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janeiro de 2009 uma publicação da Livraria Cultura

edição 18

RITMOS DO BRASIL
As raízes musicais do país do samba

• As histórias de Raimundo Carrero • Ano internacional da astronomia


• Bicentenário de EdgarAllan Poe • A França contemporânea • Panorama econômico
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Versatil - Cultura 01-2009.pdf 10/12/2008 12:03:14

UM ROMANCE AO SOM DE MOZART


E A LIÇÃO DE CINEMA DE ROBERT BRESSON

ELVIRA MADIGAN
Baseado em fatos reais, esse premiado

romances mais belos do cinema.


Depois de ser usado como tema
Concerto para Piano
n. 21
"Elvira Madigan". Versão restaurada.
NÃO RECOMENDADO

14 PARA MENORES DE 14 ANOS


Tema: Relações humanas
Contém:Diálogo adulto

PICKPOCKET – EDIÇÃO ESPECIAL


M

CM
A obra máxima do francês Robert
MY Bresson (1901-1999), um dos maiores
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cineastas de todos os tempos, em versão
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restaurada com vários extras, incluindo
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entrevista com Bresson.


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14 PARA MENORES DE 14 ANOS


Tema: Relações humanas
Contém:Diálogo adulto

COLEÇÃO ROBERT BRESSON


Caixa com três obras-primas do diretor:
O Processo de Joana d'Arc,
O Dinheiro e Pickpocket
ENTREVISTA 04 Caros leitores,
Raimundo Carrero direto de Recife
Não posso deixar de contar que
ENTRETENIMENTO 08
Astronomia em foco
em 2009 a Livraria Cultura completa
40 anos na Avenida Paulista.
MINHA LISTA – DVDS 12 Em 1969, abrimos a primeira loja
Dicas de Laís Bodanzky no Conjunto Nacional, onde atualmente
funciona o espaço Companhia das Letras
PERFIL 14
200 anos de Edgard Allan Poe
por Livraria Cultura. É muito gostoso
pensar no tempo passando e lembrar
NOSSA LÍNGUA EM QUADRINHOS 16 como éramos e como estamos,
Agruras com o uso do hífen como crescemos, como evoluímos.
Neste ano que está entrando, teremos
VOLTA AO MUNDO 18
ainda outras datas comemorativas,
Passeio cultural pela França
como o bicentenário de nascimento de
MINHA LISTA – CDS 24 Edgar Allan Poe (leia perfil do autor na
Duo Sciotti recomenda jazz página 14). A França retribui também
o Ano do Brasil na França festejado
ESPECIAL 26
em 2005 e, a partir de abril,terá início
Música do Oiapoque ao Chuí
a programação do inverso, franceses
GENTE QUE FAZ 32 trazendo mais de sua cultura para cá
A nova loja da Cultura em SP – veja reportagem sobre a França
na página 18. Boa leitura!
REPORTAGEM 34
Panorama da crise financeira
Abraço,
ACONTECE 38
Programação de férias Pedro Herz

expediente
Diretor geral Pedro Herz Diretora de redação Thaís Arruda Editor-chefe Sérgio Miguez Editor Ruy Barata Neto
Assistente de redação Camila Azenha Estagiário Pedro dos Santos Projeto gráfico Eduardo Foresti
Diretora de arte Carol Grespan Revisoras Mirian Paglia Costa e Potira Cunha
Colaboradores Acácio Geraldo de Lima, Amilton Pinheiro, Frank Jorge, Fernando Eichenberg, Heloísa Fischer, Kako, Leandro Carvalho,
Luciana Christante, Marcelo Damaso, Marcelo Cipis, Márcia Pinheiro, Melissa Haidar, Michelle de Assumpção, Paulo Ramos e Rafael
Dias. Agradecimentos A recreativa, Derico Sciotti, Guy Sorman, Laís Bodanzky, Richard Thaler e Sérgio Sciotti.
Produtora gráfica Elaine Beluco Pré-impressão First Press Impressão Pancrom Tiragem 25 mil exemplares
Publicidade Rafael Borges (jrafael@livrariacultura.com.br) Jornalista responsável Thaís Arruda (MTB 27.838)
Preços sujeitos a alteração sem prévio aviso.
Os preços promocionais para associados do + Cultura são válidos de 5/01 a 5/02/2009
Revista da Cultura é uma publicação mensal da Livraria Cultura S.A. Todos os direitos reservados. CAPA:
Proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. O conteúdo dos anúncios é de responsabilidade dos respectivos anunciantes. ilustração de Kako
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4 ENTREVISTA

CONFISSÕES
À PRÓPRIA ALMA
Nem pecadores, nem santos: demasiadamente humanos. Se houvesse uma
definição para a profundidade psicológica dos personagens dos livros de
Raimundo Carrero, essa decerto se aplicaria. Mesmo assim, é difícil achar
explicações fáceis para o universo desse escritor nascido em Salgueiro, a
518 quilômetros do Recife, que desde cedo conviveu com dois mundos
opostos que se misturam religiosamente. Duas realidades que se enredam
no terreno sombrio do desconhecido.
Foi no ambiente severo e, ao mesmo tempo, doce da infância que Carrero
cresceu lendo Ibsen, Graciliano Ramos e Dostoiévski, enquanto ia à igreja e,
depois, observava os marginais e bisbilhotava os bordéis do interior. Entre a
cruz e a espada, fez-se um autor devotado à própria contradição. E foi nessa
ambivalência, na dualidade sob influência da religiosidade medieval do
sertão, que construiu personagens fortes, tensos e generosos. Embora fixado
no ar úmido do Recife há quatro décadas, o “olhar agreste” permanece.
Um dos mais importantes nomes da literatura pernambucana, Raimundo
Carrero vem sendo citado pela crítica nacional também como um
grande escritor brasileiro. Seu mais recente livro, O amor não tem bons
sentimentos, foi finalista do Prêmio Portugal Telecom de 2008, além
de ter sido eleito entre os melhores de 2007. Ultimamente, trabalha em
A minha alma é irmã de Deus, livro que retoma o tema da loucura.
Nesta entrevista, o autor comenta sobre os antagonismos de seu cruel
(e afetivo) universo sertanejo.
Rafael Dias
Por que o olhar “agreste, severo e seco”? e tentando sair dele. A atração pelo mal, que também com a mãe, que adora. Entretanto,
Sou um homem do sertão de Pernambuco, hoje cresce de modo muito forte, é uma exi- é importante lembrar que ele foi criado no
que olha o comportamento humano com gência do humano, não sei se diria o mesmo mato, com a Tia Guilhermina, que tomava
rigor e severidade, embora com generosi- da carne. Para mim, o pecado e a culpa exis- banho com ele, nua e cantando. Esse jogo de
dade. Para mim, escrever é tentar uma ava- tem mesmo, porém tento me equilibrar da paixão e morte só poderia causar um gran-
liação do homem, procurando compreen- maneira que posso. Basta examinar os confli- de dano no personagem. E em mim tam-
der as razões que o levam para o mal. Mas tos de Somos pedras que se consomem e O bém. Por que não?
não é julgamento, nem repreensão, é uma senhor dos sonhos, além dos propósitos de O
busca de entendimento. E tudo começa co- amor não tem bons sentimentos. Você afirma que sua obra é muito influen-
migo mesmo; uso o olhar agreste, severo e ciada pela Bíblia, por Faulkner, Graciliano
seco para me ver e me avaliar. Em O amor não tem bons sentimentos, Ramos, Pirandello e Dostoiévski. A angús-
Matheus é um sertanejo atormentado tia existencial de Matheus, em grande
Sua obra é marcada pelo antagonismo pelo amor. Obcecado pela mãe e pela parte, assemelha-se à de Raskólnikov (Cri-
entre sagrado e profano, desejo e peca- irmã, comete incesto e chega ao total me e castigo, de Dostoiévski), por exem-
do, culpa e expiação. Por outro lado, pa- degringolamento. Houve quem criticasse plo. Assim como ele, que fez o mal para
rece haver uma tentativa de romper esse a moralidade da personagem. A insani- alcançar o bem, é legítimo dizer que ma-
dualismo, que remete às tragédias gregas dade o exime de seus atos? O problema é tou por amor? Veja, do ponto de vista do
e ao Velho Testamento. O destino seria que a moralidade de Matheus é imoral, obs- narrador, da ficção, sim. Quem diz que não se
uma condição inescapável? Sempre estou cena. Mas ele se joga inteiro no drama quan- mata por amor? Só a ciência. O humano, não;
em campo de batalha. Não posso entender do estupra a mãe e a irmã, por quem declara o humano celebra a morte e o amor, o amor
uma obra de ficção que não seja também um forte amor. Isso é o centro da minha que derrota a morte. Daí, múltiplas classifica-
uma procura do sagrado. Não é para isso que obra, o momento definitivo. Ele tem um ções – amor egoísta, amor idiota, amor isso,
estamos aqui? Mas há a queda humana e sa- grande afeto por Biba, tanto que quer levá- amor aquilo. A classificação é inútil no huma-
grada, e todos estamos envolvidos nessa la para o mar, onde ela se transformará num no. Tem algo mais vivamente humano do que
questão, daí vem a dualidade. Por isso, a todo peixinho dourado. E, naquele momento, já Raskólnikov? Do que as páginas dos jornais?
instante, meus personagens estão em conflito está morta, foi assassinada por ele. E assim é Do que Édipo? Eu não sou cientista, não sou

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ALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESS


médico, sou humano. E, mesmo sabendo que mas se acautelem. Na hora de escrever, desco- sagem de sua vida? Tenho sempre a impres-
a palavra é perigosa, mesmo assim, quero en- nheço o pecado e a virtude, meus personagens são de que minha vida sentimental parou aos
trar nas conseqüências do humano. Quem vão aonde for possível. Eles estão ali na vida, e 12 anos, com a morte da minha mãe. Até mes-
mata o amor não quer o bem dele? É nesse a vida não conhece apenas um lado. É preciso mo meu personagem Matheus diz isso: “Mi-
caminho que vai minha obra. Além disso, acreditar que Deus, depois, resolve tudo. nha vida parou com a morte de minha mãe”.
quem carrega a Bíblia no sangue tem que se Porém, se eu ficasse chorando, nada iria acon-
inquietar muito, assim como todos os gran- Em Sombra severa e As sementes do sol, tecer. Então, resolvi transformar meu choro
des autores, todos os que nos convidam para você fala sobre traição e culpa, temas em obra literária. Consciente ou inconsciente-
o bem e para o mal, mas, sobretudo, com a que são recorrentes no que escreve. mente? Não sei, não quero saber. O que sei é
consciência do bem. Como explica isso? É o seguinte: carrego que investi aí toda a minha força criativa. As
uma grande culpa e não sei por quê. É uma pessoas não gostam que eu fale disso, mas falo
O caráter religioso é extremamente forte coisa que vem comigo desde a infância. Po- porque sei que é a verdade. Apesar da morte
em sua escrita e em seu dia-a-dia, a ponto dem falar em religião. Quando faltam argu- de minha mãe, e por causa disso, minha vida
de você dizer que sempre anda com o ter- mentos, as pessoas culpam a religião e, pare- foi sempre acompanhada por muitas mulhe-
ço no bolso. Como explica isso: um fiel ce, o mundo está salvo. Todo mundo está res – a começar pelas minhas cinco irmãs, to-
convicto, mas “herege” de licença poética? salvo. E, no entanto, sem culpa, ninguém das mais velhas do que eu. Todas são fonte de
É o coração humano que, na verdade, é um consegue viver, nem fazer nada. Sinceramen- personagens femininos fortes. As mulheres
campo de batalha. Encontrei isso tanto em te, é ela que impulsiona o homem, a criação, que eu conheço são assim, inclusive minha es-
Dostoiévski quanto em Kafka. Ando com o os negócios e a política. Sem culpa, não acon- posa, Marilena. E isso me faz muito bem, tanto
terço e rezo, mas não conheço maior pecador teceria nada, nada vezes nada. É isso. na obra quanto na vida.
do que eu. Estou o tempo todo me fiscalizan-
do, me acompanhando, me domando. É claro Você diz que sua vida “parou” após a mor- Por que afirma não ter medo da morte?
que jamais serei um criminoso. Conheço os te de sua mãe. A presença de personagens A morte é lógica; vive-se para morrer. Ago-
meus caminhos. Mas, claro, conheço também femininos fortes, sagrados e míticos, em ra, tenho medo da dor, pois ela não é lógi-
os meus fantasmas, por isso jogo-me inteiro torno dos quais transitam homens à deri- ca. Ninguém nasce para sofrer, mas para
em minha obra, para que ali os meus fantas- va, guarda alguma relação com essa pas- morrer. É claro.

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6 ENTREVISTA

linhas estabelecidas por Gilberto Freyre,


de conteúdo sociológico e antropológico,
com alguma coisa de estética. Foi o que ele
escreveu. Depois, muita gente começou a
escrever sobre o Nordeste e seus escritores
foram chamados de regionalistas, o que é
um equívoco monumental, escandaloso.
Ariano Suassuna é armorial e universal. Não
é justa essa preocupação documental, de
forma alguma. Os elementos nordestinos e
folclóricos entram na obra de Ariano para
a transcendência em elemento de reflexão
universal, sobre o comportamento do
homem. Agora, de propósito, ele procura
tornar erudita a manifestação popular, que
oferece o caminho mágico da transcendên-
cia. Mas todos nós somos chamados de
regionalistas ou regionais; portanto, o ró-
ALCIONE FERREIRA/DP/D.A PRESS

tulo não pega em mim também.

Que autores contemporâneos você lê?


O próprio Ariano Suassuna e todos os que
tenham qualidade, como Antônio Carlos
Viana, de Sergipe, ou Ronaldo Correia de
Brito, do Ceará. Além do pernambucano
RELIGIÃO: “Ando com o terço, mas não conheço maior pecador do que eu” Marcelino Freire, cuja obra está cada vez
mais elaborada. Sem esquecer meu amigo
Há uma polifonia em seus livros, e em Então, um escritor do Recife é visto logo Antônio Torres e, ainda, Marcos Santarrita,
cada obra encontramos um Carrero di- como um autor regional, ou regionalista, o Sérgio Sant’Anna, Esdras do Nascimento,
ferente. Isso confirma o que você diz: o que é um erro imenso. No meu caso, então, o João Gilberto Noll, José Castello e os
escritor não tem inspiração nem estilo. equívoco é profundo, de forma que foi preci- meninos do Sudeste e do Sul.
Mas, por trás de cada personagem, não so construir uma obra, uma estrada inteira,
fica um resíduo do autor? É claro que sim. sólida, para que a crítica prestasse atenção. Sua escrita é bastante poética, parece ter
Mas acabei de te falar do humano... e há ho- Acredito, agora, que os críticos me vêem métrica e melodia. Já pensou em escrever
mogeneidade no humano? De forma algu- mais, e os leitores também. Não estou fazen- poesia? Não é meu campo. Sou obstinado
ma, por isso não acredito em estilo. Isso foi do julgamento, mas construo uma obra. E na ficção. Quando quero escrever poesia,
no século passado e no 19, quando o escri- isso leva a ser observado sim. escrevo ficção. Sinto-me mais ambientado.
tor era um exibicionista, exibia-se pelo esti-
lo. Numa obra literária, cada personagem Você acha que sua obra hoje é bem in- Você diz que escreve coisas que nem
tem uma pulsação diferente. Se nós temos, terpretada pelo público e pela crítica? O confessa à própria alma. Escrever seria,
por que não os personagens? Então, basta público, o leitor, interpreta muito bem. então, um ato inconsciente? Eu falo
que cada um fale pelo seu andamento e Ouço bons comentários. Até porque, tam- justamente das coisas conscientes, que a
pelo seu ritmo, porque cabe ao autor a har- bém, meus livros começam a vender bem; gente não confessa à própria alma. Quem
monia do texto, a organização, a forma. tiragens e edições vão acontecendo. A críti- tem medo não escreve, porque, queira ou
ca, de certa maneira, pelo próprio mundo não, o consciente atua muito bem na obra
Apesar do recente reconhecimento da heterogêneo em que vivemos, também se literária. Acredito que se escreva com o
crítica do Rio e de São Paulo, a aceitação diversifica muito. Cada crítico tem uma inconsciente, sob a regência do consciente,
de sua obra demorou a acontecer. Ainda formulação completamente diferente, mas mas o processo tem que ser, o mais possível,
hoje, você é razoavelmente lido. Até que acredito que o tempo ajustará tudo isso, até consciente para que a obra literária esteja sob
ponto morar no Recife dificultou sua in- eu já estou passando dos 60 anos... O fun- o domínio da criação, sem inspiração. Não
serção no mercado fora do Nordeste? Eu damental é que as pessoas leiam mais mi- existe inspiração; existe trabalho, trabalho,
não sei se morar no Recife é um problema, nhas obras, conversem mais comigo, e as- trabalho. Agora, quem tem medo, esse medo
não sei. O problema é do nosso tempo mes- sim o número de leitores vai crescendo. E, desagregador, deixa a obra superficial. E, é
mo, da fragmentação dele. Isso demora, se afinal, para que escrever? Para ser lido e claro, ela termina não se realizando. É preciso
arrasta, inquieta. Por exemplo, por um bom analisado, sendo que a análise maior hoje ter coragem, força e determinação.
tempo, no século passado, os escritores está nas universidades, onde minha obra
regionalistas ou que tinham algo de regio- também acontece. E qual é a qualidade essencial de um
nal – esse é um tema muito complexo – con- escritor? A coragem. Nunca ter medo, nunca
quistavam sucesso quase imediato. Estou fa- E o que acha de ser ainda rotulado se esconder, nunca se proteger, conquistando
lando dos bons. Por quê? Porque o Brasil era como escritor regionalista, apesar de sempre um alto nível literário. ©
um país agrário, tinha-se consciência e orgu- o movimento instituído pelo sociólogo
lho disso. Hoje, é basicamente urbano, com Gilberto Freyre, nos anos 1930, não existir
WWW.BLOGDACULTURA.COM.BR
um grande orgulho urbano, e as modifica- mais? Isso é uma imensa bobagem, falta de
ções sociais – até por causa dos meios de co- arsenal técnico. O Movimento Regionalista ASSISTA AO VÍDEO COM TRECHOS EXTRAS DESSA
municação – se dão da cidade para o campo. só existiu para quem acompanhou as ENTREVISTA NO BLOG DA LIVRARIA CULTURA

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Entenda o que está acontecendo
com a economia mundial e veja a receita
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uma economia forte e sadia.

