THE BRAZILIAN MINISTRY OF
CITIZENSHIP AND BANCO DO
BRASIL present Raiz – Ai Weiwei,
the first exhibition in Brazil by the
Chinese artist who is considered one
of the most important figures in the
contemporary art scene.
Curated by Marcello Dantas,
the show features some of the
most iconic works by Ai Weiwei,
celebrated for expressing the
tension between the contemporary
world and traditional Chinese
modes of thought and production.
This is the case with his masterpiece
Dropping a Han Dynasty Urn, in
which the young artist appears
intentionally dropping an
approximately 2 000-year-old
ceremonial urn from the Han
Dynasty, an important period in the
history of Chinese civilization.
The exhibition also showcases
never-before-seen works that
originated from the artist's profound
immersion in Brazil. Among the
highlights of his creative output on
Brazilian soil are a series of pieces
created from the roots of a hundred-
year-old pequi-vinagreiro (a tree
species typical of the Atlantic Forest
of Bahia and currently threatened
with extinction) found unearthed
in the region of Trancoso, Bahia.
Produced by the artist with the help
of carpenters from China and Brazil.
The final result is what the project is
named after.
With this exhibition, Centro
Cultural Banco do Brasil reinforces
its commitment to promoting
access to culture by providing the
public with an event schedule that
has become a reference in the
cultural scene.
CENTRO CULTURAL
BANCO DO BRASIL
MINISTÉRIO DA CIDADANIA E BANCO DO BRASIL
apresentam Raiz – Ai Weiwei, primeira exibição
no Brasil do artista chinês, considerado um
dos principais nomes da cena contemporânea
mundial.
A mostra tem curadoria de Marcello
Dantas e reúne alguns dos mais icônicos
trabalhos de Ai Weiwei, célebres por expressar
a tensão entre o mundo contemporâneo e os
modos tradicionais chineses de pensamento
e produção. É o caso de sua obra-prima
Dropping a Han Dynasty Urn (Deixando cair
uma urna da Dinastia Han), que apresenta o
jovem artista derrubando intencionalmente
uma urna cerimonial (de cerca de 2 000 anos)
da Dinastia Han, período importante da
história da civilização chinesa.
A exposição também conta com obras
inéditas, nascidas da imersão profunda
que o artista realizou pelo Brasil. Entre os
destaques de suas criações em solo brasileiro
encontra-se uma série de obras feitas com
centenárias raízes de pequi-vinagreiro (espécie
de árvore típica da Mata Atlântica baiana e
atualmente em risco de extinção) encontradas
desenterradas na região de Trancoso, na Bahia.
O conjunto, que foi produzido pelo artista e
contou com o trabalho de carpinteiros chineses
e brasileiros, dá nome ao projeto.
Com esta mostra, o Centro Cultural Banco
do Brasil reforça seu compromisso com a
promoção do acesso à cultura, oferecendo ao
seu público uma programação de referência no
cenário cultural.
CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL
 SUMÁRIO
7 Cozinhando Wei
Marcello Dantas

69 Entrevista com Ai Weiwei

INDEX Marcello Dantas

109 Mel (e abelha) na boca:

7 Cooking Wei
Ai Weiwei no Brasil
Marcello Dantas Thais Gurgel

69 Interview with Ai Weiwei 145 Cronologia

Marcello Dantas

109 Honey (and Bee) in the Mouth:

Ai Weiwei in Brazil
Thais Gurgel

144 Chronology
Ai Weiwei com Ai Weiwei with
seu filho Ai Lao, his son Ai Lao,
Chile, 2017 Chile, 2017
COOKING WEI
Marcello Dantas
Tree
One tree, another tree
Each standing alone and erect.
The wind and air
Tell their distance apart.
But beneath the cover of earth
Their roots reach out
And at depths that cannot be seen
The roots of the trees intertwine
Ai Qing, 1940
The story of this project dates back
to 2010. My interest in Ai Weiwei’s
work began when I understood
the connections he had made by
binding art production and social
and collective transformation.
When I got to know the projects
Ai Weiwei had developed in
China, I felt that they could work
in Latin America if applied with
boldness, creativity and energetic
initiative. The idea of placing the
most vulnerable people in the
center of an action, therefore
6 7
COZINHANDO WEI
Marcello Dantas
Árvore
Uma árvore, outra árvore
Cada uma de pé e ereta.
O vento e o ar
Dizem de sua distância.
Mas abaixo da capa da terra
Suas raízes se estendem
E em profundezas que não se veem
As raízes das árvores se entrelaçam
Ai Qing, 1940
A história deste projeto remonta a 2010. Meu
interesse no trabalho de Weiwei começou
quando entendi as conexões que ele havia feito
ao atrelar a produção de arte à transformação
social e coletiva. Quando vi as experiências que
Ai Weiwei havia desenvolvido na China, senti que
elas poderiam funcionar na América Latina se
aplicadas com ousadia, criatividade e iniciativa
enérgica. A ideia de situar o mais vulnerável no
centro da ação e assim empoderá-lo de modo a
causar uma mudança fundamental de percepção
me pareceu um divisor de águas. Contatei
Ai Weiwei, mas apenas algumas semanas depois
ele foi preso e o projeto foi deixado de lado.
Durante os últimos anos, mantive contato com ele,
e as conversas que tivemos e o que li sobre ele me
fizeram perceber que o homem demandava uma
missão de outro tipo. Arte não era a coisa mais
importante para ele, a vida era.
A América Latina é um lugar com necessidade
histórica e ainda urgente de mudança social

empowering them, in order to
cause a fundamental change
of perception, seemed to me to
be a game changer. So with this
in mind, I contacted Ai Weiwei.
However, he was imprisoned just
a few weeks later and the project
was left on hold. During these
years, the conversations I had with
him, along with some reading I did,
made me realize that I was dealing
with a man with a different kind
of mission. Art was not the most
important thing for him, life was.
Latin America is a place in
urgent need of social change,
and although we have plenty
of theories about it, very few
attempts have actually succeeded
in bringing about any change at
all. The possibility of inoculating
some kind of creative virus in this
context felt very attractive. Both in
social and art history, many times
the agent of change is a remote
element that came into contact
with a new territory.
To understand Ai Weiwei we
must first understand his past
and his origins. His father, the
poet Ai Qing, at the same time
a libertarian and a member of
the Chinese Revolution, was
disgraced and sent to labor
camps in rural China right after
Ai Weiwei was born. The first
8 9
Reto
2008–2012
Straight
2008–2012
years of Ai Weiwei’s life were
spent living in an underground
hole. His father’s influence in his
life is immense. Up to this day
he is highly motivated by the
knowledge of what happened to
the man and the reasons behind
his plight. Ai Qing travelled
to Chile in the early 1950s on a
cultural mission and became
friends with Chilean poet Pablo
Neruda. This trip and their
friendship became iconic in the
young Weiwei’s imagination. His
father talked about Chilean
land, its people and poetry. Latin
America, in this sense, plays a very
relevant role in Weiwei’s imaginary. the debris of schools in Sichuan,
During his years of punishment
by the Mao regime in China,
Ai Qing performed one of the
strongest acts narrated to me by
Ai Weiwei. He had to burn his
books—with the help of his son—
to avoid being punished by the
Cultural Revolution Red Guards,
should they inspect his house.
Those were mainly art and poetry
books. Father and son made a
bonfire and started burning the
books page by page, as if saying
farewell to the images and words.
An act of deep violence for a
poet and scholar but, I believe, a
formative act for his son as both
artist and activist.
This happening relates
directly to Straight. The work
uses metal bars taken out of
China, in which thousands of
children were killed during an
earthquake in 2008. The schools
collapsed not only because of
e, mesmo que tenhamos muitas teorias sobre
isso, muito poucas práticas têm de fato
obtido sucesso em gerar qualquer mudança.
A possibilidade de inocular algum tipo de vírus
criativo neste contexto pareceu bastante
atraente. Tanto na história social como na da
arte, muitas vezes o agente de mudança vem
de um elemento remoto que entra em contato
com um território novo.
Para entender Ai Weiwei é preciso conhecer
seu passado e suas origens. Seu pai, o poeta
Ai Qing, um libertário e membro da Revolução
Chinesa, caiu em desgraça na nova sociedade
que se configurou e foi enviado, junto com
sua família, para campos de trabalho na área
rural da China logo depois do nascimento de
Ai Weiwei. Ai Weiwei passou os primeiros anos
de sua vida num buraco no chão. A influência do
pai em sua vida é imensa. Até hoje Ai Weiwei é
profundamente influenciado pelo conhecimento
do que aconteceu a ele e as motivações por trás
de suas punições. Ai Qing viajou para o Chile
no começo dos anos 1950 numa missão cultural
e ficou amigo do poeta chileno Pablo Neruda.
Essa viagem e a amizade que desenvolveram
tornaram-se icônicas na imaginação do jovem
Weiwei. Seu pai falava sobre a terra, as pessoas
e os poemas. A América Latina ocupou, nesse
sentido, um lugar importante em seu imaginário.
Uma das imagens mais fortes para Ai Weiwei é
a de quando seu pai, durante os anos de sua pena
sob o regime de Mao na China, decidiu queimar
seus livros diante do filho, para evitar mais
punições caso o Exército Vermelho da Revolução
Cultural viesse a sua casa. Eram principalmente
livros de arte e poesia. Pai e filho fizeram uma
fogueira e página por página, foram queimando os
livros, como se despedindo-se daquelas imagens
e palavras. Um ato de profunda violência para um
poeta e intelectual e, acredito, um ato fundacional
para seu filho como artista e ativista.
Este evento relaciona-se diretamente com
Straight [Reto]. A obra utiliza barras de metal
resgatadas de escolas em Sichuan, na China,

