“(...) duas opções de política econômica estatal distintas que se impuseram ao longo do
período em estudo: uma prevalecente entre 1930-55 e outra definida na segunda metade da dos
anos 50. Cada uma delas implementou padrões diversos de acumulação no país.” (p. 327)
“(...) Entre 1930 e 1945 o Estado brasileiro avançou seu processo de constituição
enquanto Estado nacional e capitalista, inscrevendo-se na materialidade de sua ossatura – pela
multiplicação de órgãos e instituições – os diversos interesses sociais em jogo,
metamorfoseados em “interesses nacionais”.” (p. 328)
“O exemplo mais cabal da ação reguladora do Estado foi sua política sindical e
trabalhista, verdadeira “pedra de toque” do modelo econômico então definido.” (p. 329)
“(...) O salário mínimo fixado juridicamente serviu também para nivelar por baixo o
preço global da força de trabalho, ao converter-se no parâmetro de julgamento dos dissídios
coletivos de todas as categorias profissionais.” (p. 329)
1930 e 1940 foi a definição de um novo papel para a agricultura, fosse com relação ao seu
segmento exportador, fosse quanto ao setor produtor de gêneros alimentícios.” (p. 329)
“Uma das primeiras iniciativas nessa direção foi o alargamento da estrutura tributária
do Estado, com base na transferência de recursos dos estados e municípios para a União.” (p.
330)
“O papel da empresa produtiva estatal era claro: não somente viabilizar a implantação
possível de um núcleo capitalista no país, como também fornecer bens e serviço a baixo preço,
de modo a propiciar economia de custos ao capital privado. A burguesia industrial, apesar de
temer os excessos do intervencionismo, continuaria investindo nos tradicionais setores
produtivos, à sombra dos benefícios da ação estatal. Estava lançada a semente de uma acelerada
concentração de renda.” (p. 330)
“Antes de mais nada é preciso deixar de lado a ligação automática estabelecida entre o
nacionalismo e a escassa penetração do capital forâneo no país da época. (...) da não
disponibilidade de recursos e tecnologia no mercado mundial. (...) A industrialização brasileira
viria a realizar-se nas brechas desse policentrismo e “à revelia” dele, sem implicar uma escolha
nacionalista como pensam muitos.” (p. 331/2)
“Na coligação de forças conservadoras vigente entre 1945 e 1950, a direção econômica
do Estado se exerceria segundo um padrão desaquecido e restrito de expansão capitalista,
distante, em muito, da visão do desenvolvimento industrial como um problema urgente. Ao que
tudo indica, o equilíbrio político sobre o qual se sustentou tal aliança parece ter-se constituído
de um acerto entre grupos urbano-industriais e agromercantis, com participação mínima das
forças políticas mais próximas de um projeto nacional popular de desenvolvimento
econômico.” (p. 332/3)
“O retorno de Vargas ao poder em 1951, dessa vez pela via eleitoral, significou,
exatamente, a retomada desse tipo de projeto. A industrialização acelerada enquanto condição
do progresso social era a meta e o Estado armou-se de novas instituições e instrumentos capazes
de viabilizá-la, prenunciando o tipo de intervenção que assumiria nos anos pós-55 com a posse
do novo presidente Kubitschek. Foram quatro os elementos básicos de agilização da nova
estrutura: a criação de uma rede de centralização efetiva dos comandos – expressa na
colaboração de um plano de desenvolvimento que, pela primeira vez, integrava agricultura,
indústria pesada e a emergência das massas; a afirmação da empresa pública como fator de
dinamização do desenvolvimento – face à notória fragilidade da empresa privada nacional
diante das tarefas impostas pelo salto industrializante; a fundação de um banco de investimentos
(o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE) – constituído enquanto agente
do Tesouro para as operações financeiras de longo prazo previstos no Plano de
Reaparelhamento Econômico; e, finalmente, o delineamento de uma nova articulação entre
empresários e Estado – não mais nos moldes corporativistas de representação vigentes até
então.” (p. 333)
“Foi sob a égide do Plano de Metas, lançado na segunda metade dos anos 50, que o país
ingressou em sua fase de economia industrial avançada, concretizando-se uma estrutura
monopolista específica que articulou, de modo peculiar, a multinacional, a empresa privada
nacional e a empresa pública.” (p. 333)