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editor de economia do “Financial Times“, professor de economia da Universidade de
Nottingham e ex-economista sênior do Banco Mundial.

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8 ENTRETENIMENTO

2009 é o Ano Internacional da Astronomia,


ESTRELAS MUDAM DE LUGAR
iniciativa da ONU que visa incentivar
a observação celeste, tanto para
pesquisadores como para leigos
Luciana Christante
Talvez você ainda não saiba, mas 2009 reserva uma atração
especial e imperdível: apontar os olhos para o céu noturno e
ver o mesmo que Galileu Galilei viu em 1609, isto é, Vênus, os
anéis de Saturno, Júpiter e suas quatro luas, as manchas do Sol,
as crateras e as montanhas da Lua e a Via Láctea. Obviamente,
será necessário um telescópio, que pode ser encontrado à sua
espera em um dos mais de 200 pontos de observação espalha-
dos pelo país e que certamente é bem mais sofisticado que a
pobre luneta com a qual o astrônomo italiano abriu as portas
do Universo e da ciência. No ano em que se celebram os qua-
tro séculos desde as primeiras observações telescópicas feitas
por Galileu, espera-se que pelo menos 1 milhão de brasileiros
tenham essa experiência fascinante.
O Ano Internacional da Astronomia (AIA 2009) é uma iniciati-
va da Organização das Nações Unidas e da União Astronômica
Internacional, que começa no dia 19 de janeiro e traz diversos
eventos, como palestras, caminhadas astronômicas e observa-
ções do céu noturno, em vários pontos do país. Veja a pro-
gramação completa no site www.astronomia2009.org.br. Para
Augusto Damineli, coordenador do projeto no Brasil, além da
contemplação do céu e da divulgação da ciência, as atividades
programadas ao longo de todo o ano oferecem uma oportuni-
dade para as pessoas “redescobrirem suas relações cósmicas”.
“Precisamos lembrar que a matéria de nosso corpo teve ori-
gem nas estrelas e que o céu não é aquela coisa distante, nós
também estamos suspensos nele. Nossa interdependência com
os astros é muito maior do que se imagina”, diz o professor e
pesquisador do Instituto de Astrofísica, Geofísica e Ciências
Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

PÁLIDO PONTO AZUL


“A astronomia é uma experiência de humildade e formação de
caráter”, dizia o astrônomo e escritor norte-americano Carl Sagan,
que melhor do que ninguém soube narrar a beleza desta que é,
ao lado da física, a mais antiga das ciências. Diante da vastidão
do Universo, os egos dilatados, o individualismo inconseqüente,
o consumismo voraz e as mais diversas intolerâncias caem facil-
mente no ridículo. “Talvez não haja melhor demonstração da to-
lice das vaidades humanas do que essa imagem de nosso pequeno
mundo. Ela enfatiza nossa responsabilidade de tratar melhor uns
aos outros e de preservar e estimar o único lar que conhecemos”,
escreveu Sagan em O pálido ponto azul (disponível em espanhol),
cujo mote é uma fotografia da Terra tirada pela sonda Voyager,
em 1990, a uma distância de 6,4 bilhões de quilômetros.
Embora seja uma ciência bastante complexa, intimamente li-
gada à física e à matemática, é o seu aspecto humanista que
cativa tanto as pessoas, explica Tasso Napoleão, engenheiro
aposentado, astrônomo amador e coordenador das atividades
de observação do AIA 2009 no Brasil. Segundo ele, essa atra
ção fatal pelos mistérios do céu costuma evoluir em três fases.
Primeiro é o deslumbramento com as paisagens incomuns re-
veladas pelo telescópio. “Depois vem aquela sensação de que
não passamos da ‘mosquinha no cocô do cavalo do bandido’”,
NASA

brinca. Por fim, com as emoções realinhadas, o indivíduo se dá

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conta do seu lugar no cosmo e dos perigos que ameaçam a paz


e a vida na Terra. Einstein disse certa vez, com boa dose de sar-
casmo, que só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez
humana. Paradoxalmente, o contato com o primeiro é ótimo
antídoto para o último.

AMANTES DO CÉU
Assim como Napoleão, muitas pessoas não resistem aos en-
cantos desta ciência e a transformam num hobby, que é levado
muito a sério. Só no Brasil há cerca de 4 mil astrônomos ama-
dores, divididos em 140 grupos especializados (eclipses, pla-
netas, cometas, astrofotografia etc.) e credenciados na Rede de
Astronomia Observacional, criada em 1988, que reúne exclusi-
vamente não-profissionais. E não se trata de mero diletantismo.
Em nenhuma outra ciência o trabalho voluntário dos amadores
é tão importante e está tão em sintonia com o dos pesquisado-
res profissionais. “Com o desenvolvimento da tecnologia, hoje
dispomos de equipamentos que equivalem aos que os profis-
sionais usavam há 30 anos, o que nos qualifica para fornecer
aos cientistas os dados que coletamos”, diz o engenheiro, que
vive em São Paulo e nos últimos cinco anos participou da des-
coberta de 14 supernovas. Seu grupo é dono de um telescópio
situado em Belo Horizonte e operado remotamente.
A contribuição dos astrônomos amadores também é bem-vinda
porque ajuda a diminuir os custos de pesquisa. “A observação em
um telescópio profissional custa em torno de 1 dólar por segun-
do, logo, para descobrir uma supernova seria preciso gastar pelo
menos 500 mil dólares. Mas, como doamos nosso tempo e temos
conhecimento suficiente para operar o equipamento e coletar os
dados, isso sai de graça”, explica Napoleão. Sempre que os ama-
dores localizam algo diferente, ainda não catalogado, no céu, en-
viam as evidências para a União Astronômica Internacional; as-
sim, os cientistas podem apontar seus potentes telescópios para as
coordenadas indicadas, validando ou não a descoberta. Segundo
Damineli, os astrônomos amadores passam muito mais tempo
olhando para o céu do que os profissionais. “Nós basicamente
ficamos na frente do computador analisando dados. Por isso o
trabalho deles é tão importante”, diz. Obviamente, para chegar
a esse nível e poder contribuir para a catalogação de “espécies”
do Universo, o amador precisa ter muito conhecimento e longo
tempo de janela em observação, coisas que eles acumulam com
prazer, ao mesmo tempo que ensinam aos iniciantes, que, aliás,
não são poucos. As vagas para os cursos de astronomia para lei-
gos realizados aos sábados na USP, por exemplo, onde Napoleão
dá aulas, são extremamente concorridas.
Outro objetivo das atividades do AIA 2009 é promover e in-
centivar a cultura científica. O trabalho de Galileu não apenas
tirou a Terra do centro do Universo, para desgosto e ira da
Igreja, mas foi o pontapé para o desenvolvimento de todas as
ciências. A astronomia, uma das mais refinadas expressões do
intelecto humano, mudou os rumos da física e da matemáti-
ca, sem as quais o mundo de hoje não seria o mesmo. De um
exame de ressonância magnética ao celular que tira foto, toca
música e acessa a internet, praticamente tudo o que nos rodeia
se deve à herança galileana. Mas, além de refletir sobre o pas-
sado e o presente, o AIA 2009 também é uma oportunidade de
olhar para o futuro, para as fronteiras do conhecimento que
vêm sendo exploradas pelos astrônomos contemporâneos, o
que inclui, por exemplo, a busca de vida em outros planetas.
Especialista no tema, Damineli explica que esta área, que tem
sido chamada de astrobiologia ou exobiologia, precisa ser vista
com pragmatismo, deixando de lado as imagens fantasiosas da
ficção científica. “Não estamos procurando ETs, mas sinais de

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10 ENTRETENIMENTO

atividade biológica decorrentes da existência de micro-organis- de 2008, o curso da USP, cuja primeira turma começa neste ano,
mos”. Segundo ele, alguns planetas oferecem, ou já ofereceram apresentou relação de dez candidatos por vaga, superando os de-
em algum momento, condições ambientais compatíveis com a mais cursos de ciências exatas puras, como física, matemática e
vida microscópica. “Acredito que nos próximos 20 anos vamos estatística. “É surpreendente para uma profissão essencialmente
ter alguma evidência nesse sentido, mas isso pode acontecer ligada à pesquisa”, reconhece o astrônomo do IAG.
mais cedo. A ida do homem à Lua, a detecção de planetas peque- Segundo Damineli, essa trajetória de ascensão da astronomia
nos, entre outros acontecimentos, ocorreram bem antes do que brasileira se deve muito aos investimentos contínuos e crescen-
havíamos previsto”, afirma o pesquisador. tes em tecnologia e na formação de pessoas, que permitiram in-
clusive que o Brasil seja o sócio majoritário do telescópio SOAR,
A VEZ DO BRASIL instalado nos Andes chilenos, em operação desde 2004 e um
Engana-se quem imagina que todos os caminhos da pesquisa as- dos melhores em sua categoria. O projeto é uma parceria com
tronômica levam à Nasa e que o Brasil, um país com pouca tra- a Universidade da Carolina do Norte, a Universidade Estadual
dição científica, tenha desempenho medíocre nesse setor. Muito de Michigan e o Observatório Nacional de Astronomia Óptica,
pelo contrário. Nos últimos anos, os astrônomos brasileiros con- todos nos Estados Unidos. “Foi um grande desafio de engenha-
quistaram posição de destaque no cenário internacional. “Até ria, que exigiu muita interação com a indústria e certamente aju-
os anos 1970 a astronomia nacional estava bem atrasada, muito dou a elevar nosso padrão em áreas como eletrônica, óptica e
atrás de países próximos como Chile, Argentina e México, mas robótica”, diz o astrônomo. Todo esse esforço não tem passado
a partir da década de 1990 assumimos a liderança na América despercebido pela comunidade internacional. Não é por acaso
Latina”, conta Damineli. As vagas para os cursos de pós-gradu- que, neste ano de celebração global, a assembléia geral da União
ação nessa área na USP, por exemplo, que têm avaliação máxi- Astronômica Internacional, o evento mais importante da área,
ma segundo indicadores do Ministério da Educação, são muito vai ser realizada no Rio de Janeiro, em agosto próximo. ©
disputadas por alunos brasileiros e também de países vizinhos.
Situação semelhante é vista em outros estados. No geral, o núme-
ro de doutores nesta área no Brasil vem crescendo 15% ao ano, WWW.BLOGDACULTURA.COM.BR
somando atualmente cerca de 500. O crescimento do interesse ASSISTA AO VÍDEO COM O ASTRÓLOGO OSCAR QUIROGA
pela área também é observado entre os mais jovens. No vestibular EXPLICANDO A DIFERENÇA ENTRE ASTRONOMIA E ASTROLOGIA

NASA
A ousadia de Galileu

Ao contrário do que muitos pensam, heliocêntrica de Copérnico, segundo a a abjurar publicamente de suas idéias
Galileu Galilei (1564-1642) não inventou o qual a Terra se movia em torno do Sol, era e a viver em prisão domiciliar, escapando
telescópio. A primeira luneta foi fabricada mesmo uma realidade. Suas conclusões assim do destino trágico de seu colega
pelo holandês Hans Lippershey em 1608, foram publicadas em 1610 no livro Giordano Bruno, que foi parar na fogueira
que colocou duas lentes dentro de um Sidereus nuncius (disponível em edição de em 1600 por razões semelhantes.
tubo e percebeu que isso aproximava as 1989), que angariou a simpatia da nobreza Segundo reza a lenda, depois do
imagens, o que teria grande utilidade nas e lhe garantiu o cargo julgamento, Galileu teria dito a célebre
guerras. Quando o instrumento chegou de matemático e filósofo grão-duque frase “Eppur si muove” (Contudo, move-
às mãos de Galileu no ano seguinte, já em Florença. Em 1616, no entanto, se), referindo-se à Terra. Seu livro mais
professor de matemática na Universidade a Inquisição lhe cobrou explicações. importante, Discurso e demonstrações
de Pádua, ele teve a idéia de apontá-lo Se não quisesse ser queimado como matemáticas em torno de duas novas
para o céu noturno e assim inaugurou um herege, não devia falar do ciências (disponível em espanhol ou
uma nova era do conhecimento. heliocentrismo como uma realidade inglês), considerado a obra fundadora
Os instrumentos astronômicos usados física, podia apenas referir-se a ele como da física moderna, foi publicado na
até então, como astrolábios, quadrantes hipótese matemática, sem, no entanto, Holanda em 1638, quando ele já estava
e sextantes, foram deixados de lado. divulgá-lo ou ensiná-lo. Após anos de totalmente cego. Só em 1999, depois
O gênio italiano aperfeiçoou a luneta relações conflituosas com o clero, ele de um processo que durou sete anos,
holandesa e demonstrou que a teoria termina condenado pelo Santo Ofício o Vaticano decidiu por sua absolvição.

TESTE SEUS CONHECIMENTOS SOBRE ASTRONOMIA NO PASSATEMPO DA PÁGINA 42

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12 MINHA LISTA – DVDS

GRAVANDO!

Aos 39 anos, a cineasta e roteirista paulistana Laís Bolognesi, dirigiu o documentário Cine mambembe –
Bodanzky colhe os louros pela direção de seu terceiro O cinema descobre o Brasil, projeto que se transformou
filme, Chega de saudade, estrelado por Tônia Carrero e numa sala de cinema itinerante chamada Cine TelaBrasil
Clarisse Abujamra. Estreou como diretora em 1994 com que já percorreu diversas cidades dos estados de
o curta-metragem Cartão vermelho e fez cumprir (em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Idealizadora do
grande estilo, diga-se de passagem) a promessa que projeto que leva à população de baixa renda a chance
havia feito de lançar seu primeiro longa aos 30 anos, de desenvolver suas próprias criações audiovisuais
com o premiado Bicho de sete cabeças, que contou nas Oficinas de Vídeo TelaBrasil, Laís faz uma viagem
com as brilhantes atuações de Rodrigo Santoro, Cássia até as primeiras impressões cinematográficas de sua
Kiss e Gero Camilo. Em parceria com o marido, Luiz infância e revela suas principais referências.

O BAILE,
Ettore Scola
“Considero este filme um clássico. Esta
ousadia de trazer a linguagem teatral para
o cinema é muito difícil. E Ettore Scola fez
DIVULGAÇÃO

isso muito bem.”

