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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ - UEM

CAMPUS REGIONAL DE GOIOERÊ - CRG


CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS – CCE
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS - DCI
DISCIPLINA: Ciência, Tecnologia e Sociedade

Resumo

Acadêmico:

Jhon Nikison Minzon Santos ________________________________Ra: 99275

Professor: Felipe Fontana

Goioerê- PR
Outubro-2019
Ciência, Tecnologia e Sociedade
E o contexto da educação tecnológica

Walter Antonio Bazzo

CAPÍTULO 6

QUESTÕES DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS

Para que as transformações do modelo de ensino ocorram é fundamental uma reestruturação das
práticas didático-pedagógicas através de uma nova postura epistemológica dos professores. Por
isso, neste capítulo, buscam-se conteúdos e análises sobre os problemas atuais do ensino de
engenharia, numa conversa reflexiva entre nós professores, principalmente sobre as nossas
dificuldades no relacionamento direto com os alunos. Sem propor um método, mas apontando e
apostando num direcionamento epistemológico diferenciado do atual modelo positivista, são
identificadas algumas ações que poderão provocar alterações nas práticas educacionais dos
professores, contribuindo para modificações no sistema de ensino de engenharia.

6.1 AS RESPONSABILIDADES DE TODOS NÓS

Currículos alterados, condições físicas de laboratórios melhoradas, sistemas computacionais


implantados, qualidade total do ensino da engenharia baseada no modelo industrial e aplicada
aos métodos educacionais, são decisões que, a par de sua importância, eternizam a procura da
forma mágica de se melhorar os processos de aprendizagem nas escolas que lidam com a ciência
e com a tecnologia. Fundamentar-se no estabelecimento de recursos materiais cada vez mais
sofisticados, deixando em segundo plano a formação didático-pedagógica dos professores,
parece se constituir na inversão do problema.

Enquanto não se pensar no estabelecimento de linhas de investigação e estudos neste


direcionamento, procurando suprir a formação dos professores não apenas no aspecto técnico,
todas as outras questões não passarão de adendos que simplesmente procuram justificar a
ineficácia dos nossos cursos que sentem dificuldades em segurar os próprios alunos com
motivação suficiente para abraçar a profissão. É preciso mais do que o 'repasse' puro e simples
de técnicas, muitas vezes ultrapassadas. É preciso a reflexão aprofundada das conseqüências do
processo de apren-dizado em relação também às questões de ordem cognitiva.

A motivação para certas atividades não nasce num lampejo. É preciso uma certa razão para
justificar tal movimento que possa efetivamente apontar uma possibilidade real de mudança. Nada
se muda se não houver suficiente embasamento para demonstrar que esta mudança é
necessária. Parece que os tempos presentes possibilitam esta abordagem.
6.2 UM ESPECIALISTA EM ENSINO TECNOLÓGICO?

Em pelo menos um aspecto a prática dos cursos superiores brasileiros não tem se mostrado muito
promissora: a formação de seus professores. Como regra geral, são considerados habilitados a
seguir a carreira docente aqueles que possuem um título superior, qualquer que seja ele. Assim,
para ser professor de medicina, basta ser médico; para ser professor de história, basta ser
historiador; para lecionar na área de engenharia, basta ser engenheiro.

Tal procedimento deve ter origem no entendimento de que o domínio dos saberes técnicos da
profissão é suficiente para transformar um indivíduo legalmente diplomado num professor. Mesmo
que se argumente ser esta visão um tanto quanto estereotipada, não há como negar-lhe algum
grau de realismo, quando analisamos as instituições de ensino superior brasileiras.

No caso específico da engenharia, este entendimento ganha proporções preocupantes. Julgando


que as ciências partem de fatos apreensíveis pelos sentidos e que é seu papel descrevê-los por
leis universais imutáveis, a engenharia brasileira pode ser classificada como tendo fortes raízes
positivistas, que devem ser responsáveis, em grande medida, pela objetificação e racionalização
de suas ações.

Como resultado disso, os que assumem a condição de engenheiros-professores acabam


aprendendo a ser docentes - quando isso acontece de fato - pela própria experiência, o que em
geral se dá como um esforço solitário, sem os benefícios de uma sistematização racional de
procedimentos.

As próprias instituições de ensino pouco se preocupam em orientar essa transição de engenheiros


para engenheiros-professores, ou mesmo depois para professores-engenheiros, ou ainda,
finalmente, para educadores. Basicamente se cobra, quando da entrada de novos membros nos
seus quadros, comprovação de titulações acadêmicas, compromissos de 'boas' intenções para
com a pesquisa e o ensino - principalmente com a primeira -, e o cumprimento de um pequeno
ritual de sala de aula, a título de comprovação de aptidão didática.

Raros são os professores de engenharia que têm formação didático-pedagógica. Grande parte
dos que lecionam em cursos superiores, nesta área, é composta de indivíduos que supõem ter
alguma habilidade 'inata' para a docência; ou pelos que, para poderem pesquisar, acabam
concordando em pagar este preço para fazerem o que gostam, ou que consideram de maior valor.

É lógico que, em princípio, não deve haver nenhum mal nisso. São até meritórios esses
procedimentos. Os aspectos negativos aparecem quando a boa intenção com o magistério
esgota-se nesses preâmbulos. Como resultado, estes indivíduos lá se instalam, quase sempre
procurando reproduzir algum modelo de 'repasse' de conhecimentos ou informações com que
anteriormente tiveram contato e que aprovaram; quando não lecionam por pura 'intuição'.

O docente 'formado' dessa maneira conseguia até há pouco tempo satisfazer medianamente as
necessidades educacionais nos cursos de engenharia. Mas esse 'processo empírico' de formação
docente, que na verdade sempre foi de fato altamente deficiente, não tem mais encontrado
sustentação dentro da nova dinâmica de circulação de informações e das necessidades atuais de
construção de conhecimentos.

Entretanto, pouco tem sido feito para corrigir tal situação. Os próprios interessados - os docentes
-, é bom reconhecer, não têm creditado a devida importância ao problema, chegando a
desconsiderar os procedimentos didático-pedagógicos já sistematizados.
6.3 DIMENSÕES DO PROBLEMA

O problema, mesmo visto apenas por esse enfoque, não tem apenas uma dimensão. Se do lado
do professor há essa deturpação, do lado do aluno ela também existe. Quando chegam ao curso
superior, os alunos não estão com a mente 'vazia'. Chegam, é certo, com toda uma carga de
formação que é herança não só do senso comum, da cultura popular e da educação familiar, mas
também da educação formal que receberam nos anos anteriores de escolarização - 1º e 2º graus
(Bachelard, 1978). De toda essa bagagem, podemos afirmar, os alunos que chegam a um curso
de engenharia trazem expectativas em relação ao comportamento docente que, de certa forma,
corroboram o que de fato o sistema de ensino tem reproduzido (Waks, 1994).

Não é difícil perceber que boa parte dos estudantes de engenharia prefere um docente que nada
entenda de didática, de pedagogia ou de teorias do conhecimento, mas que seja um indivíduo de
larga experiência profissional e de reconhecida competência técnica. O professor que reproduz
essa expectativa refletirá, portanto, os estereótipos dos alunos acerca do que é ser um 'bom
profissional', e não raras vezes ele assim age por força das preferências discentes. Tal
reciprocidade mantém e alimenta a ‘cultura’ da área.

Há que se considerar ainda que a maioria dos programas de formação para professores é
desenvolvida para outras áreas que não a tecnológica; principalmente no nível superior. Daí
também devem advir dificuldades adicionais de encontrar quem se dedique à área, pois para tal
seria necessário, antes de mais nada, romper com os paradigmas vigentes, que não valorizam
este componente.

Assim, não é raro que as aulas num curso de engenharia se tornem seqüências monótonas de
explicações intermináveis de funcionamento de equipamentos, de planos de manutenção, de
interpretações de fenômenos físicos, de apresentação de conceitos e de definições, de deduções
de fórmulas, de leituras de gráficos, de 'dicas práticas' etc., sempre compreendendo um agente
ativo - o professor - e um agente predominantemente passivo - o aluno.

Uma conseqüência prática da falta de formação didático-pedagó-gica é, por exemplo, o


desconhecimento, por parte dos professores, de que existem teorias do conhecimento, ou de que
aspectos ideológicos, filosóficos ou sociológicos influenciam na aprendizagem (já discutimos
estes aspectos no capítulo 2). E, na falta de norteadores para as ações no ensino, acaba-se
obedecendo àquilo que inconscientemente mina a razão. Em sendo o positivismo o direcionador
das ações da engenharia brasileira, o processo de ensino passa a ser uma indisfarçada afirmação
da realidade do objeto por parte do professor, e uma apassivada memorização de informações
técnicas, de preferência matematizadas, por parte dos alunos.