the natural disaster, but mainly
due to the low quality materials
used by the government to build
them. Many other buildings
survived but the ones built by the
government collapsed. Weiwei
started a recovery process to
straighten the bent bars back
to their original form—a slow
and difficult process, necessary
to restore memory and help
understand loss. It was much
like “unburning” the books of his
childhood memory.
10
In Ai Weiwei’s life, his childhood
dreams, the dramas he has been
through and the traumas he has
faced emerge as powerful Art.
Such raw material is the source of
much of his work. In many ways,
this resonates with the histories of
Argentina, Chile and Brazil, where
dictatorships are responsible
for much of the trauma many
artists are still digesting and using
as a source for their creative
initiatives. Overcoming trauma is
a lifelong process of giving form
Sementes
de girassol
2010
Sunflower
Seeds
2010
to the memories that haunt us.
This happens both on a personal
and on a collective level. Drama,
Dream and Trauma share the
same etymology.
Another essential work of
Ai Weiwei’s is Sunflower Seeds. For
it to be developed, 1 600 artisans,
mostly woman, of Jingdezhen—a
small town in China—were
employed. 100 million small
ceramic replicas of sunflower
seeds were produced. These
seeds symbolize the silenced
women of the Chinese society and
are a metaphor for China creating
artificial replicas of its natural
elements. At the same time, the
project created the opportunity
for a game-changing process to
happen in the social arena of the
town, giving women a leading role,
working as an income generator,
and changing the points of view
of the townsfolk and the social
organization of the community.
Weiwei developed a model of
social activism in the making of art.
Silently, the process of replicating
each sunflower seed became a
transformative action related to
self-esteem, income and power, and
brought the world’s attention to a
disparity so frequent everywhere.
At the same time, Weiwei made art
the main stage of this action. The
question was: can the making of art
bring about change?
Weiwei also produced a series
of iconic works inspired by his
time under secret detention, from
the dioramas to the wooden
handcuffs and marble cameras.
These works are a metaphor for
the state’s power over its citizens.
They embody the faceless state
looking for an opportunity to
cowardly exercise the power it
developed. Weiwei denounced the
Chinese regime’s wrongdoings and
became a solitary, dissident voice.
In a conversation I had with him
in China, however, he agreed that
the 5 years during which he was
held under house arrest had given
him an outstanding opportunity
to concentrate on his art and
produce a large number of works,
onde milhares de crianças foram mortas em
um terremoto em 2008. As escolas desabaram
sobretudo por causa da baixa qualidade
da construção que o governo executara ali.
A maioria dos outros prédios sobreviveu, mas
aqueles construídos pelo governo desabaram.
Weiwei se engajou num projeto de recuperação
para voltar com as barras empenadas à sua
forma original – um longo e trabalhoso processo,
necessário para restaurar a memória e entender
a perda, como se “des-queimando” os livros de
sua lembrança de infância.
Os sonhos de infância, os dramas que viveu,
os traumas que enfrentou, a vida de Ai Weiwei
emerge com vigor como Arte. Essa é a matéria-
-prima de boa parte de seu trabalho. A história
de Ai Weiwei ressoa de muitas maneiras a
história da Argentina, do Chile e do Brasil, onde
ditaduras produziram muito do trauma que
nossos artistas ainda estão digerindo como
fonte maior de suas criações. Superar traumas é
um processo vitalício de dar corpo às memórias
que nos assombram. Isto ocorre tanto no nível
pessoal como no coletivo. Em inglês, drama
(drama), sonho (dream) e trauma (trauma)
compartilham a mesma etimologia.
Outra obra essencial é Sunflower Seeds
[Sementes de girassol]. Sua realização empregou
1 600 artesãos, a maioria mulheres, de Jingdezhen,
uma pequena cidade na China, para produzir 100
milhões de réplicas em cerâmica de sementes
de girassol. Essas sementes representam as
mulheres silenciosas na sociedade chinesa e
são uma metáfora da China criando réplicas
artificiais de elementos naturais. Mas ao
mesmo tempo representam a oportunidade de
inserir processos inovadores na arena social,
dando às mulheres da cidade um papel de
liderança, na medida em que elas passam a
gerar renda, e assim mudando as visões e a
11
Câmera de Surveillance
segurança Camera
2010 2010
as well as to gain international
exposure, even though he had
completely disappeared from
the Chinese media. Sometimes
one can turn something evil into
something good.
It was not until his passport
was returned to him, in 2015,
that Ai Weiwei was allowed to
travel again. On his first trip
to Europe, Weiwei turned his
attention to the refugee crisis.
The aggravated humanitarian
crisis brought about by a
number of political disasters has
produced the largest exodus
since World War II. A fierce
activist, Weiwei embraced this
topic as a platform for his art. He
established a studio in Lesbos,
Greece; he produced seminal
works with the life vests used by
refugees making the dangerous
sea journey to reach Europe;
he made the now historic and
highly controversial photograph
of himself lying down like the
drowned boy Alan Kurdi. Besides
that, he made a film, Human
Flow, about the migration
crisis—a visual poem and portrait
of the most dramatic situation
of our time.
Essential to our
understanding of Weiwei is
considering his multiple points
of view as an interpreter of both
Chinese and Western cultures at
the same time. The fact that he
experienced the impact of Mao
organização da comunidade. Weiwei aplicou
um modelo de ativismo social na produção de
arte. Silenciosamente, o processo de replicar
cada semente de girassol se tornou uma ação
transformadora em relação à autoestima, à
renda e ao poder, e chamou a atenção mundial
para uma cena feminina tão frequente em toda
parte. Ao mesmo tempo, Weiwei pôs a arte no
centro dessa ação. A questão era: a prática
artística pode provocar mudança?
O tempo em que esteve preso inspirou o
artista a produzir uma de suas séries mais
icônicas: dos dioramas até as algemas de
madeira e as câmeras de mármore. O tempo
passado preso ou sob vigilância domiciliar
produziu alguns dos trabalhos que são
metáfora do poder do Estado sobre os cidadãos.
Trabalhosas obras incorporam o Estado sem
face procurando uma oportunidade de exercer
covardemente o poder que desenvolveu.
Weiwei denunciou essas práticas e se tornou
uma voz dissidente e solitária contra o regime
opressor chinês. Numa conversa que tivemos
na China, ele concordou que os cinco anos em
que permaneceu sob custódia lhe deram uma
Zedong’s Cultural Revolution oportunidade excepcional para se concentrar
first-hand, lived in the United em sua arte e realizar um grande número
States as a young artist and de trabalhos, assim como ganhar projeção
was an active participant in internacional, ainda que tivesse desaparecido
the development of modern por completo da mídia chinesa.
Chinese society, has given him Em 2015, Ai Weiwei obteve seu passaporte de
a very unique understanding of volta e pode viajar novamente. Em sua primeira
these cultures. He is not afraid viagem para a Europa, Weiwei voltou sua atenção
of ambiguities, and is constantly para a atual crise migratória e a situação dos
presenting ideas that can be refugiados. A crise humanitária agravada e
fully understood by one culture, causada por uma sequência de desastres políticos
but not so much by a different produziu o maior êxodo desde a Segunda Guerra
one. His position as a Chinese Mundial. Weiwei abraçou esse tema como um
artist with deep cultural roots ativista feroz e o transformou numa plataforma
and a global audience allows artística. Estabeleceu um estúdio em Lesbos, na
him to execute this to and fro Grécia. Fez a obra seminal com os coletes salva-
movement of ideas. For example,
Ai’s iconic outstreched arm
and middle finger, as seen in
his Study of Perspective series
A bordo At Sea
Vídeo Video
4’ 8’’ 4’ 8’’
2016 2016
Quando estava While on the
na ilha grega Greek isle
de Lesbos, of Lesvos,
Ai Weiwei Ai Weiwei filmed
filmou barcos boats carrying
transportando refugees
refugiados attempting to
que buscavam cross the sea
chegar na to Europe. The
Europa. O vídeo video was filmed
foi gravado on different
em vários dias days using Ai’s
pelo iPhone do iPhone.
artista.

