<éÊà
N.T. Wright
A RESSURREIÇÃO
DOFilhO
DEDeus
AC AD EM IA m
C RISTÃ PAULUS
A RESSURREIÇÃO
DO FILHO DE DEUS
N. T. WRIGHT
A
RESSURREIÇÃO
DO
FILHO DE DEUS
Tradutor:
Eliel Vieira
Revisor:
Daniel da Costa
Santo André
2017
ACADEMIA
CRISTÃ PAULUS
© Editora Academia Cristã
© SPCK PUBLISHING
Supervisão Editorial:
Luiz Henrique A. Silva
Paulo Cappelletti
Tradutor:
Eliel Vieira
Revisor:
Daniel da Costa
Arte final
Regino da Silva Nogueira
Capa:
William Alvs
Wright, N. T.
A Ressurreição do filho de Deus / N. T. Wright; tradução: Eliel Vieira. -S a n to André
(SP): Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2017.
Título original: The Resurrection of the Son of God
16x23 cm: 1.104 páginas
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer forma ou meio eletrônico e
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SUMARIO
ABREVIAÇÕES............................................................................................................ 13
PREFÁCIO.................................................................................................................... 21
P arte I
P repa ra n d o a C en a
P arte II
R e s s u r r e iç ã o em P aulo
P arte I I I
R e s s u r r e iç ã o n o C r is t ia n is m o P r im it iv o
(A E x c e ç ã o de P aulo)
(v) O Didaquê..................................................................................................676
(vi) A Epístola de Barnabé.............................................................................677
(vii) O Pastor de Hermas................................................................................. 679
(viii) Papias.......................................................................................................... 681
(ix) A Epístola a Diogneto..............................................................................682
3. APÓCRIFOS CRISTÃOS PRIMITIVOS..........................................................684
(i) Introdução....................................................................................................684
(ii) A Ascensão de Isaías.................................................................................. 684
(iii) O Apocalipse de Pedro.............................................................................. 687
(iv) 5 Esdras......................................................................................................... 689
(v) A Epistula apostolorum................................................................................ 690
4. OS APOLOGISTAS.............................................................................................691
(i) Justino Mártir...............................................................................................691
(ii) Atenágoras....................................................................................................696
(iii) Teófilo............................................................................................................ 700
(iv) Minúcio Félix................................................................................................703
5. OS PRIMEIROS GRANDES TEÓLOGOS......................................................705
(i) Tertuliano..................................................................................................... 705
(ii) Irineu..............................................................................................................709
(iii) Hipólito.................... :...................................................................................714
(iv) Orígenes........................................................................................................ 716
6. O CRISTIANISMO SIRÍACO PRIMITIVO....................................................729
(i) Introdução......................... 729
(ii) As Odes de Salomão.................................................................................. 729
(iii) Taciano.......................................................................................................... 733
(iv) Os Atos de Tom é........................................................................................ 735
7. "RESSURREIÇÃO" COMO ESPIRITUALIDADE? TEXTOS DE
NAG HAMMADI E DE OUTROS LUGARES............................................. 737
(i) Introdução..................................................................................................737
(ii) O Evangelho de Tom é.............................................................................737
(iii) Literatura adicional referente a Tomé..................................................741
(iv) A Epístola a Regino.................................................................................. 743
(v) O Evangelho de Filipe.............................................................................747
(vi) Outros tratados de Nag Hammadi.......................................................750
(vii) O Evangelho do Salvador.......................................................................753
(viii) Nag Hammadi: conclusão.......................................................................754
8. O SEGUNDO SÉCULO: CONCLUSÃO.......................................................... 759
P arte I V
A H is t ó r ia D a P á sco a
P arte V
F é, E v e n t o e S ig n if ic a d o
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................1015
1. Abreviações Estilísticas
bib. bibliografia
cap. capítulo
caps. capítulos
cf. conferir
cp. compare
ed. editado por / edição nQ
esp. especialmente
fig- figura
frag. fragmento(s)
i.e. isto é
p.ex. por exemplo
P- página
pp. páginas
prev. previamente / anteriormente
ref(s). referência(s)
séc. século
tr. tradução / traduzido por
vol(s). volume(s)
2. Fontes Primárias
lClem 1 Clemente
2Clem 2 Clemente
Abrah Fílon, De Abrahamo
AdvHaer Irineu, Adversus Haereseis
Advlnd Luciano, Adversus Indoctum
Agam Esquilo, Agamenon
Agr Tácito, Agrícola
Alcest Eurípedes, Alceste
An Tácito, Anais
Antíg Sófocles, Antígona
14 A R essurreição do F ilho de D eus
3. Fontes Secundárias
AB Anchor Bible
ABD Anchor Biblie Dictionary, ed. D. N. F reedman. 6 vols. Nova
Iorque: Doubleday, 1992.
ABRL Anchor Bible Reference Library
AGjU Arbeiten zur Geschichte des antiken Judentums und des
Urchristentums
Aland A land, K., ed. Synopsis Quattuor Evangeliorum: Locis
Parallelis Evangeliorum Apocryphorum et Patrum Adhibitis. 2a
ed. Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1967 [1963]
AnBib Analecta Biblica
ANTC Abingdon New Testament Commentaries
AOAT Alter Orient und Altes Testament
AT ANT Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen
Testaments
BBB Bonner Biblische Beitrlige
BDAG A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early
Christian Literature. 3a ed. rev., ed. por F kederick W. D anker,
baseada na 6a ed. de Griechisch-Deutsch Wõterbuch e nas ed.
inglesas anteriores por W. F. A rdndt, F. W. G ingrich e F. W.
D anker. Chicago e Londres: U. of Chicago Press, 2000 [1957].
BETL Bibliotheca Ephemeridum Theologicarum Lovaniensium
BJ Bíblia de Jerusalém
BNTC Black's New Testament Commentaries
BZNW Beihefte zur Zeitschrift für die neutestamentliche
Wissenschaft
CBQMS Catholic Biblical Quarterly Monograph Series
D/G Dictionary of Jesus and the Gospels, ed. J. B. G reen, S.
M c K night, I. H. M arshall. Downers Grove, 111. and
Leicester: IVP, 1992.
DMOA Documenta et Monumenta Orientis Antiqui
Exp. Times Expository Times
FAT Forschungen zum alten Testament
FS Festschrift
18 A R essurreição do F ilho de D eus
I
Este livro começou sua jornada como capítulo final de Jesus and the
Victory of God (1996), o segundo volume da série As origens cristãs e a
questão sobre Deus, da qual o primeiro volume é The New Testament and
the People of God (1992). A presente obra agora forma o terceiro volume
na série. Trata-se de uma mudança em relação ao plano original, e uma
vez que as pessoas frequentemente me perguntam sobre o motivo des
ta mudança, algumas explicações podem ser apreciadas.
Alguns meses antes de terminar o trabalho sobre Jesus and the Vic
tory of God (doravante, JVG), Simon Kingston da SPCK veio me visitar
para dizer que, uma vez que as capas para o livro já haviam sido im
pressas, eu tinha um número máximo absoluto de páginas disponível,
e para me perguntar o que eu pretendia fazer. Se o trabalho tivesse se
guido seu curso pretendido, e o material do que hoje é este livro tivesse
sido comprimido (como eu tolamente havia pensado em fazê-lo) em
mais ou menos setenta páginas, JVG teria, no mínimo, 800 (oitocentas)
páginas de tamanho e estouraria suas capas, algo que nenhum pesqui
sador de meia idade deseja ver.
Como se a providência o organizasse, na mesma época eu quebrava
a cabeça na escolha do tópico para as Shaffer Lectures na Yale Divinity
School, que eu deveria apresentar no outono de 1996, pouco tempo
depois da data de publicação para JVG. Supostamente o tópico deveria
ser alguma coisa relacionada a Jesus. Estava pensando em como pode-
ria comprimir o material do grande livro que estava para ser publica
do, assim como elaborar minhas palestras sobre algum aspecto acerca
de Jesus que não abordara no livro (livro que eu esperava ser razoavel
mente abrangente; certamente não tinha a intenção de abandonar ma
teriais originais valiosos de três palestras). Os dois problemas foram
resolvidos mutuamente: retirar o capítulo sobre a ressurreição, em JVG
22 A R essurreição do F ilho de D eus
II
O livro atingiu seu tamanho atual em parte porque, na medida em
que lidava com o material e lia tanto quanto era possível da volumosa
literatura secundária, pareceu-me que todos os tipos de equívocos sobre
as idéias e textos-chave se tornaram amplamente aceitos com o passar
dos anos. Assim como com certos tipos de ervas daninhas, algumas ve
zes a única coisa a se fazer é cavar o mais fundo possível e arrancar suas
raízes. Em particular, tornou-se aceito entre muitos estudiosos do Novo
Testamento que os primeiros cristãos não pensavam que Jesus fora cor-
poreamente ressuscitado dos mortos; Paulo é regularmente citado como
a principal testemunha do que as pessoas rotineiramente chamam de um
ponto de vista mais "espiritual". Isto é um equívoco tão grande (estudio
sos não gostam de dizer que seus colegas estão errados, mas "equívoco"
é nosso código para a mesma coisa) e ainda tão amplamente divulgado
que foi necessário cavar bastante para arrancar a erva daninha, e bastan
te cuidado para plantar as sementes da, assim espero, alternativa histo
ricamente fundamentada. Os leitores podem ficar felizes por eu não ter
tido espaço para apontar mais do que alguns exemplos aqui e acolá do
que considero visões equívocas sobre o judaísmo e o Novo Testamento.
Preferi expor as fontes primárias e deixá-las moldar o livro, ao invés de
oferecer um longo "estado da questão" e permitir que ele dominasse o
horizonte. (A primeira parte de Jesus and the Victory of God oferece um
pano de fundo geral para a discussão.)
24 A R essurreição do F ilho de D eus
obviamente mais etic do que emic (i.e., para a época que consideramos,
o termo jamais foi usado por alguém para descrever a si mesmo, mas
reflete a perspectiva de outros; neste caso, de judeus e cristãos sobre o
povo em questão). Aqui ele tem um valor puramente heurístico.
A despeito da preocupação de alguns, continuei a escrever na
maioria dos casos "deus" com "d " minúsculo. Não se trata de irre
verência. Isso serve para lembrar, a mim e ao leitor, que no primeiro
século, como tem acontecido consideravelmente no séc. XXI, a questão
não é se nós acreditamos em "Deus" (presumindo-se que todos nós sa
bemos quem ou o que é referido com o termo), senão sobre qual deus,
dentre os vários candidatos disponíveis, nós estamos falando. Quando
os judeus do primeiro século e os cristãos primitivos falaram do "deus
que ressuscita os mortos", eles estavam implicitamente apresentando
um argumento de que este deus, o deus criador, o deus da aliança de
Israel, na verdade era Deus, o único ser ao qual o termo apropriada
mente se refere. A maioria dos seus contemporâneos não concordou
com eles; não foi à toa que os primeiros cristãos foram vistos como
"ateus".2 Até mesmo estudiosos do Novo Testamento, ao verem o ter
mo "Deus", podem facilmente ser tentados a fazer afirmações injus
tificadas sobre a identidade do ser referido - precisamente o tipo de
afirmação que uma investigação como esta pretende desafiar. Entre
tanto, quando eu expuser as concepções dos primeiros cristãos e citar
passagens de seus escritos, frequentemente usarei o termo com letra
maiúscula para indicar que os autores argumentavam exatamente isto,
que o deus que adoravam e invocavam de fato era Deus. Nos capítulos
finais, começo a usar o termo com letra maiúscula por minha própria
conta, como o fiz em pontos equivalentes em JVG, por motivos que,
espero, se tornem claros. Espero que isso não gere muita confusão.
A alternativa seria adotar o uso padrão e, desta forma, no que se refere
à maioria dos leitores na maior parte do tempo, falhar em alertá-los
quanto à questão mais importante por trás de toda esta série.
Outra questão vital deve ser mencionada neste ponto, uma vez
que a limitação de espaço me impediu de tratá-la com mais detalhes
no corpo do texto.3 Frequentemente me deparo com afirmações pouco
III
Sou grato a muitas pessoas de minha família, amigos, colegas
e auditórios de palestras que discutiram este tópico comigo ao lon
go dos anos. Aprendi muito com muitas pessoas e espero continuar
aprendendo. Eu sou especialmente grato a minha amada esposa e
filhos pelo encorajamento e suporte, em particular a meu filho, Dr.
J ulian W right , por interromper temporariamente sua própria investi
gação histórica para ler completamente o texto e fazer dezenas de co
mentários úteis. Um dos meios mais extraordinários modos de enco
rajamento veio de forma completamente inesperada através do convi
te para que escrevesse o libretto para o Easter Oratorio de P a u l S picer ,
baseado em João 20 e 21. A obra foi executada pela primeira vez no
Lichfielá Festival em julho de 2000, e desde então tem sido executada
em ambos os lados do Atlântico, bem como transmitida em parte pela
rádio BBC. Paul e eu escrevemos sobre esta experiência em Sounding
the Depths, editado por J erem y B egbie (Londres: SCM Press, 2002). Tra
balhar com Paul me fez pensar sobre a ressurreição, a partir de vários
ângulos, e eu agora não consigo mais ler as narrativas pascais joaninas
sem pensar em sua música o tempo todo e sem um enorme sentimen
to de gratidão e privilégio.
Tendo explicado o atraso de JVC em razão de uma mudança de
casa e trabalho, vejo-me agora fazendo novamente o mesmo; nossa
mudança para Westminster em 1999-2000 consumiu tempo e energia,
e inevitavelmente atrasou as coisas. O fato de estas terem se acelera
do novamente se deve especialmente ao apoio de meus novos cole
gas, particularmente ao decano de Westminster, Dr. Wesley Carr, e
a meus companheiros cônegos; e também à bem disposta assistência
da secretária paroquial, em questões grandes ou pequenas, Srta. Avril
Bottoms. Do lado técnico, Steve Siebert e os projetistas do software Nota
Bene devem novamente ser parabenizados pelo magnífico produto que
tem ajudado tantos estudiosos a produzir sua própria cópia definitiva
pronta para impressão, mesmo para um trabalho desta complexidade.
Sou muito grato a vários amigos e colegas que leram o manuscrito,
parcial ou totalmente, e me ajudaram a evitar erros; eles obviamen
te não têm culpa pelos que permaneceram. Em particular, agradeço
aos professores J oel M arcus , P a u l H ouse , G ordon M c C onville e S cott
H afem a n n ; aos doutores J ohn Day, J ason K õnig e A ndrew G oodard ; e
28 A R essurreição do F ilho de D eus
N. T. W right
A badia de W estm inster
P arte I
P repa ra n d o a C en a
ávcxeo, |ir|§ ’ àÀiaaxov òôúpso aòv Kaxà Oupóv
oü yáp xi upf|^£iç áKaxiipsvoç uioç éoTo,
oúSé piv àvaxf|aciç, 7ipiv Kai kcxkòv aXXo nó,9r}o6a.
Jó 14.14
C apítulo 1
O ALVO E AS FLECHAS
1. INTRODUÇÃO: O ALVO
1 Para os detalhes, ver M urrhy- 0 ' C onnor , 1998 [1980]; W alker , 1999.
32 A R essurreição do F ieho de D eus
7W 2000, p. 194.
il l ia m s ,
8 M o u le,1967, p. 78. Ver, também, p. 79: "as alternativas não são apenas uma
mera história juntamente com uma estimativa racionalista de Jesus... ou o com
promisso com um Senhor pregado, mas sem autenticação." O credo cristão, diz
ele, "não é uma série de afirmações feitas no vácuo", mas inescapavelmente se
relacionam com um evento, que em si é "particular, embora transcendente".
Minha única discordância com estas palavras está na palavra "embora", que me
parece conceder demasiadamente à cosmovisão iluminista em dois níveis (ver
NTPG, Parte II).
9 Como C oaki.ey, 2002, cap. 8, parece sugerir. Concordo plenamente com C oakley
em que a ressurreição levanta questões relativas tanto a uma epistemologia
quanto a uma ontologia renovadas, mas me parece que ela reduz a segunda
à primeira, sugerindo que "ver o Jesus ressurreto" é uma forma codificada de
falar sobre uma visão cristã de mundo, ignorando a forte distinção em todos os
escritores primitivos entre os encontros com o Jesus ressurreto durante o curto
período posterior a sua ressurreição e a subsequente experiência cristã.
36 A R essurreição do F ilho de D eus
10 Obviamente, seria logicamente possível concluir (a) que os primeiros cristãos não
pensavam que Jesus tivesse ressuscitado corporalmente e que, (b) na verdade,
ele o foi. Não sei de ninguém que conheço, estudioso ou não, que tenha susten
tado tal posição. Mais importante, é vital que não se reduza a posição de alguém
sobre o que "deve ter" acontecido, ou o que "poderia" ou mesmo "deveria" ter
acontecido, em declarações pseudo-históricas sobre o que os primeiros cristãos
afirmavam que tinha acontecido. Sobre isto, ver 0 'C ollins, 1995, p. 85s.
O A lvo e as F lechas 37
11 Como D a v is , 1997, pp. 132-4, observa, é mais fácil encontrar estudiosos decla
rando que Jesus não foi "ressuscitado" do que encontrar um único escritor que
afirme que ele foi. A negação da "ressuscitação" é frequentemente usada como a
ponta da lança rumo à negação da própria "ressurreição", o que, como veremos,
é uma inferência non sequitur.
38 A R essurreição do F ilho de D eus
12 O latim resurrectio parece ser uma fabricação cristã; as ref. mais antigas observa
das em LS, p. 1585, são Tertuliano, Res., I e Agostinho, Ciá. Deus, XXII, 28, e então
a versão Vulgata dos evangelhos. Os artigos padrões presentes em TDNT são
pressupostos no que segue. Ver, também, o recente estudo de 0 'D onnell, 1999.
13 C a ir d , 1997 11980], p. 50.
14 Cf. Mc 9.9s; Lc 18.34.
15 Cf. NTPG, pp. 320-34.
40 A R essurreição do F ilho de D eus
2. AS FLECHAS
16 Contra, p.ex., Avis, 1993b, que sugere ser este um problema principalmente moderno.
42 A R essurreição do F ilho de D eus
Este mandamento não está nos céus, para que você diga: "Quem subirá
aos céus por nós, que o traga para nós, de forma que possamos ouvi-lo e
observá-lo?" Tampouco está ele além do mar, para que você diga: "Quem
passará para o outro lado do mar por nós, que o traga para nós, de forma
que possamos ouvi-lo e observá-lo?" Não. Esta palavra está muito perto de
ti; está em tua boca e em teu coração para que a cumpras.17
17 Dt 30.12-14.
O A lvo e as F lechas 43
E o que Moisés disse sobre a Torá, Paulo disse sobre Jesus, com
referência especial à sua ressurreição.18
Tais reflexões estabelecem o contexto para considerarmos o que
a história pode e não pode dizer sobre o que aconteceu na Páscoa.
Alguns supuseram que ao oferecerem "provas" históricas do evento da
Páscoa eles, assim, provaram, em certo sentido moderno, quase cien
tífico, não apenas a existência do deus cristão, mas também a valida
de da mensagem cristã.19 Ao transformarem suas flechas em foguetes
espaciais, esqueceram-se da história de ícaro e partiram agudamente
em direção ao sol. Outros, lembrando-se da força da gravidade, de
clararam que toda a iniciativa não leva a nada, ou ainda pior que isso.
Se afirmarmos ter acertado o alvo, não teremos reduzido Deus a um
ídolo? Dessa forma, como no volume anterior, nos vemos no ponto de
interseção entre história e teologia, o que no início do século XXI quer
dizer que ainda estamos lutando com os fantasmas do passado ilumi-
nista. Estas questões, já poderosas e complexas quando falamos sobre
o próprio Jesus, tornam-se ainda mais fortes quando tentamos falar
sobre a ressurreição. O que então estamos tentando fazer neste livro?
18 Rm 10.6-10; cf. W r ig h t , Romans, pp. 658-66 (com ref. também ao uso desta pas
sagem nos escritos judaicos contemporâneos).
19 Um exemplo escolhido de forma quase aleatória dentre escritos cristãos popu
lares: M c D o w e l l , 1981.
44 A R essurreição do F ilho de D eus
22 Platão, Fedro 274c-275a, traz Sócrates alertando contra a substituição das tradições
orais por escritas: as pessoas vão parar de usar suas memórias, diz ele. Ver também
Xenofonte, Simpósio, 3,5; Diógenes Laércio, 7,54-6. Na igreja primitiva, Papias é fa
moso por ter declarado que preferia o testemunho vivo (Eusébio, HE, 3.39.2-4).
23 Um bom exemplo é oferecido por N inei iam , 1965, p. 16, discutido por W edderburn ,
1999, p. 9: eventos "históricos" [historical events] são aqueles que são "plena e
exclusivamente humanos e inteiramente confinados aos limites deste mundo".
46 A R essurreição do F ilho de D eus
26 C rossan, 1991, p. xxvii. Para a ideia de C rossan sobre a ressurreição, ver abaixo.
27 M arxsen , 1970 [1968], cap. 1; M arxsen , 1968.
48 A R essurreição do F ilmo de D eus
Nunca atingimos um alvo como este antes; portanto, não faz sentido
atirar nele agora. Não significa necessariamente que isso não tenha
acontecido em certo sentido ("história", sentido 1) ou que não foram
escritas coisas que supostamente versam sobre ele (sentido 4); apenas
que é ilegítimo tentar escrever sobre isso como história hoje (sentido
5), e tampouco tentar prová-lo (sentido 3). Algumas vezes entende-se
este argumento como uma reformulação matizada da famosa objeção
de H ume em relação aos milagres em geral.32 Mas eu acredito que, ao
menos em princípio, sua objeção seja mais sutil que isto: a ressurrei
ção de Jesus pode ter acontecido, mas nós simplesmente não podemos
dizer nada sobre ela.
