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RENÉ DESCARTES: O MÉTODO RACIONALISTA QUE PROVA A EXISTÊNCIA

DE DEUS¹

Mario Marlon Silva Almeida²

Universidade do Estado do Pará – CCSE, Belém, PA

Prof. Mestre e Doutorando Rafael Amaro da Silva

Resumo

O francês René Descartes foi um filósofo, matemático, responsável por um dos métodos
científicos mais famosos, o método racionalista. Nascido em uma família nobre, disponha de
recursos para seus estudos e viagens que fez ao longo da vida. Sendo nessas viagens que
desenvolve suas conclusões. Por confiar somente na matemática, desenvolve um método
matemático com quatro regras para a análise de diversas questões, provando-as se são verdade
ou uma farsa. E apesar de tudo duvidar, até de seus próprios sentidos, em suas meditações
chegou à conclusão que uma verdade não pode ser duvidada, penso, logo existo. Mas somente
provar sua existência não era suficiente e tendo noção de que não era um ser perfeito, a ideia
de perfeição havia sido colocada em seu pensamento por um ser perfeito, Deus. Contudo, não
foi só ele que tentou mostrar a existência desse ser, Jhon Locke também chegou a essa
conclusão através de outro método e ele sendo anticartesiano, contrariou diversos
pensamentos cartesianos, como a de que o homem já nasce com ideias em sua consciência,
ideias inatas. Todavia, esses pensamentos contrários não tiraram a importância do método
cartesiano para a filosofia moderna. E, por fim o racionalismo de Descartes acaba sendo
censurado pela Igreja, mas não impediu de se propagar e se tornar importante para estudos até
hoje.
Palavras-chave: razão; método; Deus; ideia; perfeição.

Introdução

No meu estudo de como René Descartes, filósofo e matemático, através do método


racional, desenvolvido por ele próprio, provou a existência de Deus e seu entendimento sobre
o mesmo, achei necessário antes explicar como foi a educação de Descartes e sua trajetória
até a publicação do seu livro, Discurso do Método, em 1837, sendo essa obra que tomo de
referência para o meu trabalho.

Nasceu em 1596, numa família nobre, em um povoado da Touraine. Estudou por oito
anos no Collège de La Flèche, está era uma escola jesuíta fundada em 1604, da qual sabe-se
muito sobre seus currículos de estudo graças ao Ratio studiorum³. Lá estudou cinco anos de
¹ Atividade avaliativa referente a segunda avaliação da disciplina de Teoria 1, sobre orientação do
professor, mestre e doutorando Rafael Amaro da Silva.
² Estudante do primeiro semestre do curso de Licenciatura em História pela Universidade do Estado do
Pará
³ Tratado pedagógico elaborado pelos jesuítas nas décadas de 1580 e 1590 e seguido de maneira estrita
em todas as instituições..
humanidades clássicas, latim e grego, seguidos de três anos de “filosofia” – um ano de lógica
(aristotélica), mais um ano de matemática e física aristotélica e, finalmente, um ano de ética
(incluída a casuística) e metafísica (aristotélica). Porém, mesmo com um ótimo estudo, que
ele mesmo afirma, Descartes se declara ainda cheio de dúvidas ao final do curso.

Fui nutrido nas letras desde a infância, e por me haver persuadido de que,
por meio delas, se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o
que é útil a vida, sentia extraordinário desejo de aprendê-las. Mas logo que
terminei esse curso de estudos, ao cabo do qual se costuma ser recebido na
classe dos doutos, mudei inteiramente de opinião. Pois me achava enleado
em tantas dúvidas e erros, que me parecia não haver obtido outro proveito,
procurando instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha
ignorância. E, no entanto, estivera numa das mais célebres escolas da
Europa, onde pensava que deviam existir homens sapientes, se é que
existiam em algum lugar da Terra. (DESCARTES, 1973, p.4).

Descartes ainda estudou Direito em Poitiers4, profissão que ele nunca chegou a
exercer. Ainda jovem e motivado por suas incertezas e tendo condições, ele parte à procura de
novas fontes de conhecimento, experiências de vida e sua reflexão pessoal.

[...] tão logo a idade me permitiu sair da sujeição de meus receptores, deixei
inteiramente o estudo das letras. E, resolvendo-me a não mais procurar outra
ciência além daquela que poderia achar em mim próprio, ou então no grande
livro do mundo, empreguei o resto da minha mocidade em viajar, em ver
cortes e exércitos, em frequentar gente de diversos humores e condições, em
recolher diversas experiências, em provar a mim mesmo nos reencontros que
a fortuna me propunha e, por toda parte, em fazer tal reflexão sobre as coisas
que se me apresentavam, que eu pudesse delas tirar algum proveito.
(DESCARTES, 1973, p.7).