12 13
Torre Eiffel, Eiffel Tower,
Paris, França Paris, France
1999 1999
Da série Estudo From the Study of
de perspectiva Perspective series
[1995–] [1995–]
and wallpapers, have a very
direct meaning in most Western
cultures but the same does not
happen in Chinese society, where
the particular gesture of giving
the finger is less understood.
As a second example, his
deep knowledge of traditional
Chinese wood carpentry
allows him to create visual
puzzles with materials which,
for most Western audiences
accustomed to the use of nails
and glue in woodworking, do
not seem particularly complex,
but for a Chinese may be
of striking complexity. The
images of Ai Weiwei dropping
a Han Dynasty vase are for any
Westerner disturbing images,
atrocious and disrespectful to
memory and history. But to a
Chinese who may be familiar with
the absurdities of the Cultural
Revolution, the pictures may
bring less of a shock. These
images work as an unexpected
portrayal of our own situation,
showing how we cannot truly
understand each other. Our
codes, our symbols and our
values are essentially different
and this is what a cultural
merchant of visual poems like
Ai Weiwei explores.
The invitation for Ai Weiwei
to come to Brazil was also an
invitation for him to develop an
interpretation of the country
and create new works. Weiwei
14
-vidas utilizados por refugiados ao cruzarem o
mar revolto rumo à Europa. Fez ainda a fotografia
altamente controversa e agora histórica de si
mesmo deitado como o menino afogado Alan
Kurdi. E fez o filme Human Flow [Fluxo humano]
sobre a crise migratória – poema visual e retrato
da situação mais dramática de nossos tempos.
Uma maneira de ler as obras de Ai Weiwei
é compreendê-lo em seus múltiplos pontos de
vista como um intérprete das culturas chinesa
e ocidental ao mesmo tempo. O impacto
da Revolução Cultural de Mao Tse-Tung
experienciado em primeira pessoa, e os anos
vividos nos Estados Unidos como um participante
ativo na criação da sociedade chinesa moderna
deram a ele um modo muito particular de
entender os códigos de ambas as culturas. Ele
encontra maneiras de manter ambiguidades,
se expressando de forma explícita para um
dos lados (seja o Ocidente ou o Oriente) e ao would be able to taste the culture inaugurais de Ai Weiwei soltando o vaso da
mesmo tempo de forma velada para o outro lado. and digest it in his own way and Dinastia Han são para qualquer ocidental imagens
Seu estabelecimento como um artista chinês Brazil would have the chance perturbadoras de desrespeito e uma atrocidade
profundamente enraizado e com uma audiência to understand and experience em relação à memória e à história. Mas para um
global lhe permitiu praticar essa ida-e-vinda Ai Weiwei’s methods and chinês acostumado aos absurdos da Revolução
entre ideias de um modo particular. Exemplo disso creative process. Many travelling Cultural o gesto não é tão chocante. Essas
são as fotografias e os papéis de parede super artists have already developed imagens nos revelam um retrato inesperado de
icônicos e massivamente reproduzidos de Finger interpretations of Brazil that are nossa situação, mostrando os mal-entendidos
[Dedo], que têm um significado muito direto na now essential for us to understand que ocorrem entre nós. Nossos códigos, nossos
maioria das culturais ocidentais, mas são vazios our own icons. From Eckhout to símbolos e nossos valores são essencialmente
de sentido para os chineses, para quem gestos Debret and Verger, the image of diferentes e isso é o que um mercador cultural de
ofensivos não são normalmente utilizados e para our expression has been framed poemas visuais como Ai Weiwei explora.
quem esse em particular tem menos significado. many times by foreign observers. O convite para Ai Weiwei vir ao Brasil era
Em outra modalidade, seu profundo conhecimento On the other hand, we have também um convite para uma interpretação e
de carpintaria chinesa antiga permite-lhe become masters in the art of para a realização de novos trabalhos a partir
criar verdadeiros quebra-cabeças visuais com absorbing and digesting outside de seu modelo criativo. Nesse modelo, Weiwei
materiais que não parecem particularmente influences. Ai Weiwei was not seria capaz de experimentar a cultura local e
complexos para quem vive numa sociedade invited for an ordinary meal, he digeri-la a seu modo; e o Brasil teria a chance
ocidental, acostumada ao uso de pregos e cola was asked to participate in a de entender e experimentar as modalidades
em madeira, mas que, para um chinês instruído, mutuophagic banquet, where one e o processo criativo de Ai Weiwei. Artistas
têm complexidade impressionante. As imagens eats and is eaten by the other. em viagem criaram ao longo da história
15
 Each side devours the other, his
body, soul, and energy.
Weiwei boldly decided to
grasp Brazilian culture. To do
so, he casted in iron the largest
and oldest tree standing in
the south of Bahia, one that’s
now endangered. This bold
move in the chess game of
mutuophagy was like starting a
chess match by attacking the
queen. Embracing the absurdity
of this poetic action is the key
to understanding the process.
Appropriating the tree into his
oeuvre was like capturing the
very roots of our civilization—a
tree that has been standing for
over 1 200 years has seen the very
formation of our nation.
When a lot of roots—ancient,
dead roots of trees that no longer
exist—appeared in our way, a
connection with Ai Qing’s poem,
“Tree”, became clear. Weiwei said
that from the roots of a tree we
can find out what it was like. The
search for the meaning of those
roots unearthed, invented—
indeed, inspired—the title of this
book: Raiz (Roots). Those trees
are evidence of a very ancient
connection to the source of
all culture, the soil. Weiwei,
throughout his career, has
been revealing lost roots and
evidences of endangered culture,
first in China then with the global
refugees condition, and now
in Brazil. Reconnecting to the
Roots and finding the missing
link may allow us to rediscover
an ancestry that has been long
forgotten. Weiwei found the
object of his quest in the midst
of those roots and a common
meaning was brought to light too.
16
interpretações do Brasil que se tornaram
essenciais para o nosso entendimento sobre
nossos próprios ícones. De Eckhout a Debret
e Verger, a imagem de nossa expressão foi
emoldurada muitas vezes por um observador
estrangeiro. Por outro lado, nós nos tornamos
mestres na arte de absorver e digerir à nossa
maneira influências exteriores. O convite não
foi para uma refeição cotidiana: foi para um
banquete mutuofágico, em que se come e se é
comido pelo outro, em que cada lado devora o
outro, seu corpo, sua alma e sua energia.
Weiwei fez um firme gesto inicial ao tentar
fundir a cultura. Com a ambição que lhe é
particular, decidiu fundir em ferro a maior,
mais antiga e ameaçada árvore ainda em pé
no sul da Bahia. Este movimento ousado no
xadrez da mutuofagia foi como começar uma
partida atacando a rainha. O absurdo que
cerca a ação poética é chave para entender o
processo. Apropriar essa árvore para dentro de
sua oeuvre é como capturar a espinha dorsal da
consciência de nossa civilização – uma árvore
que tem estado de pé por mais de 1 200 anos
testemunhou a própria formação da nação.
Quando raízes – raízes antigas, mortas,
de árvores que não existem mais – surgiram
em nosso caminho, a conexão com o poema
“Árvore”, do pai, tornou-se clara. Weiwei disse
que pelas raízes podemos descobrir como é
uma árvore. A busca pelo significado dessas
raízes desenterrou e inventou – de fato,
inspirou – o título deste livro: Raiz. Essas árvores
são a evidência de uma conexão muito antiga
com o solo, fonte de toda cultura. A prática
de Weiwei ao longo de sua carreira tem sido
a de revelar raízes perdidas e evidências
de culturas ameaçadas, primeiro na China,
nos projetos sobre refugiados, e agora no
Brasil. Reconectar-se às raízes e encontrar
But as soon as Ai Weiwei
stepped in Brazil, the process
became multidirectional. And
issues related to the country
started occupying his mind; our
slave iconography, our social
injustices, our beliefs and our
codes. Ai Weiwei was permeated
by the latency of Brazilian
culture, he incorporated Ariano
Suassuna’s Armorial Alphabet
into his writings and found
an irreverent way of dealing
with ex-votos to express his
angst about injustice. He was
consumed by the natural world
and its seeds; he began to
search for the Chinese-Brazilian
connection; he was bewildered
by the conditions of slavery both
in the past and in the present.
He had a lot on his hands.
The results of it all can be
seen in Ai Weiwei’s largest
exhibition so far. This game
is a great way to promote
contact and understanding and
challenge preconceived notions.
This project is about friction,
noise, an uncharted territory to
be discovered, a combination of
spices never mixed before that
add a new flavor to Ai Weiwei’s
art and our culture. It comes
with the pain and the pleasure of
taking a bite while being bitten.
Decipher me, or I’ll devour you.
o elo perdido nos permite reencontrar uma
ancestralidade de que nos esquecemos, que
parece perdida. Weiwei encontrou o objeto
de sua busca no meio dessas raízes e um
significado comum emergiu.
Mas logo que Weiwei pisou no Brasil o
processo se tornou multidirecional. E as
questões que nos são caras começaram a
ocupar a mente do artista. Nossa iconografia
escravocrata, nossas injustiças sociais, nossa
fé e nossos códigos. Ai Weiwei foi tomado pela
latência da cultura brasileira: ele incorporou o
Alfabeto Armorial de Ariano Suassuna em seus
escritos, encontrou um modo irreverente de lidar
com ex-votos para expressar sua inquietação
com a injustiça, foi levado pelo mundo natural
e suas sementes e começou a buscar conexões
China-Brasil, ficou desconcertado com as
condições de escravidão do passado e do
presente. Ele muito se ocupou.
O resultado de tudo isso culmina na maior
exposição de Ai Weiwei já realizada. Este jogo é
um grande modelo para promover o contato, o
entendimento e para desafiar as noções pré-
concebidas de ambos os lados. Com fricção,
barulho, um território incerto a ser descoberto
e uma combinação de temperos nunca antes
combinados, produzindo um novo sabor para
a arte de Ai Weiwei e nossa cultura. E com a
dor e o prazer de uma mordida dada e uma
mordida recebida.
Decifra-me, ou te devoro.
17
18 19
na página anterior
Iluminação
2009
Papel de parede
Ai Weiwei tornou-se
um dos ativistas mais
importantes na luta por
transparência de dados
oficiais no caso dos
estudantes mortos após
o devastador terremoto
de 2008 em Sichuan.
Ele foi responsável
pela organização
da Investigação dos
Cidadãos, que lutou para
contabilizar cada uma das
crianças que perdeu a vida
nas escolas que ruíram
por falhas estruturais.
Tan Zuoren, um escritor
ativista, foi preso, acusado
de “incitar a subversão
do poder estatal”. Ai
viajou para Chengdu
para testemunhar a
favor de Tan. Na noite
anterior ao julgamento, o
quarto de hotel de Ai foi
invadido pela polícia, que
o golpeou na cabeça e o
deteve, impedindo-o de
comparecer à audiência.
Enquanto a polícia o
escoltava no elevador,
Ai tirou a icônica selfie.
20
on the previous page
Illumination
2009
Wallpaper
Ai Weiwei became a
leading activist calling for
government transparency
on student deaths
following the devastating
2008 Sichuan earthquake.
He initiated the Citizens’
Investigation which sought
to account for each
individual child that lost
their lives in the shoddy
school constructions. Tan
Zuoren, a fellow activist
and writer, was arrested
and accused of inciting
subversion of state power.
Ai traveled to Chengdu
to testify on Tan’s behalf.
On the night before he was
due to testify, the police
barged into Ai’s room, beat
him, and prevented him
from attending the trial.
As the police escorted him
to the elevator, Ai snapped
the now iconic selfie.
Algemas Handcuffs Algemas Handcuffs
2011 2011 2015 2015
Jade Jade Madeira Wood
28 × 8 × 2 cm 28 × 8 × 2 cm 40 × 13 × 2,5 cm 40 × 13 × 2,5 cm
As algemas vistas nesta This series of handcuffs,
série remetem a um claro a clear symbol of
símbolo de opressão ou oppression or deprivation
privação de liberdade: são of freedom, is made of
elaboradas com diferentes different materials revered
materiais, reverenciados for their significant cultural
por sua enorme and aesthetic importance
importância cultural e in China.
estética na China. Jade has been important
O jade tem sido in Chinese culture for as
importante na cultura long as civilization in China
chinesa desde que esta has existed. The country
civilização existe. A China has a long tradition of
tem uma longa tradição using hardwood to create
no uso de madeiras de lei objects and furniture of
para a criação de objetos great beauty. The use
e móveis de grande of these materials in the
beleza. O emprego destes creation of Handcuffs
materiais na confecção subverts the function of
de Algemas subverte a this tool of detainment.
função deste instrumento
de detenção e custódia.
21
 Cofre de lua
2008
Madeira
320 × 160 × 80 cm cada
Cofre de lua é uma série
de 81 cofres elaborados em
madeira, cinco dos quais
expostos. Em cada um dos
cofres, Ai Wewei fez quatro
incisões em círculo – nos
painéis superior e inferior,
tanto na frente quanto
atrás –, transformando
esses objetos funcionais
em obras de arte. Cada
cofre é único e o lugar
exato de sua abertura
varia. As aberturas estão
alinhadas de tal modo
que todas as fases da lua
podem ser observadas.
“Nos anos 1980, vi muitos
trabalhos de Donald Judd
e Carl Andre, muitas
esculturas minimalistas.
Cofre de lua é uma obra
em que tento unir arte e
arquitetura minimalista,
instalação e desenho,
para criar um objeto que
discuta as relações entre
funcionalidade e a assim
chamada arte da alta
cultura.”
22
Moon Chest
2008
Wood
320 × 160 × 80 cm each
Moon Chest is a series of 81
chests crafted from wood,
five of which are exhibited.
In each one of the chests,
Ai has incised four circles,
in the upper and lower
panels both front and
back, transforming these
functional objects into
works of art. Each chest
is unique and the precise
location of the opening
varies. The openings are
aligned in such a way that
every phase of the moon
can be seen.
“In the 1980’s, I saw many
works by Donald Judd
and Carl Andre, many
minimalist sculptures.
Moon Chest is a work in
which I try put together
art and minimalist
architecture, installation
and drawing, to create
an object that discusses
the relations between
functionality and the so-
called highbrow art.”
23
Vasos coloridos
2010
Vasos da Dinastia Han,
pintura industrial
38 × 38 × 49 cm
35 × 35 × 36 cm
37 × 37 × 38 cm
36 × 36 × 42 cm
Colored Vases
2010
Han Dynasty vases,
industrial paint
38 × 38 × 49 cm
35 × 35 × 36 cm
37 × 37 × 38 cm
36 × 36 × 42 cm

