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FICHA DE LEITURA

Docente: Núbia Bento Rodrigues Discente: Lidia Bradymir


Disciplina: Antropologia da Religião Data: 30/03/2019
ESTEVES, Germano M. F. Considerações acerca do imaginário, das representações
sobre o mal e de sua evolução da antiguidade classica romana à antiguidade tardia.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/his/v35/1980-4369-his-35-e94.pdf>.

INTRODUÇÃO

O autor propõe no presente artigo apresentar a percepção do Mal na teologia e das


hagiografias do período entre Antiguidade Clássica Romana e a Antiguidade Tardia, a partir
de uma análise dos principais autores cristãos, da Igreja Primitiva à Patrística, que se
dedicaram em seus escritos teológicos a debater o tema do Mal bem como a evolução das
representações maléficas.

DESENVOLVIMENTO
Divisão do Texto Principais argumentos

Da Igreja Primitiva, nas epístolas de Santo Inácio, observamos que


o Diabo era “o príncipe deste mundo”, ele ainda diz que as eras
presentes e futuras serão dominadas pelo demônio e que essa
ameaça existe desde a expulsão de Adão e Eva do Paraíso. O
ponto de vista desse autor compreende o mundo como uma arena
Autores martirizados
de batalha, onde Jesus Cristo, liderando anjos e homens bons,
entre 107-160
guerreia contra o Diabo, que lidera os anjos caídos e os homens
maus. Os padres apostólicos da época não compactuavam com
violência, entregavam-se ao martírio sem resistir com armas.
Outro padre da Igreja, São Policarpo, concordava com Inácio sobre
a importância do martírio, tratava das diversas formas sob as quais
o demônio atuava contra os mártires para induzi-los a negar sua
fé. Mas, afastando-se um pouco das ideias de Inácio, ele acredita
que o Diabo não tem poder sobre a alma humana, ou seja, ele pode
oferecer as tentações morais e intelectuais para a heresias, ou
fazer passar por agonias para forçar a negar a Cristo, mas não tem
o poder de forçar indivíduos a se afastar de Deus.
São Papias, confundia a história dos Anjos Vigilantes com outra
tradição apocalíptica judaica de que Deus nomeou anjos para
governar a terra e suas nações, a partir disso acreditava que esses
anjos abusaram de sua autoridade, o que resultou em um fim
trágico sendo relegados à categoria de anjos caídos, pensamentos
similares são encontrados nos autores Justino Mártir, Irineu e
Athenágoras.

O único movimento que mostrou oposição ao consenso credo


cristão era o Gnosticismo, considerado uma heresia cristã, a
importância desse movimento na história do conceito do Mal está
nas reações que seus preceitos provocaram, para eles todo o
Gnosticismo
mundo criado é mau. A exemplo desse pensamento o autor cita
Marcião, o Sírio, que foi expulso de Roman pela comunidade cristã
por heresia, para este autor o Deus do Antigo Testamento é
também o criador de todos os males, o Deus bom, de piedade e
amor, o verdadeiro Deus, é o pai de Jesus Cristo e o enviou para
revelar a verdade em oposição às mentiras espalhadas pelo Deus
Mau, é no Novo Testamento apenas que vislumbra-se o verdadeiro
Deus.

