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1) Tema
2) Justificativa
Com base nisso, tecemos uma reflexão inicial sobre a educação, sua importância e a relação
com o direito. Em Cidadania e Classe Social, Thomas Marshall desenvolve o aspecto histórico
da cidadania tendo como pano de fundo a Inglaterra até o fim do século XIX. A cidadania seria
então representada por três elementos: o direito civil, que tem seu desenvolvimento já logo no
século XVIII, o direito político em seguida no século XIX até chegar finalmente no direito
social que volta à cena no século XX. Esse direito social é retratado como tendo relação estreita
com as questões da educação. Ele ressurge com o desenvolvimento da educação primária
pública.
A partir do século XIX o direito à educação se torna obrigatório, por ser considerado
algo além de um dever social, já que é a educação dos membros de uma sociedade que garante
seu bom funcionamento - A educação é tida como uma forma de libertação social. Em um
segundo plano, é desenvolvido nesse mesmo texto a noção de classe social em relação à
cidadania, de forma que parecem significar ideias opostas, visto que a primeira é fruto de
desigualdades de um sistema capitalistas enquanto a segunda representaria uma forma de
superação dessas igualdades.
Passando para o Brasil, após a década de 1930 começa a ocorrer um processo de
democratização do ensino, de maneira que um ensino elitista começava a se expandir para a
população em geral. Esse processo se deu a partir de movimentos como a expansão das
matrículas, a partir de campanhas para alfabetização da população adulta e eliminação das
desigualdades formais de ensino. Outro aspecto é o surgimento do ensino superior no Brasil e
que ainda na atualidade possui a mesma característica de dualidade: escolas elitistas de ensino
público em contraste com escolas que visam ao lucro e têm a finalidade de abarcar o “restante
da população”.
Durante o período da década de 60 até final de 80, que compreende a ditadura militar, o
processo de democratização do ensino parece tomar outras formas e se vê surgirem movimentos
por construções escolares decentes, mediante a insatisfação com a ausência de vagas e o elevado
número de crianças que permaneciam fora da escola. O caráter autoritário do regime também
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se faz nítido no ensino, de maneira que até mesmo as propostas educacionais de Paulo Freire
foram recusadas. Os resquícios desse período ainda podem ser notados no ensino atual e
utilizados para se explicar as deficiências da educação brasileira.
Em “A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura”, de 1966, o
sociólogo francês Pierre Bourdieu analisa a escola contemporânea, concluindo que apesar de
as pessoas ainda terem a visão do sistema escolar como um fator de mobilidade social (a “escola
libertadora”), as escolas são, na verdade, instituições conservadoras, que produzem e
reproduzem os valores e a cultura específicos da classe dominante, favorecendo, desta forma,
àqueles que já possuem, fora da escola, a cultura dominante, ou seja, favorece a própria classe
dominante, sendo assim as instituições de ensino fornecem aparência de legitimidade às
desigualdade sociais ( as capacidades adquiridas de origens culturais passam a ser vistas como
se fossem dons naturais).
No texto “Mutações cruzadas: a cidadania e a escola”, Dubet define os conceitos de
cidadania e a maneira como esta se relaciona à escolarização. Para ele, a cidadania não possui
uma essência una e indiscutível, ela muda de acorda com a época, países e tradições, além de
não ser homogênea por abranger várias dimensões. É possível distinguir alguns elementos
constantes da cidadania: o cidadão como membro de uma nação, o cidadão como um sujeito
autônomo, e a competência cidadã que se refere às suas capacidades de intervir num espaço
democrático. Segundo o autor, a formação da cidadania se inscreve na própria forma de
escolarização, num conjunto de regras.
O novo contingente de alunos que se origina na democratização do ensino, cria um
declínio na instituição, que deve se confrontar com seus novos alunos e os problemas
ocasionados pelas novas demandas. Surge então uma mudança radical, pois a identidade dos
atores da escola fica perturbada. A partir disso, se percebe que mesmo os agentes da escola têm
consciência de que a igualdade e o mérito são contraditórios.
Como uma possível solução para essas contradições geradas pelo sistema, Dubet sugere
um novo modelo de cidadania voltado para a questão da escolaridade e baseado nos princípios
de: cultura e competências comuns (competências esperadas de todos os cidadãos), a
transparência de direitos (explicitar as regras para torná-las mais justas) e a civilidade escolar
(tratamento democrático dos problemas escolares).
O texto “Entre o mérito e a sorte: escola, presente e futuro na visão de estudantes do
ensino fundamental no Rio de Janeiro”, discorre sobre as questões da escolaridade já
mencionadas vistas de forma prática, buscando compreender um processo social que estaria
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manifestando-se por um processo de perda de sentido do espaço escolar, para uma parcela da
população. Esse processo se manifestaria por problemas de disciplina, violência e desinteresse,
no âmbito da instituição escolar, e aparentemente contraditório devido ao grande crescimento
de alunos matriculados, além dos discursos que enfatizam a relevância da educação.