Em Vasos coloridos, In Colored Vases, Ai covers

Ai Weiwei inclui os
exclusivos vasos
da Dinastia Han
(206 a.C.–220 d.C.) no
lugar contemporâneo
industrial de fabricação
em massa. A obra
relembra a destruição de
relíquias culturais durante
a Revolução Cultural
(1966-1976). As cores
vibrantes fazem referência
ao Pop Art e à influência
de artistas como Andy
Warhol. Semelhante a
Deixando cair uma urna
da Dinastia Han (1995),
Ai Weiwei tomou um objeto
antigo e o transformou,
criando uma nova forma e
linguagem.
unique Han Dynasty
(206 BC–220 AD) vessels
in contemporary mass-
manufactured industrial
point. The work recalls
the destruction of cultural
relics during the Cultural
Revolution (1966-1976). The
vibrant colors reference
Pop Art and the influence
of artists such as Andy
Warhol. Similar to
Dropping a Han Dynasty
Urn (1995), Ai has taken
an ancient object and
transformed it, creating a
new form and language.

Cubo de porcelana Porcelain Cube

2009 2009
Porcelana Porcelain
120 × 120 × 120 cm 120 × 120 × 120 cm

Ao longo dos anos, Over many years,

Ai Weiwei criou vários
trabalhos de 1 m3 utilizando
diversos materiais ligados
a tradições milenares
chinesas, como madeira
huali e chá pu’er. Nesta
obra, ele utilizou a qinghua,
uma porcelana azul e
branca, que foi trabalhada
em Jingdezhen, na
província de Jiangxi, centro
histórico da produção de
porcelana na China.
Ai Weiwei has created
various 1 m3 works using
different materials with
a long tradition in China,
such as huali wood and
pu’er tea. In Porcelain
Cube, Ai uses qinghua
(blue-and-white) style
Porcelain. The porcelain
was crafted in Jingdezhen,
Jiangxi Province, the
historic center of porcelain
production in China.

24 25
 Cesta de bicicleta com flores
em porcelana
2015
Porcelana
36 × 30 × 33 cm
Após a detenção secreta e a
prisão de Ai Weiwei em 2011,
o direito do artista de viajar
livremente foi restringido –
as autoridades confiscaram seu
passaporte – e ele foi submetido
a um contínuo monitoramento.
Mais de vinte câmeras de
vigilância foram instaladas
ao redor do perímetro de sua
casa-estúdio em Pequim.
O artista anunciou que
começaria a prática diária de
colocar um buquê de flores
frescas na cesta de bicicleta
do lado de fora de seu estúdio
até que seu passaporte fosse
devolvido. Ele fotografou
as flores e compartilhou as
imagens em seu site e em
suas mídias sociais. Cesta
de bicicleta com flores em
porcelana recria esse gesto
diário em porcelana. Em 22 de
julho de 2015, as autoridades
chinesas devolveram o
passaporte para Ai Weiwei.
Ruyi
2012
Porcelana
10 × 41 × 16 cm
Ruyi é uma obra produzida
em porcelana de alta
qualidade. O ruyi, ou o
“como desejar”, é utilizado
como objeto cerimonial na
cultura chinesa há mais de
duzentos anos; sua forma
deriva de um fungo em
formato de cogumelo que,
acredita-se, tem o poder de
conceder imortalidade. Em
cada período o ruyi assumiu
diferentes significados. Sua
posse era uma indicação
de que a pessoa podia
falar livremente, também
dizia-se que era um talismã
de proteção. Ricamente
ornado por esmalte
colorido, o ruyi de Ai é
composto por órgãos
humanos.
Ruyi
2012
Porcelain
10 × 41 × 16 cm
Ruyi is a work crafted in
fine porcelain. The ruyi, or
“as you wish,” has been used
as a ceremonial object in
Chinese culture for over
two thousand years and
its form is derived from a
mushroom-shaped fungus
that was thought to be
able to confer immortality.
Across different periods,
the ruyi took on different
kinds of meaning. It was
used to indicate that the
holder had the right to
speak freely and it was
also believed to be a
talisman of protection.
Richly embellished with
colored glazes, Ai’s Ruyi
is composed of human
organs.

Bicycle Basket with Flowers

in Porcelain
2015
Porcelain
36 × 30 × 36 cm

After Ai Weiwei’s arrest and

secret detention in 2011, the
artist’s right to freely travel
was restricted. The Chinese
authorities confiscated his
passport and he was placed
under constant surveillance.
Over twenty surveillance
cameras were installed
around the perimeter of Ai’s
studio-house in Beijing.
On November 30, 2013, Ai
announced that he would begin
the daily practice of placing
Florescer Blossom a bouquet of fresh flowers in
2015 2015 the bicycle basket outside his
16 painéis de porcelana 16 porcelain panels studio until his passport was
360 × 360 × 8 cm 360 × 360 × 8 cm returned. He photographed the
80 × 80 × 8 cm cada painel 80 × 80 × 8 cm each panel flowers and shared the images
on his website and social media
accounts. Bicycle Basket with
Flowers in Porcelain recreates this
daily gesture in porcelain. On July
22, 2015, the Chinese authorities
returned Ai’s passport.