Como também se reconhece, P annenberg propôs uma resposta
a T roeltsch sobre este ponto. Ele sugere que a verificação última da
ressurreição de Jesus Cristo (sentido 3) será eventualmente oferecida
através da ressurreição final daqueles em Cristo, o que constituirá a
analogia exigida. Em outras palavras, virá o dia em que todos nós acer
taremos o alvo e não erraremos. Isto, com efeito, dá razão ao ponto
de T roeltsch , mas roga por uma suspensão do veredito à espera da
verificação escatológica.33 Mas eu me ergunto: P annenberg não terá ido
muito longe aqui?
Em nível comparavelmente trivial, nos é perfeitamente possível
conceber um evento no qual alguma coisa totalmente nova acontece.
Não precisamos esperar pelo segundo voo espacial para que estejamos
aptos a falar, como historiadores, sobre o primeiro. A verdade é que o
voo espacial pode ser considerado tendo analogias parciais com o voo
de aeronaves, para não dizer de pássaros (ou mesmo de flechas). Mas
parte da ideia essencial da ressurreição, dentro da cosmovisão judaica,
era (como veremos) que ela estaria alinhada com (embora significati
vamente além) os grandes atos libertadores de Deus em favor de Israel
no passado - para não citar as analogias parciais com as ressuscita-
ções de pessoas no Antigo Testamento, inclusive com impressionantes
32 Cf. H ume, 1975 [1777], seção x, com a famosa frase: "nenhum testemunho é
suficiente para estabelecer um milagre, a não ser que o testemunho seja de
tal forma que sua negação seja mais milagrosa do que o fato que ele pretende
estabelecer".
33 P annenberg , 1970 [1963], cap. 2; 1991-8 [1988-93], 2.343-63; 1996. Ver a incisiva
discussão em C oakley , 1993, com outras obras citadas na p. 112, n. 6; C oakley ,
2002, pp. 132-5.
O A lvo e as F lechas 51
42 Cf. C a i r d , 1997 [1980], p. 60s, falando "daqueles céticos que acham que não
podem acreditar no relato bíblico do julgamento, morte e ressurreição de
Jesus e incumbem-se de nos convencer sobre 'o que realmente aconteceu'":
"Qualquer pessoa que levar [tais conceitos] a sério é mais crédulo que o
mais ingênuo crente no texto bíblico". Ele conclui, "Nós podemos respeitar
o agnóstico genuíno que está contente em viver na dúvida por considerar a
evidência inadequada para a crença, mas não o agnóstico espúrio que pre
fere fantasiar a evidência". Ver também W il l ia m s , 2002, p. 2: " É incrível o
quão complacentes são algumas histórias <desconstrutivas' quanto ao status
da história que elas mesmas desenvolvem".
43 Não que algumas tentativas sérias nessa linha não tenham sido feitas; cf., p.ex.,
N odet e T aylor , 1998; T heissen , 1999.
O A lvo e as F lechas 55
44 Cf., p.ex., F r ei , 1993', capítulos 2, 8 e 9; num contexto mais amplo, F rei , 1975.
56 A R essurreição do F ilho de D eus
49 Ver, abaixo, cap. 17 e 18. Creio que esta é uma forma de chegar ao que F rei
buscava, por exemplo, em 1993, cap. 9, sem deixar tantas questões tão mitigada-
mente abertas.
50 Um recente estudo sobre B arth e a ressurreição é o de D avie , 1998. Sobre a
relação entre B arth e F rei, ver, p.ex., F rei, 1993, cap. 6, esp. (sobre este ponto)
p. 173 (onde ele admira B arth por afirmar que tanto a possibilidade quanto a
necessidade de um acontecimento factual de uma "reconciliação encarnada"
e, por isso, também para a fé em seu poder salvífico, "podem... ser explicadas
apenas a partir do evento enquanto tal"); e, de forma mais geral, D emson , 1997.
A relação entre este ponto e os sentidos pelos quais F rei admitiu uma necessi
dade contínua para certo nível de "teologia natural" (p.ex., 1993, p. 210) levanta
questões muito complexas para serem tratadas aqui.
51 B arclay , 1996a, p. 28, apresenta essa concepção, sem afirmar se concorda ou
não com ela.
52 M oule , 1967, p. 80s.
O A lvo e as F lechas 59
Isto nos traz à segunda (e mais teológica) objeção. Uma das razões
de F rei e outros terem adotado a linha que adotaram é porque, em boa
parte da teologia cristã, a ressurreição tem sido vista como a demons
tração da divindade de Jesus. Alguns, de fato, podem entender o título
deste livro neste sentido. Eis justamente onde a parábola dos arqueiros
do rei chega a sua expressão mais completa.
Ressurreição e encarnação frequentemente se confundem. Teólo
gos frequentemente falam da ressurreição como se, direta e necessaria
mente, conotasse a divindade de Jesus e, de fato, como se ela conotasse
pouco além disso. A objeção a uma investigação histórica da ressurrei
ção é, então, óbvia: as flechas simplesmente não atingirão o sol. Não
se pode montar um argumento histórico e terminar com ele provando
"deus", ou provando que Jesus era a encarnação do Deus Único e Ver
dadeiro.53 O historiador sequer deveria tentar se pronunciar acerca de
um tópico que conduzisse diretamente à questão sobre se este deus
estava em Cristo. Até mesmo P annenberg , que pensa efetivamente po
dermos falar historicamente sobre a ressurreição, parece-me ir muito
longe na direção de uma ligação direta entre ressurreição e cristologia
encarnacional.54
Parte do problema aqui - voltaremos depois a isso - reside na con
fusão que ainda existe quanto ao significado da messianidade.55 Afir
mar que Jesus é "o Cristo" é, nos termos do primeiro século, afirmar
primeiro (e de forma mais importante) que ele é o Messias de Israel,
não que ele é o Logos encarnado, a segunda pessoa da Trindade ou o
Filho Unigênito do Pai. Até mesmo a expressão "filho de deus", duran
te o ministério de Jesus e os primeiros dias do cristianismo, não signi
ficava o que ele passou a significar na teologia posterior, embora já nos
dias de Paulo uma ampliação do seu significado possa ser observada.56
53 Assim, p.cx., S chlosser , 2001, p. 159: não se pode pronunciar sobre a realidade
da ressurreição, pois isto seria pronunciar sobre a realidade do transcendente, o
qual está para além da investigação histórica.
54 P annenberg , 1991-8 [1988-93], vol. 2, pp. 343-63. Isto faz parte de um longo ca
pítulo que aborda "A divindade de Jesus Cristo". O mesmo problema aparece,
p.ex., em K ophrski, 2002.
55 Cf. NTPG, pp. 307-20; JVG, cap. 11; e, abaixo, cap. 11 e 18.
56 Cf., p.ex., G12.20; Rm 1.3s.; 8.3,32; e W right , Clímax, cap. 2. Ver, abaixo, cap. 19.
60 A R essurreição do F ilho de D eus
57 Esta ideia pode ser proveitosamente observada na notável tese de L apide , 1983
[1977): Jesus foi, de fato, ressuscitado corporalmente dentre os mortos, mas isto
não prova que ele era o Messias, mas sim que foi parte crucial da preparação
divina para o Messias.
58 Ver, abaixo, Parte II.
O A lvo e as F lechas 61
64 Cf. C a ir d , 1997 11980], cap. 13; ]VG, cap. 2,3 e 6, esp. pp. 207-9.
65 Cf. esp. a linguagem de IMac 14.4-15.
64 A R essurreição do F ilho de D eus
qual esta conexão parece ser muito natural. (É possível, claro, prosse
guir na direção de desjudaizar o termo "escatológico", de forma que
signifique apenas "milagroso"; a objeção, então, reduzir-se-ia a uma
reafirmação de T roeltsch o u mesmo H u m e .) Mas dentro tanto de uma
cosmovisão antiga pagã quanto de uma cosmovisão contemporânea
não cristã, nenhuma conclusão do tipo poderia ser alcançada. Aque
les romanos que achavam que um "Nero redivivus" estava vivo e an
dando por aí, certamente não tinham a intenção de interpretar este
fenômeno dentro da cosmovisão da escatologia judaica do Segundo
Templo.66 Aqueles em nosso mundo (nos movimentos nova era, por
exemplo) que supõem que todos os seres humanos serão "reciclados"
cedo ou tarde, frequentemente estão amargamente em oposição à vi
são judaica ou cristã sobre a realidade, especialmente à afirmação cris
tã de que o próprio Jesus foi, de forma única, ressuscitado na Páscoa.
Novamente, mesmo se nós tivermos que aceitar a ressurreição corpo
ral de Jesus, a decisão quanto a interpretar esse evento como conotan-
do alguma coisa além de uma mudança inesperada e sumamente des
concertante dos eventos depende, para começar, da cosmovisão dentro da
qual nós o conhecemos. Por que "para começar"? Porque alguns eventos
parecem ter o poder de desafiar cosmovisões e gerar ou novas muta
ções nelas ou transformações completas; e, dentre tais eventos, o mais
óbvio de todos, de acordo com os cristãos, é a ressurreição de Jesus.
A razão pela qual os primeiros cristãos interpretaram escatologica-
mente a ressurreição foi porque eles eram judeus do Segundo Templo
que fizeram parte de, ou espectadores de, um assim chamado movi
mento escatológico incidido no próprio Jesus. Eles, então, remodula-
ram sua cosmovisão acerca da ressurreição como o novo ponto central.
Mas isso nos leva muito longe em relação a nossas prévias discussões.
Temo que este sumário de vários argumentos complexos não te
nha feito plena justiça a qualquer uma das posições às quais me opus
ou aos possíveis contra-argumentos. Alguns leitores acharão que pas
sei por cima de questões fundamentais; outros, que caí no velho truque
dos teólogos de oferecer respostas incompreensíveis a questões que
ninguém perguntou. Mas espero ser suficiente mostrar que as diversas
razões frequentemente expostas para que não se considere a ressurrei
ção como um problema histórico não são em si convincentes. Ficamos
O que é, então, nosso alvo e que flechas podemos usar para atirar nele?
Nosso alvo é investigar a afirmação dos primeiros cristãos de
que Jesus de Nazaré ressuscitou dos mortos. A fim de nos assegu
rarmos que rumamos para este objetivo, convém localizarmos sua
afirmação dentro de seu contexto, dentro da cosmovisão e linguagem
do judaísmo do Segundo Templo. Além disso, uma vez que esta afir
mação (ainda reconhecidamente judaica) rapidamente avançou para
dentro do amplo mundo não judaico do primeiro século, importa,
também, determinar as conexões existentes nesse mais amplo uni
verso de discurso.
Esta tripla operação de delimitação acontecerá em ordem inver
sa, começando com a cosmovisão pagã, movendo-se para dentro da
judaica e só então para a do cristianismo primitivo. Não se trata de
descrever completamente a cosmovisão em cada caso. Isto exigiria
muitos volumes para cada segmento. Nós focaremos aqueles aspectos
relacionados com a vida após a morte, em geral, e a ressurreição, em
particular. Ficará claro - e isto figura entre as conclusões mais impor
tantes de nosso estudo histórico - que a cosmovisão cristã primitiva é,
pelo menos neste ponto, melhor entendida como uma mutação nova e
assombrosa no interior do judaísmo do Segundo Templo. Isto, então,
conduz à pergunta: o que causou esta mutação?
Dentre os aspectos mais chamativos desta mutação permanece
o fato de que em nenhum outro lugar dentro do judaísmo, muito
menos dentro do paganismo, afirmou-se categoricamente que um
66 A R essurreição do F ilho de D eus
SOMBRAS, ALMAS E
PARA ONDE ELAS VÃO:
A VIDA PÓS-MORTE
NO PAGANISMO ANTIGO
1. INTRODUÇÃO
Se o mundo antigo não judaico tinha uma Bíblia, seu Antigo Tes
tamento era Homero. E se Homero tinha alguma coisa a dizer sobre a
ressurreição, ele é bem direto: isto não acontece.
A declaração clássica é aquela de Aquiles quando este se dirige ao
triste Príamo, que lamentava a morte do seu filho Heitor, morto pelas
mãos de Aquiles:
Deves aguentar e não deixar que o luto se apodere do teu coração parti
do. Lamentar por teu filho não trará bem algum. Estarás morto antes que
possas trazê-lo de volta à vida.1
1IL, XXIV, 549-51 (tr. Rit:u). A última frase, literalmente traduzida, fica ainda mais
enfática: "você não o ressuscitará [oude min ansteseis] antes de sofrer um mal maior".
2II., XXIV, 756. A profecia desdenhosa de Aquiles de que os troianos que ele as
sassinou "se erguerão das melancólicas trevas" (XXI, 56) não passa de uma sim
ples forma de expressar espanto pelo fato de Licaonte ter escapado da escravi
dão em Lemnos; ele tenta matá-lo para ver, assim diz, se ele também retornará
do mundo inferior (XXI, 61s.), o que obviamente não acontece.
72 A R essurreição do F ilho de D eus
Uma vez um homem morto, e seu sangue tiver sido absorvido pelo pó,
não há ressurreição.3
Mestre! Isto não é verdade! Teu irmão Esmérdis não pode ter se levanta
do contra ti... Eu mesmo fiz o que me ordenaste e o enterrei com minhas
próprias mãos. Mas se agora homens mortos se levantam [ei men nun hoi
tethneotes anesteasi], podes crer, se quiserdes, que Astíages, o Medo, pode
se levantar contra ti; mas se as coisas continuam da forma como são,
podes ter certeza que nunca terás de temer de Esmérdis dano algum.5
7 Píndaro, Ocl. Pit., III, 1-60; a passagem-chave é III, 55-7, que fala em trazer de
volta da morte um que é sua presa legítima.
s En„ VI, 127-31.
9 Plínio o Velho, HN VII, 55,190, ao fim de uma seção na qual ele lista e ridiculari
za várias crenças padrões sobre a vida após a morte. Aqui, refere-re particular
mente a Demócrito, sobre o qual ver abaixo.
10 Calímaco, Epigr., 15,3s. No entanto, havia compensações. No Hades, é possível
comprar um grande boi com apenas uma moeda de bronze.
11 Cf., enfaticamente, B owersock , 1994, p. 102s., citando também o artigo sobre
Ressurreição em RAC (Oepke).
12 M ac M ullen , 1984, p. 12.
74 A R essurreição do F ilho de D eus
13 B eard , N orth e P rice , 1998, 2.236, com ref. posteriores; K lauck , 2000, p. 80.
Alguns exemplos omitem o segundo estágio.
14II., IX, 413 (Aquiles); Políbio, Hist., VI, 53,9 - 54,3.
15 B urkkrt, 1985 [1977], p. 197 (referindo-se, em particular, como típico desta
atitude, a uma estátua com uma inscrição de Merenda, na Atica: detalhes em
B urkert , p. 427, n. 29).
16 Em Salústio, Cat., 51,20, Julio César, falando como pontifex maximus, declara que
"a morte coloca um fim a todos os males mortais e não deixa espaço algum para
tristeza ou alegria". Quando Dido se vê apaixonada por Enéas, ela luta com sua
obrigação para com seu velho marido e invoca uma maldição sobre si, caso ela
se esqueça dele ("Que o Pai Poderoso me lance com seu raio para as sombras -
aos tons pálidos c à noite abismai no Erebo"). Sua irmã Ana, então, diz-lhe que
"o pó e as sombras sepultadas" não darão atenção à sua lamentação (En., IV,
25 - VII, 34).
17 Cf. Lucrécio, De Re. Nat., 111, 31-42, 526-47, 1045-52, 1071-5. Em III, 978-97 ele
insiste em que os tormentos míticos de Tântalo, Títio e Sísifo são descrições do
presente e não de uma vida futura. Para o próprio Epicuro, ver, p.ex., Diógenes
Laércio, X, 124-7,139 ("A morte não é nada para nós", ecoado em Lucrécio, De
Re. Nat., III, 830), 143. Ver também, p.ex., Eurípedes, Helena, 1421. Outras ref. em
Rilhy, 1995, p. 37s.
18 Para a crítica de Epicuro, cf. Cícero, Disp. Tusc., I, 34, 82; ver as discussões em,
p.ex., B ailey , 1964, pp. 226 (Epicuro chama Demócrito de "Lerócrito", i.e., "sem
sentido"), 353, 363 e 403s; G uthrie , 1962-81, vol. 2, pp. 386-9,434-8. Permanece
uma questão aberta (para Cícero, assim como para os escritores modernos), se
Epicuro e outros escritores como Plínio (ver acima) estavam, assim, apresentan
S ombras , A lmas h rara O nde E i.as V ão : a V ida P ós -M orte 75
alto conceito sobre o estado da alma após a morte, admite que uma
possível teoria acerca do que acontece é a do "sono sem sonho".19*
Assim, embora vejamos a maioria das pessoas adotando uma posição
menos severa, para muitos, no mundo antigo, simplesmente não há
vida alguma além-túmulo.
A conclusão imediata é clara. O cristianismo nasceu num mundo
onde sua afirmação central era conhecida como falsa. Muitos acredi
tavam que os mortos eram não existentes; fora do judaísmo, ninguém
acreditava na ressurreição.
Isto foi recentemente questionado por Stanley Porter,20 o qual
afirma que, embora exista pouca evidência judaica com relação à res
surreição física ou corpórea, "o mesmo não pode ser dito para o que
encontramos na religião grega e romana", onde "há uma tradição sur
preendentemente forte de expectação do destino da alma no pós-vi-
da, juntamente com exemplos de ressurreição corporal".21 Entretanto,
tudo o que conseguiu mostrar é que (a) muitos no mundo grego antigo
acreditavam em algum tipo de sobrevivência após a morte; (b) que
esta crença foi desenvolvida em várias teorias sobre a imortalidade
da alma; (c) que os cultos de mistério ofereciam variações especiali
zadas sobre isto ("mesmo se", como Portkr prejudicialmente observa,
"a ressurreição corporal não fizesse parte deles");22 e (d) que a obra Al-
ceste de Eurípedes traz uma notável história de Hércules resgatando a
heroína e restaurando-a à vida, um conto referido numa ocasião por
Platão e, numa outra, por Esquilo. Os pontos (a), (b) e (c), todos bem
25 R iley , 1995, p. 67, e seu cap. 1 passim, seguido por, p. ex., C rossan , 1998, p. xiv;
ver abaixo.
26 P. ex., C rossan , 2000, p. 103, e esp. L üdemann , 1994,1995.
27 D avies , 1999; ver abaixo.
28 C o rley , 2002, pp. 129-32. Para a discussão, ver abaixo, Seção 3 (v).
29 A. Y. C o l lin s , 1993, seg u id o p o r, p. ex., P attkrson , 1998, v er abaixo.
30 Assim, curiosamente, F rei , 1993, p. 47; ver mais abaixo, p. 136s.
78 A R essurreição do F ilho de D eus
31 Desnecessário dizer que, embora como todos os bons historiadores, escrevo sine
ira et studio (Tác. An, 1,1; eu pretendo a mesma ironia), os argumentos presentes
se encaixam dentro da ampla espiral hermenêutica da qual este livro compreen
de apenas uma parte. Não sou um observador mais neutro do que aqueles com
os quais discordo; mas isto em princípio não afeta o status ou valor de argumen
tos históricos (cf. NTPG, Parte II, e acima, cap. 1).
32 Cf. NTPG, pp. 122-6.
33 Cf., p.ex., B u rk ert , 1985, pp. 190-94; T o yn bee , 1971, cap. 2; F erg u so n , 1987,
pp. 191-7, com bib.
S ombras , A lmas e para O nde E las V ão : a V ida P ós -M orte 79
seu próprio status fictício. Mas, novamente, eles são parte virtual da
gama de evidência a ser estudada.38
Dentro do contexto criado por estes três elementos, podemos en
tender, e tentar correlacionar, as respostas apresentadas às questões im
plícitas na cosmovisão em relação aos mortos: quem eles são, onde eles
estão, o que está errado (se é que alguma coisa está), qual é a solução
(se é que existe alguma), e em que pé estamos na sequência dos eventos
relevantes (se é que estamos)? Embora haja, como veremos agora, uma
ampla gama de respostas a estas questões apresentadas dentro do mun
do da antiguidade tardia, elas se enquadram num espectro compreensí
vel e, como já vimos, excluem ao mesmo tempo certos tipos de resposta.
Muitas coisas poderiam acontecer com os mortos nas crenças da antigui
dade pagã, mas ressurreição não figurava entre as opções disponíveis.
Para testarmos isto, precisamos expor este espectro, para que possamos
perguntar se há sinais de crenças adicionais sobre os mortos que possam
antecipar, ainda que tangencialmente, as crenças cristãs sobre Jesus.
(i) Introdução
38 As duas grandes cenas homéricas são a aparição de Pátroclo a Aquiles (II., XXIII,
62-107) e a visita de Odisseu ao mundo subterrâneo (Od, X, 487 - XI, 332). Para
o "Mito de Er", de Platão, cf. Rep., X, 614b-621d (a conclusão da obra; ver, abaixo,
p. 133s. Sobre as novelas helenistas, ver a Seção 3 (v), abaixo.