Uma forte tendência entre professores de engenharia, quando admitem a existência de


problemas na aprendizagem, é a de transferir a responsabilidade desses fracassos ou aos alunos
ou às deficiências materiais para a execução do ensino. Estes entendimentos desconsideram, por
exemplo, as influências de aspectos filosóficos e ideológicos (Apple, 1982 e Giroux, 1986) no
processo de aprendizagem, o que deve ser fruto de uma visão simplista do papel que um processo
de ensino desempenha socialmente.

Imagina-se como uma das saídas para esses problemas a implantação de programas de
formação de professores de engenharia, tendo como meta criar uma cultura de formação, o que
por certo deverá resultar em melhoria de qualidade no ensino.
6.4 ALTERNATIVA PARA O PROBLEMA

Com o intuito de tentar esclarecer melhor o objetivo do que aqui se propõe, pode-se, numa
primeira tentativa, analisar o processo de formação em três níveis:

a. formação de engenheiros;
b. formação de professores de engenharia;
c. formação de formadores de professores de engenharia.

A proposta geral do conteúdo deste ensaio visa a trabalhar o segundo item. Implícito está o
entendimento de que, resolvido a contento este ponto, a melhoria do primeiro - formação de
engenheiros - pode emergir como conseqüência dele.

Mais especificamente, esta é uma proposta que objetiva definir um foco inicial de trabalhos com
vistas a uma melhoria do ensino de engenharia no Brasil através de novas abordagens didático-
pedagógicas e da inserção de novos conteúdos nas necessidades de formação dos engenheiros
contemporâneos. Por este motivo ela é modesta e simples perto do que efetivamente seria
necessário; isto porque imagina-se que quebrar o status quo hoje vigente no ensino de engenharia
brasileiro é tarefa para ser executada de forma lenta, firme e gradual, para que não se criem
resistências além daquelas já fortemente instaladas nesse meio.

Com relação especificamente ao terceiro item, parece que, embora não diretamente voltados para
a engenharia, estes programas já existem, em particular com os cursos de pós-graduação em
ensino de ciências, que cumprem bastante bem as necessidades em termos dessa formação. O
papel dos formados nesse terceiro item seria o de atuar como formadores no âmbito do segundo
item.

6.5 QUESTÕES PARA REFLEXÃO

Há alguns pontos que, com um pequeno exercício mental, podem ser detectados como os mais
característicos entre os formadores dos engenheiros nas escolas no Brasil. Entende-se que, com
o intuito de analisar esse ensino, esses pontos poderiam ser abordados num programa de
formação docente específico para a área tecnológica. Pode-se destacar para uma reflexão os
seguintes itens:

a. Os conhecimentos já sistematizados e elaborados, com toda a sua carga cultural,


