Você está na página 1de 11

Revista da Escola de Enfermagem da

USP
ISSN: 0080-6234
reeusp@usp.br
Universidade de São Paulo
Brasil

Oliveira Girardon Perlini, Nara Marilene; Mancussi e Faro, Ana Cristina


Cuidar de pessoa incapacitada por acidente vascular cerebral no domicílio: o fazer do
cuidador familiar
Revista da Escola de Enfermagem da USP, vol. 39, núm. 2, 2005, pp. 154-163
Universidade de São Paulo
São Paulo, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=361033281005

Como citar este artigo


Número completo
Sistema de Informação Científica
Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
RELATO DE PESQUISA
Cuidar de pessoa incapacitada por
Nara Marilene O. G. Perlini
Ana Cristina M. e Faro

acidente vascular cerebral no domicílio:


o fazer do cuidador familiar *

TAKING CARE OF PERSONS HANDICAPPED BY CEREBRAL VASCULAR


ACCIDENT AT HOME: THE FAMILIAL CAREGIVER ACTIVITY

EL CUIDADO DE LA PERSONA INCAPACITADA POR ACCIDENTE CEREBRO


VASCULAR EN EL DOMICILIO: EL HACER DEL CUIDADOR FAMILIAR

Nara Marilene Oliveira Girardon Perlini1, Ana Cristina Mancussi e Faro2

* Extraído da Dissertação RESUMO ABSTRACT RESUMEN


“Cuidar da pessoa Estudo exploratório, descritivo e An exploratory descriptive and Estudio exploratorio, descriptivo
incapacitada por acidente
vascular cerebral no quantitativo que busca identificar quantitative study aimed at y cuantitativo que busca identi-
domicílio: o fazer do e descrever as atividades do identifying and describing the ficar y describir las actividades
cuidador familiar“, Escola familiar que cuida de pessoas activity of relatives in charge of del familiar que cuida de personas
de Enfermagem da
Universidade de São Paulo incapacitadas por AVC no caring at home for people incapacitadas por ACV en el
(EEUSP), 2001. domicílio. A amostra constituiu- incapacitated by cerebral vascular domicilio. La muestra estuvo
1 Enfermeira. Mestre em se de 35 cuidadores familiares, accident. The sample was com- constituida de 35 cuidadores
Enfermagem. Docente do
Departamento de Ciências predominantemente mulheres, prised of 35 family caregivers, familiares, predominantemente
da Saúde da Universidade esposas ou filhas. Os cuidados most of them women, wives or mujeres, esposas o hijas. Los
Regional do Noroeste do realizados relacionam-se ao grau cuidados realizados se relacionan
Estado do Rio Grande
daughters. The care given is
do Sul – UNIJUÍ de incapacidade do familiar. As directly related to the degree of con el grado de incapacidad del
perlin@unijui.tche.br orientações recebidas denotam incapacity of the person who is familiar. Las orientaciones
3 Enfermeira. Professor
Doutor do Departamento
falta de compromisso dos being cared for. The orientation recibidas denotan falta de com-
de Enfermagem Médico- profissionais com a continuidade received indicated no commitment promiso de los profesionales con
Cirúrgica da EEUSP. do cuidado. O cuidador aprende a of professionals for the continuity la continuidad del cuidado. El
cuidar no cotidiano, com base na of the care. The caregivers learn cuidador aprende a cuidar en el
observação e auxílio à enfermagem in daily practice how to care, based cotidiano, con base en la obser-
na internação. As dificuldades on observation and assistance to vación y el auxilio prestado a
pautam-se no esforço físico, na nursing during the internment enfermería durante el interna-
desinformação e no medo, no period. The difficulties are related miento. Las dificultades se pautan
constrangimento e na vergonha em to physical effort, to lack of en el esfuerzo físico, en la desin-
lidar com o corpo do outro. O information and fear, to the formación y en el miedo, en el
estudo enfoca a necessidade do embarassment and the shame of recelo y en la vergüenza para lidiar
preparo para a alta hospitalar, handling someone else’s body. con el cuerpo del otro. El estudio
salienta a família como espaço The study focuses on the need enfoca la necesidad de prepa-
concreto para o cuidado; o for preparation for hospital ración para la alta hospitalaria y
aumento da expectativa de vida é discharge, emphasizes the family resalta la familia como espacio
uma constatação. as a concrete space for care; and concreto para el cuidado; el
observed an increase in life aumento de la expectativa de vida
expectancy. es una constatación.

DESCRITORES KEY WORDS DESCRIPTORES


Cuidadores. Caregivers. Cuidadores.
Cuidados domiciliários de saúde. Home nursing. Cuidados domiciliarios de salud.
Acidente cerebrovascular. Cerebral vascular accident. Accidente cerebro vascular.

154
Rev Esc Enferm USP Recebido: 23/09/2003
2005; 39(2):154-63. Aprovado: 26/01/2004
INTRODUÇÃO terceiros para movimentar-se e agir com maior ou
Cuidar da pessoa
menor independência, mas também por compro- incapacitada por

A perspectiva de aumento acentuado da meterem suas possibilidades de administrar a vida acidente vascular
cerebral no domicílio:
longevidade que ocorre nos países em desen- pessoal e familiar(6). Assim, pode-se afirmar que o o fazer do cuidador

volvimento tem determinado uma mudança no AVC é uma doença crônica que causa incapacida- familiar

perfil demográfico de todo o mundo e não ape- de, deficiências e desvantagens.


nas nos países europeus. Desde a década de 60, Esta situação pode constituir-se numa fonte
evidencia-se no Brasil, um aumento das doen- de tensão intrafamiliar. A necessidade de
ças crônico-degenerativas, principalmente as redefinição de papéis entre os membros da família,
afecções cardiovasculares, suplantando as en- a “escolha” de alguém para assumir a responsabi-
fermidades infecciosas e parasitárias como cau- lidade dos cuidados e, em muitas vezes, a adequa-
sa de morte(1). ção do ambiente visando atender as demandas do
Dentre as doenças crônico-degenerativas, as familiar doente que retorna ao lar podem causar um
cerebrovasculares constituem a terceira causa de impacto econômico e social que alteram a estrutu-
morte no mundo, precedida pelas cardiopatias em ra familiar. Porém, estudos revelam que a família é a
geral e o câncer. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) fonte mais comum de apoio e cuidados, tanto para
- isquêmico ou hemorrágico, transitório ou defini- o suporte formal como para as tarefas mais especí-
tivo – é a doença cerebrovascular que apresenta ficas de ajuda, e somente quando esgotam os re-
maior incidência, tem maior morbidade e resulta em cursos é que esta procura o caminho da
incapacidades(2-3). institucionalização(7).