“Do ponto de vista internacional, importantes alterações ocorridas nos anos 50 também
vieram a condicionar a nova estratégia adotada pelo Estado para o financiamento do salto
industrializante. Os centros capitalistas (...) “redescobrindo” a América Latina em pleno apogeu
da guerra fria.” (p. 334)
“(...) Pela primeira vez integravam-se, sob o controle estatal, as atividades do capital
público e privado (nacional e estrangeiro), por intermédio de um plano qüinqüenal que definia
onde, como e quem investir. O Estado adquiria novas funções e esferas de regulação econômica,
indo desde seu papel enquanto banqueiro do capital privado – através das agências de
financiamento ao crédito industrial – até sua condição de produtor direto nos setores
estratégicos da economia.” (p. 335)
“As metas estabelecidas no Plano eram em número de 31, embora a ênfase tenha recaído
sobre quatro setores-chave: energia, transporte, indústria pesada e alimentação. A construção
de Brasília, no seio do planalto central do país, era a meta-síntese, o símbolo de todas as
realizações inerentes ao que se considerava a construção do “novo Brasil”.” (p. 335)
“(...) Para garantir-se do grau de tolerância das classes trabalhadoras, o governo contou
com dois importantes fatores: o impacto da industrialização acelerada sobre a massa total de
empresas e o patrocínio de uma “ideologia de Estado” mobilizadora que engajasse os
trabalhadores no projeto de modernização nacional. O nacional-desenvolvimentismo entrava
em cena.” (p. 335)
“Tão crucial para a política do governo quanto a definição dos mecanismos estritamente
econômicos foi sua capacidade de unir os interesses objetivos do capital nacional à penetração
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“(...) Do ponto de vista quantitativo os resultados do Plano de Metas foram exitosos, por
mais que, no seu conjunto, eles representassem a desnacionalização da economia brasileira.”
(p. 336)
“(...) aprofundava-se, por essa via, a dependência do capital privado com relação ao
Executivo, gerando instâncias de relacionamento Estado/sociedade extracorporativas.” (p. 336)
“(...) A recessão dos anos 1960-62 revelaria que o preço político da nova opção
econômica seria o esgotamento do regime.” (p. 338)
“(...) Demonstra, naqueles anos, a definição de três eficazes frentes de atuação do setor:
na busca de participação efetiva no aparelho de Estado; na elaboração de um programa
industrialista e na construção de um discurso que lhe fosse próprio e auto-identificador. Para
conseguir tais objetivos, a elite industrial se apropriaria de categorias produzidas pelos teóricos
do pensamento autoritário, redefinindo-as como suporte de moderni-zação por ela definida,
chegando mesmo a fazer do Estado forte e integrador uma de suas premissas. A burguesia
industrial desempenharia papel político expressivo no jogo de alianças que se constituíram a
partir de 1930, pouco tendo em comum com a imagem de fragilidade e passividade que
tradicionalmente costuma lhe ser atribuída.” (p. 339)
“Para tanto, a ação do governo seguiu três direções: a definição de um novo padrão de
relações políticas entre o poder federal e os estados; a criação de instituições com abrangência
nacional, ligadas diretamente ao controle de esferas estratégicas da economia; e, finalmente, a
ampliação do papel do Exército. Seu significado global residiu na abertura de novos canais de
influência para os diversos grupos de interesse, dentro do próprio Estado, bem como na
consolidação de um novo estilo de participação política que prescindia das tradicionais
organizações partidárias.” (p. 339)
“A tática central para a realização do controle sobre as estruturas políticas regionais foi
a montagem de interventorias/departamentos administrativos, que interligavam as tradicionais
oligarquias estaduais ao Ministério da Justiça e da Presidência.” (p. 339)
“(...) fortalecesse suas próprias agências decisórias. Esse foi o sentido da multiplicação
de institutos, conselhos e autarquias voltados para o controle das atividades econômicas em três
planos (...)” (p. 340)
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“Pela durabilidade de seus efeitos, a marca mais específica do Estado Novo foi sua
política sindical e trabalhista.” (p. 341)
“(...) a matriz de pensamento que se impôs, vitoriosa, de fato: a vertente autoritária dos