Se tem pouca certeza e detalhe do longo período de viagens da vida dele. Em 1618,
Descartes parte para a Holanda a fim de juntar-se ao exército do príncipe Maurício de Nassau.
É nessa época que conhece e trava amizade com um jovem holandês, Isaac Beeckman5, com
quem discute questões científicas. Em 10 de novembro de 1619, descobre “os fundamentos de
uma maravilhosa ciência” e três sonhos maravilhosos advertem que está destinado a unificar
todos os conhecimentos humanos. Descartes faz muitas viagens, voltando ocasionalmente a
França. Por ventura, em uma dessas oportunidades, torna-se amigo de Marin Mersenne6,
figura importante, seu promotor intelectual, com quem troca diversas correspondências. Além
de Mersenne, durante esse período, torna-se famoso e posteriormente conhece diversas
personagens de sua época. Com a audiência da condenação de Galileu, em 1633, Descartes
decide por não publicar a obra Le Monde, onde também defende uma versão do
4
Cidade situada na região centro-oeste do território Francês.
5
Matemático, físico, médico e filósofo holandês.
6
Padre Mersenne, religioso francês pertencente à Ordem dos Mínimos, foi teólogo, matemático e
teórico da música.
copercanismo. Somente em 1637, há a publicação do Discours de La Méthode, seguido de
três ensaios apresentados como ilustrações desse método: La Dioptrique, Les Metéores e La
Géométrie. Sendo o livro, Discurso do Método, que tomo por base nesse estudo, com foco
principal para a segunda parte, onde o autor trata das principais regras do método, e na quarta
parte, “as razões pelas quais prova a existência de Deus e da alma humana”. (DESCARTES,
1973, p.2).

Na sua obra de 1637, Descartes mostra como e por quais motivos criou o seu próprio
método científico, que se tornou muito célebre posteriormente. Dividido em quatro regras,
que trariam a verdade, um método universal. “[...] Descartes queria afastar as pessoas da
dúvida e conduzi-las para as ciências exatas.” (COLLINGWOOD, 2001, p.104).

Dizia ele confiar somente na matemática, por causa da certeza e da evidência de suas
razões. Sendo assim, seu método matemático era disposto de forma enumerada e devia ser
obedecida da seguinte forma:

O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que


eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente
a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se
apresente tão clara e tão distintamente a meu espírito, que não tivesse
nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.

O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse


em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para
melhor resolvê-las.

O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos começando


pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a
pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e
supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns
aos outros.

E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e


revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir. (DESCARTES,
1973, p13).

Estando contente com seu método diz DESCARTES (1973, p.14) “[...] contanto que
não nos abstenhamos somente de aceitar por verdadeira qualquer que não o seja, [...], não
pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue por fim, nem tão ocultas que não se
descubram”, ele acreditava que assim não haveria dúvida que não fosse enumerada e provada
sua verdade ou farsa, Descartes prometia a si mesmo aplicar aquele método as outras ciências
além da Álgebra – física e metafísica, pois só nessas três esperava atingir um conhecimento
certo e seguro.
René Descartes duvidava de tudo, até de si mesmo, duvidava dos sentidos, já que
frequentemente eles nos enganam. Todavia, dizia ele existir algo que não podia se indagar: eu
penso, logo existo. Não é um raciocínio, o Cogito é uma constatação de fato, uma intuição
metafísica. “E, notando que está verdade: cogito ergo sum, era tão firme e tão certa que todas
as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de a abalar, julguei que
podia aceita-la, sem escrúpulo, como o primeiro princípio da Filosofia que procurava.”
(DESCARTES, 1973, p.23).

Quarta parte, Deus, ser perfeito

Afirmar a sua existência enquanto ser pensante não era suficiente, tendo refletido e
percebido que seu ser não era totalmente perfeito, Descartes concentrou-se a pesquisar o que
seria perfeito. Apesar de ser imperfeito, tinha em si a ideia de perfeição. Mas surgia outra
dúvida, essa perfeição não poderia surgir do nada, tão pouco dele, um ser imperfeito.
Imperfeição não gera perfeição. Logo, essa ideia teria sido posta por uma natureza superior e
verdadeiramente mais perfeita do que a dele, Deus. Um ser perfeito pode ser sua própria
causa, prova-se, portanto, que o homem não pode ter criado Deus, pois logo esse, um ser
imperfeito, jamais poderia engendrar a perfeição.

[...] dado que conhecia algumas perfeições que não possuía, eu não era o
único ser que existia (usarei aqui livremente, se vos aprouver, alguns termos
da Escola); mas que devia necessariamente haver algum outro mais perfeito,
do qual eu dependesse e de quem eu tivesse recebido tudo o que possuía.
Pois, se eu fosse só e independente de qualquer outro, de modo que tivesse
recebido, de mim próprio, todo esse pouco pelo qual participava do Ser
perfeito, poderia receber de mim próprio pela mesma razão, todo o restante
que sabia faltar-me, e ser assim eu próprio infinito, eterno, imutável,
onisciente, todo-poderoso, e enfim ter todas as perfeições que podia notar
existirem em Deus. (DESCARTES, 1973, p.24).

Portanto, a dúvida, a inconsistência, a tristeza e semelhantes não poderiam existir nele.


Tendo em vista que a bondade é uma característica de Deus, um ser perfeito não seria capaz
de enganar. Deus só garante das verdades das ideias claras e distintas, o que permitiu a
Descartes deduzir outras verdades, como a existência do mundo. Aonde tudo é proveniente
dele.