Cerca de 40 a 50% dos indivíduos que sofrem A experiência de cuidar de alguém acometido
AVC morrem após seis meses. A maioria dos so- por AVC em casa tem se tornado cada vez mais
breviventes exibirá deficiências neurológicas e in- freqüente no cotidiano das famílias. Nos hospi-
capacidades residuais significativas, o que faz des- tais, a política de incentivo à alta dos pacientes o
ta patologia a primeira causa de incapacitação fun- mais cedo possível impõe um desafio constante
cional no mundo ocidental(4). às enfermeiras: preparar pacientes e famílias para
reorganizarem a vida em seus lares de modo que
Embora os dados epidemiológicos mostrem um possam assumir os cuidados próprios ou de fami-
declínio da mortalidade, é de se esperar que a inci- liares em poucos dias, detectando, prevenindo e
dência da doença reverta num quadro de controlando situações que possam ocorrer. Afi-
prevalência de deficiências físicas e mentais relaci- nal, a fase final da recuperação irá acontecer no
onadas aos episódios de derrame cerebral(3). domicílio.
Enfatizam, ainda, que há dados suficientes para
afirmar que o AVC é uma doença grave no Brasil, Para alguns autores é consenso (3,7) que os
geradora de incapacidades crônicas, com perda da cuidadores familiares recebem escassa orientação
independência e, muitas vezes, da autonomia, o por parte dos profissionais a respeito dos cuida-
que pressupõe a necessidade de alguém que auxi- dos com a saúde, entre esses, os necessários a
lie o paciente nas suas dificuldades de desempe- idosos acometidos de AVC. No entanto, estes es-
nho das atividades diárias(3). tudos permitem supor que, embora com falta de
informações, os cuidadores cuidam de seus famili-
Convém salientar que programas de reabilita- ares doentes, mesmo que de uma forma intuitiva,
ção têm contribuído significativamente para dimi- com base em suas crenças, possíveis experiências
nuir os danos causados pela doença; porém, para anteriores, bem como pela troca de informações
que o êxito seja alcançado, é fundamental que se com outras pessoas, amigos, vizinhos, grupos li-
inicie, o mais cedo possível, medidas de reabilita- gados à igreja, grupos de voluntários, enfim, a rede
ção como forma de garantir uma recuperação efi- de suporte social.
caz. A reabilitação deve ser iniciada assim que o
quadro clínico estabilizar(5). O conhecimento das atividades de cuidado
desenvolvidas no domicílio e das dificuldades en-
Todavia, a permanência de seqüelas incapa- frentadas pelos cuidadores familiares de pacien-
citantes, impondo aos pacientes limitações tes incapacitados por AVC poderá contribuir para
motoras, sensitivas, sensoriais, de compreensão e as atividades educacionais da enfermagem e da
expressão dos pensamentos pode alterar a dinâ-
mica da vida dessas pessoas, não só pelas seqüe-
las físicas que restringem as atividades da vida
equipe interdisciplinar, para que desenvolvam
ações de preparo para a alta hospitalar, de acom-
panhamento domiciliário e de atenção ao cuidador
155
Rev Esc Enferm USP
diária e tornam-nas, muitas vezes, dependentes de a partir de dados que respondam às necessida- 2005; 39(2):154-63.
des dos cuidadores e dos pacientes acometi- car as dificuldades encontradas na realização
Nara Marilene O. G. Perlini
Ana Cristina M. e Faro dos de AVC. Diante do exposto, o presente es- do cuidar, utilizou-se uma questão aberta.
tudo tem como objetivo:
A coleta dos dados foi realizada nos meses
- Identificar e descrever as atividades do de julho a setembro de 1999, através de visitas
cuidador familiar que cuida de pessoas incapaci- domiciliárias aos 132 pacientes que estiveram
tadas por acidente vascular cerebral no domicí- internados, com diagnóstico de AVC, em um hos-
lio, conhecendo as dificuldades enfrentadas no pital de grande porte na cidade de Ijuí (RS),
seu cotidiano. no período de janeiro de 1998 a agosto de 1999,
que atendiam aos critérios de não constar re-
CASUÍSTICA E MÉTODO gistro de óbito e de residir na zona urbana do
município.
A pesquisa foi do tipo exploratória, descri-
Dos endereços obtidos, 15,9% (21) não fo-
tiva e transversal, numa abordagem quantitativa.
ram localizados e 15,2% (20) pacientes haviam
Os sujeitos do estudo foram 35 cuidadores fami-
falecido. Assim, a primeira parte do instrumento
liares principais de pessoas incapacitadas por
e a ERG foi aplicada com 91 (68,9%) cuidadores.
AVC, residentes na zona urbana do município de
Destes, 54 (40,9%) tiveram boa recuperação ou
Ijuí/RS. Foi considerado como cuidador fami-
as seqüelas existentes não os impediam de serem
liar principal aquele que tem total ou maior
independentes e 37 (28,0%) apresentavam-se in-
responsabilidade pelos cuidados prestados no
capazes de se autocuidarem, necessitando as-
domicílio.
sistência de outra pessoa em graus variáveis.
Como instrumento para a coleta dos dados, Dois foram excluídos por encontrarem-se em tra-
foi utilizado uma Ficha para identificar os pa- tamento psiquiátrico (retardo mental e
cientes e localizar os potenciais cuidadores esquizofrenia), que por si só já denotam depen-
familiares, elaborada pela pesquisadora, em que dência de cuidados. Então, a terceira e quarta
se registrou, a partir dos prontuários dos paci- parte do instrumento foram aplicadas somente
entes, dados considerados de interesse para lo- aos cuidadores cujo resultado da ERG do paci-
calização do paciente; e um Formulário para ente foi de incapacidade grave ou estado de vida
entrevista com o cuidador familiar principal vegetativo, ou seja, a 35 cuidadores.
de paciente acometido por AVC, composto por
O estudo foi analisado e aprovado pelo Co-
quatro partes. Na primeira parte, abordou-se
mitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enferma-
questões referentes à caracterização do
gem da Universidade de São Paulo (CEP/EEUSP),
cuidador familiar e do paciente. A segunda par-
sendo observado as orientações da Resolução
te identificou as “condições clínicas do pacien-
196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata
te”, com base na capacidade motora e na Esca-
das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de
la de Resultados de Glasgow (ERG), através
Pesquisa Envolvendo Seres Humanos(11).
da qual identificou-se o grau de incapacidade
apresentada(8). Considerou-se que o resultado O tratamento dos dados foi realizado atra-
dentro das categorias de incapacidade grave e vés de procedimentos de estatística descritiva.
estado de vida vegetativo forneceriam a real As questões abertas foram categorizadas a par-
demanda para o estudo, uma vez que estes pa- tir do princípio de classificação, observando-se
cientes são “incapazes e dependentes”. A ter- as características da exaustividade, exclusivida-
ceira parte continha dados voltados à família do de e objetividade e, posteriormente, quanti-
paciente, sua condição social e econômica. A ficadas. Os dados foram tabulados e analisados
quarta parte visava informações sobre o cuida- eletronicamente, utilizando-se o EPI-INFO, ver-
do realizado pelo cui-dador familiar, contendo são 6.04, de janeiro de 1997 e são apresentados
questões referentes aos cuidados prestados, às em tabelas simples com números absolutos e
orientações e informações recebidas durante o percentuais.
período da internação hospitalar e quem orien-
tou/informou. Os cuidados foram organizados
nas seguintes categorias: higiene corporal e oral,

