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Daniel Zürcher1
Um dos usos da fotografia na etnografia seria retratar o “eu estive lá”, as fotografias
seria meramente imagens ilustrativas, sem articulação com o texto, sendo um elemento estético
na monografia. Podemos ver esse uso em monografias clássicas, como a de Evans-Pritchard,
que se utiliza das fotografias para ilustrar a pesquisa. Nesse ponto podemos interpretar a
fotografia como um recurso para registrar o “eu estive lá”, o que não deve ser confundido com
a proposta da antropologia visual. Quanto estamos tratando do uso da fotografia na
antropologia visual é preciso dar ênfase na fotografia como objeto central do trabalho
antropológico, para análise e compreensão a partir da fotografia. Se tomarmos o conceito de
etnografia, e aplicarmos com fotografia, conseguiríamos então ter um trabalho antropológico
meramente com imagens? A etnografia é uma forma pela qual o antropólogo registra o “estive
lá”, aplicando a teoria no texto etnográfico para a construção do seu conhecimento. Assim
como não podemos associar um texto etnográfico a pequenos parágrafos desconexos, que não
há uma história, com começo, meio e fim, não podemos dizer que um trabalho de antropologia
visual onde se utiliza apenas fotos, irá se basear em uma ou duas fotos, desconexas e sem o
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Estudante de antropologia na Universidade Federal Fluminense, trabalha com área de fotografia e
etnomusicologia. E-mail: daniel_flautista@live.com
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Utilizo esse termo para denominar um tipo de fotografia onde ela passa a ser objeto central para análise e
compreensão da ideia do autor.
propósito de contar uma história, com um início, meio e fim, e sem um objetivo concreto de
passar ao “leitor” a sensação do “estive lá”. Mas para que possamos começar a discutir qual é
o papel e o potencial da fotografia na antropologia, precisamos entender o seu limite e sua
função enquanto instrumento para produção de conhecimento.
Vejo que a fotografia é muito pouco utilizada e discutida na antropologia, mesmo nos
dias de hoje, com o avanço das linguagens audiovisuais nas ciências sociais como um todo. A
fotografia, a meu ver, não vem ganhando o destaque e importância, que merece. Uma
linguagem pouco explorada no mundo da antropologia, e até negada como possibilidade para
construção de conhecimento científico por uma considerável parcela dos antropólogos.
Neste capítulo irei abordar os dois tipos de fotografia citados na introdução: a fotografia
ilustrativa e a fotografia analitica, na qual irei me aprofundar mais à frente no capítulo.
O uso ilustrativo da
fotografia na antropologia, pode
ser observado desde os
antropólogos clássicos, tendo
como objetivo central retratar o
“estive lá”, onde o papel da
fotografia seria reafirmar aquilo
que já estava dito no texto, não
acrescentando nada de novo na
ideia que o autor pretendia passar
com o seu trabalho. Podemos
tomar
Por mais vago e sem relevância que possa parecer, a fotografia ilustrativa tem e teve
um papel importante na antropologia, principalmente no início, onde os antropólogos teriam
que provar a sua ida ao campo, e em todo relato etnográfico que elaboravam, a fotografia servia
como uma prova de que, pelo menos, aquele povo existia.
A fotografia em diversos aspectos pode retratar imagens que o texto não conseguiria
passar ao leitor, portanto quando o pesquisador vai a campo com o intuito de fazer
fotoetnografia, ele tem que focar nas imagens que não podem ser descritas em texto. Para a
foto ganhar destaque como recurso metodológico, ela tem que conter uma mensagem que só
ela possa passar. A utilização da linguagem visual passa a ser feita de acordo com a necessidade
do etnógrafo de explorar novos horizontes e pontos de vista.
“Na densidade de uma floresta que não permite visualizar um horizonte, nem
sequer estabelecer um recuo mínimo necessário para uma visão em
perspectiva, a própria paisagem se torna refratária à representação de suas
formas. Como bem analisou Laymert dos Santos, é diante dessa condição de
penumbra que Claudia Andujar capta com grande acuidade a relação íntima e
íntegra que os Yanomami têm com a floresta. Suas fotos, de acordo com o
sociólogo, não mostram os índios e o mato, nem mesmo os índios no mato,
mas uma integração índios-mato que ressalta as trocas intensas entre humanos
e o meio (SANTOS in Folha de S. Paulo, 1998:9). “ (SOARES, Carolina. s/d)
Podemos ver uma ligação forte entre a antropologia e a fotografia, no sentido em que os dois,
passam em algum momento pela busca de retratar o desconhecido. Sendo assim a fotografia
passa a ser um instrumento de extrema riqueza para compreensão do “outro” quando trabalhado
junto a antropologia.
Para finalizar este texto, quero fazer algumas observações diante do campo da
fotografia. Podemos ver a fotografia como uma linguagem muito rica para transpor a ideia para
o leitor, tendo em vista que uma parcela da academia está cada vez mais preocupada em
explorar maneiras de tornar os resultados de suas pesquisas mais acessíveis ao público em
geral. Trabalhar com a linguagem fotográfica seria uma caminho para tornar o conhecimento
produzido ao longo de uma pesquisa mais acessível, aos olhos da sociedade.
Os problemas que disserto ao longo do texto, tem como objetivo final gerar um debate
em cima não só do uso da fotografia como método de pesquisa, mas desmistificar a linguagem
escrita, como sendo uma linguagem livre de interpretações e subjetividades. O uso da imagem
em geral está cada vez mais integrada em nosso dia a dia, dessa maneira o mundo e as pessoas
estão mais habituadas em ver e interpretar imagens e fotografias, do que ler e interpretar textos.
Por tanto o uso da imagem se tornou uma peça fundamental, para alcançarmos mais pessoas
para as nossas ideias e causas, já que o uso da linguagem visual democratiza o acesso. Com
tudo deveremos nos ater aos pontos principais desses usos e não usos da linguagem fotográfica,
de modo a incorporar essa linguagem em nossos trabalhos e pesquisas, para dar melhor
acessibilidade aos nossos resultados finais.
Sendo assim, a fotografia precisa ser mais incorporada no meio acadêmico, seja ela para
ilustrar ou para construção da análise teórica, pois ela consegue retratar aspectos únicos que
não poderiam ser descritos em um texto etnográfico.
Bibliografia
ANDRADE, Rosana de. Fotografia e Antropologia: olhares fora-dentro. 2002, São Paulo
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