Em “O que é uma escola justa?”, Dubet trata da questão de igualdade de oportunidades
no âmbito escolar. Ele menciona que, ao contrário das sociedades aristocráticas, que
priorizavam o nascimento e não o mérito, as sociedades democráticas escolheram
convictamente o mérito como um princípio essencial de justiça: a escola é justa porque cada
um pode obter sucesso nela em função de seu trabalho e de suas qualidades. Apesar de a
igualdade meritocrática de oportunidades supor igualdade de acesso, aquela sempre foi limitada
e o nascimento dos indivíduos continuou influenciando em suas orientações de vida.
Para definir uma escola justa, Dubet acredita ser essencial o modelo de escola
meritocrática, entretanto pensa ser necessário aperfeiçoá-lo, além de enfatizar que este possui
limites e contradições pelo fato de anular outras definições de justiça igualmente desejáveis,
principalmente quando não nos colocamos do ponto de vista dos alunos menos favorecidos.
Nas palavras do autor: “É necessário introduzir uma dose de discriminação positiva a
fim de assegurar maior igualdade de oportunidades. É preciso também garantir o acesso a bens
escolares fundamentais, ou, para afirmar de modo mais incisivo, a um mínimo escolar. A escola
justa deve também se preocupar com a utilidade dos diplomas. Ao mesmo tempo, e de maneira
oposta, ela deve velar para que as desigualdades escolares não produzam, por sua vez,
demasiadas desigualdades sociais. Enfim, um sistema competitivo justo como o da escola
meritocrática da igualdade de oportunidades, deve tratar bem os vencidos na competição,
mesmo quando se admite que essa competição é justa.”
No texto O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: o argumento radical
em defesa de um currículo centrado em disciplinas, Young defende uma ideia que parece ter
um caráter conservador em detrimento das novas visões que surgem sobre como organizar os
conteúdos no espaço escolar. É necessário que o currículo seja concebido como algo intrínseco
ao ensino e não como um instrumento utilizado para atingir objetivos externos (ex. “contribuir
para a economia”). Um currículo centrado em disciplinas teria a vantagem de garantir que
independentemente das condições e situações específicas de cada um, todos tivessem acesso ao
mesmo conhecimento.
Ele menciona que as políticas educacionais atuais dizem pouco sobre o papel do
conhecimento em si, na educação, então enquanto diversos pontos relacionados com as questões
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escolares são discutidos, o conhecimento é visto como inquestionável. Apesar de as recentes
reformas curriculares intencionarem uma maior inclusão social, elas acabam ocasionando um
“esvaziamento do conteúdo”. O autor enfatiza que os conhecimentos aprendidos na escola não
devem ser limitados às experiências pessoais dos alunos. Para ele, o conhecimento é algo
exterior aos alunos, mas que esta exterioridade tem uma base social e histórica, diferente da
visão tradicional que enxerga conhecimento como algo que será dado aos alunos enquanto a
eles cabe simplesmente recebê-lo, numa atitude passiva.
No livro Da relação com o saber de Bernard Charlot, desenvolve-se a ideia de um
problema frequente nas escolas: a questão do “fracasso escolar”, de maneira que é visto como
um objeto isolado, enquanto, na verdade, se trata de um fenômeno com caráter diverso. O
espaço familiar não é homogêneo, há diferentes situações em que as crianças podem se
encaixar. A posição social familiar não pode ser reduzida à condição financeira, pois há diversos
fatores que produzem influência como as práticas educativas familiares, o significado que
determinada posição adquire para cada um etc. É importante lembrar que um aluno é um ser
ativo e pensante e não simplesmente filho de alguém, de forma que duas crianças da mesma
família possam ter desempenhos diferentes na escola. Teorias mais simplistas tentam explicá-
lo como uma carência causada quase que exclusivamente pela origem dos alunos que seria a
verdadeira determinante na vida de todos independentemente de suas vivências particulares e
em muitos casos, completamente diferentes. Deve-se lembrar de que o “fracasso” em si não é
um objeto de pesquisa, mas sim as diversas condições que levam a ele que devem ser estudadas.
O autor desenvolve em seu livro a ideia de que a questão do fracasso escolar deve ser
vista a partir de uma perspectiva da relação com o saber; ele não nega a existência de alunos
em situações de não aprendizagem, entretanto refuta a visão tão recorrente de “fracasso escolar”
como se este se tratasse de uma doença que cabe ao pesquisador encontrar a causa e a cura. As
teorias que relacionam o fracasso a diferenças de posições sociais criadas pelas sociologias de
reprodução dos anos 60 e 70 ainda se fazem presentes no imaginário das pessoas, e esse sistema
de posições é expandido para uma ideia de causalidade em que a origem social e as “deficiências
socioculturais” seriam as causas do fracasso escolar.
3) Metodologia
Diante dessas ideias expostas, tenta-se definir o papel das normas jurídicas no sucesso ou
fracasso da escola e da formação do cidadão que possibilitará o desenvolvimento do país.