direcionam o ensino da área tecnológica.Este aspecto realça com ênfase a
importância que se dá ao produto em detrimento do processo na atual relação de
aprendizagem. Isto castra importantes possibilidades, para que o aluno aprenda da
experiência, da vivência e das trocas que o professor deve oportunizar com esta
dinâmica. Este comportamento do sistema de ensino talvez seja devido à concepção
positivista que trata a ciência e por conseqüência o conhecimento como uma coisa
perfeita, acabada, neutra e, mais do que tudo, pronta e imutável. Acrescente-se a
isso uma certa postura de inúmeros docentes, que por apostarem nestes
conhecimentos já sistematizados e elaborados, relutam em atualizar seus conteúdos
e técnicas didáticas. Isto se reflete sobremaneira no atual sistema de ensino onde se
valoriza mais quem sabe a resposta do que quem sabe procurá-la ou desenvolvê-la.
Aliás, o próprio processo produtivo contribui de forma significativa para reforçar este
quadro, quando adota e reproduz modelos vitoriosos de respostas dadas e
fechadas, completando o circulo vicioso.
b. A prática da compartimentalização e da dissociabilidade do conhecimento específico
com o mundo que o cerca. O processo educativo como um fim em si mesmo, sem
ligação com o cotidiano das pessoas, torna-se uma estrutura meramente acadêmica,
apartada da vida prática.A consciência de que a ciência e a tecnologia se baseiam
também em valores do cotidiano - aliás, é por causa do cotidiano que elas têm razão
de ser - põem em questão a nós próprios e ao nosso conhecimento de mundo. Isto
serve de motivação e de agente propulsor para que o estudante procure construir
conhecimento. Esta relação forte faz com que ele vá em busca de resposta que
também dê conta de suas necessidades imediatas. Esta associação com o cotidiano
mostra, na realidade, que ciência e tecnologia nada mais são do que a aplicação
sistemática de valores humanos que prezamos e desenvolvemos. Nas escolas de
engenharia geralmente relacionamos os valores sociais e humanos com outros
afazeres, mas dificilmente com a ciência e tecnologia. Esta contextualização que
parece distante das escolas de engenharia pode mostrar aos alunos o grau de
importância que a ciência e a tecnologia assumem no desenvolvimento do
conhecimento e no bem-estar das pessoas, além de reforçar as atitudes humanas
no seu desempenho profissional.
c. modelo empírico que cultua o treinamento e, por conseqüência, difunde a cultura do
diploma como o fechamento de uma fase da vida, incutindo no estudante a idéia de
que depois da habilitação a tarefa de estudar está encerrada.Essa cultura foi
desenvolvida principalmente na década de 60, mas ainda continua arraigada na
forma de pensar da sociedade, que vê o diploma como uma passagem obrigatória
para a ascensão social. Isto implica uma preocupação central na questão do ensino-
aprendizagem. Ela reside no aspecto de estarmos 'treinando' estudantes que
redundarão em pessoas com mentes fechadas que por apostarem num 'método
finito' muitas vezes perdem a alegria da descoberta e a satisfação do crescimento
intelectual. É preciso resgatar na educação da engenharia a busca pelo novo, 'a
competição das idéias', e mostrar ao estudante que o diploma é o 'ingresso' que lhe
permitirá entrar no 'jogo' em busca de uma atualização constante. Fazê-lo
compreender a grande importância da reflexão cuidadosa sobre todas as idéias,
mesmo que a princípio possam lhes parecer inquietantes ou estranhas em relação
às suas convicções, embebidas de paradigmas positivistas sedimentados ao longo
de sua formação, é tarefa indispensável de professores e estudantes dentro das
salas de aula. Num passado não muito distante até que era fácil e compreensível
que as escolas assim agissem. O cidadão com o seu 'canudo' universitário debaixo
do braço conseguia emprego em alguma empresa, se ajeitava numa escrivaninha e
desenvolvia seu trabalho de manutenção a contento esperando pela promoção por
tempo de serviço. Trabalhar na empresa não era complicado. Não se gastavam
neurônios. Pensar era tarefa do chefe. No entanto, tudo o que se refere a este
paradigma mudou, e continua mudando de uma forma exponencial, evidenciando
que a necessidade de formação contínua, hoje em dia, é questão de sobrevivência.
O mundo do trabalho e das relações sociais tornou-se mais difícil, mais complexo, e
quem se comportar segundo estes padrões antigos se arrisca a ingressar na fila dos
'equipamentos' obsoletos. A grande preocupação a que este aspecto nos arrasta é
que a escola, com sua dificuldade de reoxigenação, se candidata seriamente a esta
vaga indesejada por todos.
d. Ensino primordialmente centrado no trabalho individual e na cobrança de
performances também individuais.Esse resultado bate de frente com os novos
conceitos de esforço coletivo na busca das soluções para os graves problemas com
que a civilização contemporânea se defronta. Aqui poderíamos aplicar o ditado
popular 'façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço', pois apesar de
cotidianamente colocarmos este aspecto como importante para os estudantes,
usamos de uma prática arcaica de cobranças de tarefas e solução de provas,
banindo, inclusive com penalizações, qualquer possibilidade de troca de
conhecimentos entre os envolvidos no processo. As conseqüências são claras: a
exarcebação do individualismo e da competição selvagem na busca de premiação
que se concretiza na avaliação 'numérica' que o professor processa. E o mais
paradoxal desta questão é que defendemos os trabalhos em grupos e novamente,
caindo no erro comum e grave, achamos que este aspecto nasce num 'passe de
mágica'. Não adianta defendermos este novo conceito sem trabalhá-lo dentro da sala
de aula. O maior erro em que pode cair um jovem universitário é imaginar que sua
vida profissional está desligada de todos os desafios da sociedade que não digam
respeito à competitividade e à produtividade individual. A economia, as empresas, a
sociedade e os trabalhadores são dentes da mesma engrenagem e requerem do
novo profissional arrojo, administração do seu tempo de trabalho, geração de novas
idéias e, antes de tudo isso, capacidade de trabalhar em equipe com discernimento
técnico e social.
e. O ritmo, trejeitos e oratória do professor e o seu desempenho como detentor do
conhecimento determinam os processos de aprendizagem.São pré-requisitos
importantes na construção do conhecimento quando vêm precedidos da
fundamentação teórica de como se processam esses conhecimentos. Estes
quesitos, quando não acompanhados das questões de ordem cognitiva, podem
incentivar o papel ditatorial do professor que precisa se mostrar seguro e infalível
perante os estudantes. Ele dita a linguagem, mesmo que seja estranha para o aluno,
e com isso obstrui, bloqueia, corta o desenvolvimento da construção do
conhecimento. Além disso o professor precisa considerar que o conhecimento só
terá sido processado no aluno quando este conseguir desenvolver os mecanismos
da aprendizagem e não quando estiver apto apenas a repetir aquilo que lhe foi
'repassado'. Esta característica, de achar que estes fundamentos são os principais
do processo de ensino-aprendizagem, é própria daqueles que carregam fortemente
consigo a concepção empirista na sua forma de pensar. Acham que o conhecimento
é uma questão de acumulação de dados na memória. Uma memória tida como um
arquivo, ou gavetas prontas para acumular informações que vêm de fora e quando
acionadas processam, obrigatoriamente, seus resultados. Talvez esteja aí uma das
fontes principais de nossos currículos tão fragmentados. O problema é mais
agravado quando os estudantes, sem se darem conta que o mais importante são as
questões cognitivas, incentivam os professores supervalorizando tais virtudes. Eles
preferem um docente que nada entenda de didática, pedagogia ou inovações
instrucionais, mas que seja um profissional de reconhecida competência em sua
área; e que, principalmente, reflita seus estereótipos de 'bom profissional'. Desta
forma, o carisma da competência profissional - como engenheiro e não como
professor - prevalece sobre a formação didático-pedagógica, pondo a pique os
processos cognitivos responsáveis pela construção do conhecimento.
f. Falta de critério na formulação da linguagem das diferentes disciplinas procurando
provocar fortes oscilações dos graus de dificuldade dos assuntos ou abordagens em
sala de aula.Reside aqui também um problema de ordem pessoal e sintomática de
alguns professores que gostam de ser detentores de assuntos 'complexos' e de
preferência restritos a poucas pessoas. Muitos, tentando transformar este predicado
em números concretos e comprobatórios, se vangloriam de serem os responsáveis
pelos mais altos índices de reprovação da escola. E este tipo de comportamento não
se reveste de maldade ou prazer em semelhantes resultados, mas sim de um
comportamento direcionado por uma formação que sempre nos inculcou que
somente 'alguns' são brindados com a capacidade de lidar com 'assuntos científicos'.
Com este tipo de atitude, portanto, parecem comprovar a sua competência. Existem
sim disciplinas com abordagens teóricas que requerem diferentes tratamentos nos
mais diversos assuntos, no entanto é improvável que elas tragam graus de
dificuldade tão diferenciados. Esta dificuldade está possivelmente relacionada com
a linguagem que o professor utiliza no seu tratamento, linguagem que se configura
nos instrumentos e nas relações didático- pedagógicas de construir o conhecimento
sistematizado desta disciplina. Apesar da falta de embasamento teórico para tal
afirmação, e neste ponto creditando tal afirmativa às muitas experiências tiradas das
salas de aula ao longo destes anos, dá para pensar que ao utilizar diferentes
linguagens poderemos obter diferentes resultados. O argumento que se quer usar
aqui é o de que existem formas alternativas de trabalhar estas disciplinas e que isto
imprime, em diversas situações, diferentes graus de complexidade, fundamentados
na característica de abordagem por parte dos professores. É para refletir!
g. Adoção de um modelo de ensino que cobra a padronização dos alunos,
desconsiderando as peculiaridades, as características sociais, as concepções
alternativas de cada um.Aqui a questão da aprendizagem bate de frente com um dos
aspectos cognitivos mais determinantes no processo da construção do
conhecimento. Além do professor tratar os estudantes como vasilhames prontos a
receber o conteúdo, 'o conhecimento', ainda os trata como vasilhames padrões, sem
levar em consideração suas diferentes características. O aluno não tem uma vida
pregressa. Ele não carrega consigo as suas concepções alternativas dos fenômenos
físicos com quem cotidianamente convive. A sua origem social pouco tem a ver com
a forma de ele trabalhar o conhecimento. São estas análises lineares processadas
por nós professores que provocam uma imensa discriminação dentro das salas de
aula, que nos fazem, inconscientemente, trabalhar com mais prazer e atenção
exatamente os alunos que menos requerem este tratamento, por serem, no nosso
modo de encarar o ensino, os mais susceptíveis de terem bons desempenhos. As
linguagens utilizadas, os exemplos construídos, a comunicação estabelecida se
processa em decorrência desta padronização, que desafortunadamente atinge
apenas uma pequena parcela do grupo na construção do conhecimento.
h. Crença que as dificuldades de aprendizagem serão minimizadas com a inclusão de
mais aulas práticas nos já inchados currículos da engenharia.O ensino de
engenharia no Brasil é embasado numa tendência empirista passiva e registradora
onde se prega, na maioria dos casos, uma postura que se poderia denominar de
antiteórica. Esta característica implica um comportamento menos questionador da
ciência, argumentando-se que a experiência concreta é a grande responsável pelo
conhecimento. Não se deve confundir, por exemplo, postura teórica com o
tratamento de modelos matemáticos. Muitos de nós professores de engenharia
buscamos nestes constructos justificativas para afirmar serem os seus
conhecimentos formulações abstratas que garantem a necessária formação teórica.
Na busca de paliativos, quando não se tem base para tais análises, chega-se ao
absurdo, em diversas situações, de argumentar que o grande problema das escolas
brasileiras de engenharia está na falta pura e simples de aulas práticas; ao menos
com muito mais intensidade do que atualmente estão sendo dadas. O professor
precisa se conscientizar que a tarefa do aluno não deve se reduzir a procurar
'acertar' as experiências, e isto requer uma mudança de postura, que não é de fácil
implantação. O valor cognitivo de semelhante procedimento é no mínimo duvidoso.
Para começar, o estudante deveria ter oportunidade de contextualizar tais
experiências. Deveria também poder selecionar os 'bons fatos' sabendo do que se
trata e de onde surgiram, e inclusive forjá-los totalmente, ver quais deles permitiriam
formular novas relações fecundas e novos esquemas teóricos. Se o aluno se permite
adotar semelhante procedimento não é raro ouvir do professor 'bastava-lhe..., era
suficiente que...', como uma espécie de reprovação por ele ter se aventurado em não
cooptar um método repetitivo. Mal sabe este professor que é justo na exploração de
novos domínios, muito mais factíveis de erros, é certo, que está a verdadeira
construção do conhecimento. A reversão desta pedagogia que supervaloriza o
adestramento, que não nasceu senão por obra de uma fundamentação
epistemológica equivocada, implícita ou explícita, é sem dúvida uma tarefa
importante para a melhoria do ensino. Para ser coerente com o caráter ponderado
que se empresta a este ensaio, não quero afirmar que aulas práticas não sejam
importantes - desde que não ministradas da forma como comentado acima.
Reafirmo, sim, que não se pode perder de vista que muitas vezes o incentivo
demasiado dado às aulas práticas dentro das escolas de engenharia é uma forma
subliminar de irrelevar a teoria no processo de aprendizagem.
i. Ambiente de sala de aula que desencoraja a participação ativa dos alunos.A
formalização do ritual da aula puramente expositiva, onde o professor dita o ritmo, a
seqüência e, por decorrência, a prioridade do que deve ser posto como conteúdo,
inibe, desmotiva e aborrece o aluno. A pergunta e o questionamento são, por parte
do aluno, varridos de sua necessidade pelo medo da reprovação e, às vezes, da
chacota a que ele é submetido pelo fato de se expor à reflexão de algum assunto
que não lhe pareça claro. Questiona-se contundentemente a forma mecanicista com
que o professor e o estudante se relacionam nas escolas de engenharia,
primordialmente durante as aulas. Fazer, então, uma comparação do que acontece
em termos de processamento de conhecimento dentro das salas de aulas e nos
corredores da escola é fundamental para mostrar a disponibilidade dos professores
para acompanhamentos de dúvidas e questionamentos em diferentes ambientes.
Este tipo de constatação, felizmente, já se tornou quase assunto corrente nos
departamentos de ensino, tanto que a interação professor-aluno também já acontece
nos corredores das escolas, nos laboratórios ou nas bibliotecas. A influência da
conversa de corredor na formação do engenheiro é digna de maiores comentários.
Que fórum fantástico são os corredores das escolas de engenharia! Democráticos.
Verdadeiros territórios livres, onde se pode discutir de tudo, inclusive ciência e
tecnologia. Ali acontece o debate, a pergunta, a divagação. Ali se arquiteta, se
constrói, se crítica, se cria, se desfaz. Enfim, é um espaço universalista por
excelência, onde a universidade desempenha de forma mais criadora o seu papel.
Melhor ainda. Ali praticamente não existe aquela avassaladora carga hierárquica a
dividir dois mundos que parecem antagônicos: professores e alunos. Assim mesmo.
Bem maniqueísta. O bem e o mal. O certo e o errado. O que sabe e o que não sabe.
Nos corredores estão todos na mesma altura. O erro é permissível, bem como o
riso, a interrupção. Pode-se dançar criativamente de um extremo ao outro entre as
disciplinas, as dificuldades, as dúvidas. De tudo isso decorrem alguns
questionamentos: por que não associar estas vantagens aos currículos? Por que não
somar os aspectos positivos desta convivência criativa ao processo educacional?
Por que não estender a todos os alunos estes benefícios? Por que não tornar a sala
de aula um grande 'corredor'?
j. O ensino é exageradamente centrado na memorização e na reprodução de tarefas
repetitivas. Por conseqüência, a avaliação da aprendizagem é um ritual de repetição
preciso e detalhado das explicações do professor.A importância capital dada às
avaliações individuais centradas na memorização, na repetição de métodos
estabelecidos e, principalmente, na reprodução cega dos modelos extraídos dos
livros-textos utilizados muitas vezes acriticamente pelo professor ocasiona sérios
prejuízos ao aprendizado. Esta prática de cobrança é decorrência também de
explicações descontextualizadas propostas em aulas ‘enfadonhas’, no intuito de
fazer cumprir um ritual acadêmico, que a posteriori implica em cobrar
quantitativamente - emitir notas - ‘conhecimentos’ que supostamente imaginamos os
alunos devam ter ‘absorvido’. Estamos, na realidade, despreocupados com o
aspecto de termos ou não contribuído significativamente com a construção do
conhecimento. A obediência inconteste a métodos imutáveis, decorrência ‘do’
método científico, e a crença nos procedimentos padrões nos levam à busca de um
treinamento das habilidades dos estudantes. Isto lembra uma observação de
Feyerabend (1989) que realça a nossa falta de sensibilidade ao lidarmos com o
jovem e não tomarmos suas visões e percepções instáveis como algo a ser
trabalhado positivamente. Com esta técnica de avaliações anacrônicas, que
continuam a cobrar a memorização, a repetição e a obediência a um método
específico, não respeitamos estas instabilidades que propiciam aos estudantes
formas especiais de ver o mundo. A maioria de nós usa estas avaliações para medir
a eficácia do nosso método ‘para ensinar a verdade’, neste processo de impor
nossas idéias.