26 27

Homem pendurado
sobre porcelana
2009
Porcelana
50 × 43,5 × 3,5 cm
Em 1981, aos 24 anos,
Ai Weiwei viaja aos
Estados Unidos, onde
vive por 12 anos. Foi em
Nova York que ele entra
em contato com a arte
contemporânea e artistas
como Marcel Duchamp
e Andy Warhol. “Senti
que Duchamp era um
personagem fascinante,
muito engenhoso, quase
como um pensador
oriental ou um jogador de
xadrez. Por isso fiz essa
homenagem, usando um
cabide para desenhar o
perfil de seu rosto”, disse.
A obra descrita é Homem
pendurado (1985). Com
Homem pendurado em
porcelana, Ai propõe um
diálogo entre a cultura
ocidental e a oriental, e
entre os séculos XX e XXI.
28
Hanging Man
in Porcelain
2009
Porcelain
50 × 43.5 × 3.5 cm
In 1981, when Ai Weiwei was
24 years old, he traveled to
the United States, where
he lived for 12 years. It
was in New York that he
became familiarized with
contemporary art and
artists such as Marcel
Duchamp and Andy
Warhol. Ai said, “I felt
that Duchamp was a very
fascinating character,
very ingenious, almost
like an Oriental thinker
or a chess player. That
is why I paid him this
homage, using a hanger
to form his profile”. The
work described is Hanging
Man (1985). Through
Hanging Man in Porcelain,
Ai proposes a dialogue
between East and West,
and the 20th and 21st
centuries.
Cabide
2011
Madeira huali
50 × 24 × 0,8 cm
2012
Aço inoxidável
48 × 22 × 0,9 cm
2013
Cristal
51 × 23 × 1 cm
Cabide é uma série de
obras subversivas, que
descrevem um símbolo
pessoal de opressão,
esculpidos em aço
inoxidável, madeira
huali e cristal. Durante a
detenção arbitrária de 81
dias, um cabide comum
de plástico era um dos
poucos itens permitidos.
Na história da arte, o
cabide remonta a obras de
Man Ray, Marcel Duchamp,
Jasper Johns, bem como
o próprio trabalho de
Ai Weiwei.
Hanger
2011
Huali wood
50 × 24 × 0,8 cm
2012
Stainless steel
48 × 22 × 0,9 cm
2013
Crystal
51 × 23 × 1 cm
Hanger is a subversive
series of works depicting
a personal symbol of
oppression crafted in
stainless steel, huali
wood and crystal. During
Ai’s 81 days under secret
detention, the common
plastic hanger was one
of the few itens allowed
in Ai’s possesion. In art
history, the form of the
hanger recalls works by
Man Ray, Marcel Duchamp,
Jasper Johns, as well as
Ai Weiwei’s own work.
29
 Brinquedos sexuais Sex Toys Câmera com pedestal
2014 2014 2015
Jade Jade Mármore
32,2 × 4,8 × 3 cm 32.2 × 4.8 × 3 cm 52 × 52 × 120 cm
19,5 × 9 × 4 cm 19.5 × 9 × 4 cm
11 × 8 × 3,5 cm 11 × 8 × 3.5 cm Após a detenção de 81
dias, o passaporte de
Série de obras construídas Sex Toys is a series of works Ai Weiwei foi confiscado e
em jade. Dentro da lógica crafted in fine jade. They o artista foi impedido de
dos readymade, Ai Weiwei take as a readymade the sair de Pequim durante um
se apropriou de objetos form of objects of pleasure, ano, com recomendações
de prazer, subvertendo and subvert their function. de que não falasse com
sua função. Tal como Similar to Handcuffs, Ai a mídia. Além de todas
em Algemas, aqui elevates a contemporary essas restrições, Ai notou
também Ai eleva um item tool using a material que mais de vinte câmeras
contemporâneo a um with deep cultural and de vigilância haviam sido
outro patamar ao utilizar aesthetic significance in instaladas ao redor de seu
um material com profundo China. While Handcuffs ateliê em Caochangdi.
significado cultural could be seen as a tool of Câmera com pedestal
e estético na China. oppression, the Sex Toys transforma uma câmera
Algemas remete à ideia are tools of intimacy. de vigilância em um
de opressão enquanto monumento de mármore,
Brinquedos sexuais à de símbolo do modo como a
intimidade. maioria das sociedades
lida com o atual estado de
insegurança. A câmera de
vigilância está assentada
em um pedestal modelado
a partir de uma lamparina
de óleo da Dinastia Yuan,
parte da coleção pessoal
do artista.

Camera with Plinth

2015
Marble
52 × 52 × 120 cm

Following Ai Weiwei’s
81 days under secret
detention, his passport
was confiscated, he was
barred from leaving Beijing
for a year, and he was
told to avoid speaking to
the media.
In addition to those
restrictions, Ai noticed
more than twenty
surveillance cameras
were installed all around
his studio-house in
Caochangdi, Beijing.
Camera with Plinth
monumentalizes in marble
the surveillance camera,
symbolic of the pervasive
nature of surveillance
in most societies today.
The camera sits atop a
pedestal that is modeled
after a Yuan Dynasty
oil lamp of the artist’s
personal collection.

30 31

Pequim: o segundo anel
2005
Vídeo, 77’
Registro das duas vistas
opostas do tráfego das 33
pontes do segundo anel
viário de Pequim. O artista
gravou um take de um
minuto para cada vista
das pontes. Assim, a obra
consiste em 66 segmentos.
Ao contrário de Pequim:
o terceiro anel, filmado
em dias ensolarados,
este foi todo realizado
em dias nublados. As
tomadas são minimalistas,
focando apenas na pura
observação da natureza
do tempo. O filme
mostra os aspectos
históricos da cidade, seu
desenvolvimento moderno,
seus quase 13 milhões de
habitantes, o transporte
coletivo e a realidade
urbana que define Pequim.
32
Beijing: The Second Ring
2005
Video, 77’
Video recorded from the
two opposite views of the
traffic flow of 33 bridges at
Beijing’s Second Ring. The
artist recorded a single
one minute take for each
view of the bridges. The
entire piece is made of
66 segments. As opposed
to Beijing: The Third
Ring, which was entirely
shot on sunny days, the
segments of this film were
shot on cloudy days. Here,
the act of recording is
minimal, focusing on the
pure observation of the
nature of time. The film
documents the historic
aspects of the city, its
modern development, its
nearly 13 million people,
its public transport, and
the urban reality that
defines Beijing.
Bulevar Chang’an
2004
Vídeo, 618’
Registro de vários trechos
do Bulevar Chang’an,
que tem 45 km. A cada
trecho percorrido, o
artista realizou uma
tomada de um minuto.
O filme é composto de
608 segmentos.
Pequim, a capital da
China há mais de 600
anos, foi pioneira numa
orientação arquitetônica
em relação ao tecido
urbano no país. A cidade
é dividida pelo Bulevar
Chang’na em seu eixo
leste-oeste. Depois de
1949, o bulevar e a Praça
Tiananmen se tornaram os
principais marcos culturais
e políticos da China.
O filme registra o
espaço urbano em
constante transformação.
Pequim aparece como um
todo orgânico, em que
são capturados os ritmos,
a estrutura social, a
paisagem, o planejamento
socialista de sua economia,
o mercado capitalista, o
centro de poder político,
os prédios comerciais e as
unidades industriais como
peças de uma colagem
multifacetada.
Chang’an Boulevard
2004
Video, 618’
The film is a record of
Chang’an Boulevard as
a sequence of measured
distances along its 45
kilometers length from
east to west. At each
measured increment, the
artist records a single
frame for one minute. The
whole film is composed of
608 one-minute segments.
Beijing, the capital of
China for over 600 years,
has a prime architectural
orientation and order to its
urban fabric. The structure
of the city is divided in half
by Chang’an Boulevard
along the east-west axis.
After 1949, Chang’an
Boulevard and the heart
of the city, Tiananmen
Square, became China’s
main cultural and political
center and landmark.
The film records the city
through the transformation
of the urban landscape.
The work reveals Beijing
as an organic whole,
capturing the rhythms
of the city, its social
structure, cityscape,
socialist-planned economy,
capitalist market, political
power center, commercial
buildings, and industrial
units as pieces of a multi-
layered urban collage.
Idomeni
2016
Vídeo, 17’ 22’’
O campo temporário de
Idomeni foi um campo de
refugiados. Surgiu depois
que a fronteira entre a
Grécia e a Macedônia
(ARIM) foi fechada,
criando um gargalo ao
longo da chamada rota
balcânica, utilizada por
refugiados para chegar a
outros países da Europa.
Idomeni foi filmado ao
longo de vários meses,
mostrando o dia a dia
dos refugiados até o
momento em que o campo
foi evacuado.
Idomeni
2016
Pequim: o terceiro anel
Video, 17’ 22’’
2005
Vídeo, 142’
The Idomeni Makeshift
Camp was a refugee camp
Documento das duas visões
in Greece. Its development
opostas do fluxo de tráfego
followed the closing
em 55 pontes ao longo
of the Greece-FYROM
do terceiro anel viário de
border, which created a
Pequim. O artista registra,
bottleneck along the so-
em uma única tomada,
called Balkan Route, used
durante um minuto, cada
by refugees to reach the
vista na ponte. A peça
rest of Europe. Idomeni
inteira é composta de 110
was filmed during several
segmentos. Ao contrário
months, capturing the
de Pequim: o segundo
everyday conditions of
anel, que foi filmado
the refugees’ life up to the
inteiramente em dias
moment in which the camp
nublados, os segmentos
was evacuated.
que compõem este filme
foram inteiramente
filmados em dias de sol.
Beijing: The Third Ring
2005
Video, 142’
Video recorded from the
two opposite views of the
traffic flow of 55 bridges
at Beijing’s Third Ring. The
artist recorded a single
one minute take for each
view of the bridges. The
entire piece is made of 110
segments. As opposed to
Beijing: The Second Ring,
which was entirely shot on
cloudy days, the segments
of this film were shot on
sunny days.
33
Pequim 2003 Beijing 2003 Reto
2003 2003 2015
Vídeo, 8623’ Video, 8623’ Vídeo
15’ 4’’
Pequim 2003 é um trabalho Beijing 2003 is a video
em vídeo de Ai Weiwei work by Ai Weiwei about Vídeo do processo
sobre a cidade em que ele the city he lived in for two de produção da
viveu por duas décadas decades and its people. obra Reto, em
e seu povo. Dentre os Participants include que Ai Weiwei
participantes estão os assistants Liang Ye and utiliza vergalhões
assistentes Liang Ye, Yang Yang Zhichao, and driver extraídos de
Zhichao e o motorista Wu. Beginning below destroços de
Wu. Começando sob o the Dabeiyao highway escolas atingidas
entroncamento da rodovia interchange, the vehicle pelo terremoto de
Dabeiyao, o veículo a from which the video 2008 em Sichuan.
partir do qual o vídeo foi was shot traveled along Por meio de um
filmado percorreu todas each and every road processo trabalhoso,
as estradas dentro do within the Fourth Ring que durou um ano,
Quarto Anel Viário de Road of Beijing. Sixteen o artista endireitou
Pequim. Dezesseis dias, days, approximately 2400 cada um desses
aproximadamente 2 400 kilometers and 150 hours vergalhões; juntos,
quilômetros e 150 horas de of footage later, it ended eles pesam 164
filmagem depois, a jornada where it began. toneladas.
terminou onde começou. Through the windshield,
Através do para-brisa, the camera objectively Straight
a câmera gravou recorded all the visual 2015
objetivamente toda a information that appeared Video
informação visual que before the vehicle. It 15’ 4’’
aparecia diante do recorded the mega city
veículo. Ela registrou a of Beijing through a Video of the
megacidade de Pequim single lens, meticulously production process
por intermédio de uma investigating the spatial of Straight, in which
única lente, investigando state of the city’s streets, Ai Weiwei uses steel
meticulosamente a the constant change, the rebars recovered
condição espacial das ruas scenery, movements and from the rubble of
da cidade, a mudança behaviors. The sum of the school buildings
constante, o cenário, entire process became the that collapsed in
os movimentos e os meaning of the work. the 2008 earthquake
comportamentos. A soma in Sichuan. The
de todo o processo resulta artist had every
no significado da obra. piece of mangled
rebar straightened
through a laborious
process that
lasted for one year.
Together the rebars
weight 164 tons.
Laura Poitras
A arte da
dissidência
2015
Vídeo, 9’35”