39 Sobre toda esta seção, ver o recente e útil resumo de B olt , 1998.
^ Para um apanhado breve e útil das crenças e práticas orientais, ver Y amauchi,
1998. Um relato mais completo, com alguns aspectos tendenciosos, é D avis ,
S ombras , A i .mas e para O nde E las V ão : a V ida P ós -M orte 81
1999, Parte I. D a v ies aborda a questão da relevância destes mundos para aquele
do judaísmo do primeiro século e do cristianismo no cap. 4 de sua obra, que
discutirei abaixo.
41 Sobre todo este tópico e, para mais detalhes, ver, p.ex., G a rla n d , 1985, cap. 3.
42II, XVI, 805-63; 17 passim; cf. XVIII, 231-8
82 A R essurreição do F ilho df. D eus
Três vezes me aproximei dela e minha vontade disse: "Abrace-a", e por três
vezes ela saiu voando de meus braços como uma sombra ou um sonho.54
Ele reclama com ela: uma vez que ele veio até à casa de Hades, por
que não poderíam se abraçar? Será que realmente era ela, ou apenas
"algum fantasma" (ti eidolon)?55 Isto, ela responde, é o que acontece
com os mortais após a morte:
Os nervos não mais mantêm unidos a came e o ossos, pois estes são consumi
dos pela poderosa força das chamas ardentes, tão logo o espírito [thymos] dei
xe os ossos brancos e a alma [psyche], como um sonho, saia voando e se vai.56
o u tro s au to res carece d e re lev ân cia; o todo que R iley criou é co n sid erav e lm e n te
m aio r que a som a d as p artes q u e ele reu niu.
63 Od., XI, 568-75. Sobre o papel de Minos no mundo inferior, ver abaixo.
64 Od., XI, 576-600. A questão quanto a se esta passagem constitui uma interpo-
lação posterior, como alguns têm pensado, não precisa nos preocupar. Sobre
isto, e sobre a punição de alguns no mundo inferior, cf. B u rk ert , 1985, p. 197,
com outras ref.; G arlan o , 1985, pp. 60-66, que rastreia o tema do julgamento
dos iníquos através dos hinos homéricos, através dos Mistérios (ver abaixo) e
da zombaria de Aristófanes (Rãs, 139-64, onde Hércules ensina Dioniso a como
chegar ao Hades e o que ele encontrará lá), à grande cena de julgamento no fim
do Górgias, de Platão (523a-527a). Ver, mais abaixo.
65 Od., XI, 601-27. Sobre a translação de Hércules para o mundo superior, ver abaixo.
66 Od., XI, 632-5. Odisseu talvez temesse ser preso e impossibilitado de escapar.
S ombras , A lmas e rara O nde E las V âo : a V ida P ós -M orte 87
67 Em En., VI, 290-94, o único que impede Eneias, em sua visita ao mundo inferior,
de atacar as formas monstruosas que encontra é seu companheiro Acates, o qual
lhe lembra que "estas não são senão vidas tênues incorpóreas voando sob uma
semelhança oca de forma". Quando ele encontra os heróis gregos, estes veem
"as armas e o homem" (um eco, obviamente, de 1,1) e tentam soltar um grito de
medo - mas tudo o que conseguem soltar é um tênue ruído, que desaponta suas
bocas abertas (VI, 489-93). Oportunamente, isto deve ser lembrado à luz do uso
ocasional de Virgílio de corpora, normalmente traduzido como "corpos", para
os residentes sombrios do mundo inferior (contra, p.ex., R il ey , 1995, p. 55s.), e
sua indicação de que as sombras ainda podem carregar as marcas das feridas
que eles receberam (p.ex., Dido: VI, 450s.; cf. também Esquilo, Eum., 103; Ovídio,
Mef., X, 48-9, e [novamente em Virgílio] Heitor, Siqueu, Erífilo e Dêifobo [En., I,
355; II, 270-86; VI, 445s, 494-7], Ver R iley , 1995, 50s.
68 P.ex., En., IV, 427; Juvenal, Sát., II, 154.
69 Ver P ric e , 1999, p. 101.
70 Para o último, ver Políbio, Hist., VI, 56,6-15, louvando aos romanos por lembrarem
as pessoas sobre os terrores do Hades, encorajando assim o bom comportamento na
vida presente. Isto entra em conflito com a postura moral de Platão: ver abaixo.
88 A R essurreição do F ilho de D eus
86 D avies , p. 39.
87 Geralmente se aceita que Homero viveu no séc. VIII a.C.; Platão certamente
viveu entre o fim do séc. V e o início do séc. IV.
S ombras , A lmas e para O nde E las V ào : a V ida P ós -M okte 93
93 Leis, XII, 959b-c: o termo para "fantasma" aqui, denotando o corpo ao invés da
alma desencarnada, é eidolon que, em Homero e algures, geralmente tem um
significado bastante similar ao que "fantasma" significa no português moderno.
A declaração mais famosa se encontra no Fédon, 115c-d: "Podem me enterrar",
diz Sócrates aos seus amigos, "se eu não me deslizar entre seus dedos!". Clara
mente "eu", para Sócrates, significava a alma, não o corpo.
94 Sobre tudo isto, ver, p.ex., Fédon, 80-82; Fedro, 245c-247c; Mênon, 81a-e.
95 Cf., p.ex., Apoi, 41c; Crát., 403s. Em Fédon, 68a-b, Sócrates fala dos amantes da sa
bedoria alegremente seguindo seu objeto de amor até o mundo próximo, onde
a sabedoria será possuída plena e verdadeiramente.
99 P.ex., Críton, 48c. Em 68d, o Sócrates de Platão admite que todo mundo, com
exceção dos filósofos, enxerga a morte como um grande mal.
97 P.ex., Fédon, 64c; 67d; 106e; 107d-e; Górg., 524b. Cf. F erc u so n , 1987, p. 195. Celso
(em Orígenes, Con. Cels., V, 14) cita o desprezo de Heráclito pelos corpos físicos,
que "devem ser jogados fora como algo pior do que esterco".
S ombras , A lmas k rara O nde E las V ão : a V ida P ós -M orte 95
98 Crát., 403d.
99 "Não visto": Fédon, 80d, Górg., 493b; "conhecimento", em vez de "não visto":
Crát., 404b, embora cf. 403a, onde o temor do Hades é oferecido como uma ra
zão do porquê as pessoas se referem a Plutão como deus do mundo inferior.
umDeclarações clássicas: Fédon, 63b; 69d-e; 113d-l 14c; Górg., 522d-526d. (As Ilhas
dos Bem-aventurados são citadas pela primeira vez em Hesíodo, Trabalhos,
166-73). Cf., também, Leis, X, 904d-905d; Rep., II, 363c-e. De acordo com Banq.,
179d-e, Aquiles é enviado diretamente às Ilhas dos Bem-aventurados, pois já
estava morto, enquanto Orfeu foi negado por Eurídice por ter tentado trapa
cear a morte e não estar pronto para colocar o amor acima da vida corpórea
contínua. Homero, obviamente, sabe sobre as Ilhas dos Bem-aventurados,
mas virtualmente ninguém vai para lá (apenas Menelau, aparentemente, em
Od., IV, 561-9; muitos mais em Hesíoso, Trabalhos, 168-73). A declaração mais
primitiva de efetiva punição post-mortem parece ser o Hino a Deméter, 480s.,
sobre o qual ver discussão em G arland, 1985, pp. 61, 156. Sobre o julgamento
96 A R essurreição uo F ilho de D eus
post-mortem em Píndaro e Eurípedes, cf. G arland , p. 157, com ref. Minos con
tinua seu papel em Virgílio, En., VI, 432; Eneias, no mundo inferior, chega a
um lugar onde os caminhos se separam, um para os Elíseos e outro para o
Tártaro (VI, 540-43, apresentado uma assustadora descrição sobre o segundo
e, então, um feliz relato sobre o primeiro). As Ilhas dos Bem-aventurados
aparecem no fantástico conto de Luciano, Uma história verdadeira (o título é
pesadametne irônico, como o próprio Luciano aponta logo no começo, I, 4).
A despeito de afirmações em contrário, mesmo na descrição de Luciano os
mortos são intangíveis, sem carne; seus únicos atributos são aparência e for
ma - embora ele então prossiga descrevendo seu estilo de vida "humano"
com alguns detalhes. Eles são almas nuas vagando, como sombras, embora
de pé, e não negras (II, 12). R iley, 1995, pp. 56-8, tenta de maneira implausível
sugerir que a impalpabilidade destas almas é um sobrevivente de uma teoria
anterior, e que Luciano realmente acredita que elas têm uma vida corpórea
mais substancial; parece-me que ele não percebe que Luciano está fazendo
uma piada quanto à "História verdadeira", sendo totalmente inconsistente e
não confiável.
101 P.ex., De Rep., VI, 13-16. Ver a análise das idéias latinas em P e r k in s , 1984,
pp. 56-63; e ver, abaixo, pp. 176-179, para uma discussão sobre a "imortalidade
astral".
102 Para a prontidão de Sócrates em pleitear uma defesa diante dos juizes do pró
ximo mundo, cf. Críton, 54b.
103 A aniquilação permitiría que os iníquos saíssem incólumes: Fedro, 107c-d.
Sombras , A lm as e par a O nde E las V à o : a V ida P ós-M orte 97
Pelo menos três influências dirigiram Platão para sua visão so
bre a alma e a vida após a morte. Em primeiro lugar, elas resultam
naturalmente de sua ontologia mais geral: de acordo com a teoria
das Formas, o mundo do espaço, tempo e matéria possui importância
ontológica secundária; e o mundo invisível das Formas, ou Idéias,
.importância ontológica primária. Aplicada aos seres humanos, isto
obviamente privilegia a alma em relação ao corpo e encoraja as pes
soas a considerarem a nutrição da alma mais importante do que os
prazeres e dores da existência corpórea. Além disso, as esperanças
de Platão por uma sociedade melhor no mundo presente se expres
savam em várias propostas políticas. Algumas delas eram apenas,
talvez, semissérias; mas no coração de todas elas abrigava-se a con
vicção de que as coisas iam mal na sociedade humana quando as
pessoas viviam apenas no nível corpóreo, sem cuidado para com a
alma, e que a maneira de melhorar este cenário era ensinar as pessoas
a valorizar suas almas, tanto para o bem de um mundo melhor no
tempo presente quanto por causa da expectativa em relação à imorta
lidade gloriosa, pelo menos para aqueles que viveram o estilo correto
de vida aqui e agora. Terceiro, a irresistível combinação de ensino e
exemplo oferecida por Sócrates, assim relatada nos diálogos sobre
sua morte (a Apologia, o Críton e o Fédon), oferecem o suporte mais
forte, em termos de lealdade pessoal, a estas idéias. Seria preciso ser
um materialista muito determinado e de coração duro para não se
sentir afetado pelo discurso de Sócrates sobre a alma e a vida futura,
quando ele próprio beberia uma taça de cicuta no fim do dia. Assim,
a morte, bem como o ensino, do filósofo mais famoso de todos os
tempos fez muito, tanto para contextualizar quanto para reforçar esta
nova visão sobre a alma e a vida após a morte.
De forma alguma todos liam Platão no mundo antigo. Ele con
tinuou a influenciar o discurso filosófico, claro, como faria desde en
tão. Mas a cultura popular, mesmo quando não o conhecia de primei
ra mão, continuou a ser afetada por sua obra em várias direções, das
quais duas merecem ser destacadas.
Já no tempo de Sócrates, as religiões de mistério começavam a flo
rescer, oferecendo (ao que parece) um benefício comparável à sabedo
ria filosófica, embora sem o duro trabalho intelectual. Começando com
o culto órfico, mas ventilando para um ambiente muito mais amplo,
ditas religiões (se este realmente for o termo correto para elas) ofereciam
98 A R essurreição do F ilmo de D eus
104 O trabalho fundamental continua sendo B urkert, 1987; cf., também, B urkert,
1985, cap. 6; K oester, 1982a, pp. 176-83, M eyer, 1999 [1987]; Boi.t, 1998, pp. 75-7.
105 Sócrates: Fédon, 69b-c; Aristófanes: Rãs, 353-71; Roma: p.ex., Juvenal, Sát., VI, 524-41.
106 y er 0 breve relato em NTPG, p. 155s, e abaixo, pp. 737-59. Datar as origens
deste movimento faz parte da controvérsia; certamente, o movimento existe
em meados do segundo século d.C., e alguns argumentariam para uma data
consideravelmente anterior.
107 Sobre o esquecimento da alma quanto à sua origem, cf. p.ex., Mênon, 81a-d;
Fédon, 76c-d.
Sombras , A lm a s e par a O nde E las V ã o : a V ida P ós-M orte 99
112 Epicteto, Disc., I, I I, 31; IV, 10,31,36. As ref. a seguir são a esta obra.
1,3 IV, 1, 169; cf. IV, 1, 123, 159-69. Cf. também II, 1, 26. Para Sócrates em seus
últimos dias escrevendo um hino de louvor a Apoio e Ártemis, cf. Diógenes
Laércio, II, 42.
114 P.ex., I, 1, 21-32; I, TI, 7-10; e, frequentemente. Cf., também, Marco Aurélio,
Solilóquios, XII, 35s.
115II, 1 ,13-20.
116111,10,13-16; IV, 7,15.
1,7 III, 24,92-4; a passagem, infelizmente, é obscura.
Sombras , A lm a s e par a O nde E las V ã o : a V ida P ós-M orte 101
é o corpo que será sepultado (ou que não venha a ser, coisa igualmente
possível: pois surpreendentemente Epicteto afirma não se preocupar
com o sepultamento), mas aquilo que no momento presente capacita
os membros e os órgãos.118 Um ser humano é "uma pequena alma car
regando consigo um cadáver". A Natureza nos ensina a amar o corpo
em primeiro lugar, e quando a Natureza nos diz que é tempo de dei
xá-lo, não devemos lamentar.119 Todo o objetivo de Epicteto é que se
deve aprender a ser feliz, ou, ao menos, não infeliz, neste mundo. Sua
adaptação de toda tradição grega dentro de um estoicismo popular é
realista, obstinada e carece do sabor ocioso do retrato que Platão faz de
Sócrates; mas com exceção de alguns detalhes especificamente estoicos,
podemos supor que Platão, e talvez o próprio Sócrates, teriam ficado
satisfeitos com esta disseminação muito posterior de seu ponto de vista.
O testemunho similar de Sêneca, procedente de um ambiente so
cial e cultural diferente, é em si mesmo evidência de que tais idéias
não ficaram confinadas a uma única corrente cultural, mas que segui
ram amplamente seu caminho no mundo greco-romano. Para Sêne
ca, a alma humana imortal veio de fora deste mundo - das estrelas,
na verdade - e fará seu caminho de volta para lá. Embora se pudesse
defender que ela simplesmente desapareceria, era mais provável que
ela fosse se reunir com os deuses.120 A morte é ou o final de todas as
coisas, em cujo caso não há razão para se alarmar, ou um processo de
mudança, em cujo caso devemos nos alegrar, já que a mudança é para
melhor.121 Na verdade, a alma atualmente se encontra prisioneira den
tro do corpo, que lhe impõe tanto um peso quando uma penitência.122
Não se deve, portanto, temer a morte; ela é o dia em que nascemos
na eternidade.123 Assim como se pode cessar de esperar, pode-se tam
bém cessar de temer.124 Novamente, embora o pensamento tenha se
desenvolvido, claramente estamos ainda dentro da ampla corrente do
m IV, 7, 31s.
119 Frag. 26 (em Marco Aurélio, IV, 41); frag. 23.
120 Sêneca, Ep. Mor., LXXI, 16; LXXIX, 12; CI1, 21-3; CXX, 17-19. Ref. não especifica
das, a seguir, são da mesma obra.
121 LXV, 24.
122 Pondus ac poena: LXV, 16-22.
123 CII, 25-8. Sêneca concorda com Epicteto em que o fato de um corpo não ser
sepultado não é algo com que devemos nos preocupar: XCI1,30.
124 Ep. ad Lucilium, V, 7-9.
102 A R essurreição do F ilho de D eus
128 Sobre a divinização de imperadores, ver, p.ex., B owersock , 1982; P rice , 1984;
Z anker , 1988; K lauck , 2000, cap. 4.
129 V er B urkert , 1985, pp. 203-5.
130 Assim B urkert , p. 207.
131 Aludido em, p.ex., Juvenal, Sát, XI, 60-64, juntamente com Eneias. Ver B urkert,
1985, pp. 198s., 208-11. Sobre Hércules estando, simultaneamente, no Hades e
com os imortais, ver acima.
132 B urkert , 1985, pp. 212-15. A divinização, ou quase-divinização, de mortais
ocorre em Homero também: p.ex., Ganimedes, o belo filho de Trós (II., XX, 230-
35); igualmente, seu parente Titônio parece ter sido considerado elevado à con
dição de esposo da deusa Aurora (11., XI, 1; cf. XIX, ls.). Cf. também Clito em
Od., XV, 248-52.
ias v er g EARD/ N orth e P rice , 1998,1.31.
104 A R essurreição do F ilho de D f.us
m Cf. p.ex., Arriano, Anábasis, III, 3, 2; IV, 10, 6s; VII, 29, 3; Élio, Misc. Hist., II, 19;
cf., V, 12. O pai de Alexandre, Filipe da Macedônia, já havia começado a se
mover nesta direção (Diodoro Sículo, XVI, 92, 5; XIX, 95,1; cf. a observação de
Welles no vol. 8 da ed. Loeb).
135 Para o estabelecimento do culto, cf., p.ex., Diodoro Sículo, XVIII, 60s; para a
veneração ateniense de Demétrio Poliorceta (final do séc. IV/início do séc. V
a.C.), cf., p.ex., Plutarco, Demetr., X, 3s; XII, 2s; XIII, 1. Sobre a influência do mito
de Alexandre em Roma, ver esp. G ruen , 1998.
136 B olt , 1998, p. 71s., com ref. Ver, agora, esp. C ollins , 1999, pp. 249-51.
137 B eard , N orth e P rice , 1998, vol. 2, p. 224s.
138 y er eSp pMCE/1984. Veleio Patérculo, II, 107,2, traz Tibério sendo considerado divi
no mesmo antes de se tomar imperador, depois de Augusto tê-lo feito seu herdeiro.
S ombras , A lm as e par a O nde E las V ã o : a V ida P ós-M orte 105
139 Para a divindade de Júlio César, cf., p.ex., Valério Máximo, Ditos e feitos memo
ráveis, I, 6, 13; I, 8, 8, onde "divus Iulius" aparece a Cássio antes da batalha de
Filipos, afirmando que o conspirador não o tinha verdadeira mente assassina
do, uma vez que sua divindade não poderia ser extinguida. Para o cometa, ver,
p.ex., o altar dos Lares (séc. 7 a.C.), agora no Museu do Vaticano (Z anker , 1988,
p. 222).
140 Sêneca, Apoc.
141 Dio Cássio, LXXV, 4 ,2 - 5,5. Sobre esta ocasião, uma águia sai voando da pira
funerária, proporcionando a prova de que Pertínax se tornou imortal; cp. com
o arco de Tito (ainda no Fórum de Roma).
142 Eusébio, Vd. Const., IV, 73.
143 Assim R ohdf., 1925, p. 57; ver C ollins , 1993, p. 125s. Sobre Rômulo, ver abaixo,
Seção 3, vi.
144 Apolodoro, Biblioteca, II, 7, 7; cf. Diodoro Sículo, IV, 38, 5. Esta pode ser a fon
te da lenda narrada por Teófilo, AutoL, I, 13. A sugestão de que, por se casar
106 A R essurreição do F ilho de D eus
Hércules depois com Hebe, filha de Hera, e ter filhos, portanto ele possui um
corpo na vida do além (C ollins , 1993, p. 126; cf. R iley , 1995, p. 54) é um erro
categorial: ele entrara no campo da mitologia, onde os deuses, desde Zeus e
Cronos, empenham-se em casamentos, gerações, etc., sem que qualquer um,
particularmente depois de Platão, os considerasse, em qualquer sentido co
mum, corpóreos. Em Sêneca, Herc. Eta., 1940-43,1963,1976,1977-8, Hércules é
divino, entre as estrelas.
145 Ver B urkert , 1985, p. 205s. Para a sugestão de que os heróis tivessem sido re
movidos de seus túmulos e levados aos céus, ver C ollins (discutido acima).
146 Ver, p.ex., W est, 1971, p. 188; para uma antiga origem egípcia, cf. K ákosy, 1969.
147 Aristófanes, Paz, 832-7. Para uma análise mais antiga do material, cf. C umont,
1923, cap. 3.
148 t 29d-38b; 41a-d. Ref. nas notas subsequentes são a esta mesma obra.
Sombras , A lm a s e para O nde E las V ã o : a V ida P ós- M orte 107
lhe diz que todos que haviam sido bons irão para o céu que, no fim das
contas, é de onde eles vieram em primeiro lugar:
"Sim, eles estão", respondeu, "e libertos de suas cadeias, daquela prisão
doméstica - o corpo; pois o que chamas de vida, na verdade, é morte".156
(i) Introdução
160 Tomei ciência de J ohnston, 1999, infelizmente muito tarde para usá-lo neste
estudo.
161 Detalhes completos em, p.ex., B urkert , 1985, pp. 191-4; G arland , 1985, cap.
7 (sumário, p. 120); F erguson , 1987, pp. 191-2; K lauck , 2000, pp. 75-9, com
bibliog. recente.