156
Rev Esc Enferm USP
cuidados com a pele, eliminações, alimentação
e hidratação, medicação de uso domiciliar, sono
e repouso, atividade física, lazer e acompanha-
2005; 39(2):154-63. mento aos serviços de saúde(9-10). Para identifi-
RESULTADOS
Cuidar da pessoa
incapacitada por
Tabela 1- Perfil do cuidador familiar principal de paciente incapacitado por AVC. acidente vascular
cerebral no domicílio:
(Ijuí (RS), 1999) o fazer do cuidador
familiar

Variável nº %

I dade (em anos)


23 - 39 10 28,6
40 - 59 19 54,3
60 - 73 6 17,1
Média 47,3
Desvio padrão 13,32

Sexo
Masculino 8 22,9
Feminino 27 77,1

C or da pele
Branca 23 65,7
Parda 10 28,6
Preta 2 5,7

Religião
Católica 23 65,7
Evangélica 8 22,9
Outras 4 11,6

E stado Marital
Casado 26 74,3
Solteiro/separado 7 20,0
Viúvo 2 5,7

E scolaridade (anos de estudo)


Sem instrução 2 5,7
1-4 10 28,6
5-8 13 37,1
9 ou mais 10 28,6

Situação atual de Ocupação


Afazeres do lar 17 48,6
Aposentado/pensionista 3 8,6
Domésticas remuneradas 3 8,6
Comércio 2 5,7
I ndústria metalúrgica 2 5,7
Outros* 8 22,9

TOTA L 35 1 0 0 ,0
* Foram diversas as profissões/ocupações citadas tais como psicóloga, telefonista, trabalhador na construção
civil, no transporte rodoviário, na indústria do vestuário, agricultor, vendedor ambulante e biscateiro.

157
Rev Esc Enferm USP
2005; 39(2):154-63.
Nara Marilene O. G. Perlini
Tabela 2 – Distribuição dos cuidados executados pelo cuidador segundo a necessidade
Ana Cristina M. e Faro de ajuda do paciente. (Ijuí (RS), 1999)

Sim Não Total


C uidados
nº % nº % nº %

Higiene no leito 8 25,8 23 74,2 31 100,0


Higiene no chuveiro 19 61,3 12 38,7 31 100,0
Higiene íntima 13 41,9 18 58,1 31 100,0
Higiene do cabelo 22 71,0 9 29,0 31 100,0
Higiene oral 22 71,0 12 35,3 34 100,0
Troca de roupa 33 97,1 1 2,9 34 100,0
Prevenção úlcera decúbito 13 41,9 18 58,1 34 100,0
Mudança de decúbito 9 26,5 25 73,5 34 100,0
Cuidado com dermatites 10 29,4 24 70,6 34 100,0
Curativos 3 8,8 31 91,2 34 100,0
Auxílio para uso de sanitários 15 51,4 19 48,6 35 100,0
Auxílio para uso de comadre 11 32,4 23 67,6 34 100,0
Troca de fraldas 9 26,5 25 73,5 34 100,0
Dispositivo coletor de urina 2 5,9 32 94,1 34 100,0
Sonda vesical de demora 1 2,9 33 97,1 34 100,0
Preparo da alimentação 28 96,6 1 3,4 29 100,0
Auxilia na alimentação VO 23 67,6 11 32,4 34 100,0
Administra alimentação SNG 2 5,9 32 94,1 34 100,0
Administra medicação 26 76,5 8 23,5 34 100,0
Controla horário da medicação 28 82,4 6 17,6 34 100,0
Posiciona para dormir 10 29,4 24 70,6 34 100,0
Previne queda 13 38,2 21 61,8 34 100,0
Auxilia na deambulação 23 67,6 11 32,4 34 100,0
Auxilia no uso de equipamentos 7 20,6 27 79,4 34 100,0
Estimula exercícios físicos 20 58,8 14 41,2 34 100,0
Estimula atividades de lazer 16 45,7 19 54,3 35 100,0
Acompanha serviço fisioterapia - - 34 100,0 34 100,0
Acompanha consultas médicas 34 97,1 1 2,9 35 100,0