STAR WARS,
George Lucas
Foi um grande marco na minha infância AMARCORD,
VICKY CRISTINA BARCELONA, (queria ser a princesa Lea) e na história Federico Fellini
Woody Allen do cinema, com os efeitos visuais, o “É impecável. Todos os outros filmes de
“Para mim, Woody Allen sempre foi um imaginário. O cinema faz isso: te coloca Fellini são assim: têm esta integridade. E
diretor muito importante por fazer um em outro espaço, outro tempo, outro viraram grandes sucessos, fazendo de sua
cinema simples, de narrativa, mas retratando mundo, e você acredita nisso. Por alguns filmografia uma referência para todos os
a complexidade dos personagens. Ele não instantes, você realmente esteve ali.” outros cineastas.”
tem moral. Não diz o que é certo, o que é
errado e ponto final. A vida é assim. Ela é A HORA DA ESTRELA,
complexa mesmo.” Suzana Amaral
“Este é um filme brasileiro que foi muito
O JANTAR, importante durante minha adolescência,
Ettore Scola, (esgotado) quando descobrimos o mundo. Até hoje,
“Tão simples, que passou despercebido tenho como referência cinematográfica pelo
pelo grande público, mas por mim não. A respeito com a história e pelos personagens,
simplicidade faz esta obra marcante.” além da delicadeza.” ©

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14 PERFIL

A alma do “Corvo”
No mês do bicentenário de nascimento do poeta
e escritor Edgar Allan Poe é sempre bom lembrar
que o romance policial não existiria, assim como
o conhecemos hoje, sem sua genial escrita
Amilton Pinheiro

Depois de anos de miséria e infortúnio, pa- de setembro sóbrio. Era de manhã quando três dias, apresentando pequenos intervalos
recia que Edgar Allan Poe finalmente teria deixou a cidade e foi de navio até Baltimore, de lucidez. E nesses períodos sempre cha-
a paz e a estabilidade financeira tão sonha- chegando em 29 de setembro. Os aconteci- mava por um tal de “Reynolds”. Suas últimas
das. No dia 17 de outubro de 1849, iria se mentos lá ocorridos permanecem nebulosos palavras foram “Senhor, ajudai minha po-
GRAVURA DE WOGEL PARA O CONTO A LETRA ESCARLATE

casar com Sarah Elmira Royster, que, ago- até hoje. O que se averiguou posteriormente bre alma”. Com essa sombria tragédia final,
ra viúva, chamava-se A. B. Shelton. Ela se foi que o escritor bebeu muito e caiu na mão quase que imitando certos mistérios de sua
encontrava em boas condições monetárias de uma quadrilha. Esta, ao que tudo indica, ficção, nascia o mito de tantas Histórias ex-
e estava disposta a se tornar sua esposa; misturou alguma droga em sua bebida para traordinárias.
haviam noivado antes, mas ambos eram ele não poder votar nas eleições que estavam Poe é considerado o “pai” do romance poli-
KEAN COLLECTION/ GETTYIMAGES

muitos jovens, e seus parentes se opuseram ocorrendo naquela ocasião. Foi encontrado cial, tendo influenciado autores em todo o
ao casamento. Quis o destino fazê-los se no dia 3 de outubro numa taverna suspeitís- mundo ao traçar as regras e os princípios do
reencontrar 23 anos depois. Apesar de pro- sima da região, pelo Dr. James E. Snodgrass, gênero, que pouco mudou até nossos dias, e
meter não mais tocar na bebida, que tantos velho amigo, num estado lastimável, mori- dos contos de terror, mistério e morte, que
dissabores lhe trouxera, o autor continuava bundo e semiconsciente. Quando Sondgrass ajudou a renovar, trazendo novo frisson para
bebendo, mas, segundo relatos da época, ti- o levou para o hospital da cidade, já estava eles. Com seus contos filosóficos e humorís-
nha partido de Richmond (EUA) no dia 23 inconsciente. Permaneceu internado por ticos, houve ainda espaço para o sarcasmo e

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15

o satírico, como reflexo de alguns períodos dando o túmulo dela no cemitério. Certos nagem detetive. Esses detetives, diferentes
menos turbulentos e miseráveis de sua vida poemas de Edgar Allan Poe foram feitos dos de outros autores até então, têm cultura
pessoal, ou simplesmente como forma de rir em homenagem a essas paixões platôni- vasta, são estetas, poetas, cientistas, mate-
das próprias mazelas em sua curta existên- cas, como Para Annie, que o ensaísta Otto máticos, intuitivos e tiram as conclusões
cia de quatro décadas, que teve ainda poe- Maria Carpeaux, no monumental História dos fatos analisados, respeitando métodos
mas seminais, como O corvo. Os delírios e da literatura ocidental (esgotado), conside- de trabalho que derivam do raciocínio e da
o desespero só se acalmaram na manhã de ra uma obra-prima. Interessante observar dedução. Para tanto, utilizavam cálculos de
7 de outubro de 1849. Morria o homem que que, mesmo próximo de se casar com a Sra. probabilidade e análise matemática como
levou para as letras norte-americanas o res- Shelton, no final da vida, ele dizia que ain- ferramenta de trabalho. Foi ele, portanto,
peito e o reconhecimento universais. da amava a Sra. Annie Richmond, a quem quem deu dignidade intelectual às histórias
dedicou o poema. de crimes e mistérios tão em voga no final
SIMBIOSE ENTRE VIDA E OBRA A vida em família e sua relação amigável do século 18 e início do 19.
Ele pertence ao panteão de autores que com o pai adotivo mudariam depois que foi As influências do autor de O gato preto,
exigem, para entender a obra, conhecer a estudar na Universidade de Virgínia. A me- A queda da casa de Usher e A carta rou-
vida. Nasceu Edgar Poe, a 19 de janeiro de sada que John Allan dava era insuficiente, bada foram decisivas e amplas na litera-
1809, filho dos atores amadores e medío- e ele passou a jogar, beber e contrair dívi- tura universal. Muitos escritores torna-
cres Davi e Isabel. O pai alcoólatra aban- das. Essa incursão pelo álcool seria um dos ram-se seus discípulos. O francês Émile
donaria os filhos, incluindo o primogênito, principais transtornos do autor e prejudi- Gaboriau criou o personagem Lecoq, que
William Henry Leonard, e a filha caçula, caria em muito sua estabilidade financeira se assemelha ao detetive Dupin, de Poe,
Rosália Poe, provavelmente nos idos de e profissional. Abandonou a universidade e Conan Doyle, com a publicação da no-
1810. Um ano depois, sua mãe morreria em por pressão do pai, que também não via vela Um estudo em vermelho, em 1889,
situação de miséria extrema. A pobreza e a com bons olhos suas pretensões literárias. trouxe o personagem Sherlock Holmes,
morte iriam espreitar sua existência, como Eles nunca mais teriam relações próximas o mais conhecido detetive dos romances
um corvo a repetir sempre “Nunca mais!”, e, a partir daí, começava sua peregrinação policiais de todos os tempos, até mais que
palavras pronunciadas pelo personagem por cidades, pensões, empregos temporá- Dupin, que, evidentemente, lhe serviu de
de seu poema mais famoso e que o tornou rios em jornais, projetos nunca realizados modelo. No campo de histórias de ficção
conhecido e respeitado mundialmente, O e sua luta para ser reconhecido e viver das científica e de aventuras fantásticas, Júlio
corvo, publicado originalmente em 29 de letras que passara a produzir. Verne foi seu mais conhecido e talentoso
janeiro de 1845 na revista Evening Mirror. Alguns fatos de sua trajetória permanece- seguidor. Segundo especialistas, a novela
Seu irmão morreu anos depois e sua irmã ram nebulosos, muito em decorrência do Cinco semanas num balão (esgotado) se
faleceria louca numa instituição de carida- fato de ter forjado sua autobiografia. Para deriva de Balela do balão; A esfinge dos
de. Além disso, sua prima e depois esposa, Carpeaux, ele era um charlatão que inven- gelos é a continuação de A narrativa de
Virgínia, morreria de tuberculose em situa- tou uma história para enganar os estudio- Arthur Gordon Pym, o texto mais longo
ção material lastimável, em 1847, dois anos sos e os críticos depois de sua morte. “Era de Poe; e, em Vinte mil léguas submarinas
antes da morte do próprio escritor. um neurastênico, gravemente inadaptado à há traços de Descida ao Maelström. Além
Órfão, Poe foi criado por um próspero vida, literato paupérrimo entre burgueses disso, sua escrita influenciaria autores do
comerciante escocês, John Allan, e sua es- arrogantes e jornalistas sensacionalistas. porte de Paul Verlaine, Arthur Rimbaud,
posa, Frances Allan. Incluiu o “Allan” em Tinha complexos patológicos”. Mas o crí- Paul Valéry e seu mais fervoroso discípu-
seu nome em homenagem a eles. Foi nes- tico brasileiro soube reconhecer sua “...ex- lo, Charles Baudelaire, que traduziu alguns
LITOGRAFIA DE EDOUARD MANET PARA O CONTO O CORVO/ GETTYIMAGES

se período da infância e juventude que trema lucidez de espírito, que se revela nos de seus textos para o francês e fez um es-
teve conforto material e carinho da mãe engenhosos contos policiais e em vários boço biográfico do autor e de seus livros
adotiva, o que lhe faltaria pelo resto da tratados científicos”. Fora, portanto, “um em Ensaios sobre Edgar Allan Poe. Outros
vida. Morou por cinco anos na Inglaterra, homem fora do tempo e do espaço”. autores lhe devem algum tributo, como
conheceu a Escócia, e esses lugares estão Fiódor Dostoiévski, Fernando Pessoa, que
presentes em alguns de seus contos, como GENIALIDADE E INFLUÊNCIAS fez a versão de O corvo para o português,
William Wilson. Aos 13 anos, já escrevia O que torna o escritor de contos policiais, assim como Machado de Assis, que tam-
poesias, e foi nessa época que conheceu como Os assassinatos da rua Morgue, que bém traduziu o poema para nosso idioma.
Jane Stith Stanard, mãe de um colega, por inauguraria o gênero policial quando publi- Trechos de um conto de Edgar Allan Poe,
quem passou a nutrir uma paixão, ao que cado em abril de 1841, incomum e genial? Berenice, servem como epígra fe para sua
parece, correspondida. Ela enlouqueceu Sua forma de desenvolver essas histórias. vida, e, portanto, para sua obra. “A desgraça
e morreu algum tempo depois. Esse fato Em obras anteriores, já havia os crimes a é variada, o infortúnio da terra é multifor-
marcou-o para sempre, sendo inclusive a serem desvendados, mas foi Poe quem deu me.” Ou, ainda: “A lembrança da felicidade
tônica de sua obra. Anos depois, escreveria tratamento diferente para a solução deles passada é a angústia de hoje” e “as amargu-
o poema Para Helena, em sua homenagem. no decorrer da trama e no seu clímax. Cabia ras que existem agora têm sua origem nas
Alguns biógrafos dizem que ele ficava ron- a solução, na maioria das vezes, ao perso- alegrias que podiam ter existido”. ©

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16 NOSSA LÍNGUA EM QUADRINHOS
NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

O uso do hífen muda parcialmente a partir deste ano com a nova reforma ortográfica. Uma das alterações é com relação a prefixos que
terminam com vogal. Se a palavra seguinte começar com uma vogal diferente, não se usa o sinal. É o caso de autoestrada.

Os termos que tenham uma idéia única também começam a ser grafados sem o hífen. É o caso de paraquedas, que perde o sinal gráfico.
O verbo para também deixa de ter o acento diferencial (“pára”), outra alteração da reforma ortográfica.

Nem bem entrou em vigor e a nova ortografia já começa a gerar divergências. Uma delas é com relação à nova grafia de “pára-raios”.
Uns defendem para-raios; outros, pararraios. O assunto deve ser decidido ainda este ano.

Quem diria, de pronto, que hiperativo será escrito sem hífen a partir de agora? Só teria o sinal se a palavra seguinte se iniciasse com “r”.
Mas fique tranquilo (o trema também não é mais usado na nova ortografia). O uso do hífen é um dos casos mais complicados da língua.
Por isso, é normal ter dúvidas. Consulte um bom dicionário sempre que precisar. E relaxe. Fazendo ioga ou não.

COORDENAÇÃO E TEXTO: Paulo Ramos – jornalista, doutor em Letras pela USP e editor do Blog dos Quadrinhos.

DESENHOS: Acácio Geraldo de Lima começou a mesclar palitos de fósforo com desenhos em 2006. A experiência,
intitulada “Mismatches”, levou o primeiro lugar na categoria tiras do Salão Internacional de Humor de Piracicaba.

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18 VOLTA AO MUNDO

INVASÃO GAULESA
O Ano França no Brasil começa em abril com uma vasta programação
cultural, na qual os brasileiros terão a chance de ver que o país de Voltaire
e Balzac é também o berço de DJs descolados como Miss Kittin
e Stéphane Pompougnac. Preparamos uma pré-estréia do que vem por aí
Fernando Eichenberg, de Paris
A grande programação cultural do Brasil cesa, o filósofo morreu em 1592, aos 59 mente, à guarda suíça do rei) obedeciam a
em 2009 será francesa. O governo brasilei- anos, sem nunca ter navegado no mar. Suas uma criança imberbe. Na realidade deles,
ro retribui com o Ano da França no Brasil, teses sobre o Novo Mundo inspiraram-se seria mais lógico que fosse escolhido um
previsto para acontecer de 21 de abril a 15 nos relatos dos viajantes André Thévet – dentre os guardiões para governar. Depois,
de novembro, a gentileza da França, que, As singularidades da França Antártica manifestaram sua incompreensão ao notar
em 2005, comemorou o Ano do Brasil no (1557) – e Jean de Léry – Viagem à Terra “gente bem alimentada, gozando das co-
país. Trata-se de uma oportunidade para do Brasil (1578). Em suas narrações, modidades da vida, enquanto metades de
os franceses apresentarem, nas diversas re- Montaigne utilizou também, como fonte, homens emagrecidos, esfaimados e mise-
giões brasileiras, as múltiplas histórias contadas por um de seus criados, ráveis, mendigam à porta dos outros”. Os
facetas de sua cultura e seu que viveu por dez ou doze anos entre os selvagens não entendiam como essas “me-
estágio atual de desenvolvi- índios tupinambás, na baía da Guanabara, tades de homens” podiam suportar “tanta
mento em todas as áreas do ao tempo da malograda tentativa de injustiça sem se revoltarem e incendiarem
conhecimento. Nicolas Villegagnon de implantar a França as casas dos demais”.
Tal ligação entre franceses Antártica no Brasil.
e brasileiros vem de ou- Suas únicas testemunhas nativas ele co- DELICADAS RELAÇÕES
tros carnavais e remonta nheceu no outono francês de 1562, na ci- Da visita dos tupinambás, em meados do
ao período de descoberta dade de Rouen, na Normandia, na visita século 16, até hoje, muita água rolou no
das Américas. O primeiro de tupinambás ao rei Carlos 9°, na época oceano Atlântico, que tanto já distanciou
grande pensador francês um jovem de apenas 12 anos. Conduzidos como aproximou a França e o Brasil. É ver-
– e europeu – a fazer à França para ver “nossa maneira, nossa dade que no histórico das relações entre
referência ao país foi pompa, a forma de uma bela cidade”, como os dois países há, por exemplo, a chamada
Michel de Montaigne, notou, e recebidos com atenção especial, “guerra da lagosta” (1963, conflito da pesca
autor dos célebres os índios reagiram de forma adversa às ex- na costa brasileira por barcos franceses), as
Ensaios. Nascido em pectativas da corte: em vez de admiração suspeitas colaborações militares francesas
1533 no castelo da e deslumbramento, suas atitudes foram de na Operação Condor (plano de repressão
família na região denúncia e acusação. das ditaduras do Cone Sul, em 1970-80)
do Périgord, Indagados pelo filósofo, três dos canibais, ou a célebre frase nunca dita do general De
não muito por meio de um intérprete, se disseram, Gaulle – “o Brasil não é um país sério”.
distante da primeiro, espantados por observar que to- Diferendos políticos à parte, Brasil e França
costa atlân- dos aqueles “grandes homens, barbudos, têm um passado comum de importantes
tica fran- fortes e armados” (referiam-se, provavel- trocas culturais, mais visível a partir do sé-

