056/PE231 e o RE 349703/RS, como se
observa:
Como ensina Alexy, ‘o postulado da proporcionalidade em sentido estrito
pode ser formulado como uma lei de ponderação cuja fórmula mais simples
voltada para os direitos fundamentais diz: quanto mais intensa se revelar a
intervenção em um dado direito fundamental, maiores hão de se revelar os
fundamentos justificadores dessa intervenção’. (RE 349703/RS. p. 68)

Logo, a partir da análise destes casos, é possível estabelecer o


entendimento do Ministro Gilmar Mendes, em especial, acerca da aplicabilidade da
proporcionalidade.

5.3. Análise de julgados - Adequação à doutrina

231
“ A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo
essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo — tal como defendido por ele e por Martim
Bowrosky. Nesse sentido, o princípio ou a máxima da proporcionalidade determina o limite último da
possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental. A despeito dessa vinculação aos
direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou
princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um
método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do
conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes,
nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão somente pela
ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões
em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer
ponderações entre distintos bens constitucionais.” (p. 9)
90

De modo bastante sucinto, tentar-se-á relacionar os julgados analisados com


os aspectos doutrinários discutidos anteriormente neste trabalho.
Antes disso, é necessário destacar que o próprio Ministro Gilmar Mendes já
analisou a jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Federal a fim de tentar
encontrar o posicionamento da Corte referente à proporcionalidade.232
Um caso não analisado neste trabalho, em razão de que valeria um trabalho
apenas para esmiuçá-lo, bastante interessante para observar o posicionamento do
Supremo Tribunal Federal acerca da proporcionalidade é o famoso “caso
Ellwanger”233.
Neste caso, os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurelio valeram-se da
proporcionalidade para chegar a juízos diametralmente opostos, mostrando
justamente a falta de critério para aplicação da regra. Lembrando que a regra inclui
exame de possibilidades fáticas, o que, em teoria, não poderia gerar divergência de
interpretação em votos distintos. A relação de precedência entre os princípios em
jogo, por sua vez, poderia variar.
Ainda, outro caso bastante significativo no debate da proporcionalidade no
Supremo Tribunal Federal é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 855/PR,
acerca da pesagem de botijões de gás. Tal caso foi objeto de análise do próprio
Ministro Gilmar Mendes, em um de seus livros, em que leciona:234
No julgamento da ADI 8554, igualmente, o Supremo Tribunal Federal
considerouofensivo ao princípio da proporcionalidade da lei estadual que
obrigava osestabelecimentos que comercializavam gás liquefeito de
petróleo – GLP – a pesarem, àvista do consumidor, botijões ou cilindros
entregues ou recebidos para substituição, comabatimento proporcional do
preço do produto ante eventual diferença a menor entre oconteúdo e a
quantidade líquida especificada no recipiente.Na linha do julgamento da
liminar, esta de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, oColegiado entendeu

232
MENDES, Gilmar Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal -
novas leituras. In: Repertório IOB de Jurisprudência: Tributário, Constitucional e Administrativo, n.14,
p.361-372, 2ª jul. 2000.
233
Habeas Corpus nº 82.424. “No caso Ellwanger, o STF julgou habeas corpus que tinha como paciente
Siegfried Ellwanger Castan, condenado pela prática de racismo. Ellwanger era um escritor e editor brasileiro
que se notabilizou por suas teses revisionistas em relação ao holocausto judeu durante a 2ª Guerra Mundial.
Devido aos seus escritos, considerados antissemitas pelo incitamento à discriminação racial, foi denunciado
pela prática de racismo em 1991. Foi absolvido em 1ª instância em 1995. Contudo, pouco tempo depois foi
condenado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Os advogados de Ellwanger impetraram habeas
corpus no STJ, que foi denegado. Posteriormente, impetraram novo habeas corpus em 2002, agora no STF,
objeto do presente estudo.” (SAPUCAIA, Rafael Vieira Figueiredo. A aplicação da máxima da
proporcionalidade no STF - um caso. In: Revista SJRJ. Rio de Janeiro. v. 20. n. 36. p. 193-204. abr. 2013.)
234
MENDES, Gilmar F. Estado de Direito e Jurisdição Constitucional. 1. ed. 2ª. tiragem. São Paulo : Saraiva,
2011.
91