Laura Poitras
The Art of
Dissent
2015
Video, 9’35”

34 35
 na próxima página
Sementes de girassol
2010
Instalação
Porcelana
Dimensões variáveis
A instalação Sementes
de Girassol consiste em
milhões de sementes de
girassol confeccionadas
artesanalmente em
porcelana, uma a uma. O
trabalho foi realizado na
cidade de Jingdezhen,
ao norte da província
de Jiangxi, uma região
historicamente famosa
por seus fornos e por sua
produção de porcelana
imperial. As sementes de
girassol durante dois anos
foram produzidas por
1 600 artesãos – a maioria
mulheres – em um
ambiente de confecção
caseira bem diferente
do de uma fábrica com
montagem em grande
escala. Cada uma das
sementes, embora
aparentemente idêntica
às outras, é única.
Esta obra amplia
temas recorrentes que se
encontram na produção
de Ai Weiwei nas duas
últimas décadas, incluindo
suas preocupações
com direitos humanos,
autenticidade, o papel do
indivíduo na sociedade
na era da internet e o
desaparecimento da
história cultural e material
chinesa. O trabalho
também remete aos
Sementes Sunflower Seeds
de girassol 2010
2010 Video, 14’ 42’’
Vídeo, 14’ 42”
Video of the
Vídeo sobre a instalação production process
Sementes de girassol, of Sunflower Seeds.
documentando o processo
de produção.
36
cartazes de propaganda
da Revolução Cultural, que
retratavam Mao Tse-Tung
como o sol e os cidadãos
como girassóis, que se
viram em sua direção.
Weiwei disse: “Na época
em que cresci, [o girassol]
era um símbolo habitual
na representação do
Povo, ele acompanha a
trajetória do sol vermelho
assim como as massas
devem se sentir em
relação à sua liderança.
Punhados de sementes
eram levados nos bolsos,
para serem consumidos
em todas as ocasiões,
tanto casuais como
formais. Muito mais do
que um lanche, eram o
ingrediente mínimo que
supria as necessidades e
os desejos mais essenciais.
Suas cascas vazias
eram os traços efêmeros
da atividade social.
O mínimo denominador
comum da satisfação
humana. Eu me pergunto
o que teria acontecido
sem elas”.
Em 2010, o trabalho
estreou em Londres
no Turbine Hall da Tate
Modern, com mais de
cem milhões de sementes
expostas.
on the next page
Sunflower Seeds
2010
Installation
Porcelain
Variable dimensions
Sunflower Seeds consists were carried in pockets,
of millions of individually to be consumed on all
handcrafted porcelain occasions both casual and
sunflower seeds. The work formal. So much more than
was fabricated in the city a snack, it was the minimal
of Jingdezhen, in northern ingredient that fulfilled the
Jiangxi Province, a region most essential needs and
historically famous for its desires. Their empty shells
kilns and the production were the ephemeral traces
of imperial porcelain. The of social activity. The least
sunflower seeds were made common denominator
over a period of two years by of human satisfaction. I
1 600 artisans, mostly women, wonder what would have
in a cottage-industry setting, happened without them.”
rather than a large-scale In 2010, the work
factory. Each individual seed, debuted in London, at Tate
while seemingly identical to Modern’s Turbine Hall, with
the others, is unique. over one hundred million
The installation expands seeds on display.
upon reoccurring themes
present in Ai’s practice
during the last two decades,
including his concerns about
human rights, authenticity,
the individual’s role in society
in the Internet age, and the
disappearance of Chinese
cultural and material history.
The work also brings to mind
the propaganda posters of the
Cultural Revolution, depicting
Mao Zedong as the sun and
the citizens as sunflowers
turning toward him.
Ai said, “[In] the times I grew
up, it was a common symbol
for The People, the sunflower
faces the trajectory of the red
sun, as the masses should do
with their leader. Handfuls
37
38 39

Quebra-cabeça da
liberdade de expressão
2015
Porcelana
51 × 41 × 0,8 cm
Trabalho composto de
32 peças de porcelana, que
se unem para formar o mapa
da China.
Nos últimos vinte anos,
Ai Weiwei produziu numerosas
obras representando mapas,
realizadas com materiais
diversos, como madeira
recuperada de templos
demolidos, latas de leite em
pó e algodão.
Este trabalho foi inspirado
em pingentes tradicionais,
normalmente produzidos
em materiais como madeira,
porcelana e jade, nos quais
o sobrenome da família de
quem o carrega está inscrito,
funcionando como símbolo
de status e amuleto da sorte.
Aqui, Ai substitui o sobrenome
familiar pelo slogan “Freedom
of Speech” [liberdade de
expressão], o que reforça sua
posição contrária à censura.
40
Free Speech Puzzle
2015
Porcelain
51 × 41 × 0.8 cm
Free Speech Puzzle is
composed of 32 porcelain
pieces, which unite to form the
map of China.
In the past 20 years,
Ai Weiwei has produced
numerous works representing
maps, using a wide variety of
materials, such as reclaimed
wood from demolished
temples, milk powder cans,
and cotton.
This work is inspired by
traditional pendants, usually
made of materials such as
wood, porcelain or jade. These
pendants usually carry the last
name of a family, working as
a symbol of high status and
as an amulet for luck. Here,
Ai replaces the family name
with the slogan “Freedom of
Speech,” which appears on
every piece, reinforcing his
stand against censorship.
He Xie
2011 2011
1 000 caranguejos 1 000 porcelain crabs
em porcelana 5 × 10 × 25 cm each
5 × 10 × 25 cm cada
He Xie é composta por
1 000 caranguejos de
porcelana. “He xie” é “river crab,” a delicacy in
literalmente “caranguejo
de água doce”, uma
iguaria na China. A obra
celebra o irônico
banquete que o artista
organizou quando as
autoridades chinesas
ordenaram a demolição
de seu ateliê em Xangai,
em 2010. Centenas de
apoiadores participaram
do evento, contudo Ai,
em prisão domiciliar, não
pôde comparecer à sua
própria festa.
Segundo Ai: “Em
diferentes dinastias,
esculturas de caranguejo
eram feitas em jade,
bambu e ônix. Quando
a Gangue dos Quatro foi
presa, em 1976, muitos
artistas pintaram
caranguejos para
celebrar”.
“He xie” também soa
como a palavra em
chinês para “harmonia”,
a desculpa que as
autoridades chinesas
usam para justificar a
necessidade da censura.
Os cidadãos chineses,
por sua vez, utilizam a
expressão como uma gíria
para contornar a censura,
especialmente na internet.
He Xie
He Xie consists of 1 000
individual crabs crafted in
porcelain. “He xie” means
China. This work celebrates
the ironic banquet the
artist organized when the
Chinese authorities gave
demolition orders for his
newly constructed studio
in Shanghai in 2010. Even
as hundreds of friends and
supporters congregated at
the studio in Shanghai, Ai
was placed under house
arrest and prevented from
attending his own party.
According to Ai, “In
different dynasties, people
used to make sculptures of
crabs using jade, bamboo
or onyx. When the Gang of
Four was arrested, in 1976,
many artists did paintings
of crabs to celebrate.”
The words “he xie”
also sounds similar
to the Chinese word
for “harmony,” bringing
to mind the Chinese
authorities excuse for
censorship as necessary
for a “harmonious society.”
Chinese citizens, especially
those on the Internet, use
the expression as a slang
to circumvent online
censors.
41
42 43
258 Fake
2011
7 682 imagens [2003–2011]
e 12 monitores
53,2 × 91,97 × 10,3 cm
cada monitor

A tensão entre fato e ficção,

inerente à fotografia digital do
século XXI, está no cerne de
258 Fake. A instalação reúne
12 monitores que exibem 7 682
fotografias digitais em um
arranjo temático. Os visitantes
são confrontados com uma
sucessão de snapshots: o
artista cortando o cabelo de
um sujeito com uma tigela, um
gato de olhos bem abertos, um
prato de comida, destroços
do terremoto de 2008 que
devastou Sichuan. A rapidez da
rotação das imagens − quatro
segundos para cada − reflete a
instantaneidade e a efemeridade
das experiências no mundo da
fotografia digital e das redes
sociais. Ai criou as imagens
entre 2003 e 2011 e as publicou
em seu blog, fechado pelas
autoridades chinesas em 2009,
e nas redes sociais.

258 Fake
2011
7 682 images [2003–2011]
and 12 monitors
53,2 × 91,97 × 10,3 cm
each monitor

The tension between fact

and fiction, inherent to the
21st-century digital photography,
is at the heart of this work.
The installation consists of 12
monitors that display 7 682
photographs. Viewers are
confronted with an array of
snapshots: the artist giving
another man a bowl cut (using
an actual bowl), a wide-eyed
cat, a plate of food, rubble from
Sichuan’s 2008 earthquake. The
quick rotation of images—each
monitor changes every four
seconds—reflects both the
immediacy and the transience of
experiences in the age of digital
photography and social media.
Ai created the images between
2003 and 2011 and originally
published them on his blog, shut
down by the Chinese authorities
in 2009, and social media.