S ombras , A i.m as e par a O n d e E las V ã o : a V ida P ós- M orte 111
O culto dos mortos parece pressupor que o morto está presente e ativo
em sua sepultura, no túmulo debaixo da terra. Os mortos bebem as liba-
ções e inclusive o sangue - eles são convidados a se juntar ao banquete,
a se saciarem de sangue; assim que as libações se infiltram na terra, os
mortos enviam coisas boas para cima.165
162 Sobre as festas, cf. B kard, N ortii e P rice, 1998, vol. 1, p. 31,50; vol. 2, p. 104s., 122.
163 B eard, N ortii e P rice, 1998, vol. 2, p. 105.
IM B urkert, 1985, p. 191
lf” Burkert, 194 s ., citando Aristófanes, Frag., 488, 13s., e comparando R oude, vol.
1, pp. 243-5; W iesner, 1938, p. 209s. De acordo com Artemidoro (Sonhos, V, 82),
dizia-se que a festa era "oferecida ao morto pelas honras prestadas a ele por
seus companheiros"; G arland, 1985, p. 39, interpreta isto exageradamente ao
dizer que o morto "era visto presente na qualidade de anfitrião".
166 Ver, particularmente, R ilky, 1995, pp. 44-7, 67; seguido por C rossan , 1998,
p. xiv. R iley , p. 53, percebe que as almas homéricas são muito diferentes do
corpo ressurreto de Jesus em Lucas e João, mas não permite que isto fique no
caminho da extraordinária teoria que ele tenta oferecer.
112 A R essurreição do F ilho de D eus
estando morta, viva novamente neste mundo. Com efeito, outra in
terpretação das práticas em questão é que elas tinham precisamente a
intenção de esclarecer a nova situação dos mortos. O objetivo dessas
práticas era assegurar que os mortos estavam bem, adequadamente
encaminhados ao outro mundo e que não voltariam para rondar es
te.167 Além disto, parece que pelo menos alguns alimentos colocados
junto aos túmulos eram postos ali especificamente para o morto, sendo
aos vivos proibido comê-los, a fim de confirmar a nova condição da
pessoa morta; é por isso que a emoção adequada para os participantes
nestas práticas era o luto.168 Tivesse algo com relação à ressurreição,
mesmo que momentaneamente, sido imaginado ou suposto, dever-se-
-ia esperar, primeiro, surpresa e, então, com exceção obviamente dos
filósofos platônicos obstinados, deleite. Nada desse tipo se encontra.
As práticas pós-funerárias estavam bem difundidas e eram muito co
nhecidas ao longo do mundo antigo, o mesmo mundo que negou que
a ressurreição pudesse mesmo acontecer.
177 Carito, Call, 1,9 ,3s. As ref. nas duas próximas notas são a esta obra.
178II, 9,6; III, 6,4; ele é, na verdade, capturado e vendido como escravo.
179 P.ex., V, 9,4. Sobre as questões levantadas pela novela, ver abaixo, pp. 120-130.
180 Um famoso relato no mundo clássico é Heliodoro, Etiópica, VI, 14s.
181 Assim, corretamente, Boweksock, 1994, p. lOls. A história de Astrábaco (p. 113,
acima) é citada por R iley (1995, pp. 54,58) como evidência de que os mortos pode
ríam ser tocados; mas a história, que mesmo em Heródoto aparece como um velho
conto de esposa em sentido bastante literal, dificilmente garante esta conclusão.
S ombras , A lm a s e para O nde E las V â o : a V ida P ós-M orte 115
escritor com esse nome (ODCC lista quatro deles) viveu no fim do séc. I a.C., mas
as Fabellae ou Fabulae são provavelmente do séc. II d.C. Atos incríveis (como curas
e retorno de pessoas à vida imediatamente após suas mortes, como ressuscitações
realizadas por Elias e Eliseu, no Antigo Testamento, e Jesus, Pedro e Paulo, no
Novo), vêm numa categoria diferente: em sua maioria estão relacionados com
o heróico Asclépio, o "médico sem mancha" da Ilíada (IV, 405; XI, 518), filho de
Apoio e, posteriormente, um deus de cura muito venerado.
192 Rep., X, 614d-261d.
193 Esta é a explicação oferecida por Plínio o Velho (VII, 51s.) para essas ex
periências relatadas (incluindo aquela de uma mulher que supostamente
ficou morta por sete dias, VII, 52, 175). Estes contos eram conhecidos por
Celso, o pagão crítico do cristianismo do séc. II; e Teófilo (Autol., 1,13), tal
vez de forma um pouco menos entusiástica, menciona histórias deste tipo
sobre Hércules e Asclépio. Ver, abaixo, pp. 700-02.
Som bras , A lm a s e par a O nde E las V à o : a V ida P ós- M orte 117
vem a ser a própria Alceste, sua amada esposa. Após sua morte e
sepultura ela é devolvida a Admeto por Perséfone ou, na versão mais
conhecida, por Hércules, que luta fisicamente com a Morte (Thana-
tos, um personagem da obra), vence-a, resgata Alceste e a devolve a
Admeto. De forma interessante, na peça de Eurípides, a Alceste re
vivida não fala. Quando perguntado sobre isto, Hércules explica que
ela continua consagrada aos deuses de baixo e que levará três dias
para que se purifique.194
O relato, célebre graças a Eurípedes, compartilha algumas carac
terísticas com o Conto de inverno, de Shakespeare, e foi citado recen
temente como a principal evidência de que no mundo grego existia
"uma tradição sobre a ressurreição".195 O mito era conhecido em várias
versões. Esquilo alude a ele numa passagem das Eumênides,196 e se o
discute brevemente no Banquete, de Platão, onde é comparado, como
se podería prever, com a história de Orfeu e Eurídice.197 Ao longo do
m Alcest., 1144-6. Noutra versão, Perséfone envia Alceste de volta: ver, p.ex.,
Apolodro, Biblioteca, I, 9,15; Higino, Fábulas, 51.
195 P orter , 1999a, p. 80. A maior parte do artigo de P orter demonstra simples
mente, o que ninguém negaria, que havia uma larga tradição de especulação
variada sobre "vida após a morte". A lenda de Alceste (já claramente parte da
lenda de Hércules) é seu único exemplo de um efetivo retorno à vida corporal,
na contramão de todo o resto da literatura clássica.
196 Esquilo, Eum., 723s. (logo depois da negação decisiva da ressurreição, citada
no início deste capítulo): o coro relembra Apoio da época quando, na casa de
Feres (pai de Admeto), convenceu as Moiras a tornar os humanos livres da
morte. Esta referência, no entanto, (com todo respeito a P orter, p. 79s) não pa
rece nem se referir à libertação da morte de Alceste (que não foi obra de Apoio
persuadindo as Moiras, mas de Hercules lutando com a Morte), nem a Apoio
encontrando um meio de permitir que o próprio Admeto evitasse a morte.
197 Platão, Banq., 179b-d. Fedro, o orador, conclui que o amor autossacrifical de
Alceste foi o que fez a diferença entre seu destino e o de Orfeu e Eurídice
(o paralelo não é exato, uma vez que o não retorno de Eurídice à vida é por
falta de amor, não de sua parte, mas da parte de Orfeu). Alceste, diz Fedro,
recebeu um privilégio que se concede a poucos, aquele de a alma retornar
do Hades (ex Haidou aneinai palin ten psychen); ele não aduz outros exemplos
(179c). Fedro prossegue (179e-180b) citando, como outro paralelo, o envio
de Aquiles para as Ilhas dos Bem-aventurados por ele ter se determinado a
vingar seu amante Pátrolo, mesmo que soubesse que isto lhe custaria a pró
pria vida. Este também, efetivamente, não oferece paralelo para a história de
Alceste. Talvez nesse ponto do banquete o vinho já estivesse atrapalhando a
clareza de pensamento.
118 A R essurreição do F ilho de D eus
198 Um exemplo dentre vários emerge de B oardman , 1993, p. 318 (lâmina 316).
É ainda mais interessante o fato de ele ser encontrado na Catacumba da Via
Latina em Roma, posta em paralelo com cenas bíblicas "que transmitem uma
mensagem cristã de salvação" (B oardman , p. 319). Seria esta cena de Hércules,
talvez, o modelo para a tradição iconográfica posteriormente habitual de repre
sentar Jesus conduzindo Adão e Eva para fora do mundo inferior? Sobre isto,
ver mais em G rabar , 1968, p. 15, fig. 35; W eizmann , 1979, p. 242s.., núm. 219;
outros detalhes e ref. em LIMC, s.v.
m Bowersock, 1994, p. 117s., citando Orígenes, Con. Cels., II, 55 (ver abaixo, p. 722).
Na passagem, Celso cita Zamolxis, que já conhecemos, e também Pitágoras (cf.
Diógenes Laércio, VIII, 41, citando Hermipo), e o egípcio Rampsinito (Heródoto,
II, 122), que jogou dados no Hades com Demétria e retomou com um guardanapo
que ela lhe dera. Convém observar que, de Rampsinito, assim como de Teseu (ver
abaixo), não se diz ter morrido; e é igualmente importante observar que Celso não
menciona Alceste, como deveria ter feito, caso houvesse uma "tradição" sobre ela.
Para Plínio, ver acima, pp. 73,116.
S ombras , A lm a s l rara O nde E las V ã o : a V ida P ós-M ortf. 119
2ÜUCf., p.ex., Apolodro, Biblioteca, II, 5, 12. Ver também Diodoro Sículo, IV, 26, 1.
Eurípedes, Herc. Fur., 619-621. Outras ref. são oferecidas na ed. Loed de Apo
lodro, vol. 1, 235. Ao que parece, Teseu (rei de Atenas; já uma figura lendária
na época de Homero) ainda não havia realmente morrido nesta ação, de modo
que sua história, assim como a de Rampsinito, não constitui um verdadeiro
paralelo; mais bibliog. em ODCC s.v. Para a imitação de Teseu de Hércules, cf.
Plutarco, Tess., V, 6; VIII, 1; IX, 1; reconhecido como "outro Hércules", XXIX, 3.
O relato de Plutarco sobre Teseu inclui o ponto interessante (XXIX, 5) de que
Hércules começara a prática de permitir L]ue os inimigos pegassem de volta
seus mortos e, assim, "foi o primeiro a devolver os mortos". Talvez, seja aí que
as lendas tenham começado; uma alternativa é que esta seja a posterior desmi-
tologização de Plutarco delas, como parece ter acontecido na versão da história
sobre o resgate (XXXV, ls.).
21)1 A única referência a Alceste no corpo de escritos de Virgílio é o (provavelmente
espúrio) Culex, 262-4, onde Alceste, agora adequadamente morta e no mun
do inferior, está livre de todo cuidado como recompensa por seu grande feito.
A única referência de Juvenal (VI, 652) é o comentário mal-humorado de que as
esposas de sua época sacrificavam alegremente aos seus maridos, mesmo que
apenas para salvar um cãozinho.
m P orte k, p. 80, sugere que esta "tradição" se "prolongou em grande medida
em pensadores posteriores", sem sugerir nenhum outro além de Platão (muito
posterior a Eurípedes) e Esquilo (anterior). Por sua vez, Platão e Esquilo, como
vimos, indicam de forma bastante clara que ressurreição corporal de fato não
acontece; e a ref. de Esquilo (Eum., 723s.) remete não ao resgate de Alceste,
como P ortek (79s.) sugere, mas (como o material que ele cita deixa claro), ao
ato de Apoio persuadir as Moiras a permitir que Admeto, seu marido, seja
poupado de sua morte natural, caso alguém morresse em seu lugar.
120 A R essurreição do F ilho de D eus
203 Entre as fontes primárias se encontram: Tácito, Hist., II, 8s.; Suetônio, Nero, CVII;
Dio Crisóstomo, Discursos, XXI, 9s. Dio Cássio, LXIV, 9; Luciano, Adv. Ind., XX.
Juvenal chama Domiciano de "Nero" (Sai., IV, 38), o que não tinha a intenção de
ser um elogio. Esta crença popular é refletida em obras judaicas e cristãs: cf., p.ex.,
Or. Sib., III, 63-74; IV, 138s.; As. Is., IV, 1-14; Ap 13.3,17; 18.11; Comodiano, Instr.,
41.7. O melhor resumo recente sobre esta evidência, com bib. completa, é A une,
1997-98, pp. 737-740. Cf. também B auckham, 1998a, p. 382s.
204 Cf. A u n e , 1997-98, p. 740.
205 So b re N ero , v e r m ais e m W a r m in c to n , 1969.
206 Tr. G oold, LCL. Cf., também, R eardon, 1989, pp. 17-124, com notas e bibliografia.
S ombras , A lm as e rara O nde E las V ã o : a V ida P ós-M orte 121
207 Sobre as novelas gregas, ver R eardon, 1991; Bowersock, 1994. G. W. B owersock,
p. 22: "O início da proliferação em grande escala dos gêneros de ficção pode ser
situado com bastante clareza no reinado do imperador Nero" (z.e., 54-68 d.C.).
122 A R essurreição do F ilho de D eus
208 Ariadne e Sêmele eram mortais que foram, assim, deificadas; isto, segundo
R eardon , 1989, p. 53, n. 1, é o ponto fundamental da dupla alusão na qual
foram modificadas as histórias habituais de Teseu abandonando Ariadne e de
Sêmele sendo morta pelo raio de Zeus.
209 Call, III, 3 ,1 -6 (tr. G oold ). Ref. a seguir são a esta obra.
210III, 8 ,9 .
Som bras , A lm as e par a O ndf. E las V ã o : a V ida P ós-M orte 123
Quando eu tiver ido, venha visitar meu corpo e, se puder, chore sobre
ele. Para mim, isto será melhor do que a imortalidade. Quando te in
clinares sobre minha lápide, diga, mesmo se teu marido e filho estive
rem observando: "Agora, Quéreas, tu realmente te foste. Agora tu estás
morto. No tribunal do rei, eu teria te escolhido." Eu te escutarei, minha
esposa, talvez até creia em ti. Assim, aumentarás meu prestígio com os
deuses debaixo.
Mesmo se nas moradas do ITades os homens se esquecerem dos
mortos, m esm o assim , eu ainda me lembrarei de ti, meu am or.216
211IV, 1,3.
212IV, 3, 5s. Esta, juntamente com outras menções de crucificações no mundo an
tigo (p.ex., Juvenal, Sat., VI, 219-623) mostram o quão frequente esse tipo es
pantoso de morte havia se tornado e como causalmente ela era infligida por
aqueles que tinham poder de fazê-lo.
213 V, 6, 10 (anistesi tous nekrous).
2,4 V, 9,4.
215 V, 10,1. Sobre Protesilaus, ver acima.
216 V, 10, Bs., citando (e adaptando) //. XXII, 389 (Aquiles sobre Pátroclo).
124 A R essurreição do F ilho de D eus
E a heroína responde,
217 VIII, 6, 8. A pergunta do pai, em grego, é: zes , teknon , e kai touto p cp lan em ai ; e a
resposta é: zo , p ater , nun alethos , h oti se tetheam ai . Estar realmente vivo, aleth os ,
aqui, claramente significa ter uma existência corpórea sólida e deste mundo.
218 Sobre a opção do "traslado", ver aba ix o . B o w erso c k , 1994, p. 106, se engana em
seu próprio cálculo quando diz que Quéreas infere "uma ressurreição divina".
Sombras , A lm as e rar a O n d e E las V à o : a V ida P ós-M orte 125
219C o r l ey , 2002, p. 130 parece combinar o tema da Scheintod com as histórias dos
heróis sendo "trasladados" e sugere que este contexto combinado é o melhor
para se entender o relato de Marcos do túmulo vazio, que, segundo ela, consis
te em "um relato de ficção antitraslação ou deificação".
220 Ver esp. B o w erso c k , 1994, pp. 119,121-43.
221 Herodóto, IV, 93-6. Para o texto e detalhes completos, ver S tkeukns e W inkler ,
1995, pp. 101-57. A ref. de Fócio é a Biblioteca, cod. 166, citada segundo a nume
ração oferecida pela edição de B kkkhr, 109 a 6 - 112 a 12; neste caso, 110 a 16.
126 A R essurreição do F ilho de D eus
mostrar que sua morte foi, na verdade, um truque, usando uma espa
da com lâmina retrátil e uma pele de animal, cheia de entranhas, como
um falso estômago.226 Leucipa é então, aparentemente, decapitada jun
to ao mar, apenas para mais tarde reaparecer mais uma vez.227 Desta
vez, seu noivo Clitofonte é persuadido a se casar com outra, uma tal
de Melita, mas posterga a consumação de seu matrimônio; no ban
quete que vem a seguir, Melita comenta: "Que extraordinário! Esta
cerimônia se parece bastante com a que se celebra por aqueles corpos
que não podem ser encontrados. Já ouvi sobre um túmulo sem ocu
pante, mas nunca de um leito nupcial sem noiva".228 Finalmente, con
tam a Clitofonte, erroneamente, como logo se verá, que Leucipa havia
sido assassinada, apenas para que ela reaparecesse mais uma vez.229
Esses autores presumiam, sem qualquer dúvida, que seus leitores não
se cansavam do tema de tapear a morte. Este aparece, inclusive, em
desempenhos teatrais (novamente, Um conto de inverno); num célebre
exemplo, chegou-se a se encenar a aparente morte, e posterior ressur
reição, de um cão.230
Entre as novelas latinas, uma em particular se destaca: Metamor
foses, também conhecida como O asno de ouro, pelo escritor africano
Apuleio, do séc. II d.C.231 Esta obra, muito grande e complicada para
se resumi-la facilmente, aqui e ali se volta para o tema da comunica
ção com os mortos, da necromancia e das visitas ao mundo inferior;
sobre a transformação do herói Lúcio num asno (com sua família e
amigos considerando-o morto); e sobre sua restauração à vida humana
mais uma vez num tipo de vida após a morte, um renascimento sim
bólico. Nesta obra, o contexto religioso que alguns suspeitam rondar
226 Aquiles Tácio, III, 15-21(R eardon, 1989, pp. 216-19). Ref. nas três próximas
notas são a esta obra.
227 V, 7; V, 19.
22s V, 14. A aparente referência é ao tipo de "funeral" para o morto ausente, que
aparece em Carito, Call, IV, 1, 3 (ver acima), embora talvez se contasse com a
possibilidade de o leitor captar uma alusão a contos de túmulos uma vez ocu
pados, mas agora vazios.
229 VI, 1-15.
230 Plutarco, De Soll. Anim., 973e-974a (cheio de admiração pelo cão que represen
tou este papel com perfeição na presença do já velho imperador Vespasiano);
cf. W inkler , 1980, pp. 173-5; B owersock , 1994, p. 113s.
231 Ver a recente tradução e introdução de K enney , 1998.
128 A R essurreição to F ilho de D eus
Apolônio, então, segue vivo, mas não num corpo, o que não pa
rece preocupar nem a si nem a seu biógrafo. Nada aqui questiona a
cosmovisão combinada de Homero e Platão.
Há outras histórias semelhantes; um bom exemplo (que mercceria
mais espaço do que o que podemos dedicar aqui) é a história satírica de
Luciano sobre Peregrino. Elas acrescentam uma decoração extra a esse
grande quadro, sem alterar, no entanto, suas principais linhas.237
243 Ver C o lun s , 1993, p. 127, citando T abor , 1989 e um trabalho não publicado de
C. B egg .
244 Sobre o possível paralelo com isto em Pseudo-Focílides, 97-104 (C ollins , 1993,
p. 127s.) ver abaixo, p. 217.
245 Plutarco, Rômulo, XXVIII, 4-8, citando outras histórias de corpos desaparecidos
e supostamente divinizados.
246 Contra, p.ex., L. H. M artin , 1987, p. 121, que segue J. Z. S mith .
247 C orley, 2002, pp. 129-131; C ollins, 1993, pp. 123-128,137-138. Em pontos cruciais,
C ollins segue a linha de R ohde, 1923, que me parece claramente equivocada.
248 Sobre a ideia de que os seguidores de Jesus o viam como herói, resultando
em cerimônias em seu túmulo e gerando histórias sobre sua ressurreição, ver
abaixo, p. 963. Cf. P erkins , 1984, pp. 93s, 109s (com bibliografia), p. 119. Sobre
Asclépio, cf, p.ex., Luciano, Salt., 45; Pausânias, II, 26,5.
S ombras , A lmas e para O nde E las V âo : a V ida P ós -M orte 133
2WOrígenes, Con. Cels., VII, 32. Sobre a metempsicose, cf. p.ex., Diódoro Sículo, X, 6,
1-3 (que contém a história de Pitágoras reconhecendo o escudo que carregava
numa vida anterior). O que parece um exemplo vivido, porém macabro, se
oferece em En., III, 19-68. Polidoro, filho mais novo de Príamo, fora morto e
enterrado, e se transformara num grupo de árvores que jorra sangue negro,
quando Eneias tenta arrancá-las. Um exemplo mais alegre é quando Pitágoras,
vendo alguém batendo num filhote de cachorro, manda-o parar; ele reconhece
ra por sua voz que a alma era a de um amigo seu ( P rick , 1999, p. 122, citando
Xenofonte, Frag., 7a). Obviamente, a metempsicose (“transmigração") deve ser
distinguida da metamorfose, que simplesmente significa "transformação". Ver
B r e m m e r , 2002, pp. 11-15.
250 Ver, p.ex., B urkert , 1985, pp. 199, 298-301; P rice, 1999, p. 122s. Sobre o pró
prio Pitágoras, ver Diógenes Laércio, VIU, 31; cf. Plutarco, De Ser. Num. Vindic.,
564a-c. Para o efeito disso sobre o luto comum, etc., ver p.ex., Plutarco, Consolatio
ad Uxorem, 611e-f. Sobre a limitação da crença na transmigração aos círculos
filosóficos, cf. G arland , 1985, p. 62s.