Apesar de ser concedida certa autonomia às escolas, como é previsto na LDB, “Art. 15. Os
sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os
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integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira,
observadas as normas gerais de direito financeiro público.”, as escolas ainda devem seguir as
diretrizes relativas aos parâmetros curriculares, à carga horária, aos livros didáticos etc.
previstos pelo respectivo estado ou pela União, o que acaba por restringir essa possível
autonomia. Assim, o que se defende não é o fim desses referenciais jurídicos que têm a
finalidade de criar certa padronização no ensino do país, mas sim definir de que forma esses
documentos atendem aos próprios objetivos preconizados com relação à finalidade da
educação1 e em que medida poderiam ser modificados para justamente permitir o
desenvolvimento socioeconômico. Conforme dito anteriormente, procurar-se-á referências na
experiência sul-coreana com o intuito de refletir sobre potenciais alterações.
O objetivo é inicialmente mapear a realidade da educação brasileira, como mencionado,
focando-se nas escolas paulistas e desenvolver uma caracterização da escola com base nos
currículos, nos indicadores (IDEB, Pisa) e, principalmente, na legislação.
Após essa parte mais teórica, pretende-se passar ao estudo de caso da escola de aplicação
da Universidade de São Paulo e das escolas públicas paulistas (provavelmente duas) que
tiverem apresentado o pior desempenho no IDEB. Sobre o estudo de caso, Giberto Andrade
Martins apresenta diversas situações em que se pode usá-lo, sendo uma delas a seguinte: “Uma
quarta alternativa é quando o Estudo de Caso único é utilizado como introdução a um estudo
mais apurado ou, ainda, como caso-piloto para a investigação. p. 12” Assim, pretende-se utilizar
os casos específicos para desenvolver uma análise qualitativa. Como Martins comenta ao citar
Robert Yin: “[...] os Estudos de Caso, em geral, não devem ser utilizados para avaliar a
incidência de fenômenos [...] um Estudo de Caso teria que tratar tanto do fenômeno de interesse
quanto de seu contexto, produzindo um grande número de variáveis potencialmente relevantes.
(Idem, p. 71).”
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Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de
solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. LDB
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Sobre essa questão, ressalta-se o que é mencionado por Jean Carlos Dias no texto “O Direito
ao desenvolvimento sob a perspectiva do pensamento jurídico contemporâneo”. Ele argumenta
que o positivismo jurídico (como proposto por Kelsen) apresentaria uma concepção estrita do
direito, de forma que este seria resultado exclusivo da atividade estatal. Assim, ele esboça o
pensamento de outro autor, Dworkin, que previa que a emanação dos direitos não se restringia
somente à produção estatal:
Dessa forma, pretende-se partir dessa concepção de direito para elaborar as propostas e
analisar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira com base na seguinte ideia de
desenvolvimento proposta por Jean Carlos Dias:
O desenvolvimento econômico deve ser medido e entendido não apenas
pela renda individual dos cidadãos de um determinado Estado, mas
também pelo nível de vida que ele pode optar diante do seu contexto
específico. p. 44 [...] Nesse sentido, o desenvolvimento implica o
oferecimento aos cidadãos de um sistema de capacidades (liberdades
substantivas) que possam ser eficazes na busca dos fins
individualmente eleitos por cada um. p. 45
4) Cronograma
5) Bibliografia prévia
Educação:
BEISIEGEL, Celso R. Educação e Sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, B. (org.).
História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Republicano, v.4. (Economia e Cultura). São
Paulo: Difel, 1986, p.382-416.
BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In:
___. Escritos de educação. (Orgs: M. A. Nogueira e A. Catani). 12ª ed. Petrópolis: Vozes, 2011,
p.39-79.
_______. O que é uma escola justa? Cadernos de Pesquisa, nº 123, v.34, set./dez., 2004, p.539-
555.
MARSHALL, T. H. Cidadania e classe social. In: ___. Cidadania, classe social e status. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p.57-114.
SPOSITO, Marília P. A luta pelo direito à educação: a década de 70; As lutas por educação nos
anos 80. In: ___. A ilusão fecunda: a luta por educação nos movimentos populares. São Paulo:
Hucitec, 2010, p.72-128.
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YOUNG, M.D. O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: o argumento
radical em defesa de um currículo centrado em disciplinas. Revista Brasileira de Educação.
Rio de Janeiro: v. 16, n. 48, 2011, p. 609-623.
Direito e desenvolvimento:
DAVIS, Kevin E.; TREBILCOCK, Michael. "A relação entre direito e desenvolvimento:
otimistas versus céticos". Revista Direito GV 9, São Paulo, v. 5, n. 1, p. 217-232.
SCALCON, Raquel Lima. Avaliação de impacto legislativo: a prática europeia e suas lições
para o Brasil. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 54, n. 214, p. 113-130, abr./jun. 2017.
Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/214/ril_v54_n214_p113>.
Coreia do Sul:
RIPLEY, Amanda. As crianças mais inteligentes do mundo e como elas chegaram lá. tradução
Renato Marques. São Paulo: Três Estrelas, 2014.
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