Autores O autor destaca dois teóricos do século III, Irineu, que rejeita
martirizados/falecidos totalmente a tese gnóstica, para ele o mundo é a criação de um
à partir do ano 200 Deus bom, e os anjos são parte do Cosmos que Deus criou, o
Diabo, sendo anjo, foi inicialmente uma criatura boa. O Diabo
nesse ponto de vista é apenas uma criatura, sempre inferior e
subordinado a Deus, para ele o Diabo perdeu a graça divina pela
sua inveja de Deus, e também pela sua inveja à humanidade, pois
não aceitava que Deus criou o homem à sua imagem e
semelhança, colocando o universo sob autoridade de Adão.
E Tertuliano, que difunde os textos sobre o Diabo, nascido no norte
da África, pregava a aplicação da teologia na prática cotidiana,
insistindo que disciplina na vida moral era parte da campanha
contra o Mal, pois a imoralidade leva o homem à vida mundana, ou
seja, para o Diabo. Esse autor elaborou uma demonologia que é
mais um ataque frontal ao paganismo. Em sua teoria, o Deus da
criação é bom, a dor e sofrimento do mundo e existência do Mal
tem justificativa no pecado, o Diabo era bom em natureza, e torna-
se, por sua própria vontade, o Diabo.
Clemente de Alexandria, defendia que Deus criou o mundo do
vazio, e fez isso para se sentir completo, desejou compartilhar sua
bondade estendendo-a a outros seres. Mas como apenas Ele é
perfeito, o mundo criado por Ele é imperfeito. A posição de
Clemente em relação ao Diabo aparece na obra Fragmentos, onde
comentando a primeira epístola de Pedro afirma que o Diabo foi
criado bom, pois é impossível que Deus tenha criado o Mal, sendo
assim o Diabo foi um príncipe entre os anjos e torna-se mau pela
sua própria vontade. Outra questão para ele é o livre-arbítrio,
afirmando que Adão e Eva não foram expulsos do Paraíso por
serem maus, mas por fazerem uso indevido do livre-arbítrio.
Outro autor seria Orígenes, que, como Clemente, foca seu trabalho
na compreensão do mundo na bondade divida e na liberdade,
portanto também defende que Satanás foi criado como um anjo
bom e pelo livre-arbítrio se torna o Diabo. O diferencial na obra de
Orígenes é que ele acredita que Deus deseja felicidade a toda sua
criação, dessa forma nasce a Apocatástase, a ideia de que todos
voltaram ao Deus que os criou, talvez quisesse dizer que em um
plano metafísico o Diabo poderá ser salvo.