Donde se segue que as nossas ideias ou noções, sendo coisas reais, e


provenientes de Deus em tudo em que são claras e distintas, só podem por
isso ser verdadeiras. De sorte que, se temos muitas vezes outras que contêm
falsidade, só podem ser as que possuem algo de confuso e obscuro, porque
nisso participam do nada, isto é, são confusas em nós, porque nós não somos
de todo perfeitos. E é evidente que não se repugna menos admitir que a
verdade ou a perfeição procedam do nada. Mas, se não soubéssemos de
modo algum que tudo quanto existe em nós de real e verdadeiro provém de
um ser perfeito e infinito, por claras e distintas que fossem nossas ideias, não
teríamos qualquer razão que nos assegurasse que elas possuem a perfeição
de serem verdadeiras. (DESCARTES, 1973, p.27).

Aqui, podemos estabelecer uma relação com outro filósofo contemporâneo à René
Descartes, Jhon Locke, que era anticartesiano e também descobre que a existência de Deus
pode ser demonstrada racionalmente.

Locke demonstra a existência de Deus recorrendo ao antigo princípio


metafísico exnihilo nihil e ao princípio da casualidade, do seguinte modo.
Nós sabemos com absoluta certeza que há algo que existe realmente. Além
disso, “por certeza intuitiva o homem sabe que o puro nada não produz um
ser real mais do que não possa ser igual a dois ângulos retos. Se um homem
não sabe que o não-ente ou a ausência de todo ser não pode ser igual a dois
ângulos retos é impossível que conheça uma demonstração qualquer de
Euclides. Por isso, se nós sabemos que há algum ser real e que o não-ente
não pode produzir um ser real, essa é a demonstração evidente de que algo
existe desde a eternidade, porque aquilo que não existe desde a eternidade
teve início, e aquilo que teve início deve ter sido produzido por alguma outra
coisa”. (LOCKE apud REALE; ANTISERI, 2005, p.103)

Locke afirma que essa coisa existente, desde a eternidade, é onipotente, onisciente e
eterna. Sendo assim, está é a prova da existência de Deus. Segundo ele, Deus nos conferiu
apenas as faculdades para que pudéssemos adquirir conhecimento, dentro dos certos limites.
Ao contrário de Descartes, que afirma que as ideias são inatas, Locke afirma que, ao
nascermos, somos uma folha em branco – “tábula rasa− que é escrita na medida em que
vivemos e temos experiências do mundo.

É no Cogito e na sua concepção de que sendo um ser imperfeito tinha a ideia da


perfeição, colocada em nossa mente por um ser, que a criou e a colocou em nossa razão, ou
seja, um ser que só pode ser chamado de Deus. É nessas passagens que vemos como
Descartes queria colocar a prova as maiores dúvidas do homem, Deus, A Criação do Mundo,
as Leis da Natureza. Que com a comprovação desse primeiro levou à resposta das outras.
Contudo, mesmo sendo católico e provado a existência de um ser de natureza superior a do
homem, suas obras foram caçadas pela Inquisição e colocadas no Index Librorum7, como
muitos outros autores, por terem ideias contrárias a Igreja, a exemplo do Heliocentrismo,
teoria que coloca o sol no centro do universo defendida por Galileu e por Descartes também.
Além de, a possibilidade de encarar Deus racionalmente incomodava a Igreja.

Graças a sua posição social, Descartes era um nobre, podemos supor o porquê que
seus trabalhos tiveram tamanha influência, na sua época e séculos seguintes. Sua fortuna lhe
7
Em tradução livre, o Índice de Livros Proibidos, foi uma lista de publicações proibidas pela Igreja
Católica.
garantiu conhecer outros países e discutir suas conclusões com diversos pensadores. A criação
de uma nova base para a filosofia que rompia com aquela filosofia do período medieval, foi
deveras importante à filosofia moderna. Mas como para toda tese há uma antítese. O
pensamento Cartesiano sofreu críticas por parte de outros filósofos, como Jhon Locke, Hume
e Berkeley. Sem perder sua importância na história da filosofia.

Referências

COLLINGWOOD, R. G. A Ideia de História. Lisboa: Presença, 1994.


DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
GOMBAY, André. Descartes. São Paulo: Artmed, 2008.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 2005.
SALATIEL, José Renato. John Locke e o empirismo britânico – Todo conhecimento
provém da experiência. UOL. Disponível em:
<educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/jhon-locke-e-o-empirismo-britanico-todo-
conhecimento-provem-da-experiencia.htm>. Acesso em: 14 de jun. de 2019.
STRECKER, Heidi. René Descartes – O método cartesiano e a revolução na história da
filosofia. UOL. Disponível em: <educação.uol.com.br/disciplinas/filosofia/rene-descartes-1-
o-metodo-cartesiano-e-a-revolucao-na-historia-da-filosofia.htm>. Acesso em: 14 de jun. de
2019.
VERGEZ, A.; HUISTMAN, D. História dos Filósofos Ilustrada pelos Textos. Rio de
Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1976.

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