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Resumo
Acadêmico:
Goioerê- PR
Outubro-2019
Ciência, Tecnologia e Sociedade
E o contexto da educação tecnológica
CAPÍTULO 6
QUESTÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS
Para que as transformações do modelo de ensino ocorram é fundamental uma reestruturação das
práticas didático-pedagógicas através de uma nova postura epistemológica dos professores. Por
isso, neste capítulo, buscam-se conteúdos e análises sobre os problemas atuais do ensino de
engenharia, numa conversa reflexiva entre nós professores, principalmente sobre as nossas
dificuldades no relacionamento direto com os alunos. Sem propor um método, mas apontando e
apostando num direcionamento epistemológico diferenciado do atual modelo positivista, são
identificadas algumas ações que poderão provocar alterações nas práticas educacionais dos
professores, contribuindo para modificações no sistema de ensino de engenharia.
A motivação para certas atividades não nasce num lampejo. É preciso uma certa razão para
justificar tal movimento que possa efetivamente apontar uma possibilidade real de mudança. Nada
se muda se não houver suficiente embasamento para demonstrar que esta mudança é
necessária. Parece que os tempos presentes possibilitam esta abordagem.
6.2 UM ESPECIALISTA EM ENSINO TECNOLÓGICO?
Em pelo menos um aspecto a prática dos cursos superiores brasileiros não tem se mostrado muito
promissora: a formação de seus professores. Como regra geral, são considerados habilitados a
seguir a carreira docente aqueles que possuem um título superior, qualquer que seja ele. Assim,
para ser professor de medicina, basta ser médico; para ser professor de história, basta ser
historiador; para lecionar na área de engenharia, basta ser engenheiro.
Tal procedimento deve ter origem no entendimento de que o domínio dos saberes técnicos da
profissão é suficiente para transformar um indivíduo legalmente diplomado num professor. Mesmo
que se argumente ser esta visão um tanto quanto estereotipada, não há como negar-lhe algum
grau de realismo, quando analisamos as instituições de ensino superior brasileiras.
Raros são os professores de engenharia que têm formação didático-pedagógica. Grande parte
dos que lecionam em cursos superiores, nesta área, é composta de indivíduos que supõem ter
alguma habilidade 'inata' para a docência; ou pelos que, para poderem pesquisar, acabam
concordando em pagar este preço para fazerem o que gostam, ou que consideram de maior valor.
É lógico que, em princípio, não deve haver nenhum mal nisso. São até meritórios esses
procedimentos. Os aspectos negativos aparecem quando a boa intenção com o magistério
esgota-se nesses preâmbulos. Como resultado, estes indivíduos lá se instalam, quase sempre
procurando reproduzir algum modelo de 'repasse' de conhecimentos ou informações com que
anteriormente tiveram contato e que aprovaram; quando não lecionam por pura 'intuição'.
O docente 'formado' dessa maneira conseguia até há pouco tempo satisfazer medianamente as
necessidades educacionais nos cursos de engenharia. Mas esse 'processo empírico' de formação
docente, que na verdade sempre foi de fato altamente deficiente, não tem mais encontrado
sustentação dentro da nova dinâmica de circulação de informações e das necessidades atuais de
construção de conhecimentos.
Entretanto, pouco tem sido feito para corrigir tal situação. Os próprios interessados - os docentes
-, é bom reconhecer, não têm creditado a devida importância ao problema, chegando a
desconsiderar os procedimentos didático-pedagógicos já sistematizados.
6.3 DIMENSÕES DO PROBLEMA
O problema, mesmo visto apenas por esse enfoque, não tem apenas uma dimensão. Se do lado
do professor há essa deturpação, do lado do aluno ela também existe. Quando chegam ao curso
superior, os alunos não estão com a mente 'vazia'. Chegam, é certo, com toda uma carga de
formação que é herança não só do senso comum, da cultura popular e da educação familiar, mas
também da educação formal que receberam nos anos anteriores de escolarização - 1º e 2º graus
(Bachelard, 1978). De toda essa bagagem, podemos afirmar, os alunos que chegam a um curso
de engenharia trazem expectativas em relação ao comportamento docente que, de certa forma,
corroboram o que de fato o sistema de ensino tem reproduzido (Waks, 1994).