44 45
46 47
na página anterior
Bicicletas Forever Forever Bicycles
2015 2015
Bicicletas de aço Stainless steel bicycles
inoxidável Variable dimensions
Dimensões variáveis
A monumental instalação
Bicicletas Forever é
composta por mais de
mil bicicletas de aço
inoxidável. Como a roda
de bicicleta de Duchamp,
Ai Weiwei usa esse
objeto familiar como um
readymade.
Para o artista, que
passou sua infância
no exílio com seu pai
no deserto de Gobi, a
bicicleta representava
liberdade pessoal.
Naquela época, ter
uma bicicleta era um
luxo. Quando ensinava
arquitetura, Ai Weiwei
usava a bicicleta para
ensinar seus alunos como
eles poderiam construir
com materiais diferentes
dos comuns, como tijolos e “Forever” brand of bicycles,
concreto.
O nome do trabalho
vem da marca “Forever”
de bicicletas, produzida
desde a década de
1940. As bicicletas eram
onipresentes nas estradas
chinesas antes que
carros e outros veículos
motorizados se tornassem
amplamente acessíveis.
Bicicletas Forever foi
montada em exposições
em todo o mundo, de
Melbourne a Toronto e
Londres. Cada instalação
é única.
48
on the previous page
Forever Bicycles is a
monumental installation
composed of over a
thousand stainless steel
bicycles. Like Duchamp’s
Bicycle Wheel, Ai uses
the familiar object as a
readymade.
For Ai, who spent his
childhood in exile with his
father in the Gobi Desert,
the bicycle represented
personal freedom. Back
then, to have a bicycle was
a luxury.
When he taught
architecture, Ai used
the bicycle to teach his
students how they could
build with materials
different than bricks and
concrete.
The name of this
work comes from the
produced since the 1940s.
Bicycles were ubiquitous
on Chinese roads before
cars and other motor
vehicles became widely
accessible.
Forever Bicycles
has been installed in
exhibitions all over the
world, from Melbourne to
Toronto to London. Each
installation is unique.
Uvas
2014
32 bancos de madeira da
Dinastia Qing [1644–1911]
213 × 228 × 185 cm
Uvas é uma obra que consiste
em 32 bancos da Dinastia
Qing unidos por meio de
técnicas tradicionais de
marcenaria chinesa. A obra
remonta a meados dos anos
1990, quando Ai Weiwei iniciou
uma série de obras com
móveis que subvertia seus
usos originais.
Considerados resquícios
da Velha Cultura, muitos
templos e antiguidades
foram destruídos durante
a Revolução Cultural
(1966– 1976). Nesta série de
obras, Ai transforma móveis
da época (como mesas,
bancos, pilares e portas) em
objetos "inúteis", sem alterar
a pátina original nem utilizar
prego ou cola. O artista disse
que “não queria fazer nada
novo. Queria usar o antigo em
sua lógica própria”.
Grapes
2014
32 stools made of wood from
the Qing Dynasty [1644–1911]
213 × 228 × 185 cm
Grapes is a work consisting
of 32 stools from the Qing
Dynasty joined together
using traditional Chinese
woodworking techniques.
The work traces its roots
back to the mid-1990s when
Ai Weiwei began a series of
furniture works that sought to
subvert the objects’ usefulness.
During the Chinese Cultural
Revolution (1966–1976), temples
and antiquities, considered
part of the Old Culture, were
destroyed. In this series of
works, Ai Weiwei reconfigures
furniture (such as stools, tables,
benches, pillars and doors)
into “useless” objects, without
altering the original patina or
using any nails or glue.
Ai said, “I did not want to do
anything new. I wanted to use
something old in its own logic.”
49
 Restos Remains
2015 2015
Porcelana, set de 13 peças 13 porcelain pieces
Dimensões variáveis Variable dimensions

Em 1958, o pai de In 1958, Ai Weiwei’s father

Ai Weiwei, Ai Qing – o
poeta modernista mais
renomado da China – foi
acusado de “direitista” e
exilado no noroeste do
país, na província Xinjiang.
Durante esse período, e
especialmente durante
a Revolução Cultural,
inúmeros intelectuais
morreram no exílio,
executando trabalhos
forçados.
Restos é uma obra feita
em porcelana, que replica
um conjunto de ossos
recuperado de um dos
campos de trabalho dos
anos 1950.
Ai Qing, China’s most
renowned modernist poet,
was accused of being
a “Rightist” and exiled to
the northwest of China in
Xinjiang Province. During
this period, and especially
later during the Cultural
Revolution initiated by
Mao Zedong, countless
intellectuals died from the
conditions of exile and
forced labor.
Remains is a work in
porcelain that replicates
a set of bones recovered
from a labor camp
operated in the 1950s.

Taifeng Taifeng
2015 2015
Bambu e seda Bamboo and silk
167 × 86 × 200 cm 167 × 86 × 200 cm

A partir de 2013, Ai Weiwei
começou a criar obras
usando a linguagem das
tradicionais pipas chinesas.
Seus primeiros trabalhos
em bambu e seda foram
exibidos na Ilha de
Alcatraz, em São Francisco,
em 2014. Esses trabalhos
foram concebidos em
Weifang, província de
Shandong, onde há
uma vasta tradição na
manufatura de pipas.
Weiwei criou uma série
de trabalhos inspirados
na obra Shanhaijing, ou
Clássicos de montanhas
e mares, que mantiveram
o uso das tradicionais
técnicas de fazer pipas.
O texto clássico remonta
ao século IV a.C., e foi
um importante registro
da mitologia, geografia,
cultura e estrutura social Beginning in 2013, Ai geography, culture, and
daquela época. As Weiwei began creating the societal structure of
criaturas mitológicas works using the language the time. The mythological
retratadas em Shanhaijing of traditional Chinese creatures depicted in the
refletiam tanto a kites. His first works in Shanhaijing reflects the
imaginação das pessoas the medium of bamboo imagination of the people
quanto a linguagem and silk were exhibited and the language used
utilizada para comunicar at Alcatraz Island in San to communicate ideas
ideias que ultrapassavam Francisco in 2014. These larger than their own
a capacidade de works were created in understanding.
compreensão. Weifang, Shandong While most traditional
Enquanto a maioria Province, where there is kites are two-dimensional
das pipas tradicionais a long tradition of kite- and intended for flight, Ai
são bidimensionais e making. pushed the craftsmen to
destinadas ao voo, o Ai created a series a explore the outer bounds
artista chinês incitou os works inspired by the of what was possible with
artesãos a explorarem as Shanhaijing, or the these familiar materials.
fronteiras daquilo que era Classic of Mountains and The works took on greater
possível fazer com aqueles Seas, which continued scale, more elaborate
materiais familiares. As to use traditional kite- designs, and three-
obras assumiram maior making techniques. The dimensional shape.
escala, desenhos mais classic text dates back
elaborados e formato to the 4th century BC
tridimensional. and was an important
record of mythology,