Naturalmente que os problemas apontados representam uma leitura geral e não 'convivem',
necessariamente, em todas ou em cada disciplina específica. Mas, de forma geral, estes itens
podem ser encontrados, com algum nível de intensidade, ao menos em grande parte das
disciplinas que compõem um curso de engenharia; isto porque, dentro deste entendimento, eles
fazem parte do modo como se encara o processo de ensino nesta área.

6.6 DEBATENDO OUTRAS QUESTÕES

Agora, depois do aprofundamento das questões do item anterior, procuro sistematizar uma gama
de outras reflexões que também são importantes no processo de revisão das características
didático-pedagógicas em jogo nas escolas de engenharia.

Acreditando que seja necessário estabelecer planejamentos e estratégias de ensino não apenas
calcados nas técnicas atuais já sacramentadas, imagina-se que deveríamos pensar em sistemas
que instiguem os alunos a buscar aquilo que de mais relevante uma escola pode oferecer:
oportunidades de vivenciar não só conceitos, regras e padrões, mas também princípios,
procedimentos e atitudes.
O forte desenvolvimento da tecnologia e da ciência gera uma desinformação constante que nos
induz a impasses seguidos. Então, é preciso construir com os alunos compreensões, sínteses,
análises, comparações, razões indutivas, dedutivas e analógicas, processos de pensamento,
capacidades e atitudes para que eles enfrentem com razoável discernimento ético, político, social
e técnico sua futura profissão. Mas só se consegue converter promessas em realidades frutíferas
se houver a definição de metas, linhas de ação, qualidade nos serviços realizados, cobranças
conscientes e juízos de valor que decorram de reflexões maduras.

Os questionamentos aqui registrados são uma contribuição para que se reflita sobre assuntos
como estes. Eles representam uma amostragem dos campos abertos para pesquisas ou reflexões
dentro da área do ensino de engenharia. Embora sabendo das restrições inerentes à implantação
das abordagens trazidas à consideração, pois os problemas são produzidos indefinidamente,
espero que de análises de problemas semelhantes um bom passo se dê no aperfeiçoamento do
ensino.

Seguem abaixo alguns problemas postos para análise. A proposta é que sejam desenvolvidas
discussões que confirmem ou refutem - ou sejam construídas linhas de argumentação para
contextualizá-las - cada uma dessas questões, e outras que delas certamente surgirão, com o
objetivo de colocar em pauta análises do ensino de engenharia de pontos de vista seguramente
diferentes dos usuais, e possivelmente mais promissores.

Como sugestão alternativa às mais diversas estratégias para analisar semelhantes


questionamentos com mais profundidade proponho a formação, num primeiro instante, de grupos
nos departamentos que, em sessões semanais, depois de reflexões individuais preparatórias,
discutam os principais pontos de concordância e discordância com relação a cada bloco de
questões. Por exemplo, para o bloco ensino, cada membro do grupo prepararia um roteiro de
respostas ou argumentações para as questões ali registradas, acrescentaria novas questões que
surgissem de suas reflexões, e traria para as sessões conjuntas suas conclusões e
argumentações. Por certo, do confronto entre as várias conclusões, novas interpretações e novos
discernimentos serão construídos a respeito do ensino.

Com relação ao professor

Como os docentes entendem que se dá a relação professor-aluno e qual a prática


em sala de aula, em função desta relação?
Como eles imaginam que se dê o ato de conhecer?
Quais as concepções científicas e tecnológicas destes docentes?
De acordo com estas concepções, suas práticas de ensino são adequadas ao
estender estas concepções aos resultados sociais?
Quais as suas concepções a respeito dos modelos empregados na engenharia e
que eles próprios veiculam?
Como eles passam aos alunos as suas idéias a respeito de questões éticas,
políticas ou ideológicas?
Se há professores transformadores na engenharia, como atuam?
Como os professores enfrentam os novos conhecimentos?
Será que alguns professores no fundo não querem a alienação de seus alunos, com
medo de que, se eles se conscientizassem do que está realmente acontecendo, não
continuariam mais a fazer a engenharia como o sistema de ensino considera que ela
deva ser?
Como os professores encaram o método de resolver problemas?
A formação profissional técnica é suficiente para transformar um indivíduo num
professor?
Como os docentes encaram a sua prática profissional, tendo em vista a sua falta de
formação didático-pedagógica?
Quais as possíveis influências, em termos de eficiência do ensino, da falta de
formação específica para a docência?

Com relação ao livro didático

Como os conceitos científicos são veiculados e abordados nos livros didáticos


usados em engenharia?
Como estes textos didáticos concebem o conhecimento científico?
De que forma os livros-textos são selecionados e utilizados pelos professores?
Como os modelos são abordados e de que forma as analogias e metáforas
utilizadas nestes textos influenciam o processo de ensino?
Que tipo de mensagens ocultas permeiam estes textos? Elas não transmitiriam
subliminarmente a idéia de uma engenharia internalista, como um corpo fechado e
auto-suficiente de saberes?
As linguagens utilizadas estão em consonância com a prática profissional? Elas são
discursos de autoridade ou são persuasivas?
Os textos adotados como referência são atrativos para os alunos e realmente
influenciam a aprendizagem?

Sobre a atuação profissional

Como realizar uma análise da comunidade da engenharia para verificar como


pensam efetivamente os engenheiros?
Como está organizada a sua cultura e quais suportes filosóficos e ideológicos
permeiam as suas ações?
A base da engenharia seria essencialmente newtoniana, cartesiana, indutivista,
positivista, empiricista? Como essas linhas influenciam a forma de pensar e de
praticar a engenharia?
Quais os pressupostos básicos da profissão, as idéias mestras que norteiam as
ações dos profissionais da área?
Há diferenças na forma de pensar entre as várias engenharias?
Qual o objeto de trabalho do engenheiro e como ele o trabalha?
Qual a relação existente entre a realidade e as soluções técnicas profissionais?
De que maneira a questão da linguagem influencia o pensamento da engenharia e a
forma de pensar da profissão e como ela influencia o ato de ensinar e aprender a
profissão?
De que forma as metodologias, as técnicas e os processos empregados na
engenharia estão relacionados com o modo de pensar da profissão?
Há uma forma hegemônica de pensar na engenharia?
Quais são os compromissos sociais da profissão?
A engenharia, afinal, está ou não acoplada aos sistemas sociais, políticos ou
econômicos?

Sobre o conhecimento

De que forma o processo de formação do pensamento está na raiz do ato de pensar?