251 Rep., X, 614b-621d; Fedro, 245b-249d; cf. Fcdon, 80c-82c, 84a-b; Górg., 523a-526d;
Mênon, 81b-d (que cita um oportuno fragmento de Píndaro 1133J).
134 A R essurreição do F ilho de D f.us
numa águia etc.252Odisseu, que parece ter aprendido mais do que mui
tos outros sobre sua vida anterior, escolhe ser um "cidadão comum
ocupado com seus próprios assuntos".253 As almas, então, caminham
através da Planície do Olvido, bebem do Rio do Esquecimento e, as
sim, passam para sua próxima existência, inconscientes sobre quem
foram e até de que foram alguém antes. Uma vez que, para Platão,
assim como para os esquemas hindus e budistas do mesmo tipo, vol
tar a uma existência corporal significa que a alma entra mais uma vez
num tipo de cárcere, sendo o objetivo último não simplesmente esco
lher o tipo correto de existência para sua próxima vida mas escapar
definitivamente deste ciclo.254 Neste ponto, não estamos muito longe
de uma versão, pelo menos, do karma e outras doutrinas hindus.255
Como, então, sabemos sobre tudo isto? Em parte, nos mitos, por
que um ou dois retornaram para nos contar; mas também por uma
razão filosófica mais convincente. Quando aprendemos coisas na
vida presente, algumas vezes temos a sensação de que estamos re
lembrando coisas anteriores que conhecemos vagamente. Segundo
Platão, a melhor explicação para isto é que conhecemos essas coisas
numa vida anterior.256
Esta crença na transmigração parece ter sido abraçada em círcu
los nos quais a influência pitagórica ou platônica era improvável: des
sa forma, César fala dela como uma crença dos druidas gauleses.257
Entre os demais indícios de seu prolongamento ao longo do período
do Novo Testamento estão algumas folhas de ouro gravadas proce
dentes de Túrios, sul da Itália, que prometem ao portador passagem
para o mundo seguinte em termos pelo menos compatíveis com a
263 P qrter , 1999a, pp. 74-7, tendo começado sugerindo que as religiões de mistério
incluíam a noção de ressurreição, corretamente conclui (p. 77) que a "ressur
reição corpórea não faz parte" de tais cultos e suas crenças. A tentativa recente
mais bem conhecida de alocar o cristianismo primitivo dentro do mundo de
"deuses que morrem e ressuscitam" é aquela de SMITH, 1990; ver as críticas
perspicazes de B remmer , 2002, pp. 52-5 (uma versão mais nova cie B remmer ,
1996, pp. 107-07), sugerindo que os cultos de, p.ex., Átis e Mitra mostram, antes,
indícios de influência do próprio cristianismo.
264 Ez 8.14. Sobre Tamuz (uma deidade mesopotâmica conhecida a partir de mui
tas fontes e tradições), ver, p.ex., H andy, 1992.
138 A R essurreição do F ilho de D eus
1. INTRODUÇÃO
Os que estão vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos de nada
sabem nem recebem mais recompensa, pois sua lembrança será esqueci
da. O amor, o ódio e a inveja pereceram juntamente com eles; não terão
mais parte alguma, para o futuro, no que se faz debaixo do sol...
Tudo o que tua mão consegue fazer, faze-o com todas as tuas forças, pois
no Sheol, para onde vais, não há trabalho, ou ciência, ou inteligência, ou
sabedoria.13
14 Jó 3.13s., 17-19.
15 Sobre o significado destes termos, ver, p.ex., M artin -A chard , 1960, pp. 36-46;
T romp, 1969; S awyer , 1973; B arr , 1992, pp. 28-36; D ay , 1996, p. 231s; J akick ,
1999; J ohnston , 2002, cap. 3.
16 Cf. Dn 12.2.
17 Cf., p.ex., os repetidos alertas contra a mulher adúltera em Pv 2.18,5.5, 7.27, 9.18
("eles, porém, não sabem que ali estão os mortos [rephaim, "as sombras"], que os
seus convidados estão nas profundezas do Sheol"). Assim também, p.ex., SI 88.10;
Is 14.9,26.14,19, etc. Sobre os termos-chave, ver esp. J ohnston, 2002, cap. 6.
,s Novamente, Dn 12.2. Eles são "criaturas frágeis, meras cópias de carbono dos seres
vivos nos sistemas eternos de memória do mundo inferior" (C aird, 1966, p. 253).
T empo de D espertar (1): a M orte f. o A lém no AT 149
Todos os reis das nações, todos eles, jazem com honra, cada um no seu
jazigo...
Tu, porém, és lançado fora da tua sepultura, como um ramo abominável,
com as vestes dos que foram mortos atravessados à espada,
como quem desce ao covil de pedras, como uma carcaça pisada aos pés.20
19 Is 14.9-11.
20 Is 14.18s.
21 Gn 42.38 (cf. 37.35; 44.29, 31).
150 A R essurreição do F ilho df. D eus
entanto, para supor que seus descendentes achassem que ele se en
contrava num lugar diferente do Sheol. A tensão permanece entre esta
crença e a esperança implícita, num plano completamente diferente,
nas instruções para que seu corpo seja levado de volta para a sepultura
de sua família.22 A mesma esperança se encontra na ordem de José para
que, no momento certo, seus ossos retornem para a terra prometida.23
Esta combinação de temas é retomada e repetida no que se trans
forma em uma fórmula regular aplicada aos reis que morriam. Davi
"dormiu com seus antepassados e foi sepultado na cidade de Davi", o
que fica ainda mais interessante, uma vez que seus antepassados não
estavam sepultados lá. Em outras palavras, "dormir com seus ante
passados" não era simplesmente uma forma de dizer que uma pessoa
havia sido sepultada na mesma sepultura ou cova, mas que a pessoa
fora ao mundo dos mortos para se reunir ali com seus antepassados.24
O tipo mínimo de "vida" que as sombras tinham no Sheol, ou na sepul
tura, se aproximava mais ao sono do que a qualquer outra coisa conhe
cida pelos vivos. Elas podiam, em alguns momentos, ser despertadas
de seu estado de coma através de um recém-chegado especialmente
distinto, como em Is 14, ou (como veremos) através de um necromante;
contudo, sua condição normal era o sono. Elas não eram completa
mente não-existentes, mas para todos os efeitos eram, por assim dizer,
quase nada.25
Essa conclusão, conquanto pareça tão clara nos textos, tem sido
algumas vezes desafiada, com base nas evidências arqueológicas dos
antigos sepultamentos hebraicos e suas práticas relacionadas. E ric
M eyers, em particular, argumentou que a antiga e bem difundida prá
tica do sepultamento secundário (separar e reunir os ossos depois da
carne ter se decomposto) reflete a crença num continuado nephesh,
permitindo que os ossos forneçam "pelo menos uma sombra de sua
26 M eyers , 1970, pp. 15,26. Ver, também, o estudo mais amplo de M eyers (1971).
27 Detalhes convenientemente disponíveis, com bibliog. Adicional em, p.ex.,
B loch -S mith , 1992.
28 M eyers , 1970, p. 22.
29 P.ex., L evvis, 1989. Ver a discussão completa em J ounston , 2002, cap. 8.
30 R a h m a n i , 1981/2, p. 172. Todas as quatro partes do seu artigo são muito impor
tantes.
31 Ver, p.ex., H achi.iu , 1992, p. 793; R ahmani 1981/2, p. 175s. Em algumas formas
posteriores do pensamento rabínico, a decomposição da carne era associada à
expiação dos pecados, deixando os ossos prontos para a ressurreição a uma
nova vida (ver, p.ex., R ai imani, p. 175).
32 Para detalhes e refutação, ver, p.ex., Rai imani, 1981 /2 , p. 234.
152 A R essurreição do F ilho de D f.us
alimento e bebida possam ser interpretados como uma ajuda para que
o recém-falecido passasse para o mundo inferior, uma vez concluído
este processo, não havia mais necessidade de continuar oferecendo
provisões. O morto se foi e não fazia mais parte da vida contínua das
pessoas no modo em que elas eram, e são, em muitas outras culturas.33
A morte em si mesma era triste e tingida com o mal. No Antigo
Testamento canônico, ela não era vista como uma libertação feliz, uma
fuga da alma de sua prisão corpórea. Obviamente, esse sentimento era
o corolário da crença israelita na bondade e no caráter de dom divi
no da vida neste mundo. Por conseguinte, temos a sabedoria robusta,
ainda que severa, de Eclesiastes: uma vez que as coisas são assim, o
melhor que você pode fazer é curtir a vida plenamente.34
Em torno dessa ideia, encontramos uma tensão, bem conhecida
e cheia de significado teológico, entre a morte como o fim natural de
toda vida mortal e a morte como a punição pelos pecados. Tal tensão
remonta (assumindo o ponto de vista de um leitor do primeiro século),
a Gn 2.17, 3.3 e 3.22: comer da árvore do conhecimento resultará em
morte, mas mesmo após o primeiro casal tê-lo feito, continua a pos
sibilidade de se comer o fruto da árvore da vida e assim viver para
sempre. Podemos assinalar o ponto especialmente eloquente de que
se a punição prometida para a ingestão do fruto proibido era a morte,
a punição efetiva, ou pelo menos imediata, foi o banimento do jardim.
Entretanto, uma vez que o objetivo do banimento era o de que eles
não pudessem comer o fruto da árvore da vida e, assim, viverem para
sempre (Gn 3.22-4), as duas punições se equivalem a praticamente a
mesma coisa, o que pode não parecer à primeira vista.
Este complexo tema foi sugestivamente discutido por J ames Barr
como parte do seu argumento de que, a despeito das declarações ex
cessivamente discordantes de C uixmann e outros, a Bíblia de fato se
interessa pela imortalidade humana.35 Sem dúvida Barr tem razão ao
afirmar que a história de Gênesis, como agora a temos, indica que os
seres humanos não foram criados imortais, porém tinham (e perde
ram) a oportunidade de alcançar uma vida sem fim. Para a exposição
de sua análise, no entanto, é vital distinguir pelo menos quatro sentidos
de imortalidade: (a) uma vida física que se prolonga sem que lhe ocor
ra nenhum tipo de morte; (b) a posse inata de uma parte imortal no
ser da pessoa, p.ex., a alma (que por sua vez exige uma múltipla defi
nição para si), que sobreviverá após a morte corporal; (c) o dom ofere
cido por outra fonte, p.ex., o deus de Israel, a certos seres humanos, de
uma vida contínua, não inata em si mesma à constituição humana, que
poderia então proporcionar a continuidade humana ao longo de um
período intermediário entre a presente vida corporal e a ressurreição
futura; (d) uma forma de descrever a própria ressurreição. O primeiro,
ao que parece, é o que Adão e Eva teriam ganhado em Gênesis 3; o se
gundo descreve a posição de Platão; o terceiro emerge, como veremos
posteriormente, nos escritos do Segundo Templo, como a Sabedoria
de Salomão; o quarto é enfatizado por Paulo.36 No entanto, Barr não
chega a estabelecer com clareza estas distinções. Desta forma, sua pro
va de que a Bíblia de fato está interessada na "imortalidade" não cobre
todos os lados da questão.
Não é difícil entender o que a expulsão do jardim teria signifi
cado (não apenas para leitores, mas para os editores do Pentateuco)
durante e após o exílio na Babilônia, especialmente à luz das promes
sas e alertas da grande aliança deuteronômica. Moisés colocou diante
das pessoas a vida e a morte, bênçãos e maldições, e as aconselhou a
escolher a vicia - que significava, bem especificamente, viver na ter
ra prometida em oposição a viver na desgraça do exílio.37 Porém, já
em Deuteronômio, havia a promessa de que mesmo o exílio não seria
final: o arrependimento traria restauração e renovação, tanto para a
aliança quanto para os corações humanos.38 Este vínculo explícito da
vida com a terra e da morte com o exílio, juntamente com a promessa
de restauração do outro lado do exílio, é uma das raízes esquecidas
da esperança plenamente desenvolvida do Israel antigo. Os mortos
poderiam estar adormecidos; eles poderíam, no fim das contas, serem
quase nada; mas a esperança continuava viva dentro da aliança e pro
messa de YHWH.
36 ICor 15.53.
37 Dt 30.19s, com 28.1-14,15-68; 29.14-28. Ver, p.ex., L o iifin k , 1990.
38 Dt 30.1-10.
154 A R essurreição do F ilho de D eus
39 Assim, p.ex., Ex 22.18; Lv 19.31; 20.6, 27; Dt 18.11; ISm 28 passim; Is 8.19. Cf.
L ewis , 1989, pp. 171-81; E ichrodt , 1961-7, vol. 1, pp. 1216-23; C a v a u jn , 1974,
p. 24, n. 5; M artin -A chard , 1960, pp. 24-31; R iley , 1995, pp. 13-15, sobre o qual,
ver abaixo. S chmidt , 1994, entretanto, argumenta de forma convincente que a
necromancia foi introduzida posteriormente em Israel e que se manteve prote
gida até o fim da monarquia.
40 Cf. B arley , 1997, cap. 4. Para o antigo Israel, cf. esp., S citmidt, 1994.
41 ISm 28.3-25.
42 ISm 15.13-31.
T empo de D espertar 0 ) : a M orte eo A lém no AT 155
YHWH também entregará Israel, juntamente contigo, nas mãos dos fi-
listeus; e amanhã tu e teus filhos estarão comigo. YHWH entregará tam
bém o exército de Israel nas mãos dos filisteus.4445
Quer dizer, isto trará apenas ruina. O deus vivo é a única fonte
de vida, sabedoria e instrução verdadeira, e ele concederá estas coisas
àqueles que o buscarem. Os mortos devem permanecer, sem ser per
turbados, em seu longo sono.
para o que nos interessa nesse momento) que YHWH não é assim: YHWH é o
tipo de deus que tem domínio sobre o mundo natural.
52 Dt 34.5s.
53 Ver, p.ex., G oldin , 1987; B arr , 1992,15s; G inzberg , 1998, vol. 3, pp. 471-81. Para
a interpretação muito interessante de Josefo sobre tudo isso, ver T abor , 1989.
O "túmulo de Moisés" em Nabi Musa, no deserto da Judeia, é obviamente uma
invenção tardia (ver M urphy - 0 ' C onnor 1998 [1980], 369s.): construída em 1269
como um santuário, a partir do qual seria possível ver o monte Nebo até o outro
lado do Mar Morto, a tradição transformou-a em seu túmulo efetivo.
54 lRs 17.17-24; 2Rs 4.18-37; 13.21. Gf. C avallin , 1974, p. 25 n. 17.
158 A R essurreição do F ilho de D eus
60 Jó 14.1s., 7-14.
61 Jó 16.22; Jr 51.39,57 ("dormirão um sono eterno e não mais despertarão"; toda
via isto, como julgamento específico sobre a Babilônia e seus oficiais, pode dar
a entender que sem este julgamento poderia ter havido, no fim das contas, um
tempo de despertar?). Jó 19.25-7, uma passagem muito controversa é discutida
imediatamente abaixo. Jó 29.18 quase com certeza não é uma referência à fênix
autovivificante; cf. Day, 1996, p. 252.
160 A RESSURREIÇÃO DO FlLHO DE DEUS
62 Jó 19.25-7.
63 Assim, p.ex., M artin-A chakd, 1960, pp. 166-75; Day, 1996, 25 ls; J oiikston, 2002,
pp. 209-14. H artley, 1988, 296s sugere que, embora a passagem provavelmente
não se refira explicitamente à ressurreição, foi "construída a partir da mesma ló
gica" que posteriormente levou ao ponto de vista cristão primitivo. Aqueles que
ainda defendem que a passagem prevê uma vindicação post-mortem incluem,
p.ex., O sborne, 2000, p. 932; F yall, 2002, pp. 51, 64 sugere, por meio de cuida
doso e sensível argumento, que Jó dá um "salto de fé" para uma "vida além da
decomposição física". Para obras mais antigas, ver H orst, 1960, p. 277.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém .mo A T 161
64Jó 20.7s.
65 Ec 3.19-21. O significado da pergunta retórica final parece ser que o mesmo
sopro de vida, o sopro de Deus, está nas narinas dos seres humanos e animais,
não que existe uma teoria específica sobre os espíritos humanos indo para um
lugar de felicidade - e mesmo se houvesse tal teoria, este verso a impugnaria
com franco agnosticismo.
66 Assim, Ec 2.16, sob re o qual, ver, p.ex., B re a m , 1974.
67 Ec 12.7; cf. SI 104.29 - embora o verso seguinte do salmo abra uma nova possi
bilidade, sobre a qual ver abaixo.
162 A R essurreição do F ilho de D eus
68 Z im m e rl i , 1971 [19681.
69 Gn 3.16,20; ver Z im m e rl i , 1971 11968J, p. 47s.
70 SI 128; 129.
71 Gn 50.23.
72 P.ex., Rt 1.20s.; 2Rs 25.7. Cp. também ISm 4.17s.; Lc 1.25.
73 Cf. Gn 38.6-11,26; Dt 25.5-10; Rt 1.11-13; 3.9-13; 4.1-17. Sobre a lei do levirato, cf.
C a v a l u n , 1974, p. 25; M ar t in - A c h ar d , 1960, p. 22s.; e abaixo, pp. 585-89.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 163
74 P.ex., lCr 1-9; Esd 2.1 -63 (nb. vv. 62s., onde a ausência de informações genealógicas
põe em dúvida a pretensão de um grupo aspirante a fazer parte do clã sacerdotal);
Esd 8.1-14; Ne 7.5-65. Sobre a "semente sagrada", cf. Esd 9.1s, Ml 2.15; cp. Is 6.13.
75 P.cx., Gn 12.7 e frequentemente a partir dali; Ex 3.8, 17 e frequentemente ao lon
go da narrativa. Cf. Z immkku, 1971 [1968], pp. 49-53.
76 Gn 23.19; 25.9; 35.29; 47.30; 49.29-32; 50.13. Cf. Z im me rl i , 1971 [19681, p. 63s.
77 Ex 3.8; 13.5; 33.3; cp. p.ex. Lv 20.24; Nm 13.27; Dt 26.9, 15; cf. Jr 11.5; 32.22;
Ez 20.6. Para a expansão da visão, cf. p.ex. Dt 6.10s.; 8.7-10; 11.10-15; 26.1-11; e
esp. 28.1-14.
164 A R essurreição do F ilho de D eus
Este será estabelecido para sempre como a lua, uma testemunha fiel no céu.83
82 SI 72.1-4, 8,12.
83 SI 89.35-7.
84 P.ex., NTPG, cap. 10; JVC, pp. 481-6.
83 Is 13.6, 9; Jr 46.10; Ez 30.2, 3; J11.15; 2.1,11,31; 3.14; Ob 15; Sf 1.14,15; Zc 14.1.
T empo de D espertar (1): a .M orte e o A i .ém no A T 167
3. E DEPOIS?
(i) Introdução
Tenho sempre YHWH diante dos meus olhos; porque ele está à minha
direita, jamais vacilarei.
Por isso, meu coração se alegra e minha alma exulta; e meu corpo tam
bém repousará em segurança.
Pois tu não me entregarás ao Sheol, nem deixarás que teu fiel veja o
sepulcro.
Mostra-me o caminho da vida; em tua presença há plenitude da alegria;
em tua direita, encontram-se as delícias eternas.86
86 SI 16.8-11.
87 Ver E ic h r o d t , 1961-7, vol. 2, p. 524; von R ad , 1962-5, vol. 1, p. 405; M ar t in -
A c h ar d , 1960, pp. 149-53; J o h n s t o n , 2002, p. 201s. Cp. SI 86.13, onde "tu liber
taste minha alma das profundezas do Sheol" claramente não se trata de uma
afirmação de que o escritor fora literalmente ressuscitado dos mortos. Sobre
a tese de D a h o od , 1965/6, postulando uma esperança post-mortem em vários
salmos, ver, p.ex., D ay , 1996, p. 234s; L a co cq u e , 1979, pp. 236-8.
T emro de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 169
88 SI 22.29.
89 E ichrodt , 1961-7, vol. 2, p. 511, talvez vá longe demais quando afirma que
este salmo expressa "a ideia do retorno dos mortos para uma relação viva com
Deus". Estritamente, o salmo fala sobre os quase mortos. Obviamente, isto não
impediu que o judaísmo posterior o lesse em conexão com as esperanças quanto
ao depois do túmulo.
90 SI 104.29s.
170 A R essurreição do F ilho df. D bus
Sua almas se vão chegando à cova, e suas vidas aos que trazem a morte.
Se para algum deles, pois, houver um anjo,
um intérprete, um entre milhares, para declarar sua retidão,
que tenha misericórdia dele e lhe diga:
'Livra-o para que não desça à cova; pois já achei resgate para sua vida.
Sua carne se reverdecerá mais do que era na mocidade,
e tornará aos dias da sua juventude.'
Deveras orará a Deus, o qual se agradará dele,
e verá a sua face com júbilo...
Olhará para os homens, e dirá:
'... Porém Deus livrou a minha alma de ir para a cova,
e a minha vida verá a luz.'
Eis que tudo isto é obra de Deus...
desviar suas almas da perdição,
até que possam ver a luz da vida.‘JI
Pelo menos quanto ao SI 73 pode ser dito algo mais seguro.*92 Este
salmo, uma das clássicas lamentações bíblicas quanto às aparentes
injustiças da vida (os iníquos e os arrogantes sempre parecem se
dar bem), coloca-se ao lado do livro de Jó. No entanto, oferece um
tipo diferente de resposta. Para começar, quando o salmista entra
" Jó 33.15-30.