Não é difícil perceber que boa parte dos estudantes de engenharia prefere um docente que nada
entenda de didática, de pedagogia ou de teorias do conhecimento, mas que seja um indivíduo de
larga experiência profissional e de reconhecida competência técnica. O professor que reproduz
essa expectativa refletirá, portanto, os estereótipos dos alunos acerca do que é ser um 'bom
profissional', e não raras vezes ele assim age por força das preferências discentes. Tal
reciprocidade mantém e alimenta a ‘cultura’ da área.
Há que se considerar ainda que a maioria dos programas de formação para professores é
desenvolvida para outras áreas que não a tecnológica; principalmente no nível superior. Daí
também devem advir dificuldades adicionais de encontrar quem se dedique à área, pois para tal
seria necessário, antes de mais nada, romper com os paradigmas vigentes, que não valorizam
este componente.
Assim, não é raro que as aulas num curso de engenharia se tornem seqüências monótonas de
explicações intermináveis de funcionamento de equipamentos, de planos de manutenção, de
interpretações de fenômenos físicos, de apresentação de conceitos e de definições, de deduções
de fórmulas, de leituras de gráficos, de 'dicas práticas' etc., sempre compreendendo um agente
ativo - o professor - e um agente predominantemente passivo - o aluno.
Imagina-se como uma das saídas para esses problemas a implantação de programas de
formação de professores de engenharia, tendo como meta criar uma cultura de formação, o que
por certo deverá resultar em melhoria de qualidade no ensino.
6.4 ALTERNATIVA PARA O PROBLEMA
Com o intuito de tentar esclarecer melhor o objetivo do que aqui se propõe, pode-se, numa
primeira tentativa, analisar o processo de formação em três níveis:
a. formação de engenheiros;
b. formação de professores de engenharia;
c. formação de formadores de professores de engenharia.
A proposta geral do conteúdo deste ensaio visa a trabalhar o segundo item. Implícito está o
entendimento de que, resolvido a contento este ponto, a melhoria do primeiro - formação de
engenheiros - pode emergir como conseqüência dele.
Mais especificamente, esta é uma proposta que objetiva definir um foco inicial de trabalhos com
vistas a uma melhoria do ensino de engenharia no Brasil através de novas abordagens didático-
pedagógicas e da inserção de novos conteúdos nas necessidades de formação dos engenheiros
contemporâneos. Por este motivo ela é modesta e simples perto do que efetivamente seria
necessário; isto porque imagina-se que quebrar o status quo hoje vigente no ensino de engenharia
brasileiro é tarefa para ser executada de forma lenta, firme e gradual, para que não se criem
resistências além daquelas já fortemente instaladas nesse meio.
Com relação especificamente ao terceiro item, parece que, embora não diretamente voltados para
a engenharia, estes programas já existem, em particular com os cursos de pós-graduação em
ensino de ciências, que cumprem bastante bem as necessidades em termos dessa formação. O
papel dos formados nesse terceiro item seria o de atuar como formadores no âmbito do segundo
item.
Há alguns pontos que, com um pequeno exercício mental, podem ser detectados como os mais
característicos entre os formadores dos engenheiros nas escolas no Brasil. Entende-se que, com
o intuito de analisar esse ensino, esses pontos poderiam ser abordados num programa de
formação docente específico para a área tecnológica. Pode-se destacar para uma reflexão os
seguintes itens:
Naturalmente que os problemas apontados representam uma leitura geral e não 'convivem',
necessariamente, em todas ou em cada disciplina específica. Mas, de forma geral, estes itens
podem ser encontrados, com algum nível de intensidade, ao menos em grande parte das
disciplinas que compõem um curso de engenharia; isto porque, dentro deste entendimento, eles
fazem parte do modo como se encara o processo de ensino nesta área.
Agora, depois do aprofundamento das questões do item anterior, procuro sistematizar uma gama
de outras reflexões que também são importantes no processo de revisão das características
didático-pedagógicas em jogo nas escolas de engenharia.