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culo 20. O Instituto de Alta Cultura Franco- te daquela visitada pelos índios tupinambás. é arrastado para isso”. Avesso à tendências
Brasileiro é criado em 1922. Um ano de- Entre o antes e o agora, por vezes há bar- nacionalistas, cita o elogiado La graine et le
pois, os colégios franco-brasileiros de São reiras a ultrapassar, como já dizia o filósofo mulet (A semente e o burro), de Abdellatif
Paulo e Rio de Janeiro, surgidos em 1915, alemão Ernst Bloch (1885-1977), em seu O Kechiche, tido por alguns como discípulo
recebem novo status e importantes recur- princípio da esperança: “O velho que não de Jean Renoir (1894-1979). O filme, laure-
sos. Os franceses estão presentes, inclusive, quer passar e o novo que não quer chegar”. ado com o prêmio César (o Oscar francês)
no mais famoso monumento brasileiro, o do ano passado, conta a história de uma
Cristo Redentor, inaugurado em 1931 no ENCLAUSURAMENTO CULTURAL família francesa de origem magrebina, que
alto do Morro do Corcovado. Afinal, foi Na França, um dos obstáculos mais evo- ajuda o pai a realizar o sonho de abrir um
o escultor francês Paul Landowski (1875- cados é exatamente o peso da cultura do restaurante.
1961) que esculpiu, na França, a cabeça e as passado. “A França tem a imagem de que A atriz e cineasta Agnès Jaoui, com sua crí-
mãos da gigantesca estátua, projeto capita- sua cultura é muito elevada, de que não é tica e sensibilidade singulares, não fica longe
neado pelo engenheiro Heitor da Silva. uma cultura de rua, mas bastante livresca, desse registro com seu recente Parlez-moi de
Mas é o ano de 1935 que marca para mui- herdeira de 500 anos de história artística. O la pluie (Fale-me da chuva), que confronta os
tos o apogeu da influência cultural france- peso dessa tradição literária não é fácil de franceses com suas vidas cotidianas, da imi-
sa no Brasil, com o desembarque de uma digerir. Ou se prossegue nisso ou então se gração à política e ao feminismo, sem perder
missão de professores, pesquisadores e in- procura ir por outras formas e outras preo- o bom-humor. Neste ano, além da presença
telectuais para participar da fundação da cupações”, diz o cineasta Laurent Cantet. nas telas, ela estará no Brasil em diferentes
Universidade de São Paulo (USP). Entre eles Seu filme Entre les murs (Entre paredes), palcos no mês de abril. Dramaturga, duas
estavam nomes como Claude Lévi-Strauss, vencedor da Palma de Ouro do Festival de peças de sua autoria, Cuisine et dépendan-
Roger Bastide, Fernand Braudel, Lucien Cannes 2008, de certa maneira aborda esse ces (Cozinha e dependências) e Une mère de
Febvre, Pierre Monbeig e Paul Rivet. tema ao mostrar a realidade da classe de famille (Uma mãe de família), serão encena-
Lévi-Strauss, que completou 100 anos de uma escola do subúrbio francês, com todas
vida no último novembro, lecionou na USP as incompreensões geradas pelo multicul-
entre 1935 e 1938 e, ao final de seu primei- turalismo de seus alunos. “Há uma espécie
ro ano acadêmico, realizou seu batismo de enclausuramento e esclerosamento fran-
IMAGEM EXTRAÍDA DO LIVRO 100 YEARS FASHION ILLUSTRATION, EDITORA LAURENCE KING

etnográfico ao organizar uma expedição cês, sinal de nossa incapacidade de olhar


ao Mato Grosso, às tribos dos índios ca- para outras culturas. Somos dominados
diuéus e bororos. A experiência universitá- por essa cultura dominante um pouco clás-
ria paulista e a descoberta do Brasil foram sica, fechada em si mesma, que torna difícil
fundamentais na formação do pensamento a relação com os outros. Ficamos até certo
etnográfico e estruturalista desse que seria ponto prisioneiros dessa alta opinião que
o principal antropólogo do século 20, autor temos de nós mesmos”.
do clássico Tristes trópicos (1955). O diretor, que estará em março no Brasil Christian Dior
Os clichês de imagem entre os dois países para o lançamento do premiado filme, con- na Vogue France
persistem. Para a maioria dos franceses, o corda com as constantes críticas de que o 1992
MONTAGEM SOBRE CROQUI: CAROL GRESPAN

Brasil é a terra do exotismo, do samba, do cinema francês é demasiado umbilical, inti-


futebol, das mulatas, das praias ensolaradas mista e intelectual, mas vê mudanças e uma
e do calor humano. No imaginário dos bra- nova abertura: “Acho que nossos cineastas
sileiros, a França é o país elegante, das belas- estão cada vez mais em contato direto com
letras, da moda e da alta-costura, dos perfu- a realidade de nosso país, há um retorno
mes, do vinho, do queijo e da Côte d’Azur. a um cinema de preocupações sociais. O
O Brasil de hoje certamente não é o mesmo mundo se torna cada vez mais complexo,
descoberto por Lévi-Strauss, bem como a as pessoas são confrontadas com questões
França deste início do século 21 está distan- mais difíceis na vida e o cinema também

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20 VOLTA AO MUNDO

“Gosto do teatro da generosidade, da possibilidade de falar


a todo o mundo, da idéia de partilha por meio do humor.
Acho que isso está retornando aos palcos franceses.”
Catherine Marnas, diretora de teatro

das por Bianca Byington. Também recen- deira convergência de culturas”, resume. A Leãozinho, de Caetano Veloso, quando se
temente revelada cantora, apresentará no peça fará turnê este ano pelo Brasil. apresentou em março de 2008 no Brasil, lan-
Rio e em São Paulo o show do CD Canta, A estrela Juliette Binoche também aceitou o çou um novo CD, Enfants d’hiver (Crianças
sucesso de vendas na França, que inclui no convite para participar do Ano da França de inverno, esgotado), o primeiro no qual
repertório a interpretação de O meu amor, nos trópicos. A atriz foi recentemente aco- escreve ela mesma as letras das canções. Do
de Chico Buarque. metida de bulimia artística. Está em turnê Brasil, lhe interessaram sobretudo as esco-
mundial formando o duo de dança In-I las: “Essas classes abertas, com música, as
TROCAS E INFLUÊNCIAS com Akram Khan, bailarino e coreógra- crianças sentadas no chão, na rua, as pin-
Nesse cruzamento de culturas está o recen- fo inglês originário de Bangladesh. Expôs turas nos muros, essa vontade de fazer da
te trabalho da diretora francesa Catherine 64 quadros de sua autoria em uma galeria escola uma aventura”.
Marnas, que montou e apresentou O re- de Paris e lançou o livro Portraits in-Eyes O tema é caro ao pesquisador Benjamin
torno ao deserto, de Bernard-Marie Koltès (Retratos do olhar), com suas pinturas Moignard, que publicou no ano passado o
(1948-1989), com atores franceses e brasi- acompanhadas de poemas também escri- ensaio L’école et la rue: fabriques de délin-
leiros (entre eles a melhor atriz de Cannes tos por ela. quance (A escola e a rua: fábricas de delin-
2008, Sandra Corveloni), no último Festival De mistura de culturas, Jane Birkin, atriz, quência), no qual faz um estudo comparati-
Internacional de Teatro de São José do Rio cantora e ex-musa de Serge Gainsbourg, é vo da violência e da delinqüência em escolas
Preto (SP). A exemplo de Laurent Cantet, um exemplo de perfeita adaptação. Inglesa de bairros populares no Brasil e na França
ela acredita que há uma tendência na de nascimento, há mais de 40 anos vive na (na favela da Rocinha e no subúrbio francês
França de um teatro contemporâneo mais França. Sua opinião é menos crítica do que de Essone). Sua conclusão foi surpreenden-
aberto ao mundo e mais político, no sen- a dos nativos em relação ao país que esco- te: a violência é menor nas escolas brasileiras
tido mais amplo do termo. “Algo que me lheu como morada e que a adotou. “Acho do que nas francesas. Segundo ele, a esco-
cansa muito aqui na França é o cinismo. O a França responsável por muita coisa boa. la francesa é historicamente construída em
público francês apreciou muito no trabalho Ken Loach (cineasta inglês) sobreviveu gra- oposição ao seu meio ambiente: “Para a es-
dos atores brasileiros a generosidade em ças aos franceses. A França aceitou acolher cola republicana e laica, tudo o que vinha do
cena. Gosto do teatro da generosidade, da diretores de teatro como Peter Brook (in- exterior era percebido como extremamente
possibilidade de falar a todo o mundo, da glês radicado na França desde 1970). Os in- negativo. Hoje, vemos níveis de segregação
idéia de partilha por meio do humor. Acho gleses, por exemplo, nunca fariam isso com muito fortes e há um receio da comunidade
que isso está retornando aos palcos fran- um francês. Os franceses amam as atrizes educacional em relação ao que vem de fora,
ceses. Não se pode fazer teatro na base da estrangeiras, Romy Schneider, Claudia considerado nefasto”, explica. Ao contrário
recusa ao outro”, diz. Cardinale, Charlotte Rampling, eu mesma. da favela, em que a escola se insere na co-
A diretora, que já fez trabalho similar no Na Inglaterra não se vê isso. Para todas as munidade (mesmo que sob a proteção do
México, se impressionou com o clima cria- outras culturas, é sobretudo em Paris que tráfico), no subúrbio francês o medo do
do no grupo de profissionais: “De imediato se encontram teatros e público. No cinema, meio ambiente é tanto que é instituída uma
houve de maneira quase mágica a formação se podem ver filmes de todos os cantos do política de segurança nos estabelecimentos
de uma trupe entre brasileiros e franceses, mundo. Na Inglaterra isso já não é mais para se proteger do risco de contaminação
um entendimento entre todos, um prazer possível”, diz. da suposta violência do bairro. “Essa práti-
de atuar e de compartilhar extremamente A atriz-cantora, que chegou mesmo a ca provoca crispação e alimenta as tensões e
agradável, uma verda- se arriscar em uma versão de atitudes antiescolas”, diz.

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Da dir. p/ esq.: arte da rue Dénoyez, paraíso dos grafiteiros no 20° distrito de Paris; HQ O pequeno vampiro vai a escola, de Joann Sfar

CLÁSSICO X CONTEMPORÂNEO A França é o polêmico fenômeno das le- a madrugada; da fête de la musique (festa da
A França, sim, é Voltaire, Montaigne, tras Michel Houllebecq, o prêmio Nobel música), com músicos em cada esquina para
Rousseau, Victor Hugo, Zola, Proust, Balzac, de Literatura 2008 Jean-Marie Le Clézio e celebrar a entrada do verão; da inusitada Paris
Rimbaud, Verlaine, Sartre & Simone de também o resistente poeta Yves Bonnefoy. plage, a praia artificial dos citadinos de agosto,
Beauvoir, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, É o celeiro de artistas de inovadoras HQ, à beira do rio Sena. É a rue Dénoyez, paraíso
Charles Trenet, Édith Piaf e o incansável as BD (bandes dessinées) francesas, de Enki dos grafiteiros no 20° distrito da capital, atra-
Charles Aznavour, para apenas citar alguns Bilal a Joann Sfar. É o Théâtre du Soleil, das ção artística acidental como um museu im-
dos mais freqüentemente lembrados. Mas épicas e sensíveis experiências de Ariane provisado do grafite, e também a FIAC, a Feira
também é, hoje, uma cultura que, sem ne- Mnouchkine. É o cineasta Michel Gondry, Internacional de Arte Contemporânea, evento
gar seu frutuoso passado, se aventura aqui diretor de videoclipes para a cantora islan- ainda prestigiado como lançamento de novos
IMAGEM EXTRAÍDA DO LIVRO O PEQUENO VAMPIRO VAI À ESCOLA, EDITORA JORGE ZAHAR

e ali por novos rumos criativos. A França é desa Björk e celebrado por filmes como artistas. É o IRCAM (Instituto de Pesquisa e de
Air, celebrado grupo de música eletrônica; é Brilho eterno de uma mente sem lem- Coordenação Acústica e Musical), laboratório
Daft Punk, sucesso mundial de house music, branças. É o “ame-o ou deixe-o” Arnaud de pesquisas sonoras criado pelo compositor,
é o eletro-rock da aclamada dupla de Justice. Desplechin, diretor bergmaniano de filmes maestro e “agitador cultural” Pierre Boulez. É
É Charlotte Gainsbourg, atriz requisitada por como Rois & reine (Rei e rainha). É a oni- o país dos festivais de teatro de Avignon e de
diretores como Lars von Trier, James Ivory ou presença dos filósofos Bernard-Henry Lévy, cinema de Cannes, dois eventos de renome do
Patrice Chéreau, e também cantora no álbum Alain Finkielkraut e Luc Ferry, mais midiá- calendário artístico internacional.
FOTO DE YOYO/ WWW.FLICKR.COM/PHOTOS/YOYOLABELLUT

5:55. É o duo eletro franco-alemão Stereo Total ticos do que seus colegas Jacques Rancière, A França é, por fim, país por excelência da
e a dupla indie franco-finlandesa The Do. É Alain Badiou, Jean-Luc Nancy e do inclas- boa mesa. Como diz o escritor e gourmet
o DJ Stéphane Pompougnac, um habitué do sificável Paul Virilio. É também o país da Luis Fernando Verissimo, um francófilo as-
Brasil, das sucessivas compilações do Hôtel primeira-dama mais festejada do momen- sumido: “Gastronomia também é arte”. Aos
Costes e co-autor, com Michael Stipe (REM), to, a ex-modelo e cantora Carla Bruni, mu- curiosos que forem experimentar o variado
de Clumsy; e também a DJ tecno, minimalis- lher do presidente Nicolas Sarkozy. cardápio do ano francês no Brasil, só resta
ta e trash Miss Kittin. É Camille, ex-Nouvelle A França é a Paris que ambiciona se tornar ca- desejar bom apetite. ©
Vague e experimentalista vocal, parceira dos pital mundial do wifi, com uma extensa rede
brasileiros Marcelo Pretto e Fernando Barba, gratuita de conexões à internet, e a cidade do
WWW.BLOGDACULTURA.COM.BR
do Barbatuques. É o rap e hip hop ácido e Vélib, o mais bem-sucedido sistema de bicicle-
panfletário do NTM e também a ascendente tas de aluguel. É a Paris da nuit blanche (noite VEJA MAIS SOBRE A CULTURA FRANCESA
Soko, uma Mallu Magalhães à la française. em branco), com manifestações artísticas até NO BLOG DA LIVRARIA CULTURA

volta ao mundo.indd Sec2:21 19.12.08 12:12:45


24 MINHA LISTA – CDS

EM FAMÍLIA
Entre o sem-número de performances,
que vão de autor de livros (A busca dos óculos
de Graal – A história do Deriquismo e outros
assuntos aleatórios (esgotado) e Bobagens.com)
a assessor para assuntos aleatórios do Programa
do Jô, Derico, está na companhia de seu irmão,
Sérgio, apresentando o descontraído e eclético
repertório do Duo Sciotti. Dividindo os palcos
desde 1982, a dupla trocou as participações
em festas e convenções pelos shows em teatros
e casas noturnas Brasil afora, conquistando o público
pelo clima intimista e pelos anos de experiência.
Os frutos do sucesso e reconhecimento conquistados
por eles são os CDs Derico & Sérgio –
Duo Sciotti, gravado ao vivo em julho de 2001,
e Duo Sciotti – Dois por dois, de 2004. Os metais
ficam sob a responsabilidade de Derico, que mostra
na flauta e nos saxofones o resultado do contato
com mestres renomados desde o início dos estudos
aos 5 anos de idade. Sérgio, por sua vez, domina
com dedos firmes o piano e o teclado. Mas o que
essa dupla de peso carrega na bagagem? Os irmãos
DIVULGAÇÃO

contam quais são os grandes títulos do jazz, blues e


fusions que lhes servem como fonte de inspiração.