92 Ver D a y , 1996, p. 255s; J oh n s to n , 2002, pp. 204-6, com bibliografia.
T empo de D espertar (1): a M ortf. e o A lém no AT 171
Mas isso não é tudo. O próprio salmista descobre que está seguro
por um amor que não o deixa seguir, por um poder que nem a morte e
a dissolução do corpo podem derrotar:
93 SI 73.18-20.
94 SI 73.23-7. A palavra para "receber" no v. 24 poderia ser traduzida por "tomar";
é o mesmo termo usado quando Deus "toma" Enoque em Gn 5.24 (ver B arr ,
1992, p. 33).
172 A R essurreição to F ilho de D eus
Seus túmulos serão seus lares para sempre, seu lugar de habitação para
todo o sempre...
Irão para a companhia dos seus ancestrais, que jamais verão a luz nova
mente.97
99 Sobre SI 49, cf. von R ad , 1962-5, vol. 1, p. 406; M ar t in - A c h ar d , 1960, pp. 153-8;
D a y , 1996, p. 253s. Parece improvável que o salmista tivesse em mente o tipo
de fuga inusitada à morte representada por Enoque e Elias {acima, p. 155s., em
bora a ideia de Deus intervindo para impedir que alguém fosse para o Sheol ou
túmulo obviamente seja compatível com tal fenômeno.
11X1Talvez devéssemos acrescentar também o SI 116 ao inventário, à luz do uso de
Paulo desta passagem em 2Cor 4 (abaixo, p. 509s.). J o h n s to n , 2002, pp. 207-9,
acrescenta quatro passagens de Pv: 12.28, 14.32, 15.24 e 23.14. Independente-
mente dos significados originais, tais passagens podem ter sido lidas posterior
mente como fazendo referência a um futuro post-mortem.
101 Ver acima, p. 147s.
102 Assim, p.ex., B ru e gg em an n , 1997, p. 419.
103 Dt 32.39; ISm 2.6: "YHWH mata e faz viver". Ver, também, SI 104.29s., citado
acima.
104 SI 36.9.
174 A R essurreição do F ilho de D eus
(i) Introdução
A lua no céu, com as estrelas, não se ergue tão augusta como tu, que,
após iluminar o caminho à piedade dos teus sete filhos estelares, se er
gue com honra perante Deus e se encontra assentada com eles nos céus.
114 4Mac 9.22 fala do filho mais velho, durante sua tortura, "como se transformado
pelo fogo para a imortalidade"; aqui, ao que parece, a própria teologia de 2
Macabeus foi transformada, através de Platão no helenismo. Ver a discussão
no capítulo seguinte.
115 P.ex., Sb 3.7, sobre o qual ver cap. 4 abaixo; Ps. Fil. 19.4; 51.5; SI. Sal., 3.12 (nem
toda menção à "luz" com relação ao mundo futuro pode ser interpretada como
sugerindo que os justos se transformarão em luz!). Em Or. Sib., IV, 179 os res
suscitados verão a luz do sol. 4Ed 7.97, 125a são ecos deliberados de Dn 12.3
e está claro que o que se pretende é uma semelhança, não uma identificação
("sua face brilhará como a luz do sol e eles serão como a luz das estrelas" - no
vamente, o paralelismo das frases exclui a identificação dos ressuscitados com
os próprios corpos celestes); em 2En 66.7, os justos brilharão sete vezes mais
que o sol, o que novamente exclui a possibilidade de identificação.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 179
Assim, pois, agora vou convocar seus espíritos, se são nascidos de luz,
e transformar aqueles que nasceram nas trevas... Trarei para dentro da
luz brilhante aqueles que amaram meu santo nome, e os assentarei um a
um sobre o trono de sua honra; e serão resplandecentes por incontáveis
eras... os justos resplandecerão.
1,6 Test. Mos. 10.9: "Deus vos levantará às alturas; sim, ele vos estabelecerá
firmemente no céu das estrelas, no lugar de suas habitações"; P riest (em
C h ar i .es w o rt h , 1983, p. 933) alerta que ainda é um problema se esta passagem
deve ser interpretada literal ou metaforicamente. 2Bar 51.10, em uma passagem
à qual retornaremos, declara que "eles viverão nas alturas daquele mundo e
serão como os anjos e semelhantes às estrelas". Observamos, no entanto, que
eles serão como anjos e semelhantes às estrelas, não idênticos. Existe uma pedra
de sepulcro judaica da diáspora (de Corico, na Cilícia) que parece indicar uma
crença "astral" (Cl] 2.788). A escassez de referências assim indica, se é que indi
ca alguma coisa, uma atitude judaica firme contra tal ideia.
117 1QS IV, 8 ("uma coroa de glória e uma vestimenta de infinita luz"); 1QM
XVII, 7 ("com luz eterna ele iluminará com alegria os filhos de Israel"); mas, é
óbvio, dificilmente estas passagens podem ser usadas em defesa de uma teoria
"astral" desenvolvida.
118 Cf. lEn 39.7; 50.1; 62.12 (trata-se claramente de uma ressurreição corpórea glo
riosa, e não de uma transformação em estrela); lEn 80.1, 6s.; 86.3s. (as estrelas
usadas como imagens em visões); lEn 92.4 (andando em luz eterna); 100.10
(sol, lua e estrelas testemunhando contra os pecadores). A passagem frequen
temente citada lEn 104.2 é simplesmente uma citação de Dn 12.3 ("brilharão
como as estrelas do céu") e, como a própria passagem de Daniel, não diz nada
quanto aos justos se transformando em estrelas.
180 A R essurreição do F ilho de D eus
119 P.ex., Nm 24.17; ISm 29.9; 2Sm 14.17,20; Is 9.6 [TM 5]. Assim, G oldingay, 1989, p. 308.
120 Gn 1.14-18. Cf. também Sb 3.7s., sobre o qual, ver abaixo, pp. 246-63.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 181
(Dn 9.2, 24-7).126 Os capítulos 10-12, então, explicam tudo isto com
mais detalhes. Eis como o longo exílio de Israel alcançará seu clímax,
os arrogantes pagãos serão julgados e os justos serão libertados.
Então, os capítulos 10-12, particularmente a passagem no fim no
cap. 11 e o início do cap. 12, oferecem um olhar diferente quanto aos
mesmos eventos narrados em Dn 2.31-45 e 7.2-27. A pedra desprendi
da da montanha, que esmaga a estátua composta de vários metais e
que, por sua vez, torna-se uma montanha; "aquele como um filho de
homem" que é exaltado além dos animais; os sofridos maskilim sendo
ressuscitados para brilhar como estrelas, enquanto seus perseguidores
recebem condenação eterna; tudo é, essencialmente, a mesma coisa.
Qualquer judeu do Segundo Templo que ponderasse sobre o livro con
sideraria Dn 12.2-3 não uma ideia nova e diferente, inédita e imprevis
ta, mas a culminação de tudo o que havia sido exposto antes.
O mesmo seria, com maior razão, para um leitor cujos ouvidos
estivessem abertos para o desenrolar bíblico do texto. Como não pode
ría ser diferente, considerando o tema exílico do livro como um todo
(o cenário fictício obviamente é a Babilônia e o contexto histórico é
aquele do "exílio continuado" de 9.24, sob várias regras pagãs, que
alcançam seu ponto culminante na Síria de Antíoco), os precursores
bíblicos mais óbvios são aquelas passagens que falam de exílio e res
tauração.127 Notamos, por exemplo, o eco de Jr 30.7 em 12.2: a época
de uma angústia sem precedentes é aquela proferida pelo profeta an
terior, não muito depois de ter repetido sua promessa acerca de um
exílio de setenta anos que Daniel, agora, reinterpreta.128E o alerta sobre
a angústia vindoura constitui parte de uma profecia mais ampla de re
torno, reconstrução, paz e segurança. A opressão pagã será quebrada e
a monarquia israelita restaurada.129
128 Esta profecia, com suas passagens relacionadas, foi usada como base de intensa
especulação cronológica sobre a data da redenção futura e do Messias vindou
ro. Ver NTPG, pp. 208, 312-14 e esp., B ec k w it h , 1980, 1981, agora reimpresso
em B ec k w ith , 1996.
127 Sobre o tema do exílio continuado, que continua a ser mal entendido em alguns
grupos, cf. JVG, p. xvii s.; e, com maiores explanações, W kicht , "Dialogue",
pp. 252-61.
128 Jr 25.12; 29.10.
129 Jr 30.3, 8-11.
184 A R essurreição do F ilho de D eus
130 Sobre esta conclusão cf. mais em JVG, pp. 584-91, com outras ref. ali. Outra
alusão a Isaías é a referência à aversão ou desprezo sofridos pelos iníquos res
suscitados em Dn 12.2 (ecoando Is 66.24).
131 C avallin 1972/3, p. 51. As versões em questão incluem três MSS de Qumran e
a LXX. Outros detalhes em G oi . d in ca y , p. 284; D a y , 1996, p. 242s.
132Cf. p.ex., N ickf. lsb ur g ,
1972, p. 24s.; D ay , 1 9 9 6 ,242s.
133 C hii.ds resume a mensagem de Is 49-55 da seguinte maneira: "Deus intervém
para acabar com o exílio e marcar o começo do seu reinado escatológico" (2001,
p. 410).
134 Ver a avaliação criteriosa de C hil ds , 2001, p. 419. Sobre a possibilidade de
uma sequência de pensamento semelhante, embora críptica, em Zc 12-13, cf.
E ic hr od t , 1961-7, vol. 2, p. 508, n. 1. Pode-se traçar uma sequência semelhante
em, p.ex., SI 22, onde o salmista é "colocado no pó da morte" no v. 15 e, então,
resgatado nos vv. 22-31.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 185
139 Is 26.14.
140 Ver C av al lin , 1974, p. 106; M o t ye r , 1993, p. 218s. Para Is 26.19 como uma
antecipação de 52.Is. ("Desperta, desperta... sacode o pó...") cf. N ickelsburc ,
1971, p. 18; cp. P ue ch , 1993, pp. 42-44. Sobre o "orvalho" como parte de um
tema mais amplo, no qual a chuva de Deus que faz frutificar frutos no solo é
um paralelo para a ressurreição, cf. Os 6.1-3 e, abaixo, sobre os rabinos. (Ver,
também, acima sobre Dn 12.3.)
141 D ay, 1996 mostra que 27.8, com sua referência ao exílio, empurra o verso na
direção do "retorno do exílio", na linha de Ez 37.
142 Para a nota da justiça de YHWH subjacente a toda a passagem, cf. N íckhlsuurg,
1971, p. 18; para a glória de YHWH, E ichkodt, 1961-7, vol. 2, p. 510.
143 Is 25.6-8,10.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no A T 187
141 Cf. C hilds, 2001, p. 191s. Assim, embora D ay esteja certo (1996, p. 243s.) em
enxergar aqui um forte tom de exílio e retorno, isso não exclui que haja também
uma referência a uma ressurreição corporal.
145 D ay, 1980; 1996, p. 244s.
146 No NT, ver, esp. ICor 15.54s.
147 D ay, 1980,1996,1997.
188 A R essurreição do F m.ho de D eus
148 O s 6.1s. D a y , 1996, p. 246s. (e 1997,126s.) mostra claramente que esta passagem
se refere, de fato, à morte, não simplesmente à enfermidade como alguns têm
sugerido.
144 Cf. p.ex., E ichrout, 1961-7, vol. 2, p. 504s.; M artin-A ciiard, 1960, pp. 86-93;
Z immerli , 1971 119681, p- 91s. M artin-A chard, p. 86, toma Os 6 como indício
de ressurreição pessoal, assim como A ndkrskn e F reedman, 1980, 420s., dife
rentemente, p.ex., de W olff, 1974.
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 189
Então ele me disse: "Filho do homem, estes ossos são toda a casa de
Israel; eles dizem, 'Nossos ossos estão secos e nossa esperança desvane
ceu-se; ficamos reduzidos a isto'. Portanto, profetiza e diga a eles: 'Assim
diz o soberano YHWH: eis que abrirei vossas sepulturas e vos retirarei
de seus túmulos, ó povo meu, e vos reconduzirei de volta à terra de
Israel. Então, reconhecereis que eu sou YHWH, quando abrir as vossas
sepulturas e vos fizer sair delas, ó povo meu. Introduzirei em vós meu
espírito e vivereis; estabelecer-vos-ei na vossa terra. Então sabereis que
eu, YHWH, falei e agi, diz YHW H'".15’
151 Ez 37.1-14.0 termo hebraico para "sopro", "vento" e "espírito" por toda parte é ruach.
152 Para discussão desta passagem, cf. M artin-A chard, 1960, pp. 93-102; E ichrodt,
1970, pp. 505-11; S tk m be rc er , 1972, p. 283; K oe ni g , 1983.
153 Assim, M art in - A c h a r d , 1960, p. 95.
154 Cf. Dt 30.1-10, que certamente ecoa em Ez 34-6; e cp. também Dt 30.15-20; 32.39-43.
155 Ez 37.8-10,14; cf. Gn 2.7 (embora um termo diferente, nishmath em vez de ruach,
seja usado lá para "sopro", traduzido pela LXX como pnoe em vez de pncurna
em Ezequiel).
T empo de D espertar (1): a M orte eo A lém no AT 191
166 Como, p.ex., von R ad (1962-5, vol. 1, p. 390) parece implicar. Talvez isto esteja
relacionado com a admissão de von R ad de que "nossa própria perspectiva
teológica" é inatamente suspeita quanto ao lado "externo e não espiritual" do
javismo (vol. 1, p. 279).
167 Sobre o zoroatrismo, cf. p.ex., B oyce, 1975-91; 1992; M c D annell e L anc , 2001
(1988), pp. 12-14; N igosian , 1993, com os comentários de H engel , 1974, vol. 1,
p. 196; vol. 2, p. 130s; G riffiths , 1999,1047s.; e o breve relato de D avies , 1999,
cap. 2. Os principais textos sobreviventes são do séc. IX d.C. (principalmen
te Bundahishn 30); o conhecimento do período primitivo se deve largamente a
escritores como Teopompo (séc. IV a.C.), como relatado por Plutarco, De Isid.;
Diógenes Laércio 1,9 (prólogo); Enéas de Gaza, De animali immortalitate, LXXVII.
H engel (como citado anteriormente nesta nota), juntamente com alguns ou
tros, sugere que a linha de provável influência corre desde conceitos judaicos e
cristãos até alguns conceitos iranianos mais desenvolvidos.
168 Ver a nota anterior. Para uma discussão sobre debates anteriores, cf. M artin
-A chard, 1960, pp. 186-9; G rhknspoon, 1981, pp. 259-61; B remmer, 1996, pp. 96-8.
D ay, 1996, p. 241 n. lista proponentes da hipótese zoroastriana, de W. B ousset
no início do séc. XX até C ohn, 1993. Oponentes incluem E ichrodt, 1961-7, vol. 1,
p. 516s.; Lacocquk, 1979 [1976], p. 243; B arr, 1985; G oldingay, 1989, pp. 286,318,
com maiores rcf.; J. J. C ollins, 1993, p. 396 ("embora a influência persa sobre a
crença judaica fosse aceita como óbvia por uma geração anterior de estudiosos,
a popularidade desta ideia diminuiu bastante. Não existe evidência de temas
persas em passagens judaicas cruciais como Dn 12 e lEn 22. No máximo, o uso
metafórico de ressurreição para a restauração da nação judaica após o Exílio
T empo de D espertar (1): a M ortf. e o A lém no AT 197
(Ez 37, Is 26) pode ter sido gerado indiretamente pela familiaridade com a cren
ça persa". Os ecos de Gn 2-3 nas últimas duas passagens, no entanto, lançam
algumas dúvidas até mesmo sobre esta concessão); o próprio Day (1996, vol. 2,
pp. 40-42); Bremmer, 1996, pp. 99-101; Johnston, 2002, pp. 234-6.
169 D ay, 1996, p. 241 s. O ultimo ponto é, obviamente, uma admissão de que a própria
visão de Ezequiel, com os ossos espalhados pelo vale, corresponde à prática persa.
170 Sobre "apocalíptico" e "dualismo" ver NTPG, cap. 10.
171 Ver mais, E ichrodt, 1961-7, vol. 2, p. 516s. Estas considerações também são
aplicáveis à teoria de que a ressurreição se desenvolveu no judaísmo, como
resultado dos empréstimos tomados da linguagem da reencarnação (p.ex.,
G lasson, 1961, pp. Is., 5s., 30; M ason , 1991, p. 170). Isto não equivale a dizer
que a linguagem da reencarnação não poderia ser usada pelos escritores judeus
198 A R essurreição do F ii. ho de D eus
5. CONCLUSÃO
1. INTRODUÇÃO: O QUADRO
1Algumas análises mais antigas deste material incluíam uma agenda, de acordo
com a qual era importante mostrar que todas as formas de judaísmo do Segun
do Templo eram ou urna degeneração em relação aos padrões bíblicos, ou uma
falha em antecipar o cristianismo primitivo (cf. p.ex., E ichrodt, 1961-7, vol. 2, pp.
526-9). Isto é metodologicamentc enganoso. Novas situações pós-bíblicas exigiam
novas expressões; e todos os cristãos primitivos eram judeus do Segundo Templo,
que certamente não liam a Bíblia "diretamente", no sentido de uma leitura não
mediada pela sua própria cultura. A breve análise de alguns estudos acadêmicos
recentes em B arr, 1992, pp. 1-4, por sua vez naturalmente mediada pelas idéias do
próprio Barr, indica o tipo de campo minado ao qual estas análises conduzem.
202 A R essurreição do F ilho de D f.us
2 Para o presente capítulo, ver, além das obras já citadas no começo do cap. 3,
S temberger, 1972; B auckham , 1998a, 1998b.
204 A R essurreição do F ilho de D eus
3 Sobre os saduceus, cf. NTPG, pp. 209-13; e, p.ex., M eyer em TDNT, 7.35-54;
L e M oyne , 1972; S chwankl , 1987, pp. 332-8; S aldarini, 1988, cap. 13; S anders,
1992, cap. 15; P orton , 1992, p. 2000; P uech , 1993, pp. 202-12; S temberger , 1999
(com bibliografia completa). JunÁsz, 2002, pp. 112-4. Não temos nenhum docu
mento sobre o qual podemos ter certeza que tenha sido escrito pelos próprios
saduceus. P orton , 1992, p. 892, assinala que, quando Josefo descreve por três
vezes a crença dos saduceus (Guerra, II, 162; Ant., XIII, 293; XVIII, 16s.), nenhuma
destas crenças aparece em todas as listas.
4 Mt 22.23/Mc 12.18/Lc 20.27. Estas passagens serão discutidas abaixo, no cap. 9.
T f.mpo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 205
11 D aube , 1990, p. 493: " o lap so en tre m o rte e ressu rreição qu e, seg u n d o a cren ça
bem d ifu n d id a, p elo qu al u m a boa p esso a p assa sob o estad o o u na co n d ição de
um an jo ou e sp írito ".
12 Obviamente, também é possível, entre as variadas especulações da época, que
eles tenham também negado o que é afirmado, p.ex., em 2Bar 51.10, que os justos
serão "como anjos". Aqui, no entanto, como em Mc 12.25 e par., não é afirmado
que os justos se transformarão em anjos, mas simplesmente que são como eles;
cf. p. 722, abaixo.
13D aube , 1990, p. 495 fala dos fariseus se perguntando se Paulo não havia se con
vertido "não pelo Jesus ressuscitado, mas por um Jesus deixado como, ou repre
sentado por, um anjo ou espírito".
208 A R essurreição do F ilho de D eus
14Quando ela reconheceu a voz de Pedro, sentiu tanta alegria, que não
abriu a porta, mas correu e anunciou que Pedro estava do lado de fora
da porta. 15"Você está louca!", disseram-lhe. Mas ela insistia que era ver
dade. "É seu anjo!", responderam. l6Pedro continuava batendo na porta;
eles a abriram, viram-no, e ficaram maravilhados.14
14 At 12.14-1.
T empo df. D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 209
15 Guerra, II, 165. A imagem dos saduceus aqui oferecida por Josefo não é muito
diferente do seu esboço sobre os epicureus em Ant., X, 278 (ver abaixo sobre
mSanh 10.1); de maneira semelhante, alinha os fariseus com os estoicos, e os
essênios com os pitagóricos, numa tentativa de fazer com que as seitas judaicas
se pareçam, aos seus leitores, a escolas filosóficas helenísticas.
16 Ant., XVIII, 16. Sobre as passagens de Josefo, cf. NTPG, pp. 21 Is., 325, e abaixo,
p. 265s.
17 bSanh., 90b. O Camaliel em questão provavelmente é o de At 5.34; o debate em
questão, portanto, é aproximadamente contemporâneo de Jesus e Paulo. (O fato
de a fonte poder tê-lo estilizado não significa que não seja completamente crível
exatamente naquele período.)
18 mSanh., 10.1. "Epicureu" pode ser uma forma abusiva de se referir aos sadu
ceus como licenciosos, uma acusação que provavelmente combina memórias
do estilo de vida opulento dos saduceus e sua conhecida negação de qualquer
vida futura, na qual pudesse haver alguma retribuição (cf. mAb., 1.7). Sobre
esta passagem, ver U rbach , 1987 [1975,19791, p. 652, e as notas (p. 99ls.) sobre
mBer., 5.2; mSot., 9.15. Os saduceus não são nomeados nesta passagem, mas não
há dúvidas de que são eles que estão em mente; a ausência de rótulo permite
que o texto se refira a qualquer um que possa reviver tal ponto de vista.