empresários. (...) A recusa das categorias patronais em aceitar o projeto de um Estado
totalizador da vontade nacional ficava patente em sua própria prática, que evitava cumprir o
previsto pela nova legislação protetora do trabalho.” (p. 341)
“A deposição de Vargas e o fim do Estado Novo, via golpe, em 1945, explica-se a partir
de um duplo condicionamento. (...) derrota dos regimes fascistas na Segunda Guerra, sobretudo
quando países como o Brasil participaram do conflito ao lado das forças aliadas, em clara
contradição com o tipo de regime vigente. (...) a onda de liberalismo que acompanhava o fim
da guerra e a consolidação da hegemonia norte-americana no Ocidente (...) (p. 341/2)
“Esse neoliberalismo serviu como elemento aglutinador das oposições ao Estado Novo,
compondo uma frente ampla (...)” (p. 342)
um dos três grandes partidos políticos brasileiros do pós-45, juntamente com o Partido Social
Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Os dois últimos formaram-se, um
a partir da máquina política clientelista, e outro, das bases populares urbanas do trabalhismo
getulista. Tinha início a chamada “redemocratização”, fase na qual se assistiu ao apogeu e à
crise do populismo no Brasil.” (p. 342)
“(...) o quanto de continuísmo que ele conteve, uma vez que o advento do pluralismo
partidário e de eleições diretas foi superposta à estrutura das interventorias e do sindicalismo
corporativo.” (p. 342)
“O novo pacto então inaugurado configurou o chamado populismo brasileiro, que não
pode ser reduzido a uma mera manipulação das massas, nem tampouco explicado como produto
de sua passividade. (...) o populismo representou também o reconhecimento institucional da
cidadania política dos trabalhadores (...)” (p. 342)
entanto, o populismo sucumbiria às suas contradições. A crise de inícios dos anos 60 explicitaria
esse processo, mediante a intensificação de movimentos grevistas e a retirada do apoio dos
empresários industriais ao regime.” (p. 344)
“(...) tutela sobre a esfera do cultural, originando duas tendências básicas: a definição
da cultura enquanto “matéria oficial”; e o esboço de um projeto de nacionalização paternalista
que promovesse a elevação cultural do povo. Tratava-se, para o Estado, de fundar um novo
Brasil, homogêneo e uniforme em seus valores, comportamentos e mentalidades. Para a
intelligentsia brasileira, era a busca da explicação de nossas raízes o que fundamentava o
“redescobrimento do Brasil”, na expressão de Motta, ao referir-se, como matrizes da
historiografia brasileira crítica, às obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda e Caio
Prado Júnior.” (p. 344)
“Sob essa ótica deve ser encarada a multiplicação do número de agências públicas
voltadas para a cultura e a educação (...) Seu resultado foi o surgimento de uma elite burocrática
de novo tipo, cujo prestígio cultural e/ou científico emprestava legitimidade ao regime.” (p.
344/5)
“(...) O Estado substituía o mercado também como espaço de legitimação cultural.” (p.
345)
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“No que tange à “alta cultura”, empreendeu-se todo um esforço para distingui-la de uma
cultura “menor”, a partir do critério da maior nacionalidade da primeira.” (p. 346)
“(...) Entre 1944 e 1955 o “sonho americano” penetrava no Brasil, dando suporte às
iniciativas culturais que visavam a atualizar o país com relação à modernidade dos centros
industrializados.” (p. 346)
“O resultado disso foi o reconhecimento efetivo, pela primeira vez, do povo na cena
cultural. (...) emergia uma arte voltada para o povo e dele oriunda, cujos espaços marcantes
foram o cinema e a rádio.” (p. 346)
“Superar o atraso passou a ser a grande tarefa unificadora dos interesses conflitantes, o
que equivalia a incorporar as camadas populares em um novo projeto ideológico de construção
nacional baseado na projeção de um futuro melhor, a ser conquistado pelo trabalho ainda que
diferenciado – de todos.” (p. 347)
de um novo cinema – baseado no realismo italiano e que comportava o povo na sua própria
miséria; de um novo estilo musical – a bossa-nova – que privilegiava as harmonias simples em
lugar de eruditismo; de uma nova concepção arquitetônica cuja simplicidade monumental das
formas tinha em Brasília sua expressão máxima; de um novo teatro – que englobava a pobreza
da favela como resgate da realidade social.” (p. 347)