Como os engenheiros alcançam o conhecimento e como estabelecem uma
representação simbólica adequada para o processo de se obter esse conhecimento?
Pode-se pensar num processo de seleção natural das idéias, em que nem sempre a
melhor sobrevive, mas sim aquela mais adaptada ao meio em que é empregada?
De que forma as bases filosóficas atuais da engenharia influenciam o processo de
se obter conhecimento?
Pode a ausência da produção de idéias ter raízes na construção de figurações
incompatíveis com o problema em análise, quando então se construiriam conceitos
realísticos dos fenômenos com que se está trabalhando?
Quais os obstáculos enfrentados pelos alunos que os impedem de compreender
novos conceitos e teorias e como estes obstáculos dificultam a constituição do
conhecimento?
De que maneira a adoção de uma concepção sobre como se dá a produção do
conhecimento influencia o processo de ensino?
Como trabalhar a questão do conhecimento sob o enfoque das rupturas entre as
formas antiga e nova de se interpretar um fenômeno?
O conhecimento é algo repassado, assimilado, compreendido, construído, ou é
extraído do próprio indivíduo, pois já estaria lá dentro dele?
O ato de assumir um conhecimento é contínuo ou descontínuo?
Há uma classe de conhecimentos científicos, uma de conhecimentos tecnológicos e
outra de conhecimentos populares?
O conhecimento será científico se for produzido em conformidade com o método
científico?
O conhecimento anterior dificulta a produção do novo conhecimento?

Sobre o aluno

Como os alunos chegam a um curso de engenharia, em termos de concepções


científicas, e como saem, após a formatura?
De que forma as concepções de ciência que os alunos trazem de sua formação
anterior influenciam no seu aprendizado?
De que modo a cultura geral que os alunos trazem em sua formação influenciam o
processo de aprendizagem e como eles transitam entre as várias culturas da qual
participam?
Quais são as concepções e os conceitos mais fortes que fazem parte da estrutura
mental dos alunos de engenharia?
O processo que define quais alunos cursarão engenharia não estaria artificializando
a amostra selecionada dentre o universo dos candidatos?
O que os alunos esperam de um curso de engenharia?
O sucesso escolar estaria vinculado à descoberta ou construção de uma estratégia
de sobrevivência dentro desse ambiente?
Algumas dificuldades em aprender lições teriam como base resistências à troca de
conhecimentos?
O ensino de engenharia tem alterado a conduta social dos alunos fora do ambiente
escolar?

Sobre o ensino

Como são abordados os modelos no ensino da engenharia e em função disso como eles influenciam
o processo de ensino?
Qual a função do tempo no ensino da engenharia, a sua duração, o seu ritmo e o seu
cadenciamento?
Ensinar é uma questão de repassar conhecimentos?
O professor realmente transmite as suas experiências para os alunos?
A relação professor-aluno no ensino tecnológico é empiricista, idealista ou construtivista?
Há alguma outra forma de trabalhar o conhecimento no ensino tecnológico com os elementos hoje
disponíveis?
Como as escolas de engenharia têm encarado o processo de ensino frente às novas tecnologias?
Qual a relação professor-aluno mais apropriada para fazer frente a estas novas tecnologias?
Como têm influenciado o processo de ensino tecnológico os modernos meios de comunicação?
Como utilizar a mídia que divulga o conhecimento em constante evolução?
A questão da forte informatização contemporânea não coloca ainda mais em pauta a questão
didático-pedagógica?
Estudos acadêmicos em filosofia da ciência contribuiriam para melhorar o rendimento técnico dos
engenheiros?
A idéia de levar uma concepção empresarial para dentro das escolas de engenharia tem eclipsado a
necessidade de um modelo ensino-aprendizagem fundamentado numa teoria do conhecimento?
Ao se adotarem modelos semelhantes aos industriais, que conduzem a aulas predominantemente
expositivas com ótimos recursos audiovisuais, não se deixam completamente a esmo os processos
cognitivos fundamentados numa teoria do conhecimento?
Será que a construção de idéias não foi relegada a segundo plano em relação à imposição e à
execução de idéias?

Aspectos epistemológicos gerais

Como aparecem as idéias revolucionárias na área tecnológica?


Há alguma relação entre observar e interpretar fenômenos?
Os progressos nesta área se dão por revoluções?
As revoluções em engenharia seriam apenas reflexos das revoluções científicas?
A engenharia que se pratica cotidianamente é calcada em que bases epistemológicas?
Quando alguém passa a transitar em mais de um coletivo continua sendo o mesmo indivíduo?
Como ele passa a reagir às diferentes formas de encarar o conhecimento entre os diversos coletivos
de que participa?
Como avançam os conhecimentos em engenharia? Por ruptura com as idéias anteriores ou por sua
reforma?
A evolução dos conhecimentos na profissão se dá por acumulação?
Como as comunidades técnicas tratam a questão da transgressão à ordem estabelecida?
Uma filosofia da tecnologia conduziria a um maior entendimento da própria profissão por parte dos
engenheiros?
Que papel assume a pressuposição da neutralidade da ciência no ensino tecnológico? O
engenheiro, enquanto desenvolve o seu trabalho, é um indivíduo neutro?
Não seria mais proveitoso se ciência e tecnologia fossem pensadas não apenas pelos filósofos da
ciência, mas por todos que as praticam?
Os conceitos usados em engenharia são leituras diretas da natureza? Os modelos usados são
descrições perfeitas da natureza?
Qual a relação entre os conceitos empíricos e teóricos usados na engenharia?
Se a ciência não é neutra e é realmente ditada por uma contextualização histórica e social, como a
engenharia trata o seu objeto de trabalho e como efetivamente o engenheiro se relaciona com este
objeto?
Como e em que momentos as escolas de engenharia procuram uma comunicação entre a esfera
dos objetos e a esfera dos sujeitos que concebem os seus objetos?
Em que momento e em que condições se estabelece uma relação entre as ciências naturais e as
ciências humanas?
Não haveria, em especial no pensamento tecnológico, uma forte tendência reducionista em relação
às idéias que embasam os trabalhos?
Como aplicar as idéias de pensadores como Thomas Kuhn, Karl Popper, Jean Piaget ou Gaston
Bachelard, por exemplo, na engenharia?

Aspectos históricos

Como evoluem os conceitos dentro da área técnica, e que influências isto tem no
modo de pensar hoje a engenharia?
Aspectos históricos interessam para os estudos em engenharia?
Qual a evolução da própria engenharia e da tecnologia?
Quais as origens e qual o desenvolvimento do pensamento científico e técnico
brasileiro?
Há conceitos utilizados na engenharia que teriam encontrado o seu poder máximo
de representação ou descrição nos dias de hoje?
Qual a história do ensino tecnológico no Brasil?
Qual o desenvolvimento histórico da engenharia?
Quais as raízes do fechamento do ensino tecnológico às disciplinas de cunho
humanístico?
Quais os pressupostos que embasaram a criação das primeiras escolas de
engenharia e em que contexto histórico foram criadas?
Quais as similaridades entre as atuais escolas de engenharia e as antigas?
Qual o impacto social decorrente do aparecimento de uma sistematização da
profissão engenharia?
Faz parte de tais trabalhos, mesmo que de forma subliminar, uma reafirmação de uma quase
consensual forma típica de entender o método científico e também uma certa tendência de se
confirmar a engenharia como atividade importante e madura. Desta forma, constituem tais
trabalhos, necessariamente, a descrição do problema, detectado via observação, a formulação de
hipóteses e a experimentação, mesmo que imaginária, o que faria com que a hipótese pudesse
ser transformada, via mentalização lógica, numa teoria, que seria então registrada na forma de
uma lei. O relatório do trabalho seria o coroamento de todo um trabalho intelectual que enfim
tivesse o supremo dom de domar a natureza e moldar o futuro.

Nas variadas indagações realizadas neste item procuro burlar a forma clássica de apresentar tais
questões. É porque pretendo, com este artifício, chamar a atenção para esta variedade de
questões sistematicamente afastadas do ensino tecnológico. Esse afastamento talvez não
aconteça de forma consciente ou premeditada, mas a verdade é que questões históricas,
epistemológicas ou mesmo aquelas referentes a uma teoria do conhecimento têm sido
consideradas como não pertencentes ao universo possível da engenharia.

É neste sentido que se insere o propósito de discutir a gama enorme de situações que interferem
nas questões didático-peda-gógicas: procurar instigar a descoberta de novas formas de pensar a
engenharia e o seu ensino. Não se pretende com isso revolucionar a profissão ou o seu ensino
mas, antes de tudo, contribuir para que se renove o espírito inventivo e crítico de que deve estar
imbuído o profissional desta área.

6.7 ELEMENTOS PRELIMINARES PARA UM PROGRAMA

Respeitando sempre os conteúdos do ensino dos campos de atuação de cada participante do


programa, podem ser trabalhados, nesta tentativa preliminar, os elementos abaixo especificados:

1. reflexões epistemológicas, visando a compreensão da estrutura do saber ensinado,


dos conceitos disciplinares, das relações interdisciplinares, dos obstáculos ao
conhecimento, objetivando também permitir a inferência de conseqüências didáticas;
2. abordagens históricas de alguns conceitos das ciências básicas da engenharia,
destacando a dinamicidade destes conceitos e a evolução na construção dos fatos
científicos;
3. revisões históricas da sistematização do sistema escolar, da definição dos currículos,
da introdução da quantificação do rendimento da aprendizagem;
4. análises de situações de sala de aula, das relações professor-aluno, dos modelos de
relação sujeito-objeto;
5. discussões das concepções alternativas dos alunos acerca de conceitos
científicos,das representações, transposições e obstáculos;
6. discussões pedagógicas compreendendo as reflexões sobre objetos do
conhecimento, pesquisas sobre as condições de apropriação e pesquisas sobre a
intervenção didática;
7. estudos sobre a sociologia do conhecimento;
8. abordagens dos insucessos na aprendizagem.

