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As Razões da Fragmentação
A Anarquia e o Caudilhismo
A Época de Rosas
? adas por aquêles que se haviam pôsto à sua testa como caudilhos,
«esde Artigas — passando por Ramirez, Lopez, Quiroga e, tantos ou-
cn ’ — Rosas, que representa a culminação da luta político-social,
ora o triunfo das aspirações democráticas sôbre as aristocráticas, do
efime, fereral de govêrno sôbre o unitário” ( . . . ) “ As diferentes re
boes do país tinham, ademais, interêsses econômicos diferentes e
PPostos e a tendência livre-cambista dos governos centralistas por-
'-enhos era a morte da indústria e do comércio do resto provinciano
" ° País, que clamava por proteção, afogado pelo isolamento e pelo
Proibitivo dos fretes de transporte, enquanto que os do único pôrto
Po País, à beira de seu grande rio, levavam vida relativamente fácil” .
Q uesada : La Epoca de Rosas, Buenos Aires, 1950, p. 23).
“ Cada província se concentra em si mesma, quase sem comuni-
p r -s e com as demais, retrogradando para a barbárie, sem govêrno
regularmente organizado, sem outra vontade que não as gauchadas
oe seu respectivo dono e as lanças de seus sequazes: as escolas foram
rechadas, as famílias recolheram-se às paredes de suas casas, o terror
P°s-se no caminho de todos, a delação constante teve, por alegrias
ps seus agravos, tornando-se insegura a existência, e emigravam os
jwe podiam, abandonando a terra natal aos velhos, às crianças e às
Jbulheres; a pobreza reinante, sem indústrias, sem comércio, raiava
a rniséria: em uma palavra, os pecados estavam de cima e as virtudes
por baixo” . (E . Q uesada : op. c it., p . 20) .
como partidos do que como facções a serviço de interesses
quase sempre imediatistas e locais ou regionais. Quando
não é possível a supremacia absoluta de uma das facções,
e o enfraquecimento é geral, surge a anarquia, e o poder
se dispersa e fragmenta e a nação ameaça penetrar no
caos.48 É o domínio do caudilhismo, distribuída a autori
dade, em cada região, por um chefe local, que se sobrepõe
aos demais, e que dita as leis. O caudilho é a expressão
característica da anarquia.
Rosas, nascido e criado na zona rural da província de
Buenos Aires, é apenas um dêsses caudilhos, em tôrno dos
quais se agrupam os elementos flutuantes do pastoreio.49
Enriquecera como grande proprietário de terras, como ho
mem do campo, em luta permanente com os índios e com
a natureza. Adaptara-se maravilhosamente ao meio que o
gerara, para ser um de seus representantes típicos. Con
vivia com os seus peões e com a indiada, dominava-os pelo
exemplo, fascinava-os por ser o melhor dêles. Ao começar
a sua vida independente, deixando a casa da família, já a
pecuária argentina, abandonando o exclusivismo do couro,
que conduzia à dizimação dos rebanhos, entrara, com o
advento dos processos de salga, e de há muito, na fase
A Província Platina
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judicados ou ofendidos. Nessa base, além dos motivos co
merciais, lutaram os brasileiros contra Artigas e, depois,
incorporaram a Banda Oriental ao Império, com o que o
Brasil se envolveu a fundo nos problemas e nos choques
da formação argentina. No fundo, não era mais, no que
diz respeito aos povoadores do Rio Grande, do que a luta
pela posse das extensas pastagens que, desenvolvendo-se
desde o corte do Ibicuí para o sul, constituem o habitat
natural do gado vacum. Quando as debilidades do Impé
rio forçaram a aceitação da autonomia do Uruguai, foram
inúmeros os proprietários brasileiros que ficaram com as
suas terras, estâncias, charqueadas em território do nôvo
país, e alguns possuíam, ao mesmo tempo, terras de um
lado e outro da nova fronteira, e dos dois lados eram re
conhecidos como autoridade temida.