Tabela 3. Dificuldades relatadas pelos DISCUSSÃO


cuidadores quanto aos cuidados consultas médicas. Mesmo os cuidadores
realizados. ((Ijuí (RS), 1999) queAbstraindo-se
não residemo junto
perfil do
comcuidador familiar
o paciente e,
Dificuldades nº %
principal de paciente incapacitado por AVC,
portanto, não prestam
pode-se afirmar, o cuidado
de acordo direto,
com a tabela 1, são
que
Movimentar o paciente 9 22,5 quempredominantemente
eram o acompanha aomulheres
médico.(77,1%),
A consulta
filhas
Constrand gimavNsdas
ento / vergoestas
nha considerações,
7 17,5 (40,0%) ou esposas (22,9%), brancas (65,7%),
Medo que o paciente caia
identificou-se
3
tarefas que são2realizadas
7,5 médica pode ser vista como um momento
casadas (74,3%), católicas (65,7%), com idade
Financeira 5,0
Saber se o que faz está certo
pela maioria dos cuidadores e aquelas 2 5,0
que importante
entre e de(54,3
40 e 59 anos grande responsabilidade,
%), escolaridade em nível
Em reorganizar a vida 1 2,5 de 1º grau (37,1%), que não exerciam atividade
E
são m d a r co n ta de to do o
pouco ou não são realizadas. 1 2 ,5
Estes pois tratará das perspectivas futuras da
fora do lar (48,6%), nunca tinham cuidado de al-
serviço 1 2,5
dados
Entendpossibilitam
er o que o pacienao te enfermeiro traçar saúdedoente
guém do familiar. E, por detrás
antes (68,6%), da condição
moravam junto com
fala 1 2,5 os pacientes (82,9%) e os cuidavam, em média,
linhas
Entendde er orientação
a doença e sue assuporte para
7 instruir
17,5 clínica apresentada, também se evidenciam
há 18,8 meses.
complicações 6 15,0
oNcuidado
ão tem didomiciliário.
ficuldades
relações de poder e de
Os pacientes eram do sexo feminino (51,4%)

158
Não responderam
A tarefa citada como realizada por e do sexo masculino (48,6). A idade variou entre
TOTA L 40* 1 0 0 ,0 40 e 87 anos, sendo que a média foi de 66,7 anos
praticamente todos os cuidadores (97,1%) e o desvio padrão de 13,32. Em relação ao estado
Rev Esc Enferm USP * Alguns cuidadores referiram mais de uma
2005; 39(2):154-63. trata-se de acompanhar o doente às
dificuldade. marital, eram casados (57,1%) viúvos (31,4%) e
solteiros ou separados (11,4%), aposentados, pen- soas com dependência aponta que determinar as
Cuidar da pessoa
sionistas ou recebendo auxílio saúde 29 (82,9%), atividades realizadas e o grau de ajuda necessária incapacitada por
de afazeres do lar 5 (14,3%) e um (2,9%) que se (parcial ou total) não espelha a real situação do acidente vascular
cerebral no domicílio:
encontra impossibilitado de trabalhar e não conse- dia-a-dia enfrentada pelo cuidador(12). Cita, como o fazer do cuidador
guiu preencher os requisitos para receber auxílio exemplo, o caso da realização da higiene corporal. familiar