Acreditando que seja necessário estabelecer planejamentos e estratégias de ensino não apenas
calcados nas técnicas atuais já sacramentadas, imagina-se que deveríamos pensar em sistemas
que instiguem os alunos a buscar aquilo que de mais relevante uma escola pode oferecer:
oportunidades de vivenciar não só conceitos, regras e padrões, mas também princípios,
procedimentos e atitudes.
O forte desenvolvimento da tecnologia e da ciência gera uma desinformação constante que nos
induz a impasses seguidos. Então, é preciso construir com os alunos compreensões, sínteses,
análises, comparações, razões indutivas, dedutivas e analógicas, processos de pensamento,
capacidades e atitudes para que eles enfrentem com razoável discernimento ético, político, social
e técnico sua futura profissão. Mas só se consegue converter promessas em realidades frutíferas
se houver a definição de metas, linhas de ação, qualidade nos serviços realizados, cobranças
conscientes e juízos de valor que decorram de reflexões maduras.
Os questionamentos aqui registrados são uma contribuição para que se reflita sobre assuntos
como estes. Eles representam uma amostragem dos campos abertos para pesquisas ou reflexões
dentro da área do ensino de engenharia. Embora sabendo das restrições inerentes à implantação
das abordagens trazidas à consideração, pois os problemas são produzidos indefinidamente,
espero que de análises de problemas semelhantes um bom passo se dê no aperfeiçoamento do
ensino.
Seguem abaixo alguns problemas postos para análise. A proposta é que sejam desenvolvidas
discussões que confirmem ou refutem - ou sejam construídas linhas de argumentação para
contextualizá-las - cada uma dessas questões, e outras que delas certamente surgirão, com o
objetivo de colocar em pauta análises do ensino de engenharia de pontos de vista seguramente
diferentes dos usuais, e possivelmente mais promissores.
Sobre o conhecimento
Sobre o aluno
Sobre o ensino
Como são abordados os modelos no ensino da engenharia e em função disso como eles influenciam
o processo de ensino?
Qual a função do tempo no ensino da engenharia, a sua duração, o seu ritmo e o seu
cadenciamento?
Ensinar é uma questão de repassar conhecimentos?
O professor realmente transmite as suas experiências para os alunos?
A relação professor-aluno no ensino tecnológico é empiricista, idealista ou construtivista?
Há alguma outra forma de trabalhar o conhecimento no ensino tecnológico com os elementos hoje
disponíveis?
Como as escolas de engenharia têm encarado o processo de ensino frente às novas tecnologias?
Qual a relação professor-aluno mais apropriada para fazer frente a estas novas tecnologias?
Como têm influenciado o processo de ensino tecnológico os modernos meios de comunicação?
Como utilizar a mídia que divulga o conhecimento em constante evolução?
A questão da forte informatização contemporânea não coloca ainda mais em pauta a questão
didático-pedagógica?
Estudos acadêmicos em filosofia da ciência contribuiriam para melhorar o rendimento técnico dos
engenheiros?
A idéia de levar uma concepção empresarial para dentro das escolas de engenharia tem eclipsado a
necessidade de um modelo ensino-aprendizagem fundamentado numa teoria do conhecimento?
Ao se adotarem modelos semelhantes aos industriais, que conduzem a aulas predominantemente
expositivas com ótimos recursos audiovisuais, não se deixam completamente a esmo os processos
cognitivos fundamentados numa teoria do conhecimento?
Será que a construção de idéias não foi relegada a segundo plano em relação à imposição e à
execução de idéias?
Aspectos históricos
Como evoluem os conceitos dentro da área técnica, e que influências isto tem no
modo de pensar hoje a engenharia?
Aspectos históricos interessam para os estudos em engenharia?
Qual a evolução da própria engenharia e da tecnologia?
Quais as origens e qual o desenvolvimento do pensamento científico e técnico
brasileiro?
Há conceitos utilizados na engenharia que teriam encontrado o seu poder máximo
de representação ou descrição nos dias de hoje?
