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PERSPECTIVAS E DESAFIOS EDUCACIONAIS NA ESCOLA QUILOMBOLA LUZIA

MARIA DA CONCEIÇÃO

Francisco Alex de Oliveira Farias1

INTRODUÇÃO

O artigo busca a elucidação de questões relativas às políticas públicas mais


especificamente as educacionais, voltadas a atender as reivindicações das comunidades
remanescentes de quilombo, na busca de uma proposta educacional que corresponda aos
ideais e aspirações de luta pela redução das desigualdades e preconceitos que ainda permeiam
a sociedade e instituições no país.

Busca-se ainda investigar o panorama atual da educação desenvolvido nessas


comunidades, utilizando como referencial a escola Quilombola da comunidade de Três
Irmãos localizada no município de Croatá região Norte do estado do Ceará, quais
contribuições e desafios para a concretização das diretrizes curriculares nacionais para a
educação quilombola aprovadas em 2012 e como as instituições de ensino têm dialogado com
os diversos grupos e lideranças nessas comunidades.

A legislação nacional para a educação quilombola atual surge de uma intensa luta e
uma forte articulação dos movimentos sociais negros, que pressionaram os diversos sistemas
governamentais, na busca pela garantia de um desenvolvimento sustentável que promova
participação e o engajamento desses cidadãos e suas lideranças como parte atuante em seu
próprio processo educacional, possibilitando a inclusão e acrescentando consciência política,
dando um novo significado a suas lutas e conquistas.

A atuação como dirigente de uma escola de ensino médio dentro de um território


remanescente de quilombo proporcionou a interação e o diálogo com esse movimento o que
resultou na percepção da urgência de um estudo voltado a refletir e entender as políticas
educacionais direcionadas a esses cidadãos, a qual fosse capaz de contribuir com seus anseios
e perspectivas para uma educação emancipadora.

Há alguns anos, a comunidade compreendendo a importância da educação como parte


do processo de reconhecimento e construção de sua identidade, buscou junto às autoridades

1
Mestre em Ensino de Física, Secretaria de Educação do Estado do Ceará-SEDUC, Diretor escolar - Escola
Quilombola Luzia Maria da Conceição, alex.farias@escola.ce.gov.br.
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competentes a edificação de uma escola. Os objetivos eram além da construção de um prédio


escolar, mas na implantação de um projeto educativo que respeitasse a sua cultura, suas
crenças, tradições e seu modo de viver.
Nesse contexto, as reivindicações por equidade e maior justiça social estão
intrinsecamente ligados a luta pela terra e a um conjunto mais amplo de direitos, dos quais se
destaca a educação. Observa-se nesse campo a possibilidade de impulsionar o engajamento e
o enfrentamento das desigualdades tão presentes no cotidiano. Assim a criação de uma escola
dentro de uma comunidade remanescente de quilombo aparece como um fio de esperança
para que novas conquistas sejam realizadas.
Inicialmente a própria comunidade construiu um salão de bambu que apesar de ser
uma improvisação, recebia as crianças e dava-se assim o passo inicial para a busca por uma
escola que atendesse de forma digna os anseios dos povos remanescentes. Foi com muita luta
junto ao poder público que anos depois foi construída a escola de alvenaria que viria a ser a
primeira escola quilombola de ensino médio do estado do Ceará.
Assim ‘nasceu’ a Escola Quilombola Luzia Maria da Conceição a partir das
reivindicações desses cidadãos. A construção do prédio escolar não significou que os desafios
estavam superados, no entanto, dava se dessa forma um passo importantíssimo para os
enfrentamentos que seguiram.

1. CONHECENDO A COMUNIDADE QUILOMBOLA DE TRÊS IRMÃOS

Localizada na região Noroeste do estado do Ceará, mais precisamente no município de