50 51
Lei da viagem
(Protótipo B)
2016
PVC reforçado
1 bote, 51 figuras
3 × 1 6 × 5,6 m
Depois que as autoridades
chinesas devolveram seu
passaporte, em 2015, Ai
Weiwei se mudou para
Berlim. Viver na Alemanha
aproximou-o da maior
questão humanitária que o
mundo enfrenta hoje.
Em razão de fatores
políticos e sociais –
incluindo guerras,
conflitos religiosos, crises
econômicas e ambientais
–, muitas pessoas, de
diferentes regiões do
mundo (incluindo Síria,
Afeganistão e Iraque),
buscaram segurança
e oportunidades na
Europa. Em 2015, mais de
um milhão de refugiados
entrou na Europa.
Em dezembro de 2015,
o artista foi para a ilha
grega de Lesbos, uma das
principais entradas para
a União Europeia, na qual
centenas de pessoas se
lançavam, a cada dia,
numa perigosa jornada
marítima. Ai Weiwei
testemunhou os barcos
de refugiados chegando
à costa, e tais cenas o
estimularam a se envolver
ainda mais com a questão.
Ele decidiu produzir um
documentário, viajar para
23 países e 40 campos de
refugiados, realizando
mais de 600 entrevistas
e filmando mais de
1 000 horas. Isso tudo
culminou no documentário
Fluxo humano (2017).
Paralelamente à pesquisa
e à filmagem contínua,
foram criadas novas
obras de arte. Lei da
Viagem (Protótipo B) é
um barco inflável de 60
metros de comprimento
com centenas de figuras
humanas feitas de PVC
reforçado. O trabalho
monumental espelhou,
em tempo real, a crise
humanitária.
52
Law of the Journey
(Prototype B)
2016
Reinforced PVC
1 boat, 51 figures
3 × 1 6 × 5.6 m
After the Chinese
authorities returned his
passport in 2015, Ai Weiwei
relocated to Berlin. Living
in Germany brought Ai
much closer to the greatest
humanitarian issue of the
world today.
Due to political
and social factors—
including war, religious
conflict, economic
and environmental
crises—many people
from different regions
of the world, including
Syria, Afghanistan, and
Iraq, sought safety and
opportunities in Europe.
In 2015, over one million
refugees entered Europe.
In December 2015, Ai
went to the Greek isle of
Lesvos. The island was
one of the main entryways
into the EU and hundreds
attempted the dangerous
sea journey each day. Ai
witnessed the refugee
boats coming in to the
shore and those scenes
compelled him to become
more involved.
Ai decided to produce
a documentary film. He
traveled to 23 countries
and 40 refugee camps,
conducting over 600
interviews and filming
over 1 000 hours of footage.
This culminated in Ai’s
documentary feature
Human Flow (2017). Parallel
to the ongoing research
and filming there was the
creation of new art works.
Law of the Journey is a
60 meter long inflatable
boat with hundreds of
human-like figures crafted
in reinforced PVC. The
monumental work mirrored
the humanitarian crisis
that was occurring in
real time.
53
Panda a panda
2015
Animal de pelúcia, material
impresso e cartão SD
45 × 25 × 20 cm
Criada por Ai Weiwei em
conjunto com o hacker Jacob
Appelbaum. Trata-se de uma
série de vinte pandas de
pelúcia com os documentos
confidenciais vazados por
Edward Snowden picotados
em seu interior. Dentro de
cada panda há ainda um
dispositivo USB com um
cartão de memória micro-SD
que contém o backup desses
documentos confidenciais.
Em chinês, o termo para
“panda” soa similar ao termo
para “polícia secreta”. O título
de Panda a panda também
alude a Peer to Peer (P2P),
um meio de comunicação
digital descentralizado e uma
espécie de filosofia igualitária
para o modo como as pessoas
interagem na rede.
O projeto foi documentado
pela artista e diretora de
cinema Laura Poitras para seu
filme The Art of Dissent [a arte
da dissidência] (2015).
54
Panda to Panda
2015
Stuffed toy, printed
matter and SD drive
45 × 25 × 20 cm
Ai Weiwei created Panda to
Panda alongside the hacker
Jacob Appelbaum. The work
consists of a set of twenty
plush panda toys stuffed
with shredded copies of the
confidential documents leaked
by the whistleblower Edward
Snowden. Inside each panda is
also a USB stick with a micro-
SD memory card containing
a backup of the confidential
documents.
In Chinese, the word for
“panda” sounds similar to
“secret police.” Panda to Panda
also references Peer to Peer
(P2P), a decentralized digital
communication method and
an egalitarian philosophy
of human interaction on
the Internet.
The project was documented
by the artist and filmmaker
Laura Poitras in her film The Art
of Dissent (2015).
Deixando cair uma Dropping a
urna da Dinastia Han Han Dynasty Urn
2016 2016
Tríptico Triptych
Peças de Lego Lego bricks
240 × 200 × 3 cm cada 240 × 200 × 3 cm each
Em 1995, Ai Weiwei In 1995, Ai Weiwei
derrubou deliberadamente deliberately dropped a
uma urna da Dinastia Han Dynasty (206 BC–220
Han (206 a.C.-220 d.C.), AD) urn, capturing the
capturando a ação em três action in three frames. An
fotos. Um ato que lembra act recalling the reckless
a destruição imprudente destruction of traditional
das relíquias tradicionais relics during the years of
durante a Revolução the Cultural Revolution
Cultural (1966-1976). (1966–1976).
Duas décadas depois, Two decades later,
o artista recriou as três the artist recreated the
imagens, usando peças three images using LEGO
de LEGO. Ele usa esse bricks. Ai uses the medium
material desde 2007, since 2007, but he has
mas recentemente foi recently been drawn to
atraído para o efeito the democratizing effect
democratizante dessas of the building blocks in
peças para a construção image-making.
de imagens.
55
 Braço de bronze
2000
Bronze
70 × 35 × 22 cm
Começando com a série
de fotografias Estudo
de Perspectiva (1995–
presente), em que Ai
Weiwei mostra o dedo a
lugares de poder cultural e
político, o gesto se tornou
sinônimo da prática do
artista.
Braço de Bronze é
uma escultura em bronze
fundido do conhecido
gesto. Este material tem
uma longa história de
uso na representação da
figura humana, e a peça
continua essa tradição e
imortaliza a expressão da
atitude de um indivíduo.
56
Bronze Arm
2000
Bronze
70 × 35 × 22 cm
Beginning with the Study of
Perspective (1995–present)
series of photographs, in
which Ai Weiwei gives the
finger to sites of cultural
and political power, the
expression has become
synonymous with the
artist’s practice.
Bronze Arm is a bronze
sculpture of the well known
gesture. The medium has
a long history of being
used to represent the
human figure. Bronze
Arm continues this
tradition and immortalizes
the expression of an
individual’s attitude.
Dumbass
2013
Vídeo, 5’ 21”
Dumbass é um videoclipe
de heavy metal sobre
os 81 dias que Ai Weiwei
passou em cárcere secreto
após ser preso pelas
autoridades chinesas
em 2011. O videoclipe do
single, intitulado Dumbass,
mistura o humor seco
característico do artista,
comentários sociais e a
irônica automitologia.
O vídeo mostra os 81
dias que Ai Weiwei passou
na prisão, enquanto era
vigiado por dois policiais
que o observavam comer,
dormir e até mesmo
defecar. Ele também
mostra o artista tendo
sua cabeça raspada e
em drag. Uma diatribe
repleta de palavrões, a
letra da música descreve
a China como “um país
que se oferece como uma
prostituta”.
A música foi escrita
por Ai Weiwei e o artista-
músico chinês Zuoxiao
Zuzhou, e fez parte de seu
álbum The Divine Comedy.
O vídeo, estrelado
pelo artista chinês, foi
filmado pelo renomado
cinematógrafo de Hong
Kong Christopher Doyle.
Dumbass
2013
Video, 5’ 21”
Dumbass is a heavy-metal
music video about the
81 days Ai Weiwei spent
in secret detention after
being arrested by Chinese
authorities in 2011. The
music video for the single,
titled Dumbass, features
the artist's trademark
mix of dry humor, social
commentary and wry self-
mythology.
The video depicts the
81 days Ai spent in prison
as he was guarded by
two officers who watched
him eat, sleep and even
defecate. It also shows
the artist having his head
shaved and in drag. An
expletive-laden diatribe,
the song lyrics describe
China as "a country that
puts out like a hooker."
The song was written by
Ai and Chinese musician-
artist Zuoxiao Zuzhou
and was a part of Ai's
album, The Divine Comedy.
The video, which stars
the Chinese artist, was
shot by renowned Hong
Kong cinematographer
Christopher Doyle.
57
Mapa da China
2015
Madeira
200 × 140 × 61 cm
Trabalho feito com madeira
recuperada de templos
destruídos da Dinastia Qing
(1644–1911). As peças foram
unidas umas às outras
com o uso de técnicas
tradicionais de marcenaria,
sem uso de pregos ou cola.
A obra remete à ideia
de que a China é um
patchwork de fragmentos
do seu passado. O uso de
madeira recuperada da
época da Dinastia Qing
se relaciona com o rápido
desenvolvimento chinês
na atualidade, com a
destruição de relíquias
e locais de importância
cultural. A configuração
desse quebra-cabeça pode
ser entendida como um
símbolo da diversidade
cultural e étnica da China.
O mapa de Ai Weiwei
desafia nossa capacidade
de imaginar como um
Estado tão complexo se
formou, e como sobrevive
há tanto tempo.
58
Map of China
2015
Wood
200 × 140 × 61 cm
Map of China is composed
of pieces of wood
recovered from destroyed
temples of the Qing
Dynasty (1644–1911). The
work is assembled using
traditional woodworking
techniques that do not
require nails or glue.
The work is a poignant
statement about modern
China being a patchwork
of fragments of its past.
The use of recovered wood
dating back to the Qing
Dynasty also speaks to the
rapid modernization and
development that is taking
place in China, as well as
the destruction of cultural
relics and sites. The puzzle-
like configuration of the
pieces can also be seen as
a symbol of China’s diverse
cultural and ethnic makeup.
Ai Weiwei’s map challenges
our ability to imagine how a
state as complex as China
is formed and whether it
can be maintained.
59

Prato de porcelana
azul e branco
(A viagem)
2017
Porcelana
52 × 8,5 cm
Ai Weiwei reflete sobre
a natureza cíclica da
história em uma série
de pratos e vasos de
porcelana. Esta obra
traça um paralelo entre a
viagem de Ulisses e a atual
crise de refugiados. Como
em Vasos empilhados
com motivo de refugiados,
o contexto histórico se
revela na linguagem da
porcelana azul e branca
e nas referências aos
primeiros trabalhos de
gravura e murais da Grécia
e do Egito. O aspecto
contemporâneo da obra
está nos detalhes, nos
desenhos inspirados em
imagens da internet e nas
experiências que o artista
teve enquanto filmava seu
primeiro documentário,
Fluxo humano.
60
Blue-and-White
Porcelain Plate
(The Journey)
2017
Porcelain
52 × 8.5 cm
Ai Weiwei reflects on
history’s cyclical nature
in a series of porcelain
plates and vases. This work
draws a parallel between
Odysseus’ journey and
today’s global refugee
crisis. Like in Vases with a
Refugee Motif as a Pillar,
the historical context is
revealed in the language
of blue and white porcelain
and in references to the
early carvings and wall
paintings from Greece and
Egypt. The contemporary
aspect of the work is in its
details, in the drawings
inspired by images found
on the Internet and in the
experiences the artist
had while filming his first
documentary, Human Flow.
Vasos empillhados com
motivo de refugiados
2017
Porcelana
312 × 50,5 × 27 cm
Esta obra consiste em
seis vasos de porcelana
qinghua (azul e branca)
empilhados. Ai Weiwei
estabeleceu um
tema relacionado às
experiências de refugiados
para cada um dos vasos:
guerra, ruínas, viagem,
travessia marítima,
campos de refugiados
ou manifestações. Esses
temas sintetizam os
vários traumas de ser um
refugiado hoje.
Vases with a Refugee
Motif as a Pilar
2017
Porcelain
312 × 50.5 × 27 cm
Vases with a Refugee
Motif as a Pillar consists
of six stacked qinghua
(blue and white) porcelain
vases. Ai Weiwei
established six themes
related to the refugee
experience: War, Ruins,
the Journey, Crossing the
Sea, Refugee Camps, and
Demonstrations. These
themes depict the various
traumas defining the
refugee experience today.
61
 Máscara Mask
2013 2013
Mármore Marble
80 × 80 × 30 cm 80 × 80 × 30 cm

A profusão de fabricação The profusion of

e