Qual a história do ensino tecnológico no Brasil?
Qual o desenvolvimento histórico da engenharia?
Quais as raízes do fechamento do ensino tecnológico às disciplinas de cunho
humanístico?
Quais os pressupostos que embasaram a criação das primeiras escolas de
engenharia e em que contexto histórico foram criadas?
Quais as similaridades entre as atuais escolas de engenharia e as antigas?
Qual o impacto social decorrente do aparecimento de uma sistematização da
profissão engenharia?
Faz parte de tais trabalhos, mesmo que de forma subliminar, uma reafirmação de uma quase
consensual forma típica de entender o método científico e também uma certa tendência de se
confirmar a engenharia como atividade importante e madura. Desta forma, constituem tais
trabalhos, necessariamente, a descrição do problema, detectado via observação, a formulação de
hipóteses e a experimentação, mesmo que imaginária, o que faria com que a hipótese pudesse
ser transformada, via mentalização lógica, numa teoria, que seria então registrada na forma de
uma lei. O relatório do trabalho seria o coroamento de todo um trabalho intelectual que enfim
tivesse o supremo dom de domar a natureza e moldar o futuro.
Nas variadas indagações realizadas neste item procuro burlar a forma clássica de apresentar tais
questões. É porque pretendo, com este artifício, chamar a atenção para esta variedade de
questões sistematicamente afastadas do ensino tecnológico. Esse afastamento talvez não
aconteça de forma consciente ou premeditada, mas a verdade é que questões históricas,
epistemológicas ou mesmo aquelas referentes a uma teoria do conhecimento têm sido
consideradas como não pertencentes ao universo possível da engenharia.
É neste sentido que se insere o propósito de discutir a gama enorme de situações que interferem
nas questões didático-peda-gógicas: procurar instigar a descoberta de novas formas de pensar a
engenharia e o seu ensino. Não se pretende com isso revolucionar a profissão ou o seu ensino
mas, antes de tudo, contribuir para que se renove o espírito inventivo e crítico de que deve estar
imbuído o profissional desta área.
Abordar estes itens com dinâmica própria requer diferentes planejamentos. Atacá-los com um
mínimo de profundidade exigiria mais tempo de leituras, discussões e maturação. Mas a simples
compreensão da existência de problemas diferentes dos puramente técnicos pode despertar para
a reflexão sobre outros, mais particulares para cada prática de ensino.
Fazer frente a paradigmas arraigados numa comunidade profissional é difícill. Ainda mais quando,
de alguma forma, a própria sociedade parece não cobrar mudanças radicais no seu
comportamento.
Como o objeto da engenharia é fundamentalmente algo concreto, palpável e útil por definição, a
transposição da epistemologia acriticamente vinculada ao seu tratamento para a relação
professor-aluno passa a ser algo como uma obrigação lógica nesse meio. Talvez por isso o
modelo vigente no ensino de engenharia brasileiro ratifique diuturnamente o positivismo e/ou o
empiricismo. É mais fácil lutar para manter o que já existe. O desconhecido é sempre mais
amedrontador, embora às vezes também mais excitante.
De qualquer forma, acredita-se que, se implantados dentro das próprias escolas de engenharia, e
principalmente se conduzidos por professores de engenharia, programas com as abordagens
aqui sugeridas terão chances de alterar, para melhor, a prática de sala de aula hoje vigente nos
cursos técnicos.
Denota-se, portanto, que um primeiro entendimento que se firma sobre estas dificuldades de
construção de conhecimento nas escolas de engenharia, como de resto em toda a sociedade,
seria dependente da dominação sócio-econômico-cultural a que estamos sujeitos por uma
questão histórica. A importação acrítica de modelos existentes em outros países, geralmente do
Primeiro Mundo, custou e ainda custa um preço muito alto em termos de identidade cultural
refletida nos currículos estanques existentes em nossas escolas. É difícil romper com este
paradigma.