210 A R essukkf.içào do F ilho de D eus
19 mBer., 9.5. Alguns MMS leem "saduceus" em vez de "heréticos" (assim D anby
observa in loc., citando ]QR 6, 1915, p. 314); este certamente é o sentido preten
dido. Cf. L e M oyne , 1972, pp. 97-9. Os saduceus, assim, sem se darem conta,
geraram uma mudança litúrgica que permanece sendo um aspecto de muitas
orações, tanto cristãs quanto judaicas, até os dias atuais.
20 Eclo 14.16s.
21 Eclo 17.27s. Cf. R iley , 1995, p. 11.
T empo df. D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 211
22 Eclo 38.21-3.
B Eclo 41.4. Sobre os acréscimos escribais e as reinterpretações de Eclo, e sua pos
sível relevância para nossa presente questão, ver P u k c ii , 1990 (sobre 48.11);
1993, pp. 74-6; G ii .ukrt, 1999, pp. 275-81.
24 Eclo 11.26s.
23 Eclo 11.28 - ecoando, obviamente, a bem conhecida máxima de Sólon (cf. 1iero-
doto 1,32, 7).
26 Eclo 14.18s.
212 A R essurreição do F ilho de D eus
Existe aqui certa esperança, mas não é do mesmo tipo que os fari
seus estavam oferecendo.
Por que, podemos perguntar, os saduceus se opunham à doutrina
da ressurreição? Sabe-se que, em variados contextos histórico-culturais,
os aristocratas davam os passos necessários para assegurar que o con
forto e a luxúria de que gozavam na vida presente continuariam na vida
futura. Certamente, tal se deu no Egito e em muitas outras sociedades.
Algumas vezes, escravos eram mortos, e talvez até mesmo esposas, para
que se proporcionasse, ao defunto, pessoal doméstico adequado para a
vida do além. Da mesma forma, grupos poderosos ocasionalmente de
fendiam uma forte esperança post-mortem como meio de evitar que os
pobres e carentes se queixassem de sua sorte na vida presente. E, onde
"ressurreição" se tomou um dogma oficial dentro de um sistema pode
roso, ela teve a capacidade de se tornar simplesmente outro instrumen
to para manter na linha as pessoas comuns. Vai contra tais suposições
sociológicas ver os judeus aristocratas do primeiro século negando for
temente qualquer vida futura. Como vimos, a explicação que surpre
endentemente davam - que a doutrina não era encontrada nos textos
fundacionais da Escritura, isto é, o Pentateuco - é, prima facie, verda
deira; não há nada remotamente parecido com Dn 12.2-3, Is 26.19 ou
Ez 37.1-14, no Pentateuco ou no conjunto dos "Profetas Anteriores" (os
livros históricos compreendidos entre Josué e Reis). Contudo, no século
primeiro, como veremos, a descoberta de textos sobre a ressurreição,
inclusive na própria Torá se tornou uma ocupação regular dos fariseus,
como passou a ser, em certa medida, também dos cristãos. Por que os
saduceus se empenharam em se opor a isto?
Uma possibilidade é que eles temiam por um interesse errôneo
em relação aos mortos. Dadas as práticas pagãs bem difundidas que
analisamos anteriormente nesta seção, não é de se surpreender que os
líderes judeus considerassem o culto aos mortos perigoso e desagra
dável. Eles podem muito bem ter visto a crença na ressurreição, com
suas crenças correspondentes nos estados intermediários angélicos e
espirituais, como meio caminho para o espiritismo e a necromancia.
Mas creio que isso não atinge o coração da questão.
O verdadeiro problema era que a ressurreição, desde o princípio,
mostrou ser uma doutrina revolucionária.27 Para Dn 12, a crença na
27 S egal , 1997, eventualmente enxerga este ponto (p. 113) em relação aos rabinos,
o tendo aparentemente deixado passar (p. 106s.) em relação aos saduceus.
T empo df. D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 213
37 Bar 2.17. No contexto, isso é parte de uma oração, não apenas para o indivíduo
ser poupado da morte, mas para que Israel, já no exílio, fosse poupado da plena
"morte" de permanecer no exílio para sempre. Baruque, assim, ora pelo mesmo
objetivo que Ez 37, mas em vez de ver Israel já "morto" e necessitado de ressur
reição, vê a nação como quase morta e, como o salmista no SI 16 (acima, p. 168,
ora para que seja poupada deste destino, mesmo na hora undécima.
216 A R essurrriçAo do F ilho de D eus
onde estiverem as tendas dos meus justos e [onde] as mansões dos meus
santos, Isaque e Jacó, estão em seu seio, onde não há trabalho árduo, nem
dor, nem gemidos, mas paz e exultação, e vida sem fim.42
aqui pelo menos parece que nos movemos numa direção decidida
mente helenística, segundo a qual a alma imortal sai do corpo e encara
benção ou tormento:
43 7Eh 103.3-8; para o quadro maior nesta passagem, ver abaixo, pp. 236-38.
44 Lev. R. 34.3 (sobre 25.25).
45 bBer, 28b.
46 4Esd 7.75,78-80, 88, 95; ver abaixo, p. 242s.
47 Para um sumário, ver p.ex., D ihi.e em TDNT, 9.633-5.
48 Ver W illiams , 1 9 9 9 ,90s.
T emeu df. D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 219
Consagremo-nos com todo nosso coração a Deus, que nos deu nossas
vidas, e usemos nossos corpos como baluarte em favor da lei. Não tema
mos aquele que pensa que pode nos matar, pois grande é a luta da alma
e o perigo do tormento eterno àqueles que infringiram o mandamento de
Deus. Portanto, revistamo-nos com a armadura do autocontrole, que nos
concede a razão divina. Pois se morrermos assim, Abraão, Isaque e Jacó
nos darão boas vindas e todos os pais nos louvarão.511
Eles creem que, assim como nossos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, não
morrem para Deus, mas vivem para Deus...
Também sabiam que aqueles que morrem por amor a Deus vivem
para Deus, como Abraão, Isaque e Jacó e todos os patriarcas.32
49 4Mac 10.4 (nem todos os MSS contêm este verso). Sobre o aparente paralelismo
com Mt 10.28/Lc 12.4s., ver abaixo, p. 599.
50 4Mac 13.13-17.
51 4Mac 3.18; 6.7; 10.19s.
52 4Mac 7.19; 16.25; cf. 9.22; 14.5; 16.13; 17.2. Sobre o aparente paralelismo entre
"viver para Deus", aqui, e as palavras de Jesus em Lc 20, ver abaixo, pp. 364,591;
ecp. Km 6.10; 1.8s.; G12.19. G rappe, 2001, pp. 60-71 faz de "viver para Deus" um
aspecto muito importante de uma parte de sua discussão.
220 A R essurreição do F ilho de D eus
Mas os filhos de Abraão, com sua mãe vitoriosa, estão reunidos no coro
dos pais, e têm recebido almas puras e imortais das mãos de Deus, a
quem será a glória pelos séculos dos séculos. Amém.53
53 4Mac 18.23s.
54 B arr, 1992, p. 54, tem razão ao considerar que 4 Macabeus oferece consolo aos
perseguidos, mas (especialmente à vista de 2 Macabeus) certamente não tem ra
zão ao dar a entender que o ensinamento da imortalidade da alma funcionava,
desta forma, em bases mais amplas. Para uma "tradução" de ressurreição para
a imortalidade incorpórea, numa descrição pagã das crenças judaicas, cf. Tácito,
Hist., V, 5. H engel, 1989 [19611, p. 270, mostra que Tácito conecta esta crença
com o martírio.
T em po de D espertar (2): E sperança A lf.m da M orte n o Judaísmo 221
57 Sobre Filo, ver as recentes pesquisas, com todas as referências bibliográficas ci
tadas, in B orgen , 1984; M orris , 1987; D illon , 1996 [1977], pp. 139-83; B arclay ,
1996b, pp. 158-80; M ondésert , 1999.
58 Observâncias: Migr. Abr., 89-93. Expectativas (retorno à Jerusalém e à Terra Santa
na era escatológica): Praem., 165; cf. Vit. Mos., II, 44. Sobre a consciência que Filo
tinha de caminhar sobre uma sutil linha divisória entre a contemplação filosófica
pura e seu necessário trabalho político, ver particularmente G oodenough , 1967
[1938].
59 Quaes. Gen., III, 11 (ver D illon , 1996 [1977], p. 177). Para a possibilidade de
que Filo, assim como (provavelmente) Sabedoria e 4 Macabeus, entendia a alma
como potencialmente imortal, tornando-se, assim, apenas através da busca da
sabedoria, ver, p.ex., Quaes. Gen., 1,16; Op. Mun., 154; Conf. Ling., 149.
60 Prisão: Ebr., 26 (101); Leg. Alleg., II, 14 (42); Migr. Abr., 2 (9). Espírito ou alma de
Deus: Quod. Deter., 22 (80); Op. Mun., 46 (134s.); Spec. Leg., 1, 295; IV, 24 (123).
Túmulo: Migr. Abr., 3 (16). Corpo como sema: Leg. Alleg., 1,33 (108).
61 Qu. Heres. 4 5 ,7 8 ; Somn., 1,51; II, 133. Ver D illon, 1996 [1977], p. 178.
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 223
62 Cf. Abrah., 44 (258); Leg. Alleg., 1,33 (108) (citado em M orris , 1987, p. 888, n. 83).
63 Iguais aos anjos: Sac.., 5; alma partindo: Qu. Heres., 276; alma deixando o corpo:
Qu. Heres., 68-70; cidade-mãe (metropolis): Quaes. Gen., III, 11.
64 Cf. esp. C hadwick , 1966.
224 A R essurreição do F ilho de D eus
(i) Introdução
65 S inger , 1962, p. 46s. (o resumo e a tradução são minhas). O texto segue a recen
são palestina do Talmude; a versão babilônica é um pouco mais longa. mBer
4.1-5.5 oferece regulamentos sobre o dito desta oração; 5.2 especifica a oração
sobre a ressurreição. O Talmude (bBer., 33a) comenta que a ressurreição é men
cionada em conexão com a vinda da chuva, porque as pancadas de chuva signi
ficam vida para o mundo, assim como a ressurreição. Ver também 4Q521, frag.
7 e 5.2.6 (abaixo, p. 277s.).
66 Cf. bBer. 60b. Mais detalhes em S-B 4.1.208-249. Podemos supor que, no pri
meiro século, essa oração teria sido controversa, e pode ter sido confinada aos
(muito amplos, temos que reconhecer) círculos influenciados pelo ensinamento
farisaico. Em outras palavras, não devemos imaginar que os saduceus tivessem
que dizê-la, com os dentes cerrados, durante a liturgia no Templo.
67 Ver W illiams , 1999, p. 91.
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 225
69 Aqui, como em SI 88.10 [LXX 87.11], iatroi ("médicos") parece ser o resultado
das suposições dos tradutores da LXX de que rephaim ("sombras") derivava de
rapha* ("curar"). Sobre esse ponto, ver J oh n s to n , 2002, p. 129s.
70 C avalun, 1974, p. 103s. Cf. também, p.ex., Dt 18.15 (ver abaixo, p. 629).
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 227
tradução da LXX do livro de Jó, tal pessoa não tinha dúvida tando da
ressurreição corpórea quanto da adequação em se certificar de que o
texto bíblico dela afirmava.71
Um ponto semelhante surge da versão LXX de Os 13.14. O texto
hebraico pergunta: "Devo resgatá-los do poder do Sheol? Redimi-los
da Morte?", e espera pela resposta: "Não". A LXX, entretanto, trans
formou a pergunta em uma declaração positiva: Eu os resgatarei das
mãos do Hades e os redimirei da morte (ek cheiros Hadou rhusomai au-
tous kai ek thanatou lutrosomai autous). Alguém que lesse o texto dessa
forma poderia muito bem observar matizes de ressurreição também
no capítulo seguinte: "Serei como o orvalho para Israel... eles devem
florescer como a videira...".72
A luz disso, podemos sugerir, com precaução, algumas outras pas
sagens nas quais influências parecidas poderiam estar presentes. Evi
dentemente, na maioria dos casos em que anistemi e egeiro aparecem,
estes termos são simplesmente a forma regular de afirmar que alguém
se levantou, estando antes sentado ou deitado, ou "se levantou" no
sentido de "se levantou um rei poderoso em Israel".73 Contudo, anasta-
sis é o termo para "ressurreição" em 2Mac 7.14 e 12.43, e duas de suas
outras três ocorrências são interessantes por si mesmas.74 O termo anas-
taseos ("da ressurreição") foi acrescentado ao título do SI 65 (TM 66), e
embora alguns (incluindo o editor na ed. de Rahlfs) tenham enxergado
esse acréscimo como uma adição cristã bastante primitiva, indicando
o uso deste salmo nas liturgias pascais, pode ser elaborada uma argu
mentação, à luz do v. 9 ("tu manténs minha alma com vida"), de que
o título reflete um insight judaico pré-cristão.75 Em Sf 3.8, YHWH ins
trui seu povo a esperar por ele, pelo dia em que ele se levantará como
uma testemunha, reunindo as nações para o julgamento. Na LXX, esta
passagem aparece como uma invocação para que se aguarde "pelo dia
de minha ressurreição (eis hemeran anastaseos mou) para testemunho".
Tu, maldito desgraçado, [disse o segundo irmão], nos tira dessa vida
presente, mas o Rei do universo nos levantará para uma renovação eter
na de vida, pois morremos por suas leis.80
[O terceiro irmão] pôs sua língua para fora e corajosamente também es
tendeu suas mãos, dizendo nobremente: "Do Céu recebi estes membros
e por suas leis os desdenho, e espero recuperá-los novamente".81
por uma visão da "ressurreição" em 2 Macabeus como "ir para uma vida celes
te", o que me parece uma leitura completamente equivocada dos textos (embora
seja seguido por S c h w a n k l , 1987, pp. 250-57); o "céu" nunca é mencionado
como o local onde a ressurreição acontecerá. É incrível que P er k in s , 1984, p. 44,
possa afirmar que a única referência explícita à ressurreição em 2 Macabeus se
encontra-se em 7.11: ver, abaixo. Sobre Jasão de Cirene (suposto autor original
do - agora editado - material em 2 Macabeus) e o contexto de suas crenças,
cf. H en g e l , 1974, vol. 1, pp. 95-7.
80 2Mac 7.9.
81 2Mac 7.11.
82 2Mac 7.14; observe a variação de Dn 12.2, onde os iníquos também são ressusci
tados, a fim de serem julgados.
T empo de D espertar (2): E sperança A i.f.m da M orte no J udaísmo 231
[Em voz baixa, a mãe disse ao seu filho menor:] "Te imploro, filho meu,
que olhes para o céu e para a terra e vejas tudo que há neles, e reconheças
que Deus não os fez a partir de coisas já existentes. Da mesma forma, a
raça humana veio à existência. Não temas este algoz, mas mostra-te digno
dos teus irmãos. Aceita a morte para que, na misericórdia de Deus, eu
possa te ter de volta juntamente com eles."84
[O filho mais novo disse:] "Tu... não escaparás das mãos de Deus. Pois
estamos sofrendo por causa de nossos próprios pecados. E se nosso Deus
se encontra irado por breve momento, para nos repreender e discipli
nar, ele novamente se reconciliará com seus servos... Pois nossos irmãos,
após sofrerem um breve sofrimento, têm bebido da vida que sempre flui
da aliança de Deus; mas tu, pelo julgamento de Deus, receberás justa
punição por tua arrogância. Eu, como meus irmãos, entrego o corpo e a
vida pelas leis dos nossos antepassados, apelando a que Deus em breve
mostre misericórdia para com nossa nação e que, mediante castigos e
pragas, te faças confessar que apenas ele é Deus, e que, através de mim
e meus irmãos, se finde a ira do Todo Poderoso que, com justiça, caiu
sobre nossa nação".85
83 2Mac 7.21-3.
84 2Mac 7.28s.
85 2Mac 7.31-3, 36-8.
86 A tradução "beberam" pressupõe, com a maioria dos editores, um texto original
que trazia pepokasin em vez de peptokasin, como aparece na LXX.
232 A R e s s u r r e iç ã o d o F il h o de D eus
como um autor recente fez, como "uma visão resoluta da morte como
ressurreição".87 A ressurreição nunca é uma nova descrição da morte,
mas sempre sua derrota e inversão.
Um episódio parecido, senão ainda mais sinistro, acontece em
2Mac 14. Um judeu chamado Razis, um dos anciãos de Jerusalém, es
tava para ser preso por Nicanor, como um chefe legalista. Quando se
viu cercado, preferiu se jogar sobre sua própria espada, ao invés de
sofrer os ultrajes dos soldados:
S9 2Mac 12.44s.
90 ICor 15.29; ver, abaixo, p. 475s.
91 P orter , 1999a, p. 59s. tenta, sem sucesso, em minha opinião, minimizar a força
de 2 Macabeus.
92 2Mac 1.24-9.
234 A R essurreição do F ilho de D eus
Mas para os justos ele fará paz, manterá a salvo os escolhidos e a miseri-
córida estará sobre eles. Todos eles pertencerão a Deus, serão prósperos
e abençoados, e a luz de Deus brilhará sobre eles.95
Naqueles dias, a terra devolverá tudo o que foi confiado a ela, o Sheol
devolverá tudo o que foi confiado a ele, o que recebeu, e a destruição
devolverá o que ela tem. E ele escolherá os justos e santos dentre eles,
pois o dia se aproxima e eles precisam ser salvos... E, naqueles dias, as
montanhas saltarão como carneiros e as colinas brincarão como cordei
ros fartos de leite, e todos se transformarão em anjos no céu. Seus rostos
brilharão de alegria [ou: como crianças fartas de leite. E as faces de todos
os anjos no céu resplandecerão de alegria], pois naqueles dias o Eleito
Os justos e eleitos serão salvos nesse dia e, a partir deste momento, ja
mais verão novamente os rostos dos pecadores e opressores. O Senhor
dos Espíritos permanecerá sobre eles; eles comerão, descansarão e se
levantarão com esse Filho do Homem para sempre. Os justos e eleitos
se levantarão da terra e deixarão de estar com a fronte curvada. Eles se
revestirão de vestimentas de glória...101
será levantada toda carne, desde Adão até esse dia, assim como será
levantado o povo santo; então, dar-se-lhes-á toda alegria do Paraíso e
Deus estará no meio deles.114
Por sua vez, quando Eva morre e o livro chega o seu fim, Miguel
diz a Sete como levar a cabo os enterros - e, incidentemente, revela
uma forma habitual como eram combinadas, nesta época, a crença na
alma deixando o corpo na morte e a crença na ressurreição futura:
Assim, prepararás para o enterro todo homem que morrer até o dia da
ressurreição. Não lamente por mais do que seis dias; no sétimo dia, des
cansarás e nele te alegrarás, pois nesse dia Deus e nós, os anjos, regozija
mos na migração de uma alma justa, da terra."6
116 Ap. Ad. Ev., 43.2s; cf. também 13.1-6. A conclusão paralela de A vida de Adão e
Eva traz a ordem de Miguel para que Sete não lamente por mais de seis dias,
"pois o sétimo dia é um sinal da ressurreição, o descanso da era vindoura, e no
sétimo dia o SENHOR descansou de todas as suas obras" (51).
117 Tr. de C ol lin s in C h ar l bs w or t h , 1983, p. 389. C o l u n s , 1974, está disposto a
datar o quarto livro por volta de 300 d.C.
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 241
Da mesma forma, Zebulom diz a seus filhos que não sofram por
que ele está morrendo. Ele viverá novamente entre eles como líder en
tre seus filhos e será feliz no meio de sua tribo, enquanto os iníquos
receberão chuva de fogo.12(1Finalmente, Benjamim, o irmão mais novo,
dá testemunho parecido aos seus filhos:
Então, vocês verão Enoque, Sete, Abraão, Isaque e Jacó sendo erguidos à
destra com grande alegria. Então, nós também seremos levantados, cada
um de nós sobre nossa tribo, e nos prostraremos ante ao rei celestial.
Então, tudo será mudado, alguns destinados para a glória, outros para a
desonra, pois o Senhor primeiro julga Israel pelo mal que a nação come
teu e, então, fará o mesmo com todas as demais nações.121
o mundo, que ainda não está desperto, será acordado, e aquele que for
corrupto perecerá. E a terra devolverá aqueles que dormem dentro dela;
e as câmaras devolverão as almas que lhe foram entregues.125
Eles viverão nas alturas desse mundo e serão como os anjos e iguais
às estrelas. E serão transformados em qualquer forma que deseja
rem, da beleza ao encanto, da luz ao esplendor de glória. Pois os
confins do Paraíso se dilatarão para eles e lhes será mostrada a be
leza da majestade dos seres vivos sob o trono, assim como todos os
exércitos de anjos... e a excelência dos justos, então, será maior do
que a dos anjos.132
e ele não será lembrado quando Deus visitar o justo. Esta é a recompensa
dos pecadores para sempre, mas aqueles que temem o Senhor serão le
vantados para a vida eterna e sua vida estará na luz do Senhor, e nunca
terá fim.135
134 Ver abaixo sobre F1 3.20s; ICor 15.35-58; e o resumo, no fim do cap. 10.
135 Sl. Sal,. 3.1 ls.; tr. de R. B. W ri ght , in C h ar i .bsw o rth , 1985, p. 655. Nada há que
nos garanta afirmar (como P er k in s , 1984, p. 52) que isso "poderia se referir
simplesmente à alma". Essa passagem será importante ao analisarmos Sb 3.1-8
(abaixo, pp. 246-63.