Croatá a vinte e cinco quilômetros da sede, a comunidade remanescente de quilombo de Três
Irmãos tem buscado resistir em meio a uma série de dificuldades, que vai desde a falta de
políticas públicas que lhes garanta seus direitos conforme comunidade reconhecida como
remanescente de quilombo á uma desgastante luta pela titularização de suas terras.
Lutas que se intensificaram a partir de 2006 quando os moradores estavam cada vez
mais inconformados pela forma como eram tratados pelos herdeiros dos coronéis da região.
Os remanescentes sobrevivem basicamente da agricultura de subsistência e da criação de
animais, como gado, caprinos, suínos e aves, retirando da terra seu sustento, o que estava
ainda mais difícil, pois eram proibidos de plantar ou criar seus animais. Com essa situação
insustentável muitas famílias foram forçadas a abandonar suas casas e foram buscar melhores
condições de vida em outros lugares, pois eram impedidos de tirar da terra o seu sustento.
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Apesar dessas dificuldades e talvez pela força que só os sertanejos que convivem com
as mais variadas formas de provações são capazes, uma parte dos moradores resolveu
enfrentar mais essa adversidade e buscaram junto aos poderes públicos seus direitos,
enfrentando dessa forma a força das famílias tradicionais e os coronéis da atualidade, desde
então batalhas vêm sendo travadas. Inicialmente através de ameaças, derrubadas e destruição
de propriedades dos quilombolas ou outros enfrentamentos encarados pelos moradores e
depois por vias jurídicas. Vitórias têm sido conquistadas, porém, ainda assim são
desgastantes, pois requerem recursos e muita disponibilidade para o engajamento nas lutas.
No ano de 2008 veio uma grande conquista, quando a fundação cultural Palmares2
reconheceu a comunidade como remanescente de quilombo. Em 04 de novembro de 2015 foi
publicada pela então presidenta da república Dilma Rousseff o decreto referente ao processo
que consta no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) com a
identificação INCRA/SR-02/nº 54130.000412/2008-59, que reafirmava mais uma vez o
reconhecimento dos moradores remanescentes como os verdadeiros donos da Terra.
A comunidade remanescente tem aproximadamente 2.947 (dois mil novecentos e
quarenta e sete) hectares e atualmente é constituída por 21 famílias e apesar dos problemas
enfrentados têm resistido e continuam a lutar pelo que deles é de direito, embora tenha que
enfrentar uma legislação lenta e burocrática. Mesmo sendo reconhecida pela fundação
palmares em 2008 e tendo seu território demarcado em 2015 através de um decreto
presidencial, ainda está aguardando o processo de titularização definitiva de suas terras.
Embora a região esteja enraizada no semiárido nordestino, tem uma rica diversidade
de fauna e flora. Pode-se destacar, entre a grande variedade de animais encontrados na região,
a onça parda, o veado, o mocó, o mambira (tamandua), o preá, peba (tatu), catitu (porco do
mato) raposa, gato maracajá, seriema, papagaio, nambu, juriti e uma grande variedade de
répteis. Entre as plantas destaca-se a macambira e uma grande diversidade de cactos. São
também encontradas árvores de grande porte como a oiticica, a imburana, os ipês-roxos, a
jurema, o juazeiro, o sabiá e a carnaúba.
Os quilombolas vivem da agricultura, criação de animais e pouquíssimos possuem
empregos formais. É relevante frisar que a maioria das famílias locais são classificadas como
de baixa renda e recebem o bolsa família, algumas têm como principal mantedor os

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No dia 22 de agosto de 1988, o Governo Federal fundou a primeira instituição pública voltada para promoção e
preservação da arte e da cultura afro-brasileira: a Fundação Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério
da Cultura (MinC).
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aposentados, visto que, a região está localizada no meio da caatinga e os períodos chuvosos
nem sempre são suficientes para garantir a colheita e consequentemente o sustento.
As casas da região em sua maioria são “casas de taipa”, ou seja, feitas com barro e
madeira. Só recentemente estão sendo substituídas por casas de alvenaria, tudo muito simples.
Algumas habitações comportam mais de uma família, pois, os moradores eram proibidos de
construir novas casas e dessa forma a única opção, especialmente quando os filhos iam
constituir novos agrupamentos familiares era permanecer morando com seus pais.
Os remanescentes tem uma forte relação com a natureza e terão que se empenhar
ainda mais pela preservação ambiental, pois na região existe a caça predatória por pessoas que
vêm de outros lugares e vão até o território quilombola para caçar, principalmente veados. É
necessária a intensificação da fiscalização por parte dos órgãos ambientais e uma ação
educativa integrada a preservação dos recursos naturais.
A busca por direitos faz parte do cotidiano e uma das prerrogativas fundamentais é a
educação que tem um grande significado para os moradores dessa comunidade. A sociedade
brasileira ao longo do tempo tratou de silenciar as vozes que clamam por seus direitos, nesse
sentido o ato educativo tem um papel fundamental. Há um consenso que a partir do
conhecimento exista a possibilidade da conquista de uma cidadania verdadeira, reconhece-se
na educação crítica e reflexiva a possibilidade para contribuir na formação de um sujeito
participativo e engajado na busca por maior equidade e justiça social.
Nesse aspecto a construção de uma escola dentro da comunidade tem um significado
positivo e representa uma oportunidade real para a emancipação desses cidadãos, que muitas
vezes permaneceram imperceptíveis perante as ações do estado brasileiro.
O racismo entranhado na sociedade traz um grande prejuízo para toda a nação,
principalmente para os grupos considerados minoritários como é o caso dos remanescentes de
quilombo, assim faz se necessário o seu enfrentamento. O preconceito esconde a tentativa de
tornar invisível a luta do povo negro, tornando a segregação racial dentro das instituições algo
natural, negando a discriminação que acontece diariamente.