saúde. Aqueles que exerciam atividade profissio- Esta pode ser realizada no leito ou no chuveiro. A
nal antes do AVC não mais tiveram condições de realização do banho no leito geralmente demanda
desempenhá-las, encontrando-se atualmente em a pessoa que o está realizando esforço físico, or-
benefício. ganização e intimidade, independente de o pacien-
te ser totalmente dependente ou poder colaborar
Em relação às condições clínicas do paciente,
de alguma forma, enquanto que para o banho no
constatou-se que o tempo decorrido do primeiro
chuveiro pode ser necessária a execução em si, a
episódio do AVC é de 1 a 84 meses, numa média de
qual implica, todavia, menor desgaste que no leito,
21,8 meses. Dos 35 pacientes que apresentavam
o auxílio com as partes do corpo mais difíceis ou
dependência, 3 incluíam-se na categoria estado
apenas a supervisão. Assim, conceber que todas
vegetativo, pois se apresentavam não responsivos
as atividades envolvem o mesmo nível de dificul-
a comandos verbais, acamados e totalmente de-
dade pode descaracterizar o trabalho dos
pendentes. Os demais 32 apresentavam-se na ca-
cuidadores.
tegoria incapacidade grave e tinham diferentes
graus de dependência. Resguardadas estas considerações, identifi-
As atividades realizadas pelo cuidador famili- cou-se tarefas que são realizadas pela maioria dos
ar podem ser identificadas na Tabela 2, a qual apre- cuidadores e aquelas que são pouco ou não são
senta os cuidados por eles realizados. Esta tabela realizadas. Estes dados possibilitam ao enfermeiro
procura mostrar os cuidados realizados pelos traçar linhas de orientação e suporte para instruir o
cuidadores durante a assistência a seus familiares. cuidado domiciliário.
Os cuidados informados como realizados referem-
A tarefa citada como realizada por praticamen-
se aos executados pelos cuidadores, independen-
te todos os cuidadores (97,1%) trata-se de acom-
te do nível de participação (auxílio ou realização) e
panhar o doente às consultas médicas. Mesmo os
os não realizados tratam-se daqueles executados
cuidadores que não residem junto com o paciente
pelo próprio paciente, quando este era capaz de
fazê-lo, ou quando não se faziam necessários. e, portanto, não prestam o cuidado direto, são quem
o acompanha ao médico. A consulta médica pode
Convém esclarecer, ainda, que quando o paci- ser vista como um momento importante e de gran-
ente apresentava dependência para realização de de responsabilidade, pois tratará das perspectivas
algum cuidado e este não era realizado pelo futuras da saúde do familiar. E, por detrás da con-
cuidador principal e sim por uma pessoa contrata- dição clínica apresentada, também se evidenciam
da, optou-se por excluí-lo do total de cuidadores, relações de poder e de saber. De um lado, o cuidador
pois se entende que ao incluí-los dentre os que principal, que é quem está investido de poder no
não prestam o cuidado, porque o familiar não ne- cuidado do doente (é quem decide o que deve ser
cessita ou é capaz de realizar sozinho, estar-se-ia feito e providencia para que seja feito) e de outro,
mascarando os cuidados demandados por parte o médico, que detém o conhecimento da doença e
dos pacientes. Deste modo, quando na tabela 1 de seu tratamento. Então, parece compreensível
verifica-se um total menos que 35, significa que o que seja o cuidador principal que discuta e receba
cuidado é realizado por outra pessoa que não o do médico as informações sobre as condições e
cuidador principal. condutas necessárias para cuidar, já que a respon-
Neste estudo são elencadas várias atividades sabilidade de viabilizá-las cabe a ele.
possíveis de serem realizadas pelos cuidadores Vestir o paciente ou auxiliá-lo a trocar de roupa
familiares, sendo que estas podem necessitar de foi uma atividade mencionada por 33 (97,1%) dos
maior ou menor envolvimento por parte do cuidador
cuidadores. Um dos déficits apresentados como
de acordo com o nível de dependência de cada
complicações ao derrame cerebral é a disfunção
paciente. Os dados permitem, portanto, identificar
motora e/ou sensorial que pode ser manifestada
a freqüência e as atividades realizadas, porém não
através das hemiplegias, hemiparesias ou

159
refletem a dimensão de envolvimento exigido para
parestesias. Estes déficits levam à diminuição ou
a execução.
perda da capacidade de movimentar voluntariamen-
Nesse sentido, pesquisa realizada sobre o tipo te os membros do lado oposto ao que ocorreu o Rev Esc Enferm USP
de assistência prestada pelos cuidadores a pes- dano cerebral(9). 2005; 39(2):154-63.
Atividades como se vestir, despir, fechar bo- do corpo e realizar higiene oral. Ao falarem sobre
Nara Marilene O. G. Perlini
Ana Cristina M. e Faro tões, calçar meias, amarrar cadarços de sapatos essas atividades alguns relataram não contar com
exigem coordenação motora, destreza manual e chuveiro, o que torna o banho uma atividade
necessitam de ambas as mãos para serem execu- mais difícil de ser executada sem ajuda, principal-
tadas. Na presença de déficit motor, o desenvol- mente se o paciente é pouco colaborativo ou
vimento da atividade estará comprometido, ou muito dependente. A não existência de um chu-
seja, conforme o grau de comprometimento, para veiro, segundo eles, torna esta atividade mais
alguns indivíduos, há tarefas impossíveis de se- penosa pela necessidade de propiciar um local
rem executadas, mesmo após a realização de trei- adequado para realizá-la. Alguns referiram que
namento específico para readquirir habilidade utilizam uma mangueira para a higiene corporal e
motora(9). do cabelo, porém a realizam fora de casa, no quin-
tal. No inverno esta situação é mais complicada
O preparo da alimentação e o controle da ainda. Segundo eles, o “banho de bacia” não pro-
medicação aparecem como realizados por 28 porciona uma boa higienização.
(96,6%) dos cuidadores. Entende-se que a maio-
ria dos cuidadores são mulheres e que preparar Ao contrário do que possa parecer, o banho
as refeições é uma atividade quase sempre de- no chuveiro pode representar muito mais ônus
senvolvida por elas, principalmente quando não para o cuidador, visto que a falta de cooperação
trabalham “fora de casa”. Entretanto, neste estu- e as alterações de comportamento de seus famili-
do, verificou-se que alguns cuidadores masculi- ares, que se acentuam em situações de banho,
nos também preparavam as refeições evidenci- toalete e vestir, gera muito mais angústia para os
ando ser uma atividade que exige responsabili- cuidadores(12).
dade (por isso não é delegada), além de consti-
tuir-se uma necessidade básica para a sobrevi- Auxiliar no uso de sanitários foi outra ativi-
vência e uma expressão de cuidado. Por outro dade mencionada pelos cuidadores com freqüên-
lado, percebe-se também que esta é a atividade cia. Na maioria das vezes esta ajuda está mais
mais desenvolvida por pessoas contratadas. relacionada à dificuldade na deambulação do que
nas eliminações propriamente ditas. De qualquer
Os déficits cognitivos resultantes do derra- modo, independente do motivo, nas vezes que o
me podem comprometer a capacidade da pessoa paciente necessitar ir ao banheiro, necessitará
concentrar-se, diminuir o nível de atenção, oca- de alguém para auxiliá-lo e isto será uma deman-
sionar a perda da memória de curtos ou longos da a ser atendida pelo cuidador.
períodos(9), o que pode resultar no esquecimen-
to da dose, do horário e do medicamento a ser Constata-se que as atividades desenvolvidas
tomado. Esta pode ser uma explicação porque estão relacionadas às condições dos pacientes.
tantos cuidadores ocupam-se em controlar o Quanto mais comprometida sua autonomia, mai-
horário das medicações e em administrar a medi- or são as demandas e a complexidade das ativi-
cação para o paciente (82,4%). Os cuidadores dades desenvolvidas pelo cuidador. “Quanto
referem que fazer isso os deixa mais tranqüilos maior a dependência (do idoso – em seu estudo)
quanto a erros que possam acontecer se o paci- maior a necessidade de envolvimento pessoal do
ente tomar o remédio sozinho ou o fato de não cuidador”(12).
o tomarem.
Chama a atenção o fato de nenhum dos
Auxiliar na deambulação é referido por 23 cuidadores acompanhar seu parente a serviços
(67,6%) dos cuidadores como sendo uma das ati- de fisioterapia ou reabilitação. Essa situação
vidades do seu cotidiano. Percebe-se que existe explica-se pelo fato de existir, na cidade, somente
diferente envolvimento por parte dos cuidadores um serviço que atende pelo SUS e ao qual é
ao desenvolver essa atividade. Há pacientes que, encaminhada toda a demanda desta e das demais
para se locomoverem, necessitam apenas de am- áreas da saúde. Desse modo, o acesso torna-se
paro em determinadas situações e outros que bastante limitado, restringindo-se a poucas
dependem constantemente de alguém para pessoas. Procurar serviços privados pode cons-
movimentá-los, até mesmo de serem carregados tituir-se em uma demanda onerosa para seus
nos braços. orçamentos.