134 P.ex., Sl. Sai, 13.11; 14.10; cf. C av al lin , 1974, pp. 57-60. Cf. também D ay , 1996,
p. 240.
246 A R essurreição do F ii.ho de D eus
137 Para a datação de Sabedoria, ver, p.ex., W i n s t o n , 1979, pp. 20-25, que insiste
em datá-la no reinado de Calígula 37-41 d.C.). Outros são mais cautelosos
(p.ex., C o l l i n s , 1998, p. 179), mas ainda situam o livro em algum ponto entre
meados do primeiro séc. a.C. e meados do primeiro séc. d.C. Por trás da maio
ria das interpretações modernas de Sabedoria encontra-se a influente obra de
L a r c h e r (1969, p. 1983).
138 P.ex., Rm 1.18-32 com Sb 13.1-19; 14.8-31; Rm 2.4 com Sb 12.10; Rm 9.14-23 com
Sb 12.12-22; Rm 9.20s. com Sb 15.7; Rm 13.1-7 com Sb 6.3. Sobre toda essa utili
zação, ver W r i g h t , Komans, ad loc.
139 P.ex., R e e s e , 1970, p. 109s.; S c i i ü r e k , vol. 3, p. 572 ( V e r m e s ); C o l l i n s , 1998,
pp. 183-6; G i l l m a n , 1997, pp. 108-12; G r a b b e , 1997, p. 52; V a n d e r K a m , 2001,
p. 125. G r a b b e , p. 53, vê que "imortalidade" e "ressurreição" não são, na
verdade, antitéticas, mas não desenvolve sua ideia nem vê suas consequências
para a leitura do cap. 3 em particular. B o i s m a r d , 1999 [1995], p. 77, pelo menos
não se envergonha de suas suposições a priori: "Pensamos que esta hipótese
[da ressurreição em Sabedoria] se exclui pela seguinte razão: de acordo com a
teoria platônica, uma ressurreição do corpo era algo inimaginável". Logo, de
forma reveladora, tem que afirmar que 5.16b-23 e 3.7-9 são interpolaçõcs, "frag-
mento(s) errático(s) inserido(s) no texto de Sabedoria numa data posterior" e
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 247
por uma pessoa diferente (p. 78s.). Esse tipo de cirurgia fala por si mesma.
H orbury, 2001, sugere que o livro oferece uma "doutrina da imortalidade"
como a confirmação da justiça de Deus (p. 650), ensinando um reviver "espi
ritual ao invés de carnal" dos justos em 3.7, mesmo enxergando (pp. 651, 656)
que em outros aspectos o pensamento do livro se aproxima do de 2 Macabeus
e que "imortalidade" e "ressurreição" podem facilmente coexistir, assim como
em ICor 15.53s e Ps.-Foc.., 102-15.
140 Aquino, Summa contra Gentiles, IV, 86; P ukci i, 1993, pp. 92-8,306. Outros defen
sores desta posição estão listados in P fei ff er , 1949, p. 339; B ea u ch a m f , 1964;
L archkr , 1969, pp. 321-7; C av al li n , 1974, p. 133, n. 4; a estes deve ser acres
centado, agora, p.ex., G ilbhrt, 1999, pp. 282-7. Não é simplesmente verdade,
como Cou.iNS, 1978, p. 188, n. 39, afirma, que L arciif .r (ou qualquer um dos
outros aqui) propôs que Sabedoria ensina a ressurreição "por causa de uma su
posição não fundamentada de que esta era uma crença judaica habitual; argu
mentos verdadeiros têm sido repetidamente oferecidos. Pelo contrário, é muito
frequente que os estudiosos neguem a possibilidade de ressurreição neste texto
devido a uma suposição não fundamentada de que qualquer menção de uma
alma imortal signifique platonismo.
141 Cf., p.ex., Ga v en t a , 1987, p. 139. Sobre esse ponto, ver, esp. jVG, pp. 210-14; e
W r i c h t , "Jesus".
142 Sobre a lógica da linguagem da "ressurreição" e a importância da "imortalida
de" dentro dela, ver acima, p. 152.
248 A R essurreição do F ilmo de D eus
145 Cf., p.ex., Dt 33.3; Filo, Abrah. 158; Qaaes. Gen., I, 85s.; III, TI; I, 16; Qu. Heres.,
280; Fuga, 97; Sifré Nm, 139, citando ISm 25.29, como fazem muitas lápides
tumulares judaicas da época (ver W i.n s to n , 1979, p. 125). Ver, também, abaixo
sobre Sb 5.16.
146 P.ex., W in st on , 1979, p. 78; C o l li n s , 1998, p. 182, seguindo K o l a r c i k , 1991 (ver
abaixo). N ic ke i .suukc , 1972, pp. 48-92 (ver, esp., p. 48 n. 1), divide o material em
dois segmentos diferentes, o que assegura que a sequência narrativa geral nun
ca é considerada. E particularmente notável que ele considere a seção 2.21-3.9
entre "os comentários redacionais que não levam a ação à diante" na história
do justo perseguido e vindicado.
250 A R essurreição do F ieho de D eus
147 Sb 2.20. A conexão dessa "visitação" (episkope) com aquela em 3.7 se obscurece
completamente na maioria das traduções.
I4S Isso não significa que a morte seja vista como algo menos real (como sugerido
por, p.ex., C o l l in s , 1978, pp. 186, 191; B ar r , 1992, p. 129s.). Para Sabedoria, a
morte corpórea é real e importa, assim como a vida corpórea é real e importa,
também. A ideia do argumento é que, a despeito da morte corpórea, o deus de
Israel tem uma carta surpresa em sua manga: um descanso temporário abençoa
do, com a esperança de uma imortalidade final - e, como argumentarei abaixo,
corpórea - /.<?., a ressurreição.
T em po de D espertar (2): E sperança A lém da M orte n o Judaísmo 251
144 Ver, p.ex., C. ilbert , 1999, p. 309, seguindo L akciihk ; G kabbh, 1997, p. 50. Como
vimos acima, p. 208, Josefo liga os saduceus aos epicureus.
I5t) Para a tensão política em Alexandria, ver novamente G oodenough, 1967 [1938J.
151 Sb 2.13,16,18; 5.5; 18.13; cf. também 14.3. Este também é um outro elo narrativo
que a maioria dos estudiosos ignora.
1,2 Sb 2.23. Alguns MSS, omitindo apenas uma única letra, trazem "natureza", em
vez de "eternidade".
252 A R essurreição do F ilho de D f.us
153 P.ex., K e l le r m a n n , 1979, pp. 102-04, que, a despeito do tema de todo o seu
livro, na verdade discute apenas Sb 3.1-6.
154 Alguns MSSacrescentam uma linha extra, como em 4.15: "e ele cuida do seu eleito".
155 Muitos textos e traduções inserem uma separação de parágrafo entre os vv. 9 e
10. Isto em nada afeta nossa presente argumentação; embora me pareça que o
v. 10 siga naturalmente após o que o precede, completando a cena de julgamen
to. Sb 3.11-4.15, então, oferece uma meditação mais extensa sobre as vidas dos
iníquos, antes que 4.16 se dedique à história mais uma vez.
156 Assim, corretamente, p.ex., N ickelsburg , 1972, p. 89; C a v a l li n , 1974, p. 127s.,
embora nenhum deles perceba do que consiste esse segundo estágio. A cor
reta conclusão é apresentada por L archer , 1969, p. 322s, citando F. F ocke : o
estágio presente de paz passiva (vv. 1-4) "n'est pas encore la béatitude définiti-
ve" ["não é, ainda, a bem-aventurança definitiva"; n.r.]. B oismard , 1999 [1995],
p. viii, reconhece a sequência de dois estágios, mas afirma que "as almas
dos justos são conduzidas a Deus após habitar no Hades por um período de
tempo". Que estar "nas mãos de Deus" possa (a) ser equiparado ao Hades e
(b) designar uma localização a partir da qual se é "guiado a Deus" é, confesso,
desconcertante.
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 253
157 Contra, p.ex., K ol a r c i k , 1991, pp. 82-5. K ol arcik consegue fugir da necessi
dade de discutir o significado do v. 8 e (p. 42) junta os vv. 7a e 9b para dar a
impressão de que o autor diz simplesmente que, nesse estado imortal aben
çoado, os justos "resplandecerão como centelhas no restolho, e permanecerão
com Deus em amor". O autor não está simplesmente contrastando "aparência"
(vv. 2-3a) com "realidade" (vv. 7-9), mas presente com futuro.
158 Cf. Sb 16.17-29; 19.6-12, 18-21. Este ponto é corretamente enfatizado por
B kauchamp , 1964.
m S egal , 1997, p. 103.
160S eg al , Ibid.
254 A R e s s u r r e iç ã o d o F ii .h o de D eus
168 P.ex., Gn 50.24s.; Ex 3.16; 4.31; Nm 16.29; Is 10.3; 23.17; 29.6; Eclo 16.18; 23.24. De
particular interesse é Jr 6.15 e, esp., 10.15s., onde a expressão é idêntica à que se
encontra na passagem que ora estudamos.
169 Lc 19.44; lPd 2.12. Cf. o verbo cognato em Lc 1.68, 78; 7.16; At 15.14.
170 Embora muitos autores, p.ex., R ee se , 1970, p. 79; M a r t in , 1995, p. 274, n. 57;
G ra bb e , 1997, p. 56, sigam D up on t - S o m m e r , 1949. Sobre "imortalidade astral",
ver acima pp. 105-09; pp. 176-79.
171 P.ex., 1En 38.4; 39.7; 62.13-16; 104.2; 108.12-14. Ver, também, 4Esd 7.97; 2Bar„
51.10.
172 Plutarco, Brut., XV; cf. II, 694s. Outras refs. em LSJ s.v.
256 A R essurreição do F ilho de D eus
173 Ver R eese , 1970, p. 79, com outras ref. Cf., também, J12.5; Na 1.10. Na passagem
de Obadias, os judeus são o fogo; e os edomitas, o restolho.
174 Sobre "apocalíptica" (uma palavra escorregadia, mas que talvez continue sen
do útil aqui) ver NTPG, pp. 280-99, que inclui uma discussão de Daniel. Ver,
também, JVG frequentemente, esp., pp. 95-7, 207-14 e (sobre a relação entre
"sabedoria" e "apocalíptica") pp. 311-16.
175 P.ex., Ex 15.18, com palavreado muito semelhante a Sb 3.8b (fato mais signifi-
cante à luz do importante tema do Êxodo na seção final do livro); SI 10.16; 29.10;
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 257
146.10; Jr 10.10; Lm 5.19; e, esp., Dn 4.34; 6.26. Cada uma dessas passagens pode
ría ser explorada com mais detalhes, e a ideia aparecería com mais clareza ainda.
175 Contra, p.ex., K olarcik , 1991, p. 42.
177 Ver, esp., p.ex., N ickelsburg, 1972, pp. 61-6 (sobre Isaías); pp. 62-8 (sobre Daniel);
C avalun, 1974, p. 127, com outras ref. em p. 133, n. 8; também, p.ex., W inston,
1979, p. 146 sobre os paralelismos com Isaías e a influência deste livro.
m y er pUECH^1993/ p. 96s.
258 A R e s s u r r e iç ã o do F il h o de D eus
179 C avallin , 1974, p. 129, concorda que, para o homem justo se "levantar" e ficar
visível, ele parece precisar ter um corpo, mas nega que essa linguagem possa
ser "forçada para provar" que o autor acreditava na ressurreição corpórea. Por
si mesmo, talvez não; mas no contexto dos cap. 1-5 como um todo, provavel
mente sim.
180 Sb 5.5; cf. 2.13,16,18. A última aparição desse tema em 18.13, ecoando Ex 4.22s.,
12.31, indica que "filho de deus" aqui significa "Israel", não "anjos", como al
gumas vezes se sugeriu (p.ex., C avallin , 1974, p. 129, 134, n. 17); W inston ,
1979, p. 147).
181 Sb 5.9-14.
182 Ver G rabbe , 1997, p. 55.
T em po de D e sper ta r (2): E sperança A l é m da M orte no J udaísmo 259
iw Winston, 1979, p. 25s., seguindo L archer. Cf. de Bokr, 1988, p. 59, observa que a
antropologia do livro não é, para todo efeito, inconsistentemente articulada.
184 Para um possível paralelo platônico, cf. Fédon 66b, 81c; para outro material
comparativo, cf. W inston , 1979, p. 207, ao qual acrescentar Horácio, SAt., 11, 2,
77-9. Sobre 2Cor 4-5, ver o cap. 7, abaixo.
185 Cf. Dt 32.39; 1Sm 2.6.
260 A R e s s u r r e iç ã o do F il h o de D eus
E isto, por sua vez, não é mais que o prelúdio para a cena final, quando
o deus de Israel julga os egípcios e resgata os israelitas, trazendo morte
para aqueles, mas não para estes (18.5-13). Eis o que faz os egípcios de
clararem que Israel realmente é filho de Deus (18.13).186 Enquanto isso,
o mundo criado, que não é um lugar sombrio e mal, como no platonis-
mo, mas sim a boa criação do bom criador, como em 1.14, luta ao lado
de Israel. Ele se renova, comportando-se de maneiras inesperadas, e
permite que a libertação do povo de YHWH aconteça, a despeito de
todas as forças que se alinham contra ele.187
Finalmente, precisamos indagar sobre o contexto implícito des
te incrível livro. Embora, certamente, seja impossível, concordo com
W inston e os demais que instaram para que seja lido como uma men
sagem codificada, tanto para Israel quanto para seus efetivos e poten
ciais perseguidores, numa época de perigo e aflição. O deus que atuou
no Êxodo para resgatar Israel dos egípcios pagãos pode e atuará nova
mente. A morte, a maior defesa do tirano, é uma intrusa no mundo do
criador, e YHWH tem o poder de vencê-la não apenas para restaurar
a vida aos justos, mas também para estabelecê-los como governantes,
juizes e reis.
Neste ponto, e sem novas provas, pode não ser possível decidir se
os adversários implicados, desde os "iníquos", nos primeiros capítu
los, até os egípcios, nas cenas finais, são os egípcios pagãos da época
do autor (assumindo, pelo bem do argumento, que ele vive no Egito,
possivelmente em Alexandria), os romanos, ou simplesmente o mun
do pagão em geral.188 Mas não devemos descartar a dimensão política
do livro, que, eventualmente, anuncia logo em seu início sua intenção
de destinar-se ao governo do mundo (1.1), e retorna ao tema quando
introduz sua seção central (Sb 6.1-11). Da mesma forma como os estu
diosos recentemente descobriram as implicações políticas dos escritos
de Paulo, também agora pode ser o tempo de lermos Sabedoria não
189 Sobre Paulo, ver, p.ex., H orsley , 1997; 2000. Sobre Sabedoria, ver as observa
ções de W inston , 1979, p. 24, n. 35. C ollins , 1998, p. 179, está certo em dizer
que o livro não pode ser lido como um "velado comentário histórico"; em ou
tras palavras, que não podemos ver nele o reflexo de uma situação precisa.
A possibilidade de uma forte intenção política permanece aberta. Ver, de novo,
o paralelo com Filo, esboçado por G oodenouch , 1967 [1938].
^ Dn 12.13; Ap 6.9-11.
262 A R e s s u r r e iç ã o ix > F il h o de D eus
191 C avalun, 1974, p. 128, sugere que "os dois tipos de escatologia são apenas apa
rentemente justapostos sem muita reflexão sobre a tensão entre eles", citando
também Larchek, 1969, 316ss. Com todo respeito, sugerimos que a falta de re
flexão é mais corretamente atribuída à tradição acadêmica (aquela que tem sido
predominante no estudo acadêmico bíblico por muitos anos), na qual tal suges
tão poderia ser feita. Para sermos justos, os enigmas que ainda precisam ser re
solvidos de Sb 8.19s e 9.15 têm, por assim dizer, jogado terra nos olhos daqueles
que leem 3.1-10; mas não existe inconsistência alguma nos caps. 1-5. N ickelsburg,
1972, pp. 87-90, parece-me fazer uma tempestade de toda esta questão.
192 O resumo de C avalun (1974, p. 132s), ainda que correto ao asseverar que
não se menciona a ressurreição, parece-me tendencioso e evita o ímpeto
geral da narrativa em questão. O texto de Sb 3.7-9 com dificildade é ade
quadamente representado por sua declaração de que "após a morte, os
justos serão glorificados e transformados na glória dos anjos, desfrutando
de uma vida em estreita comunhão com Deus e compartilhando do seu
domínio" (p. 133); isto soa como se os justos simplesmente fossem "para
o céu" (segundo a maneira posterior de dizer), o que dificilmente confere
com sua dominação sobre as nações e povos no reino de Deus. A própria
declaração de C avallin (p. 133) de que o escritor trabalha com "idéias
apocalípticas judaicas tradicionais sobre um julgamento final universal"
constitui um indicador da direção correta, sem que as consequências fos
sem corretamente seguidas.
1,3 Ver B arr , 1992, pp. 54-6.
T empo de D espertar (2): E sperança A lém üa M orte no J udaísmo 263
que as pessoas que deixam esta vida de acordo com as leis naturais, de
volvendo, assim, o que deus havia lhes emprestado, quando o doador
194 Seguimos aqui a linha de NTPG, pp. 324-7, considerando mais algumas obras a
que tive acesso desde que aquela foi escrita: p.ex. M ason , 1991, pp. 156-70, 297-
308; P uech , 1993, pp. 213-15. Sobre a interessante e reveladora compreensão
que Josefo tinha da "ascensão" de Elias, Eliseu e Moisés, ver T abor , 1989.
195 Guerra, III, 316-39. Josefo dá a data exata: a lua nova de Panemo no ano décimo
terceiro do reinado de Nero, i.e., 20 de julho de 67 d.C. (III, 339).
196 Guerra, III, 355-60.
197 Guerra, III, 371. As traduções de Josefo foram feitas por mim, exceto onde for
assinalado.
264 A R e s s u r r e iç ã o d o F il h o de D eus
deseja retomá-lo para si, ganham fama eterna. Suas casas e famílias são
asseguradas. Suas almas permanecem intocáveis e obedientes, e rece
bem o mais santo lugar no céu. De lá, quando as eras terminarem seu ci
clo [ek peritropes aionon |, eles retornam para viver novamente, desta vez,
no entanto, em corpos santos. Mas quando as pessoas tiram sua própria
vida num momento de loucura, as regiões mais obscuras do Hades rece
bem suas almas; e deus, seu pai, faz com que seus descendentes paguem
pela arrogância de seus progenitores.19819
Cada pessoa, confiando nas provas de sua própria consciência, com base
nas profecias do legislador e na firme fidelidade de deus, se persuade de
que, se observar as leis e, se necessário, estiver preparada para morrer
por elas, deus lhes dará uma existência renovada [genesthai te palin] e
receberá uma nova vida, a partir desta renovação [ek peritropes].m
[os fariseus| sustentam que toda alma é imortal, mas que apenas as al
mas dos virtuosos passam para outro corpo, enquanto as almas dos per
versos são punidas com uma vingança eterna.204
Eles creem que as almas têm poder imortal e que há recompensas e pu
nições sob a terra para aqueles que fizeram o bem ou o mal durante sua
vida. As almas más recebem aprisionamento eterno, enquanto as virtuo
sas têm uma rota fácil para uma nova vida.20®
204 Guerra, II, 163. S egal , 1997, p. 108, corretamente comenta que isso não significa
uma metempsicose ou reencarnação, mas o dom de um tipo diferente de corpo:
"como Paulo, [Josefo] vê uma nova carne incorruptível". Isto, sugere S egai.,
talvez se aproxime das crenças encontradas em 1 Enoque.
205 Guerra, II, 165.
206 P.ex., T iiackeray na ed. Loeb, p. 386 n.; S chürer , vol. 2, p. 543, n. 103 (Gruta).
207 Isso enfraquece a sugestão de Porter , 1999a, pp. 54-7, segundo a qual Josefo
indica que "o pensamento grego tradicional do pós-vida é o tema dominante",
mesmo entre os fariseus.
208 Ant. Jud., XVIII, 14.
209 Loeb, 13 n., contra T hackeray . M ason , 1991, pp. 156-70, argumenta que res
surreição é uma forma judaica, peculiar, não dualista, de "reencarnação" e, em
T empo de D espertar (2): E sperança A lém da M oki e no J udaísmo 267
é um ato nobre morrer pela lei do seu país, pois as almas daqueles que agem
desta forma alcançam a imortalidade e uma bem-aventurança eterna.21-1
certo sentido, isso está certo. Mas as distinções entre "ressurreição" e "reen-
carnação" são tão importantes como as semelhanças, e o significado regular e
popular da última ideia, tanto no mundo antigo quanto no moderno, tende a
lançar o foco sobre essas diferenças (uma visão cíclica e cósmica da histórica
pessoal, a insatisfação da alma por estar presa ao corpo, etc.), o que torna inútil,
em minha opinião, omitir as duas crenças.
2111 Esse é o ponto fundamental do argumento de M ason (ver nota anterior).
211 Assim, F eldman , Ioc. cit.
212 Para o incidente, cf. NTPG, p. 172.
213 Guerra, I, 650. Os jovens repetem essa lição quando Herodes lhes pergunta
por que eles fizeram tal coisa (1, 653).
268 A R e s s u r r e iç ã o do F il h o de D eus
214 Ant. jud., XVII, 152-4. Aqui também os culpados repetem suas lições sob inter
rogatório (XVII, 158s.).
215 Sobre esses movimentos, ver NTPG, pp. 170-81,185-203.
T emeo de D espertar (2): E sperança A lém da M orte no J udaísmo 269