SÉRGIO DERICO

SAMAMBAIA, César Camargo Mariano PICTURES AT AN EXHIBITION, Emerson, Lake & Palmer
“César Camargo Mariano é um mestre no acompanhamento “Este grupo teve grande influência em minha forma
de mão esquerda. Como professor e pianista, presto muita de tocar, e linguagem para interpretar música pop,
atenção a essa linha, pois sei a dificuldade de executá-la. Ele faz porque sou um músico instrumental. Erudito e ao
isso com maestria.” mesmo tempo pop, me influenciou muito pelo lado
da ópera rock. Foi um divisor de águas.”
LIVE IN PARIS, Diana Krall
“De um bom gosto! É uma aula de improviso com CAUBY CANTA SINATRA, Cauby Peixoto, (esgotado)
sutileza, sem muitas notas, a ponto de podermos “Todo mundo deveria ouvir antes de morrer. É maravilhoso, traz
escrever o improviso. Pode ser tocado como se a linguagem do Cauby para a melodia, cantando com convidados
fosse um outro tema. Muito rico.” versões originais e em português das músicas que Sinatra eter-
nizou. Adoro Cauby!”
THE KÖLN CONCERT, Keith Jarrett
“Meu estilo é muito semelhante ao dele. Eu o usei como influência BALLADS, John Coltrane
para moldar o meu jeito de tocar. Inclusive, o Jô Soares já comentou “É onde todo saxofonista quer chegar. Sua forma de
sobre esta semelhança quando me ouviu.” tocar é única. Um disco voltado para a sonoridade
do tenor. É para poucos.”
POINTLESS NOSTALGIC, Jamie Cullum
“Este trabalho apresenta um jazz moderno, BRECKER BROS., Michael Brecker e Randy Brecker
com dinâmica diferente de Diana Krall, mas Foi uma das primeiras coisas que ouvi quando comecei a escutar
com a mesma limpeza no improviso e mais saxofonistas. É um som com o instrumental das bandas de 1975,
contemporâneo”. mas muito atual. Referência pela inteligência e performance.” ©

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26 ESPECIAL

SOTAQUES MUSICAIS
Ao falar em xote, a primeira coisa que vem à cabeça de muitos é o Nordeste
e aquele ritmo famoso do grupo Falamansa. Mas xote também tem no Sul e
vem de schottische, dança de origem escocesa. O boi-bumbá chegou à mídia
por causa do Festival de Parintins, na Amazônia, mas nasceu no Maranhão
e se espalhou do Nordeste ao Sul do país como bumba-meu-boi.
A lambada surgiu no Norte e conquistou o mundo nos anos 1970.
Há dois tipos de maracatu: rural e nação (e este não é em função da
Nação Zumbi). E há muito estilo ainda desconhecido do grande público,
como o lundu, o siriá, a mazurca, o vanerão, o carimbó... Isso sem falar
nos instrumentos: viola-de-cocho, mocho e bruaca. A seguir, mergulhe nas
peculiaridades de cada uma das cinco regiões do Brasil

KAKO

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27

NORTE: CALDEIRÃO DE MISTURAS


Marcelo Damaso, de Belém do Pará

Berço de estilos que caíram na boca do acabou se consolidando como gênero mu-
povo como a lambada e o brega, a músi- sical, tanto que também ficou conhecido
ca paraense segue ciclicamente sua reno- como lambada instrumental. “A lambada é
vação de estilos, todos oriundos de uma filha da guitarrada, que é filha do choro e
mesma raiz: o carimbó. Genuinamente do do merengue”, sintetiza Pio Lobato.
Pará, o ritmo é o principal brasão da ban- Desconhecido do grande público, o gêne-
deira levantada pela música local. Foi a ro acabou ressurgindo no Pará no início
partir dele que verdadeiras coqueluches dos anos 2000, quando Pio, com a cole-
conquistaram a massa a partir da difusão ga Kelci Cabral, do curso de Licenciatura
pelas rádios e TVs. em Música da Universidade Federal do
Para não exigir muito da memória, basta Pará (UFPA), fez um trabalho que resultou
voltar ao final dos anos 1980 e visualizar na união de Vieira, Aldo Sena e Curica.
a dança sensual, veloz e suada que tomou Formaram, então, em 2002, o grupo
de assalto Norte e Nordeste do Brasil. A Mestres da Guitarrada.
lambada surgiu no Pará, em meados dos O estilo tem uma sonoridade única, que Vitrine
anos 1970. Segundo o músico paraense Pio mistura carimbó com ritmos caribenhos
Lobato, da banda Cravo Carbono - e um e influenciou uma série de bandas. Uma PARA LER:
dos maiores estudiosos sobre as raízes da delas, de maior expressão nacional, é a Almanaque da música brega,
música do estado –, o ritmo apareceu pela Calypso. Outra, ainda restrita a meios mais de Antonio Carlos Cabrera
primeira vez no disco Lambadas das que- cults no Brasil, porém já conhecida nacio-
bradas, de Mestre Vieira, que foi composto nalmente, é a La Pupuña, que mescla surf Festival Folclórico do Amazonas – 50 anos
em 1975, mas, por estratégia de um produ- music, merengue de Belém – o qual foi de Luiz Sampaio
tor, lançado apenas em 1978. A tal jogada apelidado de “Belemgue” –, com lundu,
comercial, no entanto, abriu uma fresta dança de roda que vem do lundum, de PARA VER :
para que o cantor e compositor regional origem angolana, e siriá, ritmo com forte Amazônia – De Galvez a Chico Mendes
Pinduca se antecipasse e colhesse os lou- apelo sensual. “Nós acrescentamos surf de Marcos Schechtman
ros pelo lançamento da música Lambada music para que nosso som ficasse mais
(sambão), em 1976. Pio conta que a pala- globalizado, mas a questão rítmica é dife- PRA OUVIR:
vra “lambada”, curiosamente, nasceu nesta rente da guitarrada. Só comparamos por Sem limite,
mesma época, vinda do jargão de um radia- ser de beira de rio, assim como a surf mu- de Fafá de Belém
lista local chamado Haroldo Caraciolo, que sic é de beira de praia”, contextualiza Luiz
anunciava um “merengue como lambada”. Félix, guitarrista e vocalista da Pupuña. Revirando o sótão,
Não apenas a música paraense, como a de A euterpia
de toda a Amazônia bebe bastante nos BOI-BUMBÁ
estilos e ritmos de culturas próximas, Outra grande referência da cultura musical Acústico - Banda Calypso,
como a cúmbia, da Colômbia, e o zouk, da Amazônia é o boi-bumbá. Apesar de ter de Banda Calypso
da Martinica e de Guadalupe. Este últi- nascido no Maranhão, foi no Amazonas que
mo, aliás, se tornou febre nas periferias ele desabrochou. Hoje, o Festival Folcló- Calypso total,
do estado do Amapá, por exemplo. Já a rico de Parintins, que reúne os grupos Ga- vários artistas
cúmbia, ao receber diferentes referências rantido e Caprichoso, leva milhares de tu-
locais, espalhou-se e foi assimilada pela ristas para conhecer a tradicional dança, Mestres da guitarrada - Música Magneta,
região como um todo. que mistura lenda com teatro e música. A vários artistas
Uma das marcas da música paraense é a tradição, no entanto, também está presente
mistura de todos esses ritmos. Uma com- do Nordeste ao Sul do Brasil, onde assume Rainha do brega,
posição que ilustra bem esta característica o nome de bumba-meu-boi. No Norte con- de Iracema
local é a música Porto Caribe, do poeta Ruy centra uma forte representatividade. Em
Barata e do compositor Paulo André Barata, Belém, a banda Arraial do Pavulagem junta Um Canto a Clara – Ao vivo,
que traz neologismos como “lambadear”. cerca de duas mil pessoas em seus “arras- de Iracema
tões” pelas ruas da cidade e revive a famosa
GUITARRADA Festa do Boi há 21 anos. All right penoso!!!,
Mestre Vieira também foi um dos cria- É reinventando, redescobrindo e mesclan- de La Pupuña
dores, nos anos 1970, da guitarrada, que do diversos ritmos que a harmonia do
nada mais é do que um jeito peculiar de Norte caminha em passos calculados para Ritmo quente,
tocar o instrumento e que, popularmente, atingir o ar da música pop brasileira. de Carrapicho

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28 ESPECIAL

NORDESTE: MULTICULTURALIDADE
Michelle de Assumpção, de Recife

De todos os ritmos nordestinos que ultrapas- focarmos uma manifestação dentro de seu
saram os limites de seu lugar de origem, o ciclo festivo, percebemos seu forte caráter
forró é o mais conhecido. Os ritmos do forró étnico. O pastoril, como auto natalino, tem
(baião, quadrilha, xote, xaxado, entre outros), forte influência da cultura portuguesa.
seja em sua formação básica – com sanfona, Os índios deixam contribuição em várias
zabumba, triângulo e pandeiro –, seja em brincadeiras de Carnaval: caboclinho, tri-
seu instrumental estilizado – com guitarras, bos indígenas, maracatu rural. Os negros
teclados, baixo e bateria –, tocam hoje o ano contribuem com as músicas de transe para
inteiro em qualquer boa festa nordestina. O os orixás. O uso de tambores, xequerês e
forró passou não só a música popular brasi- campanas adotados nas salas de candom-
leira – sobretudo a partir de toda obra de Luiz blé foram para as ruas através dos afoxés
Gonzaga e seu parceiro mais importante para (cuja presença é mais forte na Bahia).
nacionalização do baião, Humberto Teixei- Os batuques dos negros foram reprodu-
ra –, mas se transformou em música atempo- zidos em praticamente todos os gêneros
ral: sobrevive além de São João. da música do Nordeste, que é, essencial-
Chegamos ao ponto essencial para a desco- mente, percussiva. Está no afoxé e no axé
berta da sonoridade do Nordeste. Imagine baiano; no coco de roda de todo o litoral
querer achar uma rua sem ter qualquer re- nordestino, e no maracatu de baque vi-
ferência de endereço. Pois então, para co- rado de Pernambuco e de estados como
nhecer algum ritmo nordestino, o ideal é Alagoas. O maracatu nação é também
que se conheça a festa da qual ele faz parte. chamado maracatu de baque virado. A de-
Originários de celebrações de fé e de traba- nominação evidencia a função dos tambo-
lho, os ritmos pertencem aos ciclos carnava- res nesta trama: eles “viram” a cada coman-
Vitrine lesco, junino e natalino, basicamente. do do mestre para executar novas cadências
Uma mesma tradição, porém, pode ser re- de batidas. Também serve para diferenciá-lo
PARA LER: produzida em cidades e períodos diferentes. de outro tipo de maracatu, este surgido da
Dicionário do folclore brasileiro, Mudam-se instrumentação, toadas ou loas, brincadeira de trabalhadores da zona rural
de Luís da Câmara Cascudo mas sempre haverá conexões. Um dos exem- de Pernambuco e depois também inserido
plos mais marcantes é o bumba-meu-boi, no cotidiano da cidade, sobretudo pela mi-
Música popular: os sons que vêm da rua, gênero cultuado na época do Natal, entre gração de seus fundadores, os trabalhadores
de José Ramos Tinhorão novembro e janeiro, praticamente em todos rurais, para a capital. É por isso chamado de
os estados. O nascimento do auto do bum- maracatu rural ou de baque solto.
Pequena história da música, ba-meu-boi remonta ao Ciclo do Gado, no No Nordeste, com exceção do forró, não há
de Mário de Andrade século 18, e às relações de desigualdade entre um gênero que se sobressaia a outro. Nem
os escravos e os senhores nas casas-grandes mesmo o axé baiano adquire essa impor-
PARA VER: e senzalas. Contada e recontada através dos tância, mesmo que tenha sido levado com
São João vivo, tempos, ganha tons de drama e sátira; tragé- seus artistas expoentes para todo canto
de Gilberto Gil dia e comédia. do país. O forró é forró em qualquer lugar
Em Pernambuco, há boi de Natal e de do Nordeste onde se apresente. Cantor ou
Luiz Gonzaga - Danado de bom, Carnaval. O primeiro é apresentado em cantora famosos de axé só tem na Bahia.
de Luiz Gonzaga palcos; o segundo sai às ruas, puxado O forró tem artista de peso em diferentes
por um mestre, que tira versos de impro- capitais. Estejam eles ligados à tradição
PARA OUVIR: viso, e por uma orquestra regional com- gonzaguiana, como o sanfoneiro cearense
Turista aprendiz, posta de caixa, surdo, tarol e triângulo. Waldonys, ou ao pop que fabrica bandas,
de A barca Ao espalhar-se pelo país, o bumba-meu- como a Calcinha Preta (SE).
boi adquiriu nomes, ritmos, formas de Quando chega na fase da releitura, ou estiliza-
O doutor do baião, apresentação, indumentárias, personagens, ção dos costumes originais, o ritmo não precisa
de Humberto Teixeira instrumentos, adereços e temas diferentes, mais ser visto como uma tradição ligada ape-
como ocorre no Norte em festivais como o nas a um ciclo de festejos. O frevo, música es-
Conterrâneos, de Parintins. sencialmente do Carnaval pernambucano, será
de Dominguinhos encontrado em abundância nesta época. Mas
DIVERSIDADE já é possível escutá-lo pelos palcos do país,
Forró do bem-querer, O músico e etnomusicólogo pernambu- através de projetos de divulgação como o da
de Santanna, o cantador cano Climério de Oliveira acredita que, ao Spok Frevo Orquestra.

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29

SUDESTE: ONDE TUDO COMEÇA E ACABA EM SAMBA


Heloisa Fischer, do Rio de Janeiro

O samba é provavelmente um dos ritmos frisava: “Bossa nova é o canto puro e solitá- Vitrine
mais associados ao Brasil, seguido pela rio de João Gilberto eternamente trancado
bossa nova. Ambos conquistaram o mundo em seu apartamento”. Em 2009, João man-
PARA LER:
a partir do Sudeste. Mais especificamente tém-se solitariamente trancado em casa e é
Almanaque do choro,
a partir dos morros e das praias cariocas. bossa nova em estado puro.
de André Diniz
“O Rio de Janeiro foi palco da colossal fu-
são de tradições musicais, de dentro e fora CHORO
Rio Bossa Nova – Um roteiro lítero-musical,
do Brasil, que resultam na música popular Por falar em estado puro, o choro é pepi-
de Ruy Castro
brasileira”, explica o escritor mineiro Ruy ta que brilha no revitalizado bairro cario-
Castro. ca da Lapa. Tudo começou no século 19,
O funk e o hip-hop invadem a cena,
Além da paternidade do samba e da bossa com a arte de Chiquinha Gonzaga, Ernesto
de Micael Herschmann
nova, o Rio também é o berço do choro, tão Nazareth e Joaquim Callado, que prepara-
incensado quanto revitalizado, e do funk, ram a chegada de Pixinguinha. “A partir
Heranças do samba,
tão desprezado quanto popular. À presen- dele, o choro se cristalizou como gênero
de Aldir Blanc
ça do jongo em diversas regiões de Rio, musical”, diz o pesquisador Jorge Roberto
Minas, São Paulo e Espírito Santo, some-se Silveira. Pixinguinha abriu caminho para
PARA VER:
o congo capixaba e temos um melting pot Jacob do Bandolim, que criou escola para
Vinícius,
musical brasileiro típico da região. Na ca- músicos como Joel Nascimento, Isaías
de Miguel Faria Junior
pital paulista, por sua verve cosmopolita, Bueno e Hamilton de Holanda.
ritmos oriundos dos mais diversos pontos Nos anos 1970, o chamado “funk carioca” já
Coisa mais linda –
da nação estão presentes. era fenômeno de massa, com seus bailes no
História e casos da bossa nova,
Mais que um ritmo, o samba é patrimônio subúrbio. Em 1985, o sociólogo Hermano
de Paulo Thiago
nacional. Vai das raízes africanas ao rock, Vianna o escolheu como tema de mestrado
passando pela bossa nova e MPB. É sim- e o movimento ganhou visibilidade. Desde
PARA OUVIR:
ples e grandioso (vide desfiles oficiais de então, muito se modificou. “O ritmo mu-
Canção do amor demais,
Carnaval). Se o século 21 vê o samba oni- dou radicalmente”, avalia Hermano. “Era
de Elizeth Cardoso e João Gilberto
presente no país, o século 19 viu o gêne- 100% música importada, hoje é 100% mú-
ro nascer nas casas das “tias baianas” das sica nacional”, sintetiza. Uma referência se
Pixinguinha e seu tempo,
primeiras favelas cariocas. “Foi só nos anos mantém intacta: o DJ Malboro, patrono do
de Pixinguinha
1930 que o samba carioca começou a se gênero e porta-voz internacional.
transformar em símbolo de nacionalidade”,
Caixa Jacob do Bandolim,
explica o pesquisador musical Hermano CONGO E JONGO
de Jacob do Bandolim
Vianna. A galeria de ídolos cobre arco pra Por último, dois ritmos africanos, aparen-
lá de amplo: Donga, Sinhô, Ismael Silva, tados e restritos em termos de execução e
PARA OUVIR EM MP3:
Custódio Mesquita, Mario Reis, Carmen difusão. O congo capixaba tem nome de
Opereta Cabocla,
Miranda, Cartola, Paulinho da Viola, Clara país africano porque as primeiras bandas
Banda de Congo da Barra do Jucu
Nunes, Nei Lopes, Jovelina Pérola Negra e musicais indígenas passaram a ser integra-
Disponível em: www.musicaes.org.br
Maria Rita, entre tantos outros. das por negros bantus, vindos do antigo
A bossa nova pode ter cronologia mais curta Reino do Congo. “Hoje, são formadas por
que o samba, mas igualmente forjou a iden- pessoas da mesma família ou comunidade”,
tidade nacional. Como teria sido a cultura explica a pesquisadora Adriana Bravin. A
do Brasil sem João Gilberto, Tom Jobim e música de ritmo repetitivo tem forte liga-
Vinícius de Moraes? O movimento que co- ção com a devoção aos santos. Inspirou o
meçou em Copacabana e Ipanema precisou surgimento do cross-over rockcongo, cujo
de poucos anos para conquistar o país e o principal nome é a banda Mahnimal.
mundo. O marco zero foi o álbum Canção Já o jongo, em definição rápida, pode ser
do amor demais, de 1958, com músicas de chamado de primo do congo e pai do sam-
Tom e Vinícius, na voz de Elizeth Cardoso ba. Escravos bantus, forçados a trabalhar
e no violão de João Giberto. Em meados da nas fazendas de café do Vale do Paraíba,
década de 1960, com grande grupo de ar- podiam dançar e cantar em feriados cató-
tistas – de Nara Leão a Newton Mendonça, licos. Com a abolição, passaram a morar
passando por Carlos Lyra, Luiz Bonfá e vá- nas primeiras favelas cariocas. Nos anos
rios outros – e já tendo cativado os ame- 1920, quando o samba nascia, era o ritmo
ricano Stan Getz e Frank Sinatra, Vinícius mais executado nos morros.