160
Rev Esc Enferm USP
Outra atividade realizada pelos cuidadores
está relacionada a higienização. Estes referem que
seus familiares apresentam dificuldades princi-
A realização de exercícios físicos ativos e pas-
sivos ou estímulo para que o paciente os reali-
zem foi manifestada por 20 (58,8%) cuidadores,
2005; 39(2):154-63. palmente para lavar os cabelos, algumas partes porém alguns mencionaram que os fazem “quan-
do têm tempo” ou “quando lembram”. Essas afir- destacando que a família deve ser orientada para
Cuidar da pessoa
mativas podem suscitar várias interpretações. Uma cooperar nesse sentido, permitindo ao paciente a incapacitada por
delas é a falta de tempo por parte do cuidador. Con- tentativa de fazê-lo. Os medos e angústias por par- acidente vascular
cerebral no domicílio:
siderando que muitos deles, além de cuidarem do te do paciente e, principalmente, a dificuldade em o fazer do cuidador
seu familiar, trabalham fora e/ou tem filhos e/ou expressá-los abertamente fazem-no adotar uma ati- familiar

cuidam da casa, ou seja, têm outras atividades no tude passiva diante dos cuidados recebidos. Os
seu cotidiano; a não realização dos exercícios pode familiares, por sua vez, subestimam a capacidade
ser influenciada verdadeiramente pela falta de tem- do paciente e adotam comportamentos
po. Diante de uma atividade diária de trabalho exaus- superprotetores(13).
tiva, priorizar o que fazer não é uma tarefa simples.
Em pesquisa onde se procurou identificar as
Somado a isso, há também de considerar-se que atividades desempenhadas por cuidadores famili-
muitos cuidadores são pessoas idosas e até doen- ares junto à pacientes com lesão medular no domi-
tes. A realização destas atividades exige esforço cílio, tendo encontrado atividades relativas à higi-
físico por parte de quem as realiza e quanto mais ene corporal, ao vestir e despir, ao conforto e
dependente for o paciente, maior será o desgaste posicionamento, a alimentação, às eliminações
físico. As afirmativas podem denotar, inclusive, urinária e fecal, ao lazer e recreação, as quais apre-
desinformação por parte dos cuidadores em rela- sentam similaridade às atividades realizadas pelos
ção à importância da realização de atividades físi- cuidadores de pacientes sequelados por AVC(14).
cas em casos de disfunção motora, não apenas Estes resultados, comparados com os do presente
como forma de restaurar a mobilidade, mas princi- estudo, indicam que cuidar de uma pessoa incapa-
palmente de evitar agravos maiores, tais como: citada em casa, independente do fator determinante
atrofia muscular, espasticidade, disartrias e lesões da incapacidade, tem aspectos semelhantes em re-
de pele por permanecer muito tempo sentado ou lação às atividades desenvolvidas pelo cuidador.
deitado, aliviar a dor nos casos de síndrome om- O que define as atividades do cuidador é o grau de
bro-mão, melhorar os movimentos e, a longo pra- incapacidade e não a patologia que a causa.
zo, recuperar a função do membro incapacitado(9).
As dificuldades referidas pelos cuidadores fa-
A realização de atividades de reabilitação é uma miliares no seu cotidiano são apresentadas na Ta-
forma do indivíduo enfrentar a doença crônica e de bela 3. Considerando o total de cuidadores (35),
“assumir novos encargos”(13). Os exercícios fisio- observa-se que 22 cuidadores referem ter dificul-
terápicos e/ou fonoaudiológicos são vistos pelo dades para cuidar, o que representa 67,5% (27) das
paciente e familiares como uma possibilidade, a respostas. Os outros 13 cuidadores não responde-
curto prazo, de retorno “ao que era antes do AVC”. ram a essa pergunta ou referiram não ter nenhuma
Porém, por ser o progresso muito lento, muitas dificuldade em cuidar.
vezes, as dificuldades e a dor durante a realização
dos exercícios frustram essas expectativas. A cons- Atividades que necessitam de esforço físico
ciência dessa situação gera sentimentos de desâ- certamente são as que causam maior dificuldade
nimo que associado a outras dificuldades, como para o cuidador, como demonstram os dados da
de transporte e recursos financeiros, com o passar referida tabela. Para cuidar de um adulto depen-
do tempo levam a uma diminuição na adesão ao dente é necessário ter condicionamento físico ca-
tratamento e paciente e família vão gradativamente paz de dar conta de tarefas pesadas, como a loco-
“abandonando“ os exercícios(13). Os cuidados re- moção e outras, além de recuperar-se rapidamente,
lacionados à atividade física do seqüelado de AVC por exemplo, de uma noite mal dormida(15).
exigem tratamento prolongado e contínuo, em tor-
As dificuldades manifestadas pelos cuidadores
no oito meses a um ano(9).
não expressam apenas dificuldades específicas a
Percebe-se então que, exceto em relação aos atividades referentes ao cuidado. Na verdade, as
pacientes com seqüelas graves e, que por isso, dificuldades que se esperava ouvir como respos-
demandam cuidados específicos, as tarefas nas tas foram muito superficiais, pois não envolvem a
quais os cuidadores têm maior envolvimento refe- execução de atividades propriamente dita, ou seja,
rem-se às atividades da vida diária, ou seja, aque- o desempenho de uma tarefa. As dificuldades men-
las que o paciente apresenta impossibilidade de cionadas expressam questões muito mais subjeti-