Abordar estes itens com dinâmica própria requer diferentes planejamentos. Atacá-los com um
mínimo de profundidade exigiria mais tempo de leituras, discussões e maturação. Mas a simples
compreensão da existência de problemas diferentes dos puramente técnicos pode despertar para
a reflexão sobre outros, mais particulares para cada prática de ensino.

6.8 A HERANÇA IDEOLÓGICA

Fazer frente a paradigmas arraigados numa comunidade profissional é difícill. Ainda mais quando,
de alguma forma, a própria sociedade parece não cobrar mudanças radicais no seu
comportamento.

Como o objeto da engenharia é fundamentalmente algo concreto, palpável e útil por definição, a
transposição da epistemologia acriticamente vinculada ao seu tratamento para a relação
professor-aluno passa a ser algo como uma obrigação lógica nesse meio. Talvez por isso o
modelo vigente no ensino de engenharia brasileiro ratifique diuturnamente o positivismo e/ou o
empiricismo. É mais fácil lutar para manter o que já existe. O desconhecido é sempre mais
amedrontador, embora às vezes também mais excitante.

De qualquer forma, acredita-se que, se implantados dentro das próprias escolas de engenharia, e
principalmente se conduzidos por professores de engenharia, programas com as abordagens
aqui sugeridas terão chances de alterar, para melhor, a prática de sala de aula hoje vigente nos
cursos técnicos.

Denota-se, portanto, que um primeiro entendimento que se firma sobre estas dificuldades de
construção de conhecimento nas escolas de engenharia, como de resto em toda a sociedade,
seria dependente da dominação sócio-econômico-cultural a que estamos sujeitos por uma
questão histórica. A importação acrítica de modelos existentes em outros países, geralmente do
Primeiro Mundo, custou e ainda custa um preço muito alto em termos de identidade cultural
refletida nos currículos estanques existentes em nossas escolas. É difícil romper com este
paradigma.

H.T. Wilson (Giroux, 1986), em um ensaio sobre semelhante problemática, cita três quesitos que
podem servir como exemplo e apoio nesta análise da influência ideológica de outros países - no
caso em questão, primordialmente dos EUA - no sistema de ensino de engenharia no Brasil:

'i - uma tendenciosidade anti-reflexiva e antiteórica, já notada, que nos tempos mais 'liberais' se
estendeu a virtualmente toda a atividade intelectual.'

Isto é muito mais aguçado na engenharia, onde a necessidade cada vez mais premente de
competitividade coloca em destaque absoluto a produção em detrimento de qualquer enfoque
humano e social que possa e deva se dar. Isto é feito de forma tão inconsciente que a maioria dos
professores nega tal aspecto.

'ii - uma preocupação mais recente pela acumulação de 'conhecimento', entendido como
observações mais exploráveis - ou observações em princípio -, tendo aplicação e 'relevância'
imediatas.'

Com isso se acentua mais ainda o desvinculamento do ensino de tecnologia de qualquer análise
social que destrua o mito, já arraigado entre a maioria dos engenheiros e professores, da
propalada neutralidade científica que colabora de forma tão significativa na observação
desapaixonada do homem que trabalha com experimentação. Isto leva ao terceiro ponto citado
por Wilson.

'iii - um falso compromisso com a 'objetividade', na ausência do objetivo apropriado, derivado de


um racionalismo científico com sua noção não-reflexiva de neutralidade, ceticismo e não-
dependência de valores e interesses.'

6.9 QUAL A ATITUDE EPISTEMOLÓGICA?

Levando todas estas questões para a sala de aula e assumindo que a relação entre professor e
aluno deva ser direcionada mais para o lado da importância da contextualização, na busca da
humanização do ensino de engenharia, tem-se que apostar na quebra de um obstáculo enraizado
na estrutura deste ensino: a dificuldade de assumir que a forma com que se repassa ou se
constrói conhecimento e que a relação professor-aluno são sempre decorrentes de uma atitude
epistemológica.

Quebrar um obstáculo, vencer um paradigma são tarefas que se apresentam desafiadoras. As


questões epistemológicas raramente foram tratadas dentro de um ambiente onde, por mais
paradoxal que possa parecer, é necessário e indispensável saber de que forma se processa o
conhecimento científico.

Em função disso, conscientemente, assumo a pouca preocupação, nesta altura do trabalho e


dentro dos processos que busco construir neste momento, se a posição de conteúdos X é
indutivista, se a do conteúdo Y é dedutivista ou mesmo se a de Z é empiricista. Se X segue Piaget
ou Khun! Se somos contra o método, da mesma maneira de Feyerabend, ou se é preciso provar
a falseabilidade para estar de acordo com Popper.

Todas as boas idéias devem ser buscadas nesta (re)estrutu-ração das práticas didático-
pedagógicas. E para este intento, as construções mentais destes pensadores, reunidos dentro de
um estudo epistemológico amplo, podem ser de significativa importância nas relações de
construção de conhecimento existentes entre professores e alunos.

Quando apregôo aqui uma formação diferenciada da usual para professores de engenharia,
reforço a finalidade deste estudo: fornecer a nós professores, como indivíduos e mestres, uma
abertura que nos ajude a perceber diversas abordagens da realidade e a não encerrá-la dentro do
'método unidimensional das ciências'. Esta característica poderá forçar uma situação que
possibilite o abandono de paradigmas dominantes na nossa cultura e a admissão de que, para
refletir sobre os problemas da sociedade e sobre as questões humanas, que são atreladas ao
ensino tecnológico, mesmo que alguns resistam a estas evidências, é preciso possuir
'ferramentas' semelhantes àquelas utilizadas para construir a mecânica dos sólidos, a
transferência de calor, a física ou, quem sabe, a matemática.

É necessária a intervenção neste processo para que o professor se conscientize de que cabe a
ele, pela sua experiência, sua capacidade intelectual e pela sua formação como um todo, assumir
o timão desta tarefa e, com isso, procurar de todas as formas ser o orientador na entrega, na
transmissão e, o que é mais importante, na construção do conhecimento junto aos seus alunos.

Começa a desaparecer a visão passiva que reina com vigor nas escolas de engenharia do Brasil.
Não encontra mais muito eco a visão falaciosa de que o conhecimento 'caminha' inexoravelmente
do professor em direção ao aluno fazendo desse um mero reprodutor de conhecimentos já
estabelecidos
O lugar-comum da necessidade da existência de maior criatividade por parte dos estudantes
simplesmente como uma cobrança - e sempre a ouvimos à exaustão de professores que jamais
sequer se perguntaram se a forma com que eles constroem conhecimento tem auxiliado neste
empreendimento - perde um pouco de fôlego. Começamos a nos conscientizar que se não
mexermos no cerne da questão, que se situa na formação dos professores, qualquer crítica ou
sugestão são inócuas para estabelecer qualquer nova proposta.

Existem as mais variadas implicações pelo fato de nossos cursos serem calcados em idéias
positivistas. Já tratei deste assunto no capítulo 2, onde salientei a enorme preocupação
decorrente da fragmentação de nossos currículos. Afirmei também que se a abordagem da
construção de conhecimento for mais relativista, seguramente a forma de montar os currículos e
construir o conhecimento também será diferenciada. Mas na incipiência destas preocupações
dentro de nossos modelos de ensino atual, precisamos ser mais cautelosos e, talvez, até para
não cair na mesma 'arapuca' do que se vem criticando, ser mais dialógicos, não querendo impor
uma idéia que para cada um, isoladamente, parece ser a mais correta.

É notório que se trouxermos a epistemologia de forma complexa - e para isso existem tratados
com muito mais embasamento do que aquele que eu poderia dispensar aqui - e hermética para
professores que muitas vezes sequer ouviram falar de tal assunto e que se pretende sejam
participantes ativos neste processo, ao invés de estar se prestando uma contribuição ao ensino
de engenharia, na realidade se estaria colocando mais um entrave nesta relação que já é bastante
complexa. Assumo aqui, contundentemente, tal pragmatismo.

De todas as definições, positivistas, racionalistas, empiricistas, relativistas, apesar de sempre


existir uma que orienta o professor na maioria das suas atividades, proponho, talvez até de uma
forma meio feyerabendiana, um novo tipo de epistemologia: a 'ponderalista'. E por quê?