Quando os interêsses coincidiam, os dos proprietários
sulinos e os do Império, lutavam juntas as forças regula
res e as irregulares, sempre com predomínio destas. Mas
havia contradições também, e deflagravam em lutas, de
que a farroupilha constituiu o exemplo mais destacado.
Nela, surgiria o velho contraste, que não desaparecera de
todo ainda, com as reminiscências heróicas da campanha,
entre as duas áreas de colonização: de um lado, os es-
tancieiros, à frente dos gaúchos pobres que os cercavam
e que constituíam a sua tropa e a sua peonagem, a quem
o governo devia grandes quantias de fornecimentos não
pagos, e cuja produção e comércio tributava com rigor,
para auferir rendas que saíam da província; de outro lado,
os elementos ligados diretamente à autoridade pública, os
que dela dependiam, a gente estável e média das cidades
do litoral marítimo e do litoral lagunar, e das zonas em
que um tipo nôvo de colonização — os alemães, que co-
meaçram a ser introduzidos em 1824 — vinha conferir
traços de sedentariedade e de estabilidade que a campa
nha desconhecia. Embora eclodindo em Porto Alegre, a
rebelião dos farrapos agasalhou-se na campanha, nela se
desenvolveu e nela viveu quanto pôde, nela encontrou as
suas forças, os seus motivos, as suas idéias, as suas ânsias
e até as suas capitais, as suas sedes políticas, onde foram
ditadas as suas leis.
Quando Caxias assumiu o comando das forças desti
nadas a pôr têrmo a uma rebelião que atravessaria dez
anos — um decênio de tropelias e de tragédias, que em
pobreceu consideràvelmente a campanha e arruinou um
sem número de propriedades — ofereceu uma paz digna
e honrosa e acenou com as perspectivas de nova etapa
de interesses comuns entre os senhores da campanha e
0 Império, nova intervenção nas questões platinas, envol
vendo as ricas pastagens ao sul do Ibicuí. A situação ali,
realmente, caminhava para uma crise militar, solução tra
dicional e antiga. Os proprietários brasileiros da Banda
Oriental, agora estado autônomo, exigiam constantemen
te a proteção do governo central, e a fronteira voltava
a ser cenário de lutas constantes entre estancieiros que
°peravam por conta própria. Dentro dessa norma, o barão
do Jacuí organizara as suas forças, para tomar a si a so
lução .
Os tratados anteriores de limites e todos os acordos
até então assinados deixavam a zona ao sul do Ibicuí aos
orientais, mas nela a população brasileira, os proprietários
brasileiros constituíam maioria. Tal situação fôra a base
dos choques sucessivos que tornariam a fronteira do Ibicuí
Uma ficção geográfica e zona conflagrada. A campanha
contra Rosas, conduzida do Rio Grande por Caxias, arre
banhando os elementos humanos que a luta farroupilha
deixara em disponibilidade e conduzindo a um acerto ra
zoável entre os estancieiros e o govêrno imperial, deveria,
com a vitória de Caseros pôr fim a essa situação insusten
tável. Os acordos assinados com os aliados brasileiros do
Estado Oriental, chefiados pelo general Flores, acabaram
por definir-se na entrega ao Brasil dos campos ao sul do
Ibicuí e, pela primeira vez, e definitivamente, a linha do
Quaraí surgiu no mapa como fronteira sulina.
O quadro geral da campanha sofreria nova transfor
mação de importância, que lhe alteraria, outra vez, e
ossencialmente, as linhas sociais, políticas e econômicas,
com o advento da indústria da carne e a instalação dos
frigoríficos. Mas nesse tempo já outros fatores haviam
correspondido à extensão do predomínio do tipo de exis
tência oriundo do litoral e da bacia do Guaíba, com o
desenvolvimento da imigração e com diferenciações su
cessivas na gente da campanna. A luta federalista foi o
seu último arremêsso. Consolidada a República e redu
zida a campanha à submissão absoluta, estavam liquida
dos os vestígios derradeiros de uma época que vive ape
nas nas reminiscências folclóricas, guardadas com estima
e cultivadas com saudades, mas já meras representações
de um passado irremediàvelmente morto.