161
realizar. vas relacionadas à dinâmica familiar e aos senti-
mentos dos cuidadores.
A literatura de enfermagem enfatiza a impor-
tância e a necessidade da participação e do incen- Isto pode ser evidenciado quando uma cuida-
Rev Esc Enferm USP
tivo ao paciente para participar do seu autocuidado, dora referiu a dificuldade encontrada em reestru- 2005; 39(2):154-63.
turar os papéis familiares. Até seu marido adoe- seguro e confiante quanto ao seu desempenho e
Nara Marilene O. G. Perlini
Ana Cristina M. e Faro cer ela era uma mulher que se dedicava à casa e a as respostas do paciente. Dúvidas e dilemas con-
família. Após a doença do marido, precisou as- tinuariam existindo, porém poderiam não gerar
sumir o gerenciamento do orçamento doméstico tanta ansiedade.
e tomar decisões. Situação similar a esta também
foi identificada em outra investigação(15). Neste contexto, pode-se deduzir que as infor-
mações/orientações fornecidas a esses cuidadores
A subjetividade também se faz presente nos não foram suficientes para possibilitar-lhes uma
medos e no constrangimento/vergonha. Pode- ação segura, talvez possam até ter contribuído para
se inferir que nem sempre o banho em si significa mais temores. Isto é possível quando as orienta-
uma tarefa difícil. A verdadeira dificuldade está ções enfatizam a atenção que deve ser dispensa-
em romper com valores arraigados desde a infân- da ao paciente com hemiplegia, por exemplo, pois
cia do cuidador e que representam invadir a pri- ele pode cair e fazer uma fratura, ou a movimenta-
vacidade e a intimidade do outro, que é seu pai, ção inadequada pode ocasionar uma luxação, etc.
mãe, sogro, e que até então, ver ou tocar estes Muitas vezes, as orientações incompletas, que se
corpos era totalmente não aceito como natural, limitam aos “alertas”, incutem mais temor e inse-
ou seja, era proibido. gurança do que servem de indicativo de ação.

Ao analisar o cuidador durante as visitas O despreparo do cuidador pode trazer sérios


domiciliárias para a aplicação do instrumento da prejuízos ao paciente, resultando, inclusive em
pesquisa, a mesma autora pondera que essa situ- freqüentes hospitalizações. Além disso, o
ação proporcionava ao entrevistado um momen- despreparo pode gerar ansiedade e maior des-
to de reflexão sobre o seu cotidiano(15). “Não é gaste físico, ocasionando situações de risco para
apenas o fazer que define a identidade do ambos(16-17).
cuidador, mas a consciência da atividade de cui-
Uma das formas de ajuda às famílias em seu
dar e o significado desta em sua vida. Este é um
processo de cuidar é aquela advinda dos profis-
processo que não acontece de repente: a consci-
sionais, que incluem orientações básicas à saú-
ência só surge com o passar do tempo”.
de, e sobre cuidados específicos em casos de
Assim, quando indagados sobre as dificul- doenças crônicas degenerativas, suas complica-
dades enfrentadas na realização dos cuidados, ções e sintomas. Porém, há de se considerar que,
refletem além da simples pergunta e pensam exa- muitas vezes, as orientações fornecidas são in-
tamente sobre aquilo que para eles significa difi- coerentes e até impossíveis de serem realizadas
culdade. Passado o primeiro impacto de ter que no domicílio, em função das condições em que
cuidar em casa, muitas dificuldades ao realizar vivem(18). A principal ajuda constitui-se em cola-
alguma atividade torna-se insignificante frente borar para que o paciente e sua família alcancem
à falta de dinheiro para comprar remédios, ali- a independência e possam administrar os cuida-
mentos, cadeira de rodas etc. Esta análise pode dos necessários à situação vivida(19).
explicar porque vários cuidadores responderam
que não têm dificuldade para realizar os cuida- CONSIDERAÇÕES FINAIS
dos. Afirmaram que tinham dificuldades no iní-
cio, quando iniciaram a cuidar, mas agora já as Os fatores conjunturais, os estudos epidemio-
superaram. lógicos e as pesquisas que abordam o cuidar/
cuidado domiciliário mostram que cuidar de do-
Por outro lado, as respostas denotam tam- entes em casa não é mais uma tendência, é uma
bém o desconhecimento por parte dos cuidadores realidade. O cuidado informal é, e continuará sen-
a respeito da patologia de modo geral, da evolu- do realizado por membros da família, na maioria
ção do quadro clínico e suas possíveis complica- dos casos, e em situações que englobam condi-
ções e da forma mais adequada para realizar o ções crônicas, de dependência a curto, médio e
cuidado. A afirmação de que entender a doença longo prazo, com uso ou não de aparato
e suas complicações é uma dificuldade referen- tecnológico. Compreender parte do processo de
dam a análise, principalmente se associada às cuidar no domicílio possibilitou identificar algu-
expressões “saber se o que está fazendo é certo, mas das carências e fragilidade para as quais o
o medo de que o paciente caia e até movimentar o