As situações são sempre muito diversas e em algumas delas a necessidade de certos tipos de
ponderação põe o pesquisador, o professor ou quem quer que esteja lidando com semelhante
assunto em questionamento por ele não estar de acordo com uma teoria mais direcionada. Isto é
prejudicial e em certas situações tolhe uma possível boa idéia. A necessidade de contrapor Khun
a Lakatos, ou quem sabe os paradigmas às proto-idéias, Popper a Bachelar, Fleck a Feyerabend
ou a qualquer outro epistemólogo não é realmente proposta deste trabalho. Penso, sim, que
fundamentado nos seus conceitos - de todos eles indistintamente - é importante formar uma
moldura que possa contribuir com o desenvolvimento científico/tecnológico - e certamente este
sempre foi o objetivo dos epistemólogos que lidam com esta problemática e foi o enfoque
assumido por este trabalho desde suas primeiras linhas - voltado para a sociedade como um todo.

Este posicionamento, aliás, tem também um forte cunho epistemológico. Assumindo um enfoque
direcionado a apenas um pensamento epistemológico, podemos ser levados a um erro comum
entre os filósofos da ciência, que tendem a ser totalmente intelectuais e a negligenciar o fato de
que o progresso científico tecnológico também é catalisado quase tão freqüentemente por
métodos - não aquele 'método científico' clássico padrão que alguns apregoam ser o infalível para
lidar com ciência - práticos quanto por pensamento lógico.
Não é pretensão contribuir para aumentar a dúvida - parece às vezes obrigatório dentro da
academia a necessidade de vazar os ensaios em termos complexos para mostrar profundidade
de conhecimento - por falta de reflexões, às vezes simples, da utilidade de termos tão amplos e
importantes quanto ciência, tecnologia, cientista ou talvez engenheiro. É importante, para isso,
também não ir em busca de rotulações que muitas vezes os filósofos deliberadamente fazem dos
cientistas, sem sequer dar crédito ao seu trabalho diário merecedor de reconhecimento e de
confiança.

Querer contribuir para aumentar o fosso existente entre estes dois campos, que alguns procuram
demonstrar serem antagônicos, é jogar fora um enorme esforço que hoje se estabelece na busca
de uma nova aliança. Para evitar isso é importante procurar se basear também naqueles que
fizeram ciência e não apenas naqueles que escreveram sobre ela.

Esta postura agrega novos motivos que reforçam a tese de que existe uma possível saída para a
quebra desta regra estabelecida sub-repticiamente há muito tempo: a formação de caráter
histórico, social e humanista das pessoas que trabalham com ciência e tecnologia, principalmente
os professores de engenharia do Brasil.

O professor-engenheiro precisa tratar com mais profundidade situações em que ele muitas vezes
passa por ingênuo, como, por exemplo, o fato de crer que geralmente os grandes eventos
aconteceram por mero acaso da sorte por não saber alguns tratamentos históricos e
epistemológicos da ciência. Esta ingenuidade e esta crença, sim, estabelecem padrões diferentes
de lidar com os estudantes dentro da sala de aula.

Tais reflexões ativam o cérebro humano e colocam em conflito as idéias de inúmeros cientistas e
pensadores da ciência que ajudam na formação do nosso conhecimento. É fácil perceber as
inúmeras incongruências existentes entre eles, sem no entanto deixar de usufruir de suas
construções mentais para a nosso próprio amadurecimento mental. Quantos de nós professores
defendemos ardorosamente a existência de método inflexível e único para fazer ciência - como
preconizavam Bacon e o próprio Descartes -, sem no entanto saber por que e para quê. Será que
se soubéssemos, por exemplo, que Einsten era um pouco mais flexível nestas questões
cognitivas a nossa posição continuaria a mesma? Na sua frase “Não há processo lógico para a
descoberta das leis elementares, há somente o caminho da intuição, ajudada pela sensibilidade à
ordem escondida atrás das aparências” (Einstein, 1981) parece que ele nos brinda com uma
imensa dose de relativismo na sua forma de fazer ciência.

Estas discussões, assumidas como importantes na formação dos professores, proporcionarão


reflexões sobre a forma de construir conhecimentos com quem, daqui a pouco, terá que lidar com
a ciência e a tecnologia num mundo em constante mutação.

Existe hoje um novo quadro, tanto na ciência e na engenharia quanto na forma de estudar a
ciência e a engenharia. Não podemos ficar alheios a isso. O fato de sabermos como um
engenheiro trabalha e a grande variedade de métodos e atitudes que ele irá tomar precisam ser
discutidos na escola. É notório, e estamos cientes disso, que estas discussões não passam pela
descrição pura e simples se o nosso ensino é 'hipotético-dedutivo', ou quem sabe 'lógico-indutivo',
ou ainda, como é mais comum, baseado em inferências lógicas da observação empírica. Não é
só isso, é claro! Mas a forma acrítica como o método científico é colocado nos livros-textos obriga
o professor de engenharia a decifrar este enigma com os seus alunos.

Em todas as análises do processo de conhecimento, três elementos básicos aparecem: o sujeito


que conhece (S), o objeto do conhecimento (O) e o conhecimento como produto do processo
cognitivo (C). Por processo de conhecimento entende-se uma interação específica do sujeito que
conhece e do objeto do conhecimento, tendo como resultado os produtos mentais que se chama
de conhecimento. Três modelos do processo de conhecimento são estabelecidos:

a. empiricismo - modelo mecanicista: o sujeito do conhecimento apenas reflete o que


o lhe chega do objeto através dos sentidos; o objeto é a fonte do conhecimento; o
sujeito é passivo, neutro, contemplativo, receptivo; o objeto reflete uma ação
mecânica sobre o sujeito; S <=O;
b. inatismo - modelo apriorista: toda a verdade é proveniente do sujeito que conhece,
sendo o objeto considerado neutro; a atenção centra-se sobre o sujeito, a quem se
atribui o papel de criador da realidade; S=> O;
c. construtivismo: sujeito e objeto interagem mutuamente; nem o sujeito nem o objeto,
e por conseqüência nem o conhecimento, são neutros; há uma interação mútua entre
eles; S <=> O.

A escolha, consciente ou não, de um desses modelos implica conseqüências importantes para a


atitude científica ou pedagógica. Como considerar o objeto de investigação? Quais os papéis
desempenhados pelo professor e pelo aluno no processo ensino-aprendizagem? Como se dá o
conhecimento?

Usando as situações epistemológicas desenvolvidas acima, vejamos de que forma elas


interferem junto aos professores e aos estudantes como sujeitos da construção do conhecimento.
E aqui será feita apenas uma relação entre o empiricismo - situação que acredito seja a
predominante atualmente no ensino de engenharia - e o construtivismo - postura epistemológica
que acredito poderá dar conta da maioria dos pressupostos julgados importantes neste ensaio.

O empiricismo (S <=O) tem dado sustentação a uma tradição de ensino que privilegia um modelo
que considera o aluno - sujeito do conhecimento - como neutro e destituído de história. Em sala
de aula, o professor passa a ser o agente da ação e irá 'imprimir' os seus conhecimentos nas
'ainda vazias' cabeças dos alunos. Tem-se um sistema de ensino assim descrito:

Método: repasse de informações, pelo professor, ao aluno passivo;

Objetivo: o aluno deverá reproduzir o que lhe foi repassado, sendo avaliado em função da
precisão dessa reprodução;

Efeitos: os erros são punidos com descontos de notas; a aprendizagem é meticulosamente


quantificada; o fracasso escolar é culpa do aluno, que não tem nível para acompanhar as lições;

Funções: o aluno é o depositário das informações, o professor é o transmissor dos


conhecimentos e a escola é o local de reprodução do saber.

Fernando Becker, num ensaio importante sobre esta relação epistemológica na sala de aula,
salienta o caráter autoritário que o professor assume neste modelo:

“Esta pedagogia tende a valorizar relações hierárquicas que, em nome da transmissão de


conhecimento, acabam por produzir ditadores, por um lado, e indivíduos subservientes, anulados
em sua capacidade criativa, por outro. Consideram o sujeito da aprendizagem, em cada novo
nível, como tábula rasa. O Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1979), constitui um libelo
contundente de denúncia das produções possíveis deste modelo pedagógico; é uma denúncia da
'educação domesticadora'. Sua fundamentação epistemológica é fornecida pelo empirismo”
(Becker, 1995, p. 10).
No segundo caso - decorrente do apriorismo - acontece exatamente o contrário da situação
anterior. Ele diz que quando a pedagogia é centrada no aluno:

“Esta pedagogia pretende enfrentar os desmandos autoritários do modelo anterior, atribuindo ao


aluno qualidades que ele não tem, como: domínio do conhecimento sistematizado em
determinada área, capacidade de abstração suficiente, especialmente na área de atuação
específica do professor, e volume de informações devidamente organizadas, além, é claro, do
domínio das didáticas.[...] Apesar das mesclas empiristas, sua fundamentação epistemológica é
dada pelo apriorismo - inatista ou maturacionista” (Becker, 1995, p. 10).

O modelo construtivista (S <=> O) ou interacionista, que constitui tendência mais moderna no


ensino, pode ser assim representado:

Método: contextualização do conhecimento a ser construído com o aluno;

Objetivo: provocar perturbações nas construções mentais que o aluno já possui, instigando-o a
construir e internalizar novos conhecimentos;

Efeitos: o erro é considerado como experiência e indica o estágio em que se encontra o aluno;

Funções: o aluno é considerado um ser pensante, com história pregressa e com um universo
mental prévio já internalizado; o professor é orientador e co-partícipe da construção do novo,
provocando as perturbações que farão o aluno reestruturar o seu universo pessoal; a escola é um
espaço que ajuda a integrar o aluno à sociedade e à cultura.