2. A EDUCAÇÃO QUILOMBOLA E A ESCOLA LUZIA MARIA DA CONCEIÇÃO

Houve nos últimos anos alguns progressos e conquistas dentro dos programas de
governo para essas comunidades, o que está longe de fazer justiça às mazelas pelas quais a
população negra sofreu durante séculos de preconceitos e injustiças. A redemocratização do
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país com a constituição de 1988 assegurou a essas comunidades a preservação de sua cultura e
identidade, o decreto 4887 de 20 de novembro de 2003 regulamentou os processos de
demarcação de terra, em 2004 foi criado o programa Brasil Quilombola. De acordo com
Cardoso e Arruti (2011):

As comunidades remanescentes de quilombos vieram a ser reconhecidas pelo Estado


na sua condição de grupo populacional específico a partir da Constituição Federal de
1988, na qual, por influência do movimento negro, foram reconhecidas como bem
cultural nacional a ser protegido pela sociedade brasileira (artigos 215 e 216) e foi
incluído o direito à propriedade de suas terras. (CARDOSO, ARRUTI, 2011, p.4 ).

A lei 10.639/2003 que incluiu a obrigatoriedade do estudo sobre a História e Cultura


Africana e Afro-brasileira nas escolas brasileiras representa um fato marcante, no entanto não
encerra os desafios a serem superados. Existe um grande distanciamento entre o que está em
lei e a realidade de sua aplicação. Em uma importante parte de instituições de ensino estes
documentos promoveram apenas a inclusão de algumas datas comemorativas nas quais esses
temas são tratados, não existindo nem no currículo nem em seus projetos pedagógicos ações
capazes de tornar essas diretrizes efetivas.
A regularização das diretrizes para a educação quilombola traz novas perspectivas
para os rumos educacionais nas comunidades remanescentes, podendo fortalecer práticas
pedagógicas que respeite o quilombola e seu modo de viver e conviver com o seu entorno.
Esses documentos podem oportunizar efetivamente o protagonismo e a participação coletiva
na construção de uma proposta curricular que contemple as reivindicações por uma educação
democrática e emancipadora capaz de tornar a convivência entre os diversos sujeitos, mais
harmônica e respeitosa.
Outra conquista, embora ainda enfrente uma série de críticas, foi a criação do sistema
de cotas para negros em universidades que tem alavancado a entrada desses cidadãos no
ensino superior. Obviamente que essa nova forma de ingresso tem causado
descontentamentos em parte dos grupos antes homogêneos que agora tem que dividir espaço
com os filhos das classes menos favorecidas.
Há de se observar que apesar dos avanços ainda está muito longe de se fazer justiça a
população negra. Nesse sentido são necessárias ações mais enérgicas por parte do estado que
ainda insiste em não reconhecer os resquícios cruéis ocasionados pela herança da escravidão e
a imensa dívida com esse povo.
Por mais de trezentos anos o país se formou com mão de obra escravizada e mesmo
após a abolição a situação dos negros no país continuou perpetuando desigualdades e
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injustiças, dessa forma as medidas apresentadas apenas amenizam esse longo percurso de
abusos e sofrimento que ainda perduram na atualidade. De acordo com Gomes (2008):

Em uma sociedade multirracial e pluricultural, como é o caso do Brasil, não


podemos mais continuar pensando a cidadania e a democracia sem considerar a
diversidade e o tratamento desigual historicamente imposto aos diferentes grupos
sociais e étnico-raciais. (GOMES, 2008, p.70).