162
enfermeiro pode dirigir sua atenção, elegendo
paciente”. Se o cuidador tivesse ciência sobre as prioridades e concentrando seu trabalho.
possíveis formas de atender as necessidades da
Rev Esc Enferm USP pessoa sob sua responsabilidade e/ou conheci- Para que seja possível a continuidade do cui-
2005; 39(2):154-63. mento sobre a doença, ele poderia sentir-se mais dado em casa, os cuidadores necessitam iniciar,
ainda durante a hospitalização, a desenvolver a Os enfermeiros precisam ter claro que o pro-
Cuidar da pessoa
capacidade para cuidar. Isso significa a realização cesso saúde –doença não se limita aos espaços incapacitada por
de um efetivo preparo para a alta hospitalar, onde o dos hospitais e dos postos de saúde, assim como acidente vascular
cerebral no domicílio:
enfermeiro esteja verdadeiramente comprometido o seu fazer e, por isso, interagir com as pessoas em o fazer do cuidador
com esse propósito e esclareça as possíveis de- seus domicílios é um desafio que necessita ser de familiar

pendências do paciente e os cuidados iniciais que fato assumido.


a família terá que tomar para si, assumindo com ela A guisa de conclusões pode-se afirmar que, pelo
uma relação de cooperação e apoio. Como a recu- presente estudo, constata-se o aumento na expec-
peração do paciente está diretamente relacionada tativa de vida dos brasileiros como uma realidade e,
ao início de um programa de reabilitação precoce e em decorrência de viver mais, há aumento das do-
aos cuidados para prevenir deformidades, a equi- enças crônico-degenarativas que impõe novas de-
pe de enfermagem, especialmente o enfermeiro, mandas às famílias. Nesta perspectiva, salienta-se
deve estar preparada para realizar esses cuidados que esta se constitui em um espaço real para o cui-
e estimular o próprio paciente e os familiares a dado, e para que possa desempenhar este papel de
realizá-los de forma correta. O domicílio é uma área forma adequada, faz-se necessário que, em casos
em que o enfermeiro também pode continuar cola- de internação, os possíveis cuidadores sejam des-
borando. Assim, assistência domiciliária constitui- de cedo orientados. Deste modo, a necessidade do
se numa metodologia de trabalho a ser redescoberta preparo para a alta hospitalar como uma importante
e melhor explorada pelos profissionais. ferramenta para os cuidados em casa.

REFERÊNCIAS

(1) Papaléo Neto M. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; (11) Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à
1996. Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Programa Na-
cional de DST/AIDS. Diretrizes e normas
(2) Barros JEF. Acidente vascular cerebral. In: Nitrini R,
regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres
Bacheschi LA. A neurologia que todo médico deve
humanos. Brasília; 1997.
saber. São Paulo: Maltese; 1991. p. 133-47.
(3) Karch UMS, organizador. Envelhecimento com de- (12) Perracini MR. Análise multidimensional de tarefas
pendência: revelando cuidadores. São Paulo: EDUC; desempenhadas por cuidadores familiares de ido-
1998. sos de alta dependência. [dissertação] Campinas
(SP): Faculdade de Educação da UNICAMP; 1994.
(4) André C. Manual de AVC. Rio de Janeiro: Revinter;
1999. (13) Machado HB. Enfrentando a condição crônica de
saúde após um acidente cerebral: um estudo de caso.
(5) Hickey JV. The clinical pratice of neurological and
[dissertação] Florianópolis (SC): Centro de Ciênci-
neurosurgical nursing. 4th ed. Philadelphia: Lippin-
as da Saúde da UFSC; 1995.
cott; 1997. Stroke and other cerebrovascular diseases.
p. 543-67. (14) Faro ACM. Cuidar do lesado medular em casa: a
(6) Silva IP. As relações de poder entre o adulto depen- vivência singular do cuidador familiar. [tese] São
dente e a mulher - cuidadora. [dissertação] São Paulo Paulo (SP): Escola de Enfermagem da USP; 1999.
(SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;
1995. (15) Mendes PMT. Cuidadores: heróis anônimos do
cotidiano. [dissertação] São Paulo (SP): Pontifícia
(7) Andrade OG. Cuidado ao idoso com seqüela de aci- Universidade Católica de São Paulo; 1995.
dente vascular cerebral: representações do cuidador
familiar. [dissertação] Ribeirão Preto (SP): Escola de (16) Williams A. What bothers caregivers of strocke
Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1996. victims? Jour Neurosc Nurs 1994; 26(3):155-61.
(8) Souza RMC. Padrão de recuperação das vítimas de (17) Canam C, Acorn S. Quality of life for family Correspondência:
Nara M. Oliveira
trauma crânio-encefálico aos 6 meses e 1 ano. [tese] caregivers of people with chronic health problems. Rua José Gabriel, 359
São Paulo (SP): Programa Interunidades da Escola Rehab Nurs 1999; 24(5):192-6. Centro - Ijuí
de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirão CEP -98700-000 - RS
Preto/USP; 1995. (18) Elsen I, Marcon SS, Santos MRS, organizadores. O
viver em família e sua interface com a saúde e a
(9) Smelzer SC, Bare BG. Brunner/Suddarth: tratado de doença. Maringá: UEM; 2002.
enfermagem médico-cirúrgica. 7. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1994. v. 4.

163
(19) Lacerda MR. Metodologia para o cuidado domici-
(10) Black JM, Matassarin-Jacobs E. Lucmann & liar de enfermagem. In: Westephalen MEA, Carraro,
Sorensen - enfermagem médico-cirúrgica: uma abor- TE, organizadores. Metodologia para a assistência
dagem psicofisiológica. 4 .ed. Rio de Janeiro: de enfermagem: teorizações, modelos e subsídios
Rev Esc Enferm USP
Guanabara Koogan,1996. v. 1. para a prática. Goiânia: AB; 2001. 2005; 39(2):154-63.

Você também pode gostar