H.T. Wilson (Giroux, 1986), em um ensaio sobre semelhante problemática, cita três quesitos que
podem servir como exemplo e apoio nesta análise da influência ideológica de outros países - no
caso em questão, primordialmente dos EUA - no sistema de ensino de engenharia no Brasil:
'i - uma tendenciosidade anti-reflexiva e antiteórica, já notada, que nos tempos mais 'liberais' se
estendeu a virtualmente toda a atividade intelectual.'
Isto é muito mais aguçado na engenharia, onde a necessidade cada vez mais premente de
competitividade coloca em destaque absoluto a produção em detrimento de qualquer enfoque
humano e social que possa e deva se dar. Isto é feito de forma tão inconsciente que a maioria dos
professores nega tal aspecto.
'ii - uma preocupação mais recente pela acumulação de 'conhecimento', entendido como
observações mais exploráveis - ou observações em princípio -, tendo aplicação e 'relevância'
imediatas.'
Com isso se acentua mais ainda o desvinculamento do ensino de tecnologia de qualquer análise
social que destrua o mito, já arraigado entre a maioria dos engenheiros e professores, da
propalada neutralidade científica que colabora de forma tão significativa na observação
desapaixonada do homem que trabalha com experimentação. Isto leva ao terceiro ponto citado
por Wilson.
Levando todas estas questões para a sala de aula e assumindo que a relação entre professor e
aluno deva ser direcionada mais para o lado da importância da contextualização, na busca da
humanização do ensino de engenharia, tem-se que apostar na quebra de um obstáculo enraizado
na estrutura deste ensino: a dificuldade de assumir que a forma com que se repassa ou se
constrói conhecimento e que a relação professor-aluno são sempre decorrentes de uma atitude
epistemológica.
Todas as boas idéias devem ser buscadas nesta (re)estrutu-ração das práticas didático-
pedagógicas. E para este intento, as construções mentais destes pensadores, reunidos dentro de
um estudo epistemológico amplo, podem ser de significativa importância nas relações de
construção de conhecimento existentes entre professores e alunos.
Quando apregôo aqui uma formação diferenciada da usual para professores de engenharia,
reforço a finalidade deste estudo: fornecer a nós professores, como indivíduos e mestres, uma
abertura que nos ajude a perceber diversas abordagens da realidade e a não encerrá-la dentro do
'método unidimensional das ciências'. Esta característica poderá forçar uma situação que
possibilite o abandono de paradigmas dominantes na nossa cultura e a admissão de que, para
refletir sobre os problemas da sociedade e sobre as questões humanas, que são atreladas ao
ensino tecnológico, mesmo que alguns resistam a estas evidências, é preciso possuir
'ferramentas' semelhantes àquelas utilizadas para construir a mecânica dos sólidos, a
transferência de calor, a física ou, quem sabe, a matemática.
É necessária a intervenção neste processo para que o professor se conscientize de que cabe a
ele, pela sua experiência, sua capacidade intelectual e pela sua formação como um todo, assumir
o timão desta tarefa e, com isso, procurar de todas as formas ser o orientador na entrega, na
transmissão e, o que é mais importante, na construção do conhecimento junto aos seus alunos.
Começa a desaparecer a visão passiva que reina com vigor nas escolas de engenharia do Brasil.
Não encontra mais muito eco a visão falaciosa de que o conhecimento 'caminha' inexoravelmente
do professor em direção ao aluno fazendo desse um mero reprodutor de conhecimentos já
estabelecidos
O lugar-comum da necessidade da existência de maior criatividade por parte dos estudantes
simplesmente como uma cobrança - e sempre a ouvimos à exaustão de professores que jamais
sequer se perguntaram se a forma com que eles constroem conhecimento tem auxiliado neste
empreendimento - perde um pouco de fôlego. Começamos a nos conscientizar que se não
mexermos no cerne da questão, que se situa na formação dos professores, qualquer crítica ou
sugestão são inócuas para estabelecer qualquer nova proposta.