O Brasil sempre negou sua história de escravidão e na educação por um longo período
pouco se fez ou ainda pior, o negro e sua cultura sempre foram inferiorizados. Os livros de
história por um longo período tratavam com naturalidade e até justificavam essa realidade, o
país sempre esteve mais empenhado em exaltar suas raízes europeias.
Nesse contexto, as ações implementadas pelo poder público tem conseguido alguns
progressos, mas ainda são encontradas grandes discrepâncias especialmente quando se fala
em educação quilombola, que ao longo da história permaneceu quase invisível em meio aos
sistemas formais de ensino. Mesmo com os avanços ainda são ineficientes as iniciativas
capazes de preencher a grande lacuna causada pelos anos de esquecimento dentro das
políticas de estado para esses povos.

3. O SIGNIFICADO DA ESCOLA PARA A COMUNIDADE QUILOMBOLA

A educação tem um papel relevante, podendo fomentar o desenvolvimento de ações


eficazes na aquisição de uma cultura onde o respeito e a igualdade sejam balizadoras na
formação de uma nação multicultural como a brasileira, sendo as políticas educacionais, em
especial as voltadas para as comunidades Quilombolas, importantes por contribuir na
colocação dos negros em suas mais variadas manifestações socioculturais com a devida
importância. Conforme Figueiredo (2015)

A educação quilombola constitui elemento fundamental tanto para a afirmação da


identidade étnica dos grupos, quanto para a construção plena das subjetividades,
pela garantia de um repertório cultural para a construção do respeito.
(FIGUEIREDO, 2015, p.76)

O sonho de ter uma escola para atender as crianças na própria comunidade fez com
que os moradores se mobilizassem e no ano de 2011 construísse um salão de bambu, que
funcionou por alguns anos como a única escola da comunidade e apesar de simples era a
realização dos ideais por tempo vislumbrados.
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Esse salão improvisado marcou o início das lutas pelo acesso a educação. Após alguns
anos atendendo nesse salão, finalmente foi construído um prédio escolar com duas salas de
aula, dois banheiros e uma cantina. A edificação apesar de não ter uma infraestrutura padrão
representou uma grande conquista para a comunidade.

A escola é considerada a primeira do estado a tratar de forma pedagógica o estudo


das tradições afro-brasileiras e sua construção é um retrato de luta da comunidade
em manter viva suas tradições. Erguida em alvenaria, a escola substituiu o salão de
terra batida cercada de bambus onde as crianças de Três Irmãos estudavam. Com o
tempo, as famílias perceberam que o espaço não era o mais adequado para seus
filhos e decidiram demandar ao Governo do Estado a construção de uma escola.
(ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DO INCRA, 2015)

A instituição homenageia em seu nome Luzia Maria da Conceição, primeira matriarca


e principal referência de resistência aos sistemas de opressão escravagistas que está na história
da comunidade. A princípio a escola funcionou como anexo da escola de Ensino Médio de
Croatá Flávio Rodrigues. A primeira turma a estudar na instituição foi uma de Educação de
Jovens e Adultos (EJA) e oportunizou as pessoas da comunidade que não tiveram acesso a
educação formal enquanto crianças a possibilidade de concluir o ensino básico.
A escola teve seu ato de criação publicado no diário oficial do estado do Ceará dia
quatro de novembro de 2015 e passou a ter autonomia própria, recebendo desde então alunos
das três séries do ensino médio, educação infantil e primeiras séries do ensino fundamental.
Em 2016 foi realizada a colação de grau do primeiro EJA da escola, na qual se formaram
vinte jovens, motivo de grande comemoração, pois a conclusão de uma turma de ensino
médio significou a realização de um sonho, representando muito além de uma conquista
individual, mas a realização para todos que lutaram por esse momento.
A primeira turma do ensino médio regular na modalidade de educação quilombola do
estado do Ceará, se formou em 2017, feito que tem grande relevância simbólica não apenas
para a comunidade quilombola de Três Irmãos, mas para todos os povos remanescentes de
quilombo do estado do Ceará, sendo um passo importante para a educação do estado na busca
pelo reconhecimento dos valores étnico-raciais.
Em 2018 a escola recebe cento e dez estudantes, sendo dezoito do ensino infantil e
fundamental e 92 alunos do ensino médio. A escola é mantida pela secretaria de educação do
estado do Ceará, sendo até então, a única a oferecer a modalidade de educação quilombola a
nível médio no estado.
A infraestrutura escolar ainda simples está sendo adaptada e ampliada. Está em
processo de construção uma secretaria, diretoria, nova cozinha, banheiros, pátio e um
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laboratório de informática, atendendo dessa forma as reivindicações dos estudantes e