que o juízo de adequação constitucional da lei implicava verificar seo ato


normativo não esvaziou o conteúdo de direitos fundamentais. Seria
necessário,assim, examinar a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito.Para tanto, foram determinantes as
considerações técnicas lançadas em estudo feito peloInmetro, no qual se
demonstrou ser impraticável a exigência de que, em cada
caminhão,houvesse balança para pesagem dos botijões, ante o risco de
imprecisão, especialmenteem face do atrito causado pela movimentação do
veículo. Mas não foi só. Também restouevidente a inutilidade da medida,
uma vez que a fiscalização realizada por amostragempelo órgão
competente seria suficiente a impedir fraudes, sem a majoração do preço
finaldo produto que resultaria dos investimentos indispensáveis ao
cumprimento da lei.

Portanto, analisados os principais casos que conduzem a discussão histórica


da proporcionalidade no Supremo Tribunal Federal, pode-se extrair algumas
concepções da regra da proporcionalidade na produção dogmática e jurisprudencial
do Ministro Gilmar Mendes:
1. Proporcionalidade como “princípio”;
2. Proporcionalidade como proibição de excesso e proibição de
235
insuficiência;
3. Existência de um núcleo essencial dos direitos fundamentais como
limite dos limites das medidas restritivas;
4. Proporcionalidade como controle interno e hermenêutico de
constitucionalidade das normas;
5. Proporcionalidade como “princípio” de conformação ao legislador;236
6. Proporcionalidade como reserva legal proporcional;
7. Proporcionalidade como conceito análogo à razoabilidade e
intimamente vinculado ao devido processo legal.
235
Idem. “Em julgamento de interesse doutrinário evidente – RE 418.3768 –, o Supremo Tribunal Federal
deparou-se com hipótese em que, na decisão recorrida, não fora reconhecida a união estável entre homem e
mulher como uma entidade familiar, para efeitos da aplicação da cláusula de extinção da punibilidade prevista
no art. 107, inc. VII, do Código Penal. Tratava-se de situação em que certa criança fora confiada a tutor, que
com ela manteve relações sexuais desde que a menina tinha 9 anos de idade. Ou seja, postulava-se o
reconhecimento de união estável entre garota de 12 anos que engravidou após manter relações sexuais com
o marido da tia, seu tutor legal, e que, depois de ter o filho, veio a juízo afirmar que vivia maritalmente com o
próprio opressor. Naquela ocasião, registrei que, para além da costumeira compreensão do princípio da
proporcionalidade como proibição de excesso (já fartamente explorada pelas doutrina e jurisprudência
pátrias), há outra faceta desse princípio, a abranger conjunturas diversas, entre as quais a daqueles autos. É
que, por óbvio, conferir à situação o status de união estável, equiparável a casamento, para fins de extinção
da punibilidade (nos termos do art. 107, inc. VII, do Código Penal), não seria consentâneo com o princípio da
proporcionalidade no que toca à proibição de proteção insuficiente.”
236
Nesse sentido, o RE 349703/RS: “As disposições legais relativas ao conteúdo têm, portanto, inconfundível
caráter constitutivo. Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente
estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito de propriedade enquanto
garantia institucional. Ademais, as limitações impostas ou as novas conformações conferidas ao direito de
propriedade hão de observar especialmente o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições
legais sejam adequadas, necessárias e proporcionais.” (p. 78)
92

Pode-se assim sistematizar algumas teses doutrinárias que aparecem nos


votos do magistrado em sua trajetória na Suprema Corte.
Por fim, ressalta-se que o presente trabalho indica como exemplo de
excelente aplicação da regra da proporcionalidade, os julgados RE 349.703/RS e o
HC 96.056/PE, pela criteriosa e sistemática aplicação da regra. Não obstante tais
julgados dignos de nota, o Supremo Tribunal Federal ainda aplica a regra da
proporcionalidade de forma aleatória, e mais grave, como argumento teórico
abstrato para decidir genericamente de forma pouco fundamentada, aumentando a
insegurança jurídica e a possibilidade de violações a direitos fundamentais.