Existem as mais variadas implicações pelo fato de nossos cursos serem calcados em idéias
positivistas. Já tratei deste assunto no capítulo 2, onde salientei a enorme preocupação
decorrente da fragmentação de nossos currículos. Afirmei também que se a abordagem da
construção de conhecimento for mais relativista, seguramente a forma de montar os currículos e
construir o conhecimento também será diferenciada. Mas na incipiência destas preocupações
dentro de nossos modelos de ensino atual, precisamos ser mais cautelosos e, talvez, até para
não cair na mesma 'arapuca' do que se vem criticando, ser mais dialógicos, não querendo impor
uma idéia que para cada um, isoladamente, parece ser a mais correta.
É notório que se trouxermos a epistemologia de forma complexa - e para isso existem tratados
com muito mais embasamento do que aquele que eu poderia dispensar aqui - e hermética para
professores que muitas vezes sequer ouviram falar de tal assunto e que se pretende sejam
participantes ativos neste processo, ao invés de estar se prestando uma contribuição ao ensino
de engenharia, na realidade se estaria colocando mais um entrave nesta relação que já é bastante
complexa. Assumo aqui, contundentemente, tal pragmatismo.
As situações são sempre muito diversas e em algumas delas a necessidade de certos tipos de
ponderação põe o pesquisador, o professor ou quem quer que esteja lidando com semelhante
assunto em questionamento por ele não estar de acordo com uma teoria mais direcionada. Isto é
prejudicial e em certas situações tolhe uma possível boa idéia. A necessidade de contrapor Khun
a Lakatos, ou quem sabe os paradigmas às proto-idéias, Popper a Bachelar, Fleck a Feyerabend
ou a qualquer outro epistemólogo não é realmente proposta deste trabalho. Penso, sim, que
fundamentado nos seus conceitos - de todos eles indistintamente - é importante formar uma
moldura que possa contribuir com o desenvolvimento científico/tecnológico - e certamente este
sempre foi o objetivo dos epistemólogos que lidam com esta problemática e foi o enfoque
assumido por este trabalho desde suas primeiras linhas - voltado para a sociedade como um todo.
Este posicionamento, aliás, tem também um forte cunho epistemológico. Assumindo um enfoque
direcionado a apenas um pensamento epistemológico, podemos ser levados a um erro comum
entre os filósofos da ciência, que tendem a ser totalmente intelectuais e a negligenciar o fato de
que o progresso científico tecnológico também é catalisado quase tão freqüentemente por
métodos - não aquele 'método científico' clássico padrão que alguns apregoam ser o infalível para
lidar com ciência - práticos quanto por pensamento lógico.
Não é pretensão contribuir para aumentar a dúvida - parece às vezes obrigatório dentro da
academia a necessidade de vazar os ensaios em termos complexos para mostrar profundidade
de conhecimento - por falta de reflexões, às vezes simples, da utilidade de termos tão amplos e
importantes quanto ciência, tecnologia, cientista ou talvez engenheiro. É importante, para isso,
também não ir em busca de rotulações que muitas vezes os filósofos deliberadamente fazem dos
cientistas, sem sequer dar crédito ao seu trabalho diário merecedor de reconhecimento e de
confiança.
Querer contribuir para aumentar o fosso existente entre estes dois campos, que alguns procuram
demonstrar serem antagônicos, é jogar fora um enorme esforço que hoje se estabelece na busca
de uma nova aliança. Para evitar isso é importante procurar se basear também naqueles que
fizeram ciência e não apenas naqueles que escreveram sobre ela.
Esta postura agrega novos motivos que reforçam a tese de que existe uma possível saída para a
quebra desta regra estabelecida sub-repticiamente há muito tempo: a formação de caráter
histórico, social e humanista das pessoas que trabalham com ciência e tecnologia, principalmente
os professores de engenharia do Brasil.
O professor-engenheiro precisa tratar com mais profundidade situações em que ele muitas vezes
passa por ingênuo, como, por exemplo, o fato de crer que geralmente os grandes eventos
aconteceram por mero acaso da sorte por não saber alguns tratamentos históricos e
epistemológicos da ciência. Esta ingenuidade e esta crença, sim, estabelecem padrões diferentes
de lidar com os estudantes dentro da sala de aula.