comunidades por uma escola mais adequada às necessidades atuais.
Na sua conjectura administrativo-pedagógica possuí núcleo gestor formado por
diretor, coordenador, secretário e um assessor administrativo financeiro. O quadro de
professores é formado por oito docentes e dois intérpretes de libras, a escola conta ainda com
uma merendeira e uma auxiliar de serviços gerais. A maior parte dos docentes e membros do
núcleo gestor são da sede do município, precisando se deslocar vinte e cinco quilômetros
diariamente em estradas de ‘piçarra’ para chegar até a escola.

Os estudantes atendidos são em sua maioria de famílias caracterizadas como de baixa


renda e recebem o bolsa família. Frequentam a escola parte do dia e geralmente no turno livre
ajudam seus pais nos trabalhos domésticos e na agricultura, a conquista dessa escola na
comunidade representa uma das poucas, mas reais oportunidades para que esses jovens
possam almejar um futuro com mais dignidade, onde possam buscar por seus direitos,
tornando-se cidadãos conscientes e participativos, capazes de se posicionar contra todas as
formas de preconceito e discriminação.

4. A IMPORTÂNCIA DOS DOCUMENTOS NORTEADORES

Para que uma instituição escolar tenha todas as suas prerrogativas legais atendidas é
necessário além de sua infraestrutura física, a construção coletiva de seus documentos
reguladores, nesse sentido se destaca o Projeto Político pedagógico (PPP), o Regimento
Escolar e o Currículo a ser implantado. Faz-se necessário ainda a constituição dos órgãos
colegiados. A construção desses documentos constitui-se como pontos fundamentais e neles
deve está claro a posição da escola frente às discussões étnico-raciais, como forma de
combater a discriminação e o preconceito.
Nesse contexto a construção do Projeto educacional de uma escola quilombola deve
manifestar suas intenções e objetivos, envolver as lideranças e comunidade na construção de
sua própria educação para que possa corresponder ao que se propõe, ou seja, ser uma
instituição em sintonia com os anseios educacionais para esta população.
A escola Quilombola Luzia Maria da Conceição está em funcionamento desde 2015,
no entanto parte desses documentos só foram finalizados agora em 2018. Atualmente a escola
está passando pelo processo de credenciamento para que tenha regularizada sua situação junto
ao conselho estadual de educação do Ceará.
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O PPP é um dos documentos mais importantes para qualquer escola. Esse documento
deve ser resultado da ampla participação das pessoas envolvidas e que fazem parte da
comunidade escolar. Nele estão representadas as vozes dos pais, estudantes, professores,
gestores, servidores e comunidade.

O PPP da escola quilombola traz em seu conteúdo a identidade da escola e da


comunidade, referência os valores e as tradições do povo, além de nortear e orientar
o funcionamento da instituição em todos os seus aspectos. (PPP, 2018, p. 8)

A construção do PPP da escola Quilombola Luzia Maria da Conceição foi discutido e


devidamente aperfeiçoado com a comunidade. Da sua construção participaram membros dos
diversos segmentos escolares. Os demais documentos também tiveram discussões e reflexões
que contaram com o envolvimento de toda a comunidade escolar, trazendo e respeitando
sempre a luta do movimento negro e quilombola na busca por uma educação que atenda aos
objetivos educativos para o respeito às relações étnico-raciais.

5. RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA QUILOMBOLA LUZIA MARIA DA


CONCEIÇÃO

Os resquícios ocasionados pela forma como os negros foram perseguidos em suas


terras e trazidos em navios que mais pareciam tumbas para servirem como escravos no
território brasileiro ainda perduram até hoje. Nesse sentido o Brasil tem uma grande dívida
com a população afro-brasileira que por mais de trezentos anos sofreu com as atrocidades da
escravidão e mesmo liberto das correntes continuam a padecer com uma grande segregação
racial, o que se reflete em grandes sequelas ainda presentes em nossa sociedade.
Pode se afirmar que o povo negro no país sempre foi inferiorizado, sendo colocado ao
longo da história, à margem da sociedade. Ainda é comum uma caracterização degradada
sobre a importância do negro na construção do país. Segundo, Sobral (2013):