Quando a pedagogia é centrada na relação professor-aluno, tem-se a seguinte consideração:

“Ela tende a desabsolutizar os pólos da relação pedagógica, dialetizando-os. Nenhum dos pólos
dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o aluno também. São bagagens
diferenciadas que entram em relação.” (Becker, 1995, p. 10).

Em suma, novamente aqui aplica-se o critério da ponderação, longe dos radicalismos, como fator
agregador de uma atitude que pode levar a bons termos. Este tipo de postura também retira do
aluno a pecha de ignorante absoluto e por isso a sua subserviência em relação a tudo que lhe é
imposto. Em compensação, coloca-o à frente de sua autocrítica quanto à sua pretensa auto-
suficiência em relação aos instrumentos de acesso ao conhecimento.

6.10 QUESTIONAMENTOS DA MUDANÇA

Na seqüência dos elementos que dizem respeito à formação dos professores, destaquei alguns
pontos que parecem direcionar o ensino da engenharia, seguidos de breves reflexões, na
tentativa de reavaliar a formação docente atual.

Isto serve mais como uma sistematização para que se possa, de uma forma mais dinâmica, situar
os problemas que já foram, na sua maioria, abordados ao longo deste ensaio, às vezes de forma
explícita e outras vezes embutidos na análise epistemológica de algum de seus tópicos.

Destacou-se sempre a implicação epistemológica - com grande predominância do empirismo -


que todas as afirmações levantadas, sem exceção, carregam consigo na relação de
aprendizagem corrente dentro das salas de aula. Isto foi feito com fundamento no aspecto de que,
se aposto num modelo 'construtivista', todas as reflexões devem obrigatoriamente ser realizadas,
pois só com a mudança de postura em sua maior parte se conseguirá uma alteração no modelo
epistemológico hoje dominante.

Construindo o conhecimento
Na construção de conhecimento apregoada neste novo processo para professores e alunos, uma
frase do professor C.H. Waddington no seu livro The Scientific Attitude ajuda a reafirmar a
convicção de uma ciência diferente da estabelecida em nossas escolas: “A ciência não é uma
coleção de truques. É uma atitude perante o mundo, um modo de viver”.

Quem desenvolve ciência e tecnologia não pode ser um recluso notável, como acreditam muitos
levados pelos estereótipos criados pela imprensa e pelos comerciais. Deve sim ser um cidadão
em contato permanente com os problemas que o rodeiam, criticando constantemente os
resultados, da própria ciência e da tecnologia, que ele eventualmente detecte como não-
importantes para o bem-estar da sociedade.

Na qualidade de professores de engenharia não podemos confundir uma academia científica com
uma escola que pretende construir conhecimentos. É talvez este equívoco profundo que faz com
que os nossos cursos de pós-graduação que, na grande maioria, formam professores para estas
mesmas escolas de engenharia, não atribuam a mínima importância para as questões de ordem
cognitiva, epistemológica e social. Precisamos acabar com a idéia de que bastam alguns recursos
tecnológicos, tais quais métodos audiovisuais ultramodernos ou, quem sabe, apenas a
capacitação técnica inquestionável de nossos professores para termos escolas de excelência.
Isto, a par da sua importância, ajuda a camuflar a real situação que acontece dentro da sala de
aula, onde se perpetualiza o caráter controlador do professor e o seu tão valorizado poder
intelectual, sempre à mercê de um método ou de um livro didático que nem sequer obteve, por
parte deste professor, uma reflexão crítica considerável

Quando se estabelecem todas estas reflexões, quer se motivar cada vez mais uma busca
incessante da formulação de projetos pedagógicos que reúnam professores e alunos na
concepção de novos conhecimentos contextualizados, capitaneados por uma formação mais
consistente do corpo docente.

Este tipo de comportamento não nasce espontaneamente. O professor precisa estar 'formado'
para isso. Esta formação não pode ser calcada em fundamentos que ainda tratam a ciência como
neutra, imutável, e pior de tudo, infalível. É necessário que o aluno, com a participação do
professor, ocupe efetivamente um lugar de destaque neste processo de descoberta de novos
tempos. Que ele seja capaz de organizar formas de raciocínio que lhe permitam formar um
discurso coerente com a sua forma de ver o mundo, para poder ser comparada a outras existentes
e postas durante o seu processo de aprendizagem.

Parece, mesmo tomando-se dados superficiais de maneira empírica, que qualquer investigação
de ordem cognitiva realizada nas escolas de engenharia revelaria que, mesmo dominando o que
é geralmente considerado uma boa instrução, a maioria dos estudantes, incluindo os mais
talentosos academicamente para reforçar a afirmação, compreendem menos do que aquilo que
pensamos que entendem. Com muito esforço e determinação, os estudantes que fazem uma
prova - submetidos a situações psicológicas desfavoráveis, como comentei em outras situações -
são geralmente capazes de identificar e de reproduzir aquilo que lhes foi dito ou que leram por
uma questão pura de memorização

Esta assertiva, mesmo que feita através de pressupostos estabelecidos por constatações
especulativas, sugere que a parcimônia é essencial no que diz respeito à fixação de objetivos
para a construção do conhecimento: as reuniões pedagógicas, que deveriam ser realizadas nos
departamentos de ensino, precisariam selecionar os conceitos e as capacidades mais
importantes, de modo a relevarem com mais ênfase a qualidade da compreensão, e não a
quantidade das informações apresentadas.
Parece claro, e a grande maioria dos estudiosos da cognição defendem
semelhante afirmação, que os indivíduos precisam construir os próprios
significados. A suposta clareza com que os professores ou os livros lhes
ensinam as coisas, geralmente de forma canônica e isenta dos erros,
geralmente os leva em busca da memorização pura, portanto insuficiente
para a construção do conhecimento. Os estudantes, normalmente, para
construírem os seus significados, trabalham com a associação dos novos
conceitos e da nova informação àquilo em que já antes acreditavam.

Ao irrelevarmos as concepções alternativas dos estudantes estamos


incorrendo num perigoso erro pedagógico. Os conceitos - as unidades
essenciais do pensamento humano - que não têm ligações múltiplas com
o modo como o estudante concebe o mundo, e muitas vezes nós
forçamos isso ao ensinar ciência, não serão provavelmente recordados
nem sequer úteis. Se admitirmos que ao menos permaneçam na
memória, tais conceitos estarão utilizando uma parcela do depósito
intelectual proporcionado pelos fragmentos jogados a esmo pelo
'repasse' excessivo de informações durante a sua formação intelectual,
mas no entanto não estarão disponíveis para afetarem os pensamentos
sobre qualquer outro aspecto da concepção de mundo.

Se nos jogamos na direção de uma proposta de mudança, é fundamental


que estendamos um pouco esta análise. Raramente um assunto com
este enfoque toma tempo de discussões nos departamentos de ensino.
Já foi comentado que, quando semelhantes preocupações surgem entre
nós professores, tomamos rapidamente o caminho das soluções
'pragmáticas' da busca de novos artefatos que proporcionem aulas mais
dinâmicas ou, quem sabe, mais atenção dos alunos nas aulas práticas.
No entanto, mesmo sem uma análise aprofundada, sabemos que estes
paliativos servem apenas para estancar nossa preocupação, achando
que estamos dando cabo do problema.

Uma aprendizagem efetiva, além de não se processar apenas em razão


de novos equipamentos ou aulas práticas à exaustão, também exige
muito mais do que fazer somente múltiplas associações das novas idéias
às já conceitualmente estabelecidas. É necessário - aqui a obediência
cega ao paradigma implica enorme dificuldade - que os indivíduos
envolvidos no processo da construção do conhecimento - no caso em
questão os professores e os alunos - reestruturem radicalmente o modo
de pensar.

Cientes de que os estudantes chegam à escola com suas próprias idéias


(aconteceu isso com todos nós nos tempos escolares) deve-se ter alguns
cuidados que poderão contribuir de forma decisiva na construção de seu
conhecimento.
Não é suficiente a mera contradição das idéias previamente presentes
nas mentes dos alunos, mesmo que erradas. É necessário um
encorajamento ao desenvolvimento de novas visões que os ajudem a
compreender melhor o mundo através de suas próprias construções
mentais.

Precisamos assumir que estas experiências, que podem desenvolver a


capacidade de compreender conceitos abstratos, de manipular símbolos, de
raciocinar logicamente, só são eficazes na aprendizagem quando ocorrem no
contexto de alguma estrutura conceitual relevante. Se apostarmos na mera
repetição de tarefas mecânicas - e aqui não somente nas tarefas manuais, mas
também nas intelectuais - por parte dos alunos não estaremos proporcionando
melhorias na sua capacidade, muito menos ajudando na construção de seu
conhecimento.

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