Tais reflexões ativam o cérebro humano e colocam em conflito as idéias de inúmeros cientistas e
pensadores da ciência que ajudam na formação do nosso conhecimento. É fácil perceber as
inúmeras incongruências existentes entre eles, sem no entanto deixar de usufruir de suas
construções mentais para a nosso próprio amadurecimento mental. Quantos de nós professores
defendemos ardorosamente a existência de método inflexível e único para fazer ciência - como
preconizavam Bacon e o próprio Descartes -, sem no entanto saber por que e para quê. Será que
se soubéssemos, por exemplo, que Einsten era um pouco mais flexível nestas questões
cognitivas a nossa posição continuaria a mesma? Na sua frase “Não há processo lógico para a
descoberta das leis elementares, há somente o caminho da intuição, ajudada pela sensibilidade à
ordem escondida atrás das aparências” (Einstein, 1981) parece que ele nos brinda com uma
imensa dose de relativismo na sua forma de fazer ciência.
Existe hoje um novo quadro, tanto na ciência e na engenharia quanto na forma de estudar a
ciência e a engenharia. Não podemos ficar alheios a isso. O fato de sabermos como um
engenheiro trabalha e a grande variedade de métodos e atitudes que ele irá tomar precisam ser
discutidos na escola. É notório, e estamos cientes disso, que estas discussões não passam pela
descrição pura e simples se o nosso ensino é 'hipotético-dedutivo', ou quem sabe 'lógico-indutivo',
ou ainda, como é mais comum, baseado em inferências lógicas da observação empírica. Não é
só isso, é claro! Mas a forma acrítica como o método científico é colocado nos livros-textos obriga
o professor de engenharia a decifrar este enigma com os seus alunos.
O empiricismo (S <=O) tem dado sustentação a uma tradição de ensino que privilegia um modelo
que considera o aluno - sujeito do conhecimento - como neutro e destituído de história. Em sala
de aula, o professor passa a ser o agente da ação e irá 'imprimir' os seus conhecimentos nas
'ainda vazias' cabeças dos alunos. Tem-se um sistema de ensino assim descrito:
Objetivo: o aluno deverá reproduzir o que lhe foi repassado, sendo avaliado em função da
precisão dessa reprodução;
Fernando Becker, num ensaio importante sobre esta relação epistemológica na sala de aula,
salienta o caráter autoritário que o professor assume neste modelo:
Objetivo: provocar perturbações nas construções mentais que o aluno já possui, instigando-o a
construir e internalizar novos conhecimentos;
Efeitos: o erro é considerado como experiência e indica o estágio em que se encontra o aluno;
Funções: o aluno é considerado um ser pensante, com história pregressa e com um universo
mental prévio já internalizado; o professor é orientador e co-partícipe da construção do novo,
provocando as perturbações que farão o aluno reestruturar o seu universo pessoal; a escola é um
espaço que ajuda a integrar o aluno à sociedade e à cultura.
“Ela tende a desabsolutizar os pólos da relação pedagógica, dialetizando-os. Nenhum dos pólos
dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o aluno também. São bagagens
diferenciadas que entram em relação.” (Becker, 1995, p. 10).
Em suma, novamente aqui aplica-se o critério da ponderação, longe dos radicalismos, como fator
agregador de uma atitude que pode levar a bons termos. Este tipo de postura também retira do
aluno a pecha de ignorante absoluto e por isso a sua subserviência em relação a tudo que lhe é
imposto. Em compensação, coloca-o à frente de sua autocrítica quanto à sua pretensa auto-
suficiência em relação aos instrumentos de acesso ao conhecimento.
Na seqüência dos elementos que dizem respeito à formação dos professores, destaquei alguns
pontos que parecem direcionar o ensino da engenharia, seguidos de breves reflexões, na
tentativa de reavaliar a formação docente atual.
Isto serve mais como uma sistematização para que se possa, de uma forma mais dinâmica, situar
os problemas que já foram, na sua maioria, abordados ao longo deste ensaio, às vezes de forma
explícita e outras vezes embutidos na análise epistemológica de algum de seus tópicos.