Referindo-se sobre a história e a formação do povo brasileiro, percebe-se que


durante vários séculos o Brasil vivenciou um intenso, profundo e violento processo
de colonização, que interferiu drasticamente em diversas circunstâncias que
determinaram as características de uma sociedade. Assim, a partir da colonização,
houve uma imposição de cultura e costumes de maneira determinante, revelando
uma inferioridade dos grupos étnicos diferentes do padrão europeu. (SOBRAL,
2013, p. 2)

Nesse sentido a escola tem um papel muito significativo, podendo contribuir para que
os estudantes possam conhecer, a memória e o protagonismo do movimento negro, assim
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como o seu histórico de lutas, reconhecendo o passado e a cultura afro-brasileira como


elementos estruturantes do processo civilizatório nacional, promovendo dessa forma o
fortalecimento da identidade étnico-racial.
Para Almeida e Moreira (2005) deve-se construir uma educação capaz de compreender
a complexidade das interações humanas, superar preconceitos e a exclusão sociocultural que
possibilite e crie condições para que haja crescimento de todos os indivíduos e seus
respectivos grupos, dessa forma promovendo mudanças importantes nos processos
educacionais.

A luta por uma educação que respeite as diferenças sejam elas de qualquer origem,
faz parte do projeto educacional da escola Luzia Maria da Conceição. A instituição tem como
princípios o que está estabelecido na lei 10.639/2003, o parecer do CNE/2004 que aprovou as
diretrizes nacionais para a educação das relações étnico-raciais, o plano nacional das diretrizes
nacionais para a educação étnico-raciais e as diretrizes nacionais para a educação quilombola
publicadas em 2012. De acordo com o PPP da escola, (2018)

A Escola Luzia Maria da Conceição parte da premissa de que a escola é um espaço


de construção compartilhada do conhecimento comportando no seu interior muitas
expressões da diversidade cultural, dos saberes diferenciados e dos diversos olhares.
Dessa forma acolhe, dialoga e compartilha formas de trabalhar e conviver com os
diferentes atores que formam a comunidade escolar. (PPP. 2018, p.14).

O ano de 2018 está marcado com um importante significado para a educação


quilombola no estado, pois a primeira escola de ensino médio na modalidade quilombola está
tendo seu credenciamento e reconhecimento terminado, podendo ser uma divisa para que
surjam novas escolas quilombolas a nível estadual.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das maiores riquezas do povo brasileiro é exatamente sua diversidade, o país é
formado pelo pluralismo cultural, assim é necessário que se aprenda a conviver com as
diferenças e se reconheça o papel fundamental da escola enquanto instituição responsável pela
formação de cidadãos livre de preconceitos de qualquer natureza.
É necessário cumprir o que está estabelecido como garantias nos diversos documentos
e diretrizes que versam sobre educação étnico-raciais e que trazem muitos avanços nesse
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sentido, mas é preciso reconhecer que ainda há muito a ser feito para que o respeito às
diferenças, possam ser vivenciadas na prática.
Nesse contexto surge a necessidade de uma articulação entre os diversos atores que
compõem o poder do estado para abertura de um diálogo, tendo em vista a concretização das
muitas reivindicações, por tempos negadas e silenciadas, em especial as políticas que tratam
da educação étnico-raciais para que possam corresponder e atender efetivamente aos
interesses para os quais foram criadas.
O direito à educação há muito tempo ocupa espaços importantes nas reivindicações
dos movimentos negros que lutavam e lutam pela emancipação de seu povo. Espera-se que
esta possa contribuir para a transformação e conquista da real cidadania, auxiliando a superar
o racismo que por muito tempo tem ocasionado injustiças e desigualdades.
A luta por uma educação diferenciada está a cada dia mais presente. Se por um lado a
inclusão dos temas referentes a educação étnico-raciais dentro das escolas representa um
grande avanço, por si só não basta. É necessário que se viabilize um projeto educacional que
atenda as reivindicações desses cidadãos, promovendo a inclusão e a equidade garantindo
assim o cumprimento do que está em lei.
Dessa forma o trabalho buscou uma discussão a respeito das perspectivas e desafios
encontrados na viabilização e execução das políticas educacionais tendo em vista o
fortalecimento da identidade étnico-racial, utilizando como referência as ações educacionais
ocorridas na escola Quilombola Luzia Maria da Conceição.

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_______. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO


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