6. Conclusão
93

O presente trabalho se propôs a sistematizar especialmente 04 pontos: (i) a


teoria dos princípios de Robert Alexy, pressuposto metodológico deste trabalho; (ii) a
regra da proporcionalidade trabalhada na doutrina brasileira, em suas 03 sub-regras;
(iii) a construção dogmática do Ministro Gilmar Mendes acerca da proporcionalidade;
(iv) a aplicação dos conceitos apresentados na jurisprudência do STF.
De modo que podemos concluir que:
1. A proporcionalidade concebida por Robert Alexy em sua teoria dos
princípios funciona como método lógico-racional de resolução de conflitos entre
princípios, os quais devem ser aplicados como mandamentos de otimização que
refletem direitos prima facie. Os direitos fundamentais possuem caráter
principiológico, uma vez que, pela sua centralidade e essencialidade no
ordenamento jurídico, não podem ser afastados pelo critério da validade. O
conteúdo dos direitos fundamentais reflete a proteção de interesses individuais e
coletivos os quais possuem uma relevância especial na ordem constitucional.
2. O conteúdo da proporcionalidade inclui o exame das possibilidades
fáticas e jurídicas da realização dos princípios colidentes. As primeiras são
verificadas pelo exame da adequação e da necessidade, enquanto as possibilidades
jurídicas são verificadas pela proporcionalidade em sentido estrito. A aplicação da
regra da proporcionalidade implica o exame de suas 03 (três) sub-regras: a
adequação das medidas possíveis em realizar ou fomentar os fins pretendidos; a
necessidade implica na escolha, dentre as medidas consideradas adequadas,
daquela que restringe na menor medida o outro direito fundamental, proibindo a
medida restritiva excessiva; e a proporcionalidade em sentido estrito verificará se as
escolhas realizadas dentre as possibilidades fáticas, são realmente eficazes a
realizar o fim pretendido. A ponderação, embora seja utilizada de forma recorrente
como recurso argumentativo, possui uma aplicação restrita e eminentemente
racional, através da aplicação das duas leis propostas por Alexy: a Lei do
Sopesamento ou Fórmula do Peso; e a Lei dos Princípios Colidentes.
3. Embora a doutrina preserve os critérios da generalidade, abstração e
fundamentalidade para distinguir as espécies normativas (princípios e regras),
atualmente as teorias de Dworkin e Alexy têm sido cada vez mais aceitas no debate
acadêmico e utilizadas nos tribunais. O Ministro Gilmar Mendes concebe a
94

proporcionalidade como uma forma de limitação dos próprios limites dos direitos
fundamentais, juntamente com a ideia de núcleo essencial destes direitos. Sua
produção doutrinária, ainda, estende a função da proporcionalidade como proibição
do excesso, concebendo a proibição da proteção insuficiente dos direitos
fundamentais. Na implicação da proporcionalidade sobre o processo legislativo, o
ministro entende que a regra serviria de conformação do legislador, que através de
sua aplicação poderia inclusive incluir uma determinada reserva legal proporcional
ao conteúdo da norma de direito fundamental. É ainda necessário dizer o papel de
destaque que o magistrado confere à proporcionalidade como forma de relativização
e aprimoramento do controle de constitucionalidade.
4. O Supremo Tribunal Federal discute a aplicação da proporcionalidade
há várias décadas. Contudo, a sensibilidade e rigor teórico implicados neste exame
têm aumentado de forma bastante contundente nos últimos anos. O papel das
reflexões dos ministros Moreira Alves e Sepúlveda Pertence foram pioneiras no
debate acerca da amplitude do conceito e sua aplicação na resolução de conflitos de
princípios. Desde o ingresso do Ministro Gilmar Mendes na corte, contudo, o debate
foi aprofundado, muito em razão da sua formação acadêmica notável no direito
constitucional. Ocorre que, mesmo com o arcabouço teórico adequado, muitas
vezes, o próprio ministro utiliza apenas de forma superficial a proporcionalidade,
como se demonstrou no último capítulo.
5. De todo modo, a proporcionalidade tem ganhado espaço relevante no
debate constitucional brasileiro, e tem sido cada vez mais fundamental na resolução
de controvérsias entre direitos fundamentais, sempre delicadas, uma vez que
envolvem a restrição de direitos tidos como núcleo hermenêutico da nossa
Constituição. Esperam-se dos estudiosos do tema, como o ministro Gilmar Mendes e
alguns de seus pares, que contribuam de forma significativa e com rigor científico
para a construção da teoria constitucional pátria, e que apliquem na jurisprudência,
ainda tão deficiente, por vezes, defasada de fundamentos, aquilo que produzem na
Academia.

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