Construindo o conhecimento
Na construção de conhecimento apregoada neste novo processo para professores e alunos, uma
frase do professor C.H. Waddington no seu livro The Scientific Attitude ajuda a reafirmar a
convicção de uma ciência diferente da estabelecida em nossas escolas: “A ciência não é uma
coleção de truques. É uma atitude perante o mundo, um modo de viver”.
Quem desenvolve ciência e tecnologia não pode ser um recluso notável, como acreditam muitos
levados pelos estereótipos criados pela imprensa e pelos comerciais. Deve sim ser um cidadão
em contato permanente com os problemas que o rodeiam, criticando constantemente os
resultados, da própria ciência e da tecnologia, que ele eventualmente detecte como não-
importantes para o bem-estar da sociedade.
Na qualidade de professores de engenharia não podemos confundir uma academia científica com
uma escola que pretende construir conhecimentos. É talvez este equívoco profundo que faz com
que os nossos cursos de pós-graduação que, na grande maioria, formam professores para estas
mesmas escolas de engenharia, não atribuam a mínima importância para as questões de ordem
cognitiva, epistemológica e social. Precisamos acabar com a idéia de que bastam alguns recursos
tecnológicos, tais quais métodos audiovisuais ultramodernos ou, quem sabe, apenas a
capacitação técnica inquestionável de nossos professores para termos escolas de excelência.
Isto, a par da sua importância, ajuda a camuflar a real situação que acontece dentro da sala de
aula, onde se perpetualiza o caráter controlador do professor e o seu tão valorizado poder
intelectual, sempre à mercê de um método ou de um livro didático que nem sequer obteve, por
parte deste professor, uma reflexão crítica considerável
Quando se estabelecem todas estas reflexões, quer se motivar cada vez mais uma busca
incessante da formulação de projetos pedagógicos que reúnam professores e alunos na
concepção de novos conhecimentos contextualizados, capitaneados por uma formação mais
consistente do corpo docente.
Este tipo de comportamento não nasce espontaneamente. O professor precisa estar 'formado'
para isso. Esta formação não pode ser calcada em fundamentos que ainda tratam a ciência como
neutra, imutável, e pior de tudo, infalível. É necessário que o aluno, com a participação do
professor, ocupe efetivamente um lugar de destaque neste processo de descoberta de novos
tempos. Que ele seja capaz de organizar formas de raciocínio que lhe permitam formar um
discurso coerente com a sua forma de ver o mundo, para poder ser comparada a outras existentes
e postas durante o seu processo de aprendizagem.
Parece, mesmo tomando-se dados superficiais de maneira empírica, que qualquer investigação
de ordem cognitiva realizada nas escolas de engenharia revelaria que, mesmo dominando o que
é geralmente considerado uma boa instrução, a maioria dos estudantes, incluindo os mais
talentosos academicamente para reforçar a afirmação, compreendem menos do que aquilo que
pensamos que entendem. Com muito esforço e determinação, os estudantes que fazem uma
prova - submetidos a situações psicológicas desfavoráveis, como comentei em outras situações -
são geralmente capazes de identificar e de reproduzir aquilo que lhes foi dito ou que leram por
uma questão pura de memorização
Esta assertiva, mesmo que feita através de pressupostos estabelecidos por constatações
especulativas, sugere que a parcimônia é essencial no que diz respeito à fixação de objetivos
para a construção do conhecimento: as reuniões pedagógicas, que deveriam ser realizadas nos
departamentos de ensino, precisariam selecionar os conceitos e as capacidades mais
importantes, de modo a relevarem com mais ênfase a qualidade da compreensão, e não a
quantidade das informações apresentadas.
Parece claro, e a grande maioria dos estudiosos da cognição defendem
semelhante afirmação, que os indivíduos precisam construir os próprios
significados. A suposta clareza com que os professores ou os livros lhes
ensinam as coisas, geralmente de forma canônica e isenta dos erros,
geralmente os leva em busca da memorização pura, portanto insuficiente
para a construção do conhecimento. Os estudantes, normalmente, para
construírem os seus significados, trabalham com a associação dos novos
conceitos e da nova informação àquilo em que já antes acreditavam.