Dualismo: Donatismo e O dualismo volta a ser debate com a nova heresia, o Maniqueísmo,
Maniqueísmo encontrando grande expressão nos escritos do padre da Igreja
Lactâncio, que foi um dualista em diversos sentidos
“um dualista ético, dando ênfase aos dois caminhos, o da
justiça e o da injustiça; um dualista antropológico,
observando a tensão nos seres humanos entre alma e
corpo, espírito e matéria; um dualista cosmológico, salvando
a bondade de Deus por designar o Mal como seu adversário”
Para ele, a definição de Bem distingui-se do Mal, se Deus criasse
o mundo sem o Mal, não daria chances para que os homens
conhecessem o Bem, se aproximam aos cristãos gnósticos.
A heresia donatista possuiu elementos que fundiram-se em uma
teologia política, permitindo a esse formato de Cristianismo
africano canalizar as necessidades sociopolíticas e influencias
culturais da população em um paradigma teológico dinâmico e
forte, seu cisma cresce na disputa sobre qual seria o verdadeiro
cristão diante às perseguições do Império Romano, argumentavam
que o cristão que se rendeu ao medo e traiu a Igreja não poderia
ser perdoado. Acusavam o Diabo de ser o mestre das heresias, e
afirmavam que era o responsável pelas perseguições, acreditavam
que todos, exceto os membros da seita, estavam nas mãos do
Diabo.
Monasticismo Surge no final do século III e início do IV no mediterrâneo oriental,
com a aparição de eremitas e anacoretas que se retiram para o
ermo, o qual representava a espiritualidade do deserto: solidão,
silêncio, penitência, austeridade e encontro com Deus. Propõe
uma vida de solidão e reflexão, onde se devota todo o seu tempo
à contemplação de Deus. O primeiro monge conhecido, Santo
Antão e também São Pacômio. Esse movimento surge da aparente
paz do período de Constantino após 313, com a diminuição das
perseguições os cristãos passam a se preocupar com os perigos
de dentro e as tentações do mundo.
“No deserto, o monge pode se afastar das pequenas
distrações mundanas, dos pequenos vícios e virtudes, para
fazer parte diretamente de uma luta cósmica entre Cristo e
Satanás. Tal luta pode ser encontrada nos relatos e nas
experiências dos monges que habitavam o deserto, os quais
acreditavam estar sob um ataque severo e incessante das
forças do Mal.”
Um dos mais influentes trabalhos monásticos que tratam da
demonologia foi o de Atanásio de Alexandria, que liderou a querela
contra os arianos, autor de Vita Antonii (Vida de Santo Antão), um
importante documento sobre o Diabo, escrito para paresentar o
modelo de vida ascética para que monges imitassem, relata as
diversas vezes que o Diabo atentou Santo Antão enquanto esteve
isolado no deserto.
“Os demônios, segundo Atanásio, poderiam causar um
grande mal físico ao eremita. As ideias se repetem na obra
de Atanásio, reforçando a noção de que os demônios são
impotentes, temerosos, que não podem causar mal nenhum,
que produzem falsas imagens e que podem ser vencidos
com o sinal da cruz”
O demônio aparece também na vida de outros santos que
habitavam o deserto entre os sécuos IV e V, a demonologia ganha
destaque na Vida de São Martinho, de Sulpício Severo, em alguns
aspectos as aparições demoníacas para Martinho coincidem com
a de Antão, Severo conta que “o demônio se apresentava a
Martinho com a aparência de Júpiter, de Mercúrio, de Vênus e
Minerva”.
São Jerônimo também dá contribuição escrevendo Vida de
Hilarião, o autor considera que ele exagera ao escrever sobre
Hilarião pelo abuso dos ornamentos retóricos ao descrever
alucinações e aparições diabólicas. Jerônimo recorre também a
atuação de Hilarião como monge exorcista para fixar a prática
como rito de purificação.
Agostinho de Hipona Agostinho acreditava que o Diabo tinha grande poder e que Deus
permitiu ao Mal ter controle do mundo, cada ser humano tem que
lutar para se defender dos demônios, em sua teoria o princípio do
Mal, não pode existir pois o Mal é a falta/privação do Bem. Para
responder o porquê dessa privação/falta, ele distingue o mal entre
natural e moral. O mal natural ou físico, como tornados e doenças,
amedronta, mas não é realmente mau, pois é parte do plano de
Deus, só parecem maus porque não compreendemos
completamente o Cosmos.
O mal moral, diferente do outro, machuca suas vítimas de uma
forma muito pior, causa dano grave para quem comete o pecado.
Deus permite a existência dos tormentos do Inferno, pois ele é
necessário para equilibrar a justiça.
Respondendo à questão sobre a onipotência de Deus e o real livre-
arbítrio, ele responde que o poder de Deus é realmente ilimitado,
por isso o livre-arbítrio é a única forma para que haja justiça, dessa
forma Deus não é responsável pelo Mal, ele é produto da livre
escolha de anjos e humanos.
Sobre a atuação de demônios no mundo, mostra que magia
depende da hipótese de que demônios podem agir sobre o mundo
material, não podendo existir sem a assistência de espíritos
malignos.
“Dessa forma, o Diabo usa diversos estratagemas para
consolidar suas mentiras, tidas como verdades, para
ludibriar os cristãos, mas existe uma grande ironia que
espera os pecadores no final dos tempos. O propósito do
Juízo Final é entregar os seguidores do Diabo à sorte que
surpreendeu o próprio demônio quando teve sua queda
(AGOSTINHO, 1999, XX. 7. 14).”

CONCLUSÃO

Fechando a discussão o autor demonstra com seu texto de que forma o contexto histórico,
social e político influenciou na ascensão do cristianismo, bem como moldou o foco sobre os
quais os cristãos se aprofundaram ao longo dos anos.
A figura do Mal foi sendo trabalhada e conceituada conforme as necessidades da época,
mesmo com concordâncias entre gerações, como autores que concordam que o Diabo era
bom e se torna mau, a partir das mudanças sociais o papel desempenhado por ele muda,
primeiro o Diabo era responsável pelos martírios, depois se torna a entidade que visita os
monges no deserto e tenta enlouquece-los para fazerem negar a Deus. A primeira forma de
compreensão foi possível a partir do momento que se perseguem cristãos e surge a
necessidade de explicação para tal, a segunda surge no momento que as perseguições são
reduzidas e o problema do cristão se torna “a carne”.
Dessa mesma forma, o momento vivido por Agostinho o possibilita de enxergar duas faces do
mal, uma que parece ruim, mas é essencialmente boa, e outra que é realmente ruim e é
consequência do pecado.
Depois de traçada essas definições e seus contextos de surgimento, o autor mostra como a
construção de uma moral cristã e do conceito de Mal ainda hoje tem grande repercussão no
pensamento e literatura ocidental, principalmente religiosa.

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