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30 ESPECIAL

SUL: MÚSICA COSMOPOLITA


Frank Jorge, de Porto Alegre

O Sul esteve por muito tempo isolado do De origem lusitana – e como o sotaque
resto do Brasil, mas nem por isso deixou de português é forte por aquelas belas ter-
receber influências musicais que chegavam ras e praias –, a modinha tocada na viola,
de outras regiões do país e do mundo. Mário com letra pagã, deu as caras no século
de Andrade já tinha decifrado brilhante- 17, em Desterro (atual Florianópolis).
mente em sua obra Ensaio sobre a música Chorosa, suave ou, enfim, romântica, jus-
brasileira as fontes estranhas que compõem tificada em um cenário paradisíaco como
os ritmos nacionais: ameríndia, africana, Florianópolis, o gênero é uma espécie de
européia (principalmente, portuguesa e es- “mãe da MPB”. Estas informações podem
panhola) e hispano-americana do Atlântico ser conferidas em detalhes no relevan-
(Cuba e Montevidéu). E a gênese da músi- te trabalho A música na imprensa em
ca no Rio Grande do Sul também pode ser Desterro no século 19, de autoria do Prof.
vista como um reflexo desta multiplicidade Dr. Marcos Tadeu Holler, da Universidade
Vitrine de referências. Na região há valsas, polkas, do Estado de Santa Catarina. Por lá tam-
schottisches – pai do xote – e mazurcas – mãe bém é típica a música litúrgica (do século
PARA LER: legítima da “rancheira” –, como influências 19) – que obviamente marca presença em
ABC das danças gaúchas de salão, diretas do continente europeu. Porém, isso todas as regiões do país.
de Clóvis Rocha se mistura à valiosa contribuição do canto A proximidade territorial e cultural de Santa
e do batuque africano, mesmo que perse- Catarina com o Rio Grande do Sul começa
A modinha norte riograndense, guido, vigiado, quase segregado. Um dos a se esclarecer: o pessoal agita no baile
de Cláudio Galvão únicos ritmos autenticamente gaúchos é o como nos pampas, ao som de quadrilhas,
bugio, que não sofreu influência nenhuma, fandangos e schottisches. Neste bojo, há
Domingos Caldas Barbosa - mas que está fechado na região de Campos bandas de música, ou bandas marciais, ou
O poeta da viola, da modinha e do lundu, de Cima da Serra. fanfarras, como queira; música nos teatros,
de José Ramos Tinhorão óperas curtas e operetas, música folclórica
VANERÃO e, veja só, até bumba-meu-boi – também
PARA VER: Mas e a tal da “vaneira” ou “vanerão”, que muito presente no Norte e no Nordeste.
Bem gaúcho, desperta tanto a curiosidade de quem não a
de Dante Ladesma conhece? É nossa? É gringa? O jornalista e FANDANGO
músico Arthur de Faria explica: “A contra- Já imaginou que o estilo de música e dança
Tradição micareta sertaneja, danse francesa acabou se misturando aos com origem nas populações caiçaras (do
de Tradição ritmos espanhóis, migrou para a cidade de povo tupi, habitante de regiões litorâneas)
Santiago de Cuba (colônia espanhola) e vi- tocado com viola e rabeca chamado “fan-
Fandango, rou contradanza. Quando o ritmo chegou dango” é um dos poucos ritmos genuina-
de Renato Borghetti a Havana, ninguém mais sabia de onde ti- mente paranaenses? Pois acredite, e para
nha saído. Acabaram achando que era de lá não deixar morrer esta importante ex-
PRA OUVIR: mesmo e batizaram de habanera. Isso já era pressão cultural, Mestre Romão, um fan-
Assim é nos Pampas, final do século 19 e o ritmo era tão bacana dangueiro muito respeitado, dedica-se a
de Teixeirinha que se espalhou pelo mundo virando hit nas transmitir aos mais novos o que aprendeu
pistas de dança de Cuba, México e Espanha. com seu pai. “O fandango está relacionado
Satolep Sambatown, Chega a Porto Alegre na década de 1880. De à organização de trabalhos coletivos, aos
de Vitor Ramil lá, ruma para o interior, onde tem seu nome mutirões – nas colheitas, nos roçados ou
aportuguesado já nas primeiras décadas do na construção de benfeitorias”, diz. Seria
Lida, século 20 para vaneira. Quando resolveu en- uma espécie de “festança”, um agradeci-
de Yamandu Costa crespar mesmo e virar um ritmo furioso, o mento que o organizador oferece como
aumentativo puxou o nome para vanerão, já pagamento aos ajudantes voluntários com
Modinhas de amor, pela década de 1950.” Traduzindo: o vanerão muita música e comida farta.
de Lira D’Orfeo é próprio da região Sul, sim. Toda esta riqueza cultural do Paraná é desta-
cada pelo Spina, Presidente da ONG Música
Lundu de Marruá, MODINHA do Paraná e representante da Associação
de Lira D’Orfeo Além do vanerão, há a famosa “modinha”, Brasileira de Música para o Paraná e Santa
que é bem própria do estado de Santa Catarina. Ele destaca os talentos e a quali-
O amor brasileiro, Catarina, onde se encontra um dos re- dade musical paranaense, pouco conhecida
de Rosana Lanzelotte & Ricardo Kanji gistros mais antigos do estilo no Brasil. pelos outros estados do país.

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31

CENTROOESTE: ESCONDERIJO DE TESOUROS


Leandro Carvalho, de Cuiabá

O Centro-Oeste ainda está por ser descoberto o acompanhamento em tercinas, o violino, Vitrine
pelos brasileiros como um riquíssimo celei- clarinete ou outro instrumento melódico toca
ro musical. Mais conhecida pelas produções em ritmo binário. Isso é a cara da polca e do PARA LER:
agrícolas e pela beleza de seus ecossistemas, a k’yrei paraguaio e nos remete até o norte da Música caipira – Da roça ao rodeio,
região possui ritmos e instrumentos próprios, América do Sul, com o joropo venezuelano. de Rosa Nepomuceno
com sonoridades específicas, como viola-de-
cocho, mocho e bruaca. Música caipira –
Mesmo com cidades com quase três séculos DO ROCK AO CLÁSSICO As 270 maiores modas de todos os tempos,
de existência, como Cuiabá e Vila Bela, a gran- Roqueiros, instrumentistas, cantores e bandas de José Hamilton Ribeiro
deza continental isolou a região do restante de rasqueado dão vazão a esta rica tradição de
do Brasil até pouco tempo, quando novas vias justapor ritmos, incorporando idéias e abor- PARA VER:
de comunicação, reais ou virtuais, tornaram- dagens. Em Brasília, por exemplo, Roberto Orquestra Paulistana de Viola Caipira,
se disponíveis. Isso permitiu que uma lingua- Corrêa dedica-se há mais de três décadas ao de Orquestra Paulistana de Viola Caipira
gem musical muito particular se desenvol- estudo da viola-de-cocho e da viola caipira.
vesse nos rincões isolados do Pantanal, nas Além de pesquisador, ele é também um gran- PARA OUVIR:
imensidões do Cerrado e nas praias fluviais de instrumentista e compositor, produzindo Vanguart,
do Araguaia. “Remedeia co’ que tem” era a e lançando quase anualmente um novo CD. de Vanguart
máxima que guiava a criatividade daqueles Suas gravações revelam uma sonoridade ím-
que precisavam da música como alimento par das cordas dedilhadas. Como diz seu par- Me deixa levar,
básico de sobrevivência. Assim nasceram ins- ceiro e violeiro Paulo Freire, “escutando o som de Márcio de Camillo
trumentos feitos de madeira escavada (viola- da viola caipira, podemos sentir o cheiro do
de-cocho), tambores em forma de ‘traves- café passado no coador de pano e acompanhar Inezita Barroso & Roberto Corrêa,
seiro’ de couro de boi (bruaca) e de madeira o vôo de um tanto de passarinho diferente”. Já de Inezita Barroso e Roberto Corrêa
(mocho). Estes timbres deram voz ao homem a viola-de-cocho tem um som gotejante, úmi-
ribeirinho da maior planície alagada do mun- do e que, nas palavras de Paulo Freire, “ainda Solos de viola caipira por Índio Cachoeira,
do. Com os primeiros desbravadores, vieram vai dar muito o que falar”. de Índio Cachoeira
também as tradições ibéricas, como o pasto- No mundo do rock, um grupo mato-gros-
ril e o reisado, do ciclo natalino. Algumas sense ganhou as manchetes nos últimos Brincadeira de viola,
se mantêm vivas até hoje e começam a ser meses. A Vanguart faz uma música sincera, de Paulo Freire
conhecidas em todo o país, como o Siriri mesclando elementos regionais na medi-
e o Cururu, ritmos folclóricos encenados da certa. “Cantamos em português, inglês Rio abaixo - Viola brasileira,
com danças características, que atraem tu- e espanhol e temos o som marcado pelo de Paulo Freire
ristas de todo canto para acompanhar os rock folk e clássicos de Bob Dylan e Velvet
festivais anuais em Cuiabá. Underground”, diz Helio Flanders, vocalis-
A proximidade com a Argentina, o Paraguai ta e fundador da banda.
e a Bolívia também marcou a música do No pop, Campo Grande exportou para todo o
Centro-Oeste, especialmente de Mato Grosso país o cantor e compositor Márcio de Camillo.
e Mato Grosso do Sul. É como se houvesse Com quatro CDs lançados, ele fundou em
uma mesma região cultural, que não se res- 2004 a AMP – Associação dos Músicos do
tringisse à fronteira geopolítica – até fim dos Pantanal – com objetivo de difundir a cultu-
anos 1970 o estado não era dividido. Durante ra da região. “Misturo os ritmos de fronteira
muitas décadas, conjuntos musicais faziam a sons eletrônicos sampleados em busca de
sucesso nos dois lados da fronteira, selando uma música nova e singular”, diz.
um sentimento de irmandade entre pessoas E no erudito há o trabalho da Orquestra do
com línguas diferentes. O rasqueado mato- Estado de Mato Grosso, que, sem deixar de
grossense, por exemplo, é um gênero singular, apresentar a música clássica propriamente
que resultou destes encontros. Músicos bem dita, incorpora em seu repertório obras de
treinados, bons instrumentistas e maestros compositores como Gutierrez e Piazzolla.
de banda, como José Agnello Ribeiro, Mestre Com exceção do último, eles são pouco co-
Albertino e Tote Garcia (violinista caceren- nhecidos dos brasileiros, mas tidos como
se nascido em 1907 na cidade a 100 km da gênios nacionais em seus países de origem.
fronteira com a Bolívia), criaram uma músi- A Orquestra também incorporou violas-
ca que tem na essência um swing baseado na de-cocho e instrumentos de percussão
justaposição dos ritmos ternários e binários. pantaneiros em seu conjunto, criando uma
Grosso modo, enquanto o contrabaixo toca sonoridade única. ©

ritmos do brasil.indd Sec2:31 18.12.08 16:37:38


32 LER PARA SER

GENTE QUE FAZ A CULTURA


NO BOURBON POMPÉIA

Nome: Ivani Maria de Santana


Profissão: Gerente de panificadora
O que comprou? La métamorphose,
de Franz Kafka. “Estou estudando francês
e queria ler alguma coisa legal.”
Cultura é... “Sempre tentar entender as coisas
e aprender mais sobre tudo.”

MELISSA HAIDAR
Nome: Pedro Galé
Profissão: Editor
O que comprou? Ilíada, de Homero.
“É uma nova tradução direta do grego para
o português. Quero conferir.”
Cultura é... “Quase tudo, depende do
referencial da pessoa.”
Nome: Cecília Coan
Profissão: Psicóloga
O que comprou? Bonde – Saudoso paulistano, de
Fernando Portela. “Vou presentear meu pai com fotos
dos tempos áureos da cidade que ele adora.”
Cultura é... “Tudo aquilo que agrega.”

Nome: Cláudio Garcia


Profissão: Arquiteto
O que comprou? A dançarina de Izu, de
Yasunari Kawabata. “Tenho paixão por literatura
japonesa, e esse autor trabalha com as relações
entre as pessoas e o meio em que vivem.”
Cultura é... “Tudo que se absorve na vida,
ao lado do prazer de ser e estar.”

gente que faz.indd 32 18.12.08 14:26:11


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Canadá Unidos da América

da América
da América
República Centro-Africana

Centro-Africana
Centro-Africana
Centro-Africana
34 REPORTAGEM

Árabes Unidos
República Dominicana

i l Dominicana
Bósnia e Herzegóvina

Herzegóvina
de Cabo Verde

Verde
Papua Nova-Guiné

Francesa

e Tobago
República Tcheca

Tinidad e Tobago

Tobago
eFrancesa

Francesa
Costa do Marfim

Equatorial
Turquismenistão

Turquismenistão
Saara Ocidental
Omã Seychelles

Unidos
Bósnia eUnidos
Nova-Zelândia
Arábia Saudita

Arábia Saudita
Guinea Bissau

Maurício

Cabo
Moçambique

Moçambique

Moçambique
LU t Guiné
Madagascar

Montenegro

Casaquistão
Luxemburgo
África do Sul
Afeganistão

Afeganistão
Bangladesh

Macedônia
Dinamarca

Dinamarca
Mauritânia

Mauritânia

Mauritânia
Mauritânia
Omã Faroe
Serra Leoa
Nicarágua
Nicarágua

Nicarágua

Costa Rica

Rica
Rica
Venezuela

Camarões
Paquistão
Indonésia

Argentina

Argentina
República
República
República

República
Inglaterra

Inglaterra
Tasmania

Tasmania
Colômbia

Suriname

Emirados
Paraguai
Paraguai
Finlândia

Antártica
Tailândia

Tailândia
Romênia

Espanha

Holanda
Holanda
Holanda
Holanda
Holanda
Holanda
Holanda
Holanda

Trindade
Namíbia

Namíbia

Armênia
Armênia
Panamá

Portugal
Bulgária

Uganda

Austália

Georgia
Malásia
Filipinas

Ucrânia

Ucrânia

de
Zâmbia
Zâmbia

Zâmbia
Zâmbia

Zâmbia
Zâmbia
Zâmbia
Zâmbia
Estados

Estados
Estados
Burundi
Turquia

Guiana

Guiana
Quênia
Nigéria

Tinidad
México

Angola

Angola

Algéria
Djibout

Irlanda

Djibout

Irlanda

Malauí
Gabão
Gabão
Tunísia
Tunísia

Tunísia

Eritréia
França

França

Etiópia
Coréia

Papua
Rússia
Lesoto
Lesoto

Iraque
Lesoto
Lesoto

Lesoto
Lesoto

Lesoto
Lesoto
Lesoto
Bolívia

Bolívia

Lib´´ria
Vietnã

Iêmen

Japão

Japão

Japão
Guiné
Belize

Costa
Costa
Gana

Brasil
Chad

Cuba

Cuba

Cuba
Zaire
Tahiti

Tahiti

Chile

Omã
Egito

Ilhas

Ilhas
Ilhas

Ilhas

Ilhas
Laos

Laos
Mali

Haiti
Haiti

Irã

Irã

Irã

Irã
DO CAPITAL
Mais uma referência econômico-cultural: o livro de 1996 Rogue
Um panorama para encarar 2009 sem Trader (O aventureiro da Bolsa, na versão de Portugal), rendeu um
susto, ou quase: a natureza da atual crise excelente filme em 1999, traduzido no Brasil como A fraude (esgota-
financeira internacional, entrevista com do). É a autobiografia de Nick Leeson, o jovem operador inglês que,
em 1995, quebrou o bicentenário banco de investimento britânico
Richard Thaler, consultor informal da área Barings, operando em Cingapura. À época, os mercados futuros
econômica de Barack Obama, e artigo do fervilhavam, e o rápido avanço da tecnologia permitia operações
intercontinentais mirabolantes, que tinham escassa supervisão.
economista francês Guy Sorman A raiz da atual crise, além dos defeituosos seres humanos, foi a
Márcia Pinheiro gestão de Alan Greenspan frente ao Federal Reserve (Fed, o Banco
Central norte-americano) entre 1987 e 2006. Por um grande perío-
do de sua presidência, manteve as taxas de juro excessivamente
“Vaidade: definitivamente, meu pecado favorito”, diz Al Pacino baixas, para fazer o crescimento bombar. Entre 2003 e 2004, por
em memorável cena do filme O advogado do diabo, dirigido exemplo, oscilaram em torno de 1% ao ano.
por Taylor Hackford, com roteiro baseado no livro homônimo de Juro baixo é um convite ao consumo, ainda mais nos Estados
Andrew Neiderman. Vaidade não basta ao mercado financeiro. Unidos, em que 70% do PIB é movido pelas idas e vindas do con-
Ganância é seu pecado favorito. A crise internacional a que se sumidor às lojas. A conjugação de dois templos-mores – gastos e
assiste hoje é mais um fim de ciclo do capitalismo, mas não seu mercado financeiro – era o mundo ideal para a folia dos inventi-
funeral. Tombos ocorrem vez por outra. vos operadores e gestores de fundos. Todos, àquela época, brada-
Um dos maiores economistas norte-americanos do século passa- vam pela total liberdade do mercado, pela escassa supervisão e
do, James K. Galbraith, descreve com clareza por que acontecem defendiam a autorregulação. Ou seja, sopa no mel para estripulias
movimentos especulativos nos mercados. Conta ele, no livro O dos garotos, ou nem tanto, que exibiam com orgulho MBAs de
colapso da Bolsa, que, no início dos anos 1900, ocorreu um surto Chicago ou universidades neoliberais.
irreal de aumentos de preços de terrenos na região da Flórida, sul Foi a época da supremacia do neoliberalismo, um termo que re-
dos Estados Unidos. monta aos anos 1980, segundo o qual é proibido o Estado intervir
Foi uma febre. Não porque os compradores imaginavam que se em quase tudo na economia, porque, supostamente, o mercado
aposentariam e viveriam no clima ameno da região de Miami, tudo resolve. Pura má interpretação de A riqueza das nações, de
mas porque tinham a absoluta certeza de que os preços subi- Adam Smith, publicado em 1776. Expressões como “mão invisível”
riam mais, e mais, e mais, como espirais infinitas de dinheiro fá- e “laissez-faire” foram usadas como justificativa para todas as aber-
cil. Tanto que até mesmo pântanos foram vendidos como praias rações mercadistas. Sim, esses foram os toques geniais de Smith,
paradisíacas. Ninguém tinha sequer o cuidado de olhar as terras. mas, à sua época, a maioria dos Estados era corrupta, gastadora e
Comprava-se porque havia uma obsessão quase religiosa pelo lu- com uma sede de arrecadação insuportável para a iniciativa pri-
cro, ou a crença de que, em finanças, o céu não é o limite. vada. Liberdade de mercado fazia todo o sentido. Em momento
Faz parte da natureza humana. Não é à-toa que a Economia como algum, no entanto, o economista retirou do Estado as funções
ciência seja filhote da Sociologia. A rigor, poder-se-ia acrescentar fundamentais, como supervisão, regulação, além de considerá-lo
a Psicologia como uma segunda mãe. Olhos nos olhos: quem não provedor de serviços essenciais às populações mais carentes. Se os
quer vender seu carro usado por um excelente preço ou comprar guris de Chicago leram Smith, o que é duvidoso, leram muito mal.
um imóvel que é uma pechincha? Mesmo na feira livre, a dona O mercado se fez de surdo, deliberadamente, e ignorou as lições
de casa não adora a hora da xepa, quando imagina obter vanta- de Smith. O juro precisou subir ainda na era Greenspan, porque
gens do vendedor de alface (afinal, elas vão murchar, e ele tem de todos sabemos que prestação baratinha induz ao consumo e à in-
vendê-las)? A natureza oportunista, mesquinha e arrogante é hu- flação. Para combater a alta dos preços, o famoso Mr. G elevou a
mana. E a idéia de que é preciso ser um vencedor na vida, em ter- taxa básica até 4,5%. Seu sucessor, Ben Bernanke, não teve saída e
mos financeiros, é típica na esmagadora maioria das sociedades continuou a aumentá-la, até atingir o pico de 5,25% ao ano. Tudo
democráticas, em menor ou maior grau. A atual crise hipotecária de forma muito brusca, gerando preocupações de que os Estados
nos Estados Unidos nada mais é do que a constatação de que es- Unidos poderiam registrar forte desaceleração econômica.
sas mazelas podem desrespeitar a ética e não ter limites. Mas aí o estrago estava feito. Nesse meio tempo, houve a prolife-

especial crise.indd 34 19.12.08 9:18:46


da América
da América

da América
Centro-Africana
Centro-Africana
Centro-Africana

República Centro-Africana

Centro-Africana
35
Árabes Unidos

Árabes Unidos

Emirados Árabes Unidos

Emirados Árabes Unidos


Dominicana

República Dominicana

República Dominicana
Herzegóvina
Verde
e Tobago
Turquismenistão

Turquismenistão

Turquismenistão
EtiópiaOcidental
Unidos
Bósnia eUnidos

Unidos
Maurício

Cabo
Moçambique
Guiné

Papua Guiné

Guiné

Papua Guiné
Liechtenstein

Liechtenstein
Uzbequistão

Uzbequistão
Afeganistão

Afeganistão

Kamchatka
Guatemala

Timor Leste
Mauritânia
Mauritânia

Mauritânia
El Salvador

El Salvador

Azerbaijão
Rica
Costa Rica

Costa Rica
Venezuela

Alemanha

Honduras
Porto Rico
Argentina
República
República
República

República

República

Indonésia
Inglaterra

Inglaterra

Bahamas

Bahamas

Bahamas

Bahamas
Suriname

Suriname

Suriname
Marrocos

Botsuana
Emirados

Emirados

Moldávia
Palestina
Camboja

Mianmar
Paraguai
Tailândia

Romênia

Noruega

Jordânia
Espanha

Vaticano
Holanda

Holanda

Holanda

Holanda

Holanda
Trindade

Comodo
Armênia

Armênia

Jamaica
Portugal

Portugal
Bulgária

Andorra
Uruguai

Senegal
de

Ucrânia

Islândia
Zâmbia
Zâmbia
Zâmbia
Zâmbia
Zâmbia
Zâmbia

Ruanda

Zâmbia
Ruanda

Ruanda

Ruanda
Estados
Estados

Estados
Albânia
Bélgica

Bélgica
Belarus

Belarus
Polônia
Turquia

Turquia

Bornéu
Algéria

Algéria

Argélia

Áustria
Malauí

Malauí

Kuwait
Eritréia

Líbano
Coréia
Papua

Papua
Grécia

Grécia
Lesoto
Lesoto
Lesoto
Lesoto
Lesoto
Lesoto

Lesoto

Lesoto

Crácia

Crácia
Sudão
Lib´´ria

Japão

Nepal

Nepal
Saara

China
Costa

Catar
Catar
Israel

Israel

Israel

Suíça
Chile
Omã

Omã
Ilhas

Ilhas

Laos

Laos
Líbia

Líbia

Líbia
Irã
Irã

ração das hipotecas imobiliárias. O juro era baixo, exigia-se quase


nenhuma documentação do mutuário. Podia ser até um migrante
ilegal, sem comprovação de renda. As corretoras, no entanto, foram
empurrando o mercado com um argumento inequívoco para os,
digamos, sem-teto: a realização do sonho da casa própria. O juro
começou a subir e, naturalmente, também as taxas de inadimplên-
cia. A farra estendeu-se dos EUA para a Europa.
Como parceiros, os corretores tinham instituições que criaram inven-
tivos e perigosos instrumentos de aplicação financeira: os bancos de
investimento, com seus fundos altamente especulativos (hedge funds).
Essas instituições não têm agências; seus clientes são grandes empresas
ou bilionários. De certa forma, fogem das regras da regulamentação de
Basiléia II (acordo firmado por todos os Bancos Centrais do mundo) e
podem, digamos, esconder as maracutaias que faziam nos balanços.
O banco que concedeu crédito ao mutuário reempacotou suas dí- O efeito se espraiou pela Europa. Os governos da Bélgica,
vidas, na forma de fundos de recebíveis (prestações a receber) com da Holanda e de Luxemburgo compraram o Banco Fortis. O
centenas de apelidos, como os Structured Investment Vehicles Mitsubishi Financial Bank adquiriu 21% de participação acionária
(SIVs), repassados às Collateralized Debt Obligations (CDOs), e do Morgan Stanley. O banco alemão Hypo Real Estate, que amea-
toda a sorte de siglas incompreensíveis para dívidas que nunca çava falência, recebeu de um consórcio de bancos um aporte de
seriam pagas. No auge do nervosismo, circulava na internet a pia- créditos, cujos valores não foram mencionados.
da de ofertas de vendas de ativos como OVNI e SOS. O mercado A Grã-Bretanha nacionalizou o B&B, segundo banco inglês res-
perde a pose, o dinheiro, mas nunca o humor, mesmo com a onda gatado neste ano. O round não parou por aí. Bélgica, França e
de inadimplência. Os cidadãos perceberam que haviam compra- Luxemburgo salvaram o banco belgo-francês Dexia. A Irlanda
do imóveis por preços elevadíssimos e que jamais conseguiriam praticamente estatizou seu sistema financeiro com um plano de
quitá-los. Porque, no mundo real, a montanha de cartas de baralho resgate de 400 bilhões de euros. Desde a quebra do Bear, mais de
ruiu, assim como os imóveis. Imagine você ter adquirido uma casa 3 trilhões de dólares foram despejados no sistema pelos Bancos
ou uma dívida de 500 mil dólares, e hoje seu home sweet home Centrais do mundo inteiro, ou seja, emprestados a preço de ba-
valer 200 mil. Foi mais ou menos isso o que aconteceu. nana, porque houve uma crise de crédito. Crise, claro, gerada pela
Uma hora, a verdade veio à tona, com a quebra de dois fundos desconfiança. Todos os dias, bancos emprestam recursos uns para
do banco Bear Stearns, gigante comprado pelo JP Morgan, com a os outros, apenas para fechar um pequeno buraco de caixa. Depois
ajuda do Fed, em março de 2007. Na seqüência, quebraram Merrill do Bear, ninguém emprestava para ninguém. O mercado secou.
Lynch e Lehman Brothers, todas instituições centenárias. E o efeito A crise é séria desta vez. É a maior desde o crash de 1929, que resultou
dominó negativo continuou ao longo do primeiro e do segundo em recessão mundial e foi uma das raízes para o fortalecimento do
semestres do ano, até que houve uma paúra generalizada de que nazismo na Alemanha. Talvez seja mais profunda ainda, mas ninguém
poderia haver uma corrida aos bancos comerciais – que, a rigor, ousa prever, porque há uma quantidade imensa de títulos podres (as
nada tiveram a ver com a festa da tigrada de Wall Street. dívidas dos inadimplentes) espalhados pelo mundo todo.
À pergunta de se todo o imbróglio afetará o Brasil, a resposta é
cristalina: sim, já está afetando. Pequenos bancos estão com difi-
culdade de fechar o caixa todos os dias e, se conseguem dinheiro,
Superando a crise com livros os grandes emprestam-no a taxas elevadíssimas. O Banco Central
vem tentando contornar esse fenômeno, chamado de “empoça-
mento de liquidez”, ao reduzir aos poucos a taxa do recolhimento
Vexame – Os bastidores do FMI na crise que abalou o sistema financeiro mundial, compulsório (que os bancos são obrigados a deixar depositada
de Paul Blustein no BC todos os dias).
Pela via comercial, há outro baque. Faltam dólares no mercado.
História da economia mundial, Quem tem, “senta em cima”. O BC também voltou a atuar, ofere-
de Roger E. Backhouse cendo a moeda ao mercado, com compromisso de recompra fu-
tura. Além disso, quando o assunto é país emergente, a regra não
O universalismo europeu – A retórica do poder, muda: os investidores estrangeiros vendem ações na Bovespa,
de Immanuel Wallerstein tiram o dinheiro dos fundos nativos e compram, ironia das iro-
nias, títulos do Tesouro dos EUA, porque ainda são o maior porto
Globalização – Como dar certo, seguro, mesmo em tempo de turbulência.
de Joseph Stiglitz Que grandeza terá a crise e por quanto tempo vai perdurar? A respos-
ta vale trilhões de dólares. Há quem diga que os EUA perderão o lugar
Democracia econômica – Alternativas de gestão social, no topo do pódio das finanças mundiais, apesar de ter o maior PIB
de Ladislau Dowbor do mundo, 13 trilhões de dólares, e que o globo será mais multipolar,
com poderes divididos entre os norte-americanos, europeus, asiáti-
Economia do desenvolvimento – Teoria e políticas keynesianas, cos e os emergentes, como o Brasil. Mas, antes, haverá uma inevitável
organizado por João Sicsú e Carlos Vidotto recessão global. Apertem o cinto que o piloto sumiu. Faz tempo. ©

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36 REPORTAGEM

LIVREARBÍTRIO:
MODO DE USAR
Conselheiro informal do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, o economista
comportamental Richard Thaler veio a São Paulo no dia 10 de dezembro último, para lançar,
na Livraria Cultura, o livro Nudge: O empurrão para a escolha certa. Em entrevista, explica
como essa nova ciência se aplica a governos, corporações e cidadãos, em um processo
chamado de “paternalismo libertário”. Trata-se do incentivo para a tomada de decisões
satisfatórias e produtivas, que simultaneamente assegura a liberdade de escolha. Em tempo:
ele confessa que viajou ao Brasil também para conhecer o Rio de Janeiro e a Amazônia

O que é exatamente Economia Comporta- enorme erro super-regulamentar o merca-


mental? É um campo que procura estudar a do. Precisamos aperfeiçoar a transparência
psicologia, em especial no processo de to- dos negócios. Não podemos esperar que os
mada de decisões. Os economistas com- governos administrem bancos de forma lu-
portamentais não têm como pressuposto crativa. Não é sua atribuição.
que as pessoas são totalmente racionais e
desprovidas de emoções. Ao invés disso, as- Qual é o papel dos cidadãos comuns nesse
sumimos que esses agentes são humanos. processo? A Economia Comportamental
pode ser utilizada em todos os níveis – in-
Como essa nova ciência se aplica na prá- dividual, corporativo e governamental.
tica? A economia comportamental sempre Voltando à crise do subprime, a complexi-
faz recomendações sobre políticas econô- dade dos instrumentos que tornou os mu-
micas que se diferenciam das tradicionais. tuários inadimplentes também criou pro-
Os economistas ortodoxos imaginam ser blemas para a maioria das instituições
capazes de resolver qualquer problema, não financeiras, porque seus presidentes nem
importa quão difícil seja. Os comportamen- sempre entendiam as estratégias que seus
tais sabem que, às vezes, o mundo enfrenta subalternos, os operadores e os estrategis-
si-tuações muito mais complexas do que tas, estavam colocando em prática.
aquelas que a teoria tradicional pode resol-
ver. A crise hipotecária americana (subprime) Você foi consultor de Barack Obama du-
é um exemplo eloqüente disso. Muitos dos ranteacampanhapresidencialnorte-ame-
mutuá-rios, que agora estão inadimplentes, ricana. Qual foi seu papel? Dei consulto-
DIVULGAÇÃO

não sabiam dos riscos que corriam. ria informal aos conselheiros econô-
micos de Obama. Discutimos muitas ques-
Seus métodos podem ser adotados por tões abordadas em meu livro Nudge, in-
governos, empresas e mercados finan- clusive como melhorar a taxa de poupança
ceiros? Estamos no meio de uma crise gi- interna do país, auxiliar as pessoas a tomar
gantesca. As pessoas parecem ter descarta- “A Ciência decisões melhores sobre crédito e facilitar a
do o livre mercado e agora estão lendo escolha certa dos planos de saúde.
Keynes novamente. A Ciência Comporta- Comportamental
mental é um novo conceito, que pode ensi-
nar como o Estado e o mercado podem ser
é um novo conceito, Qual é a idéia que o livro pretende trans-
mitir? O principal ponto é transmitir o con-
mais cooperativos com a sociedade. Nós
ainda acreditamos no mercado, apesar de
que pode ensinar ceito de que é possível auxiliar as pessoas a
tomar decisões melhores, sem dizer a elas
reconhecermos que ele não funciona com como o Estado exatamente o que fazer. É o que chamamos de
perfeição o tempo todo. Outro exemplo: “paternalismo libertário”, ou nudging. Um dos
Alan Greenspan, o famoso ex-presidente do e o mercado caminhos é criar opções de saída de crises e
Federal Reserve (banco central dos EUA),
admitiu ter cometido um erro ao pressupor
podem ser mais deixar que as próprias pessoas descartem as
inadequadas. Dessa forma, os consumidores
que as instituições financeiras e as corpora-
ções monitorariam os riscos embutidos em
cooperativos com não sofisticados têm uma chance de viver
melhor e os sofisticados, de escolher algo
suas operações. De outro lado, seria um a sociedade” mais apropriado para suas vidas. (MP) ©

especial crise.indd 36 18.12.08 15:02:44


ARTIGO 37

A ECONOMIA NÃO MENTE


As crises são períodos cruéis e inevitáveis na história econômica pobreza. Ao contrário, desde a década de 1980, a disseminação
das nações. O crescimento vem necessariamente acompanhado de do livre-mercado – mais ou menos livre, dependendo dos hábitos
momentos de pane. O inevitável faz parte da natureza do desenvol- locais – representou um sucesso espetacular tanto em termos de
vimento da economia, que é, em primeiro lugar, determinado pela crescimento quanto de igualdade social. O crescimento forma no-
inovação técnica ou científica, mas pode ser provocado também vas classes médias, que constituem o fundamento das sociedades
pelos métodos de gestão e pelos processos financeiros. Claro que é estáveis e da democracia. O Brasil é ótimo exemplo disso, graças
impossível prever com segurança se uma inovação contribuirá para à abertura de uma infinidade de pequenas e médias empresas. O
o bem comum. É preciso experimentá-la e será o mercado, ou seja, Brasil, aliás, ao lado da Tailândia, está entre os únicos países onde
o consumidor, quem decidirá em última instância. Aliás, essa de- houve redução das diferenças sociais.
cisão final nem sempre é racional, pois, como agentes econômicos, Tudo o que foi dito até aqui é um resumo do conhecimento acumu-
agimos às vezes com a razão e outras vezes por impulso – algo que lado pela ciência econômica, teórica e experimental, nos últimos
foi quantificado pela nova escola da “economia comportamental”, 40 anos. Nesse processo de liberalização da economia, o Estado não
uma contribuição recente à teoria do mercado. Conseqüência ne- desaparece: seu papel permanece essencial, mas sofre mudança.
fasta dessa impulsividade é a especulação: as paixões se precipitam, Ele zela pela estabilidade das instituições sem as quais a economia
movidas pela ilusão do enriquecimento rápido e o resultado disso não funciona, como o Banco Central, a moeda, a confiabilidade
são a bolhas especulativas. É certo que tais bolhas acabarão por nas transações comerciais, a credibilidade da justiça e a garantia
explodir, mas ninguém pode prever quando. Foi o que aconteceu da propriedade privada. Zela também pelos mais fracos, aqueles
agora com o mercado imobiliário nos Estados Unidos: uma toxina que o crescimento desestabiliza ou esquece. Mas não é fácil traçar
infectou todos os bancos do mundo, capturados na armadilha da uma linha fixa de separação entre o Estado e o mercado, pois ela se
fortuna sem ônus. Foi o que aconteceu em 2000 com as ações das move de acordo com as circunstâncias. O debate democrático no
empresas pontocom, cujo valor foi extremamente superestimado, e liberalismo econômico tem justamente o objetivo de regulamentar
também em 1929, quando os financistas acreditaram que as cota- essa linha, já que, evidentemente, a convivência entre o Estado e as
ções continuariam a subir para sempre. empresas é complexa. Um se sente ameaçado pelo outro, apesar de
Infelizmente, uma inovação que fracassa e uma bolha que explode não poderem sobreviver isoladamente. Será que poderíamos con-
deixam em seu rastro falências e desemprego. Mas deixam também ceber sistemas econômicos mais perfeitos? Na teoria, sim, mas a
conhecimentos adquiridos, que evitam a repetição dos mesmos história ensinou o perigo das utopias. E, afinal, nenhum sistema
erros. Em 1930, por exemplo, o fechamento das fronteiras foi rea- econômico poderia ser mais perfeito do que a natureza humana. A
ção equivocada à crise. O desaparecimento do livre-comércio fez o economia nada mais é do que um reflexo dos seres imperfeitos que
mundo inteiro mergulhar em uma depressão que durou dez anos. somos. Mas acontece que nós progredimos apesar de tudo – e isso
Atualmente, parece que esse erro não será repetido, pois os governos é um milagre. (Tradução: Thaís Arruda) ©
de todos os quadrantes se juntam para que o comércio internacional
possa prosseguir e os bancos, voltar a conceder crédito. Prevalece
também a concordância sobre a necessidade de evitar a inflação, Guy Sorman
pois a experiência demonstrou, particularmente no Brasil, o quan-
to ela arrasa as sociedades e pesa, sobretudo para os mais pobres. é economista, filósofo, conselheiro do governo da Coréia do Sul e autor de 16
Enfim, existe, apesar da crise, um consenso científico – 99% dos livros, como O ano do galo. Vive atualmente entre Paris e Nova York.
economistas compartilham a mesma análise e 1% sonham, o que
é legítimo – e um consenso político para proteger a economia de
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MARCELO CIPIS

mercado e a globalização. Esse consenso nasceu de uma constata-


ção: as economias fechadas, como o Brasil dos anos 1960 e 1970, ASSISTA AO VÍDEO COM A PALESTRA DE GUY SORMAN
ou centralizadas, como a antiga União Soviética, não eliminam a NA PÁGINA DE SEU LIVRO A ECONOMIA NÃO MENTE

especial crise.indd 37 18.12.08 15:03:01


38 ACONTECE NA CULTURA

Um brinde à música
A partir do nome de duas famosas marcas de whisky – a bebida
favorita dos aficionados por blues – foi batizada a Jack Walker Blues
Band. Com uma sonoridade nova e original, a banda faz releituras
de clássicos do blues, rock, soul, r&b e funk, com doses de jazz.

Livraria Cultura CasaPark – Brasília


Dia e hora: 7 de fevereiro, às 19 horas

Tão longe, tão perto


O quarto livro do escritor Gustavo Arruda, Deu com a pleura!, reúne
29 crônicas bem-humoradas sobre situações corriqueiras do co-
tidiano. As diferenças que distanciam a modernidade dos grandes
DIVULGAÇÃO

centros da simplicidade interiorana ganham vida pelo texto ágil e


permeado pelo linguajar característico do Nordeste brasileiro.
É hora de brincar!
Livraria Cultura Paço Alfândega – Recife
Chegou a época do ano mais aguardada pelas crianças: as fé- Dia e hora: 16 de janeiro, às 19 horas
rias! Mas o que fazer com todo esse tempo livre? Foi justamente
pensando nisso – e em toda a energia acumulada que essa ga-
lerinha tem – que a Cultura montou uma programação especial, Hey, DJ!
inteiramente dedicada aos baixinhos, durante o mês de janeiro.
Em cada uma das unidades da Livraria, atividades diferentes que Acompanhando o efervescente movimento de renovação da cena
estimulam a criatividade, ensinam e, sobretudo, divertem. eletrônica paulistana, a primeira edição do festival Cultura Electro
combina dois ambientes diferentes para compor um lounge, em-
Livraria Cultura Bourbon Country – Porto Alegre balado pela genialidade de grandes mestres das pistas.
Oficina Literatura & Culinária
7 e 21 de janeiro, às 16 horas Livraria Cultura Villa-Lobos – São Paulo
Para crianças de 3 a 7 anos. Duração de 60 minutos Drumagick – Dia e hora: 16 de janeiro, às 18 horas
Fabrizio Martinelli – Dia e hora: 23 de janeiro, às 18 horas
Livraria Cultura Bourbon Pompéia – São Paulo
Oficina O mundo em quadrinhos pelo mundo! Livraria Cultura Market Place – São Paulo
Dia 14 (Brasil), 16 (China e Japão), 21 (Índia), 23 (Coréia), DJ Patife – Dia e hora: 17 de janeiro, às 20 horas
25 (Argentina) e 28 de janeiro (Portugal), sempre às 16 horas DJs Yes América e Cavalaska
Para crianças de 4 a 12 anos. Duração de 90 minutos Dia e hora: 24 de janeiro, às 19 horas

Livraria Cultura CasaPark – Brasília


Mostra Anima Mundi Brasil – 24 de janeiro, às 15 horas Ode à beleza
Para crianças de 4 a 12 anos. Duração de 60 minutos
Especialistas relatam experiências e compartilham segredos de es-
Livraria Cultura Conjunto Nacional – Loja de artes – São Paulo tilo e estética no Ciclo de Palestras Moda e Design, fruto de uma
Oficina Quadrinhos vivos! – 10 de janeiro, às 14 horas parceria entre a Livraria Cultura e o SENAI.
Para crianças de 4 a 12 anos. Duração de 90 minutos
Livraria Cultura Bourbon Country – Porto Alegre
Livraria Cultura Market Place – São Paulo Emagrecimento: mitos e verdades, com Rafael Silva
Cine Clubinho: Os trapalhões na guerra dos planetas Dia e hora: 7 de janeiro, às 19h30
10 de janeiro, às 15 horas
Para crianças de 4 a 12 anos. Duração de 90 minutos Mulher contemporânea: a beleza do dia-a-dia,
com Eric Maekawa – Dia e hora: 14 de janeiro, às 19h30
Livraria Cultura Paço Alfândega – Recife
Aula de higiene bucal – 23 de janeiro, às 16 horas Dietas: qual é a melhor?, com Graciele Tombini
Para crianças a partir de 5 anos. Duração de 60 minutos Dia e hora: 21 de janeiro, às 19h30

Livraria Cultura Villa-Lobos – São Paulo Tendências: moda festa, com Vol Fioravante
Cine Clubinho: Os saltimbancos trapalhões Dia e hora: 28 de janeiro, às 19h30
18 de janeiro, às 15 horas
Para crianças de 4 a 12 anos. Duração de 90 minutos
PROGRAMAÇÃO SUJEITA A ALTERAÇÃO.
Livraria Cultura Iguatemi – Campinas
Gincana Cultural Neurose – 4, 18 e 31 de janeiro, às 16 horas PARA MAIS INFORMAÇÕES SOBRE EVENTOS, ACESSE:
Para crianças a partir de 4 anos. Duração de 60 minutos WWW.LIVRARIACULTURA.COM.BR

Acontece novo 2.indd 38 19.12.08 12:27:47


AGENDA 39

SÃO PAULO RECIFE PORTO ALEGRE

BOURBON POMPÉIA MARKET PLACE PAÇO ALFÂNDEGA BOURBON COUNTRY


Palestra
Férias na Cultura – Pocket show Show Quarta-feira,
Oficina infantil Sexta-feira, Sábado, 28 de janeiro às 19h30
Domingo, 16 de janeiro às 19 horas 17 de janeiro às 17 horas Tema: Dietas:
18 de janeiro às 16 horas Músicos: Lacme Músicos: Trio Corjazz qual a melhor dieta?
Tema: Os grandes heróis O ingresso é 1 kg de alimento Palestrante: Graciele Tombini
da nossa história! VILLA-LOBOS não perecível.
Férias na Cultura
CONJUNTO NACIONAL Curso Palestra + Lançamento de livro Quartas-feiras,
Segunda-feira, Sexta-feira, 14 e 28 de janeiro às 16 horas
Autógrafo 9 de fevereiro às 19h30 30 de Janeiro às 19 horas Tema: O corpo como
Sexta-feira, Tema: Degustação musical Tema: HQs em Pernambuco instrumento musical
16 de janeiro às 19 horas na Cultura - A linguagem Livro: Heróis da Restauração Para crianças com idade
Livro: O terceiro deus dos românticos Pernambucana entre 3 e 7 anos.
Autor: Leonel Caldela Valor da aula: R$ 75,00 Autor: Amaro Braga

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IGUATEMI CASAPARK Palestra


Férias na Cultura De 9 a 13 de fevereiro,
Férias na Cultura Domingo, Férias na Cultura a partir das 19 horas
Domingo, 11 de janeiro às 18 horas Sábado, Tema: 7ª Semana de Design
25 de janeiro às 16 horas Tema: Campeonato 31 de janeiro às 16 horas de Interiores
Tema: Campeonato de bafo de dama ou xadrez Tema: Show de mágica Palestrante: Elida Barros

Acontece novo 2.indd Sec3:39 19.12.08 12:29:33


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GOMORRA UM BESTSELLER PRA
Roberto Saviano CHAMAR DE MEU O CORDEIRO
350 páginas Marian Keyes Christopher Moore
ISBN: 978-85-286-1368-1 742 páginas 560 páginas
ISBN: 978-85-286-1362-9 ISBN: 978-85-286-1361-2
Romance-reportagem que se tornou
bestseller em mais de 32 países e que Neste novo romance Marian Keyes Um relato muito bem-humorado
já vendeu mais de 2 milhões de revela com diversão, drama e sobre a juventude de Jesus Cristo,
exemplares em todo o mundo. alto-astral os bastidores do mundo narrado por seu brother e camarada,
Gomorra é o relato real de um do livro. Um dos melhores livros da Biff. Divertidísssimo, o livro já vendeu
jornalista infiltrado na violenta máfia autora, sempre presente na lista mais de 1 milhão de exemplares nos
napolitana. dos mais vendidos. Estados Unidos.

PAULA
Isabel Allende
464 páginas MUSEU O LIVRO DO SAL
ISBN: 978-85-286-0493-1 Véronique Roy Monique Truong
378 páginas 322 páginas
Ao acompanhar o sofrimento da
ISBN: 978-85-286-1356-8 ISBN: 978-85-030-0943-0
filha internada em coma, Isabel
escreve uma comovente “carta” Nesta mistura de intriga policial e Neste romance que mistura realidade
relatando a história de sua família, conhecimento científico, e ficção, Bìhn, o cozinheiro de
para presentear Paula após seu Véronique Roy questiona, de Gertrude Stein e Alice B. Toklas, narra,
despertar. Um livro apaixonante e modo lúdico, porém pertinente, a entre divertido e irônico, a rotina
revelador. difícil questão das nossas origens. doméstica de Stein e Toklas.

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42 PASSATEMPO

NASA
Montagem com vista da
Terra e da Lua enviadas
pela nave Galileu

PALAVRAS CRUZADAS E PASSATEMPOS INTELIGENTES

CONFIRA AS RESPOSTAS NA REVISTA DA CULTURA ON-LINE. O LINK FICA NA PÁGINA INICIAL DO SITE: WWW.LIVRARIACULTURA.COM.BR

BRASÍLIA
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Conjunto Nacional Shopping Iguatemi
Av. Paulista, 2.073 • 01311-940 • Tel. (11) 3170-4033 Av. Iguatemi, 777 • 13092-971 • Tel. (19) 3751-4033
Shopping Villa-Lobos PORTO ALEGRE
Av. Nações Unidas, 4.777 • 05477-000 • Tel. (11) 3024-3599 Bourbon Shopping Country
Market Place Shopping Center Av. Túlio de Rose, 80 • 91340-110 • Tel. (51) 3028-4033
Av. Dr. Chucri Zaidan, 902 • 04583-903 • Tel. (11) 3474-4033
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Bourbon Shopping Pompéia Paço Alfândega
Rua Turiassu, 2100 • 05005-900 • Tel. (11) 3868-5100 Rua Madre de Deus, s/nº • 50030-110 • Tel. (81) 2102-4033

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aurélio becherini
no aniversÁrio de SÃO PAULO, A cosac naify lança OBRA inÉDITA DO primeiro FOTOJORNALISTA DA CIDADE

rua 15 de novembro, esquina com a rua Direita, c. 1912

No começo do século XX, São Paulo Aurélio Becherini mostra o trabalho >> AURÉLIO BECHERINI
começava a se modernizar. As ruas desse fotógrafo fundamental para
foram alargadas, novos prédios sur- a história visual de São Paulo. Com
giram e a rotina dos paulistanos se ensaios de Rubens Fernandes Junior,
transformou. O primeiro repórter fo- Angela C. Garcia e José de Souza Mar-
tográfico da capital paulista registrou tins, a edição comemora o aniversá- TEXTOS Rubens Fernandes Jr.,
Angela C. Garcia e José de
toda essa mudança e agora, um sé- rio de cidade mostrando o começo Souza Martins

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culo depois, ganha seu primeiro livro. da metrópole que conhecemos hoje. 28 x 28 cm |236 pp.|193 ils.

becherini por outros ângulos + LEIA TAMBÉM


Benedito Junqueira Duarte é outro nome signi-
“Becherini soube captar intimamente a beleza da cidade em plena transforma- ficativo na história da fotografia brasileira. Foi
chefe da Seção de Iconografia do Departamento
ção e, se olharmos suas fotografias em profundidade, vemos um documento
de Cultura de São Paulo, a convite de Mário de
que expressa tanto a dinâmica do espaço urbano quanto o registro de uma sé- Andrade, e organizou o espólio iconográfico de
rie de atividades individuais dispersas como belezas passageiras e fugazes.” Aurélio Becherini. B. J. Duarte teve sua obra reu-
RUBENS FERNANDES JUNIOR nida pela primeira vez em livro em 2007.

“Becherini fotografou o que restava da arquitetura e da mentalidade do Brasil


colonial e escravista e o nascimento não só de uma cidade nova, mas de uma
nova sociedade, nas novas formas e volumes das ruas e dos edifícios, na tran- TEXTOS Rubens Fernandes Jr.,
Michael Robert Alves de Lima e
sitoriedade de pessoas e poderes por trás de janelas e de sacadas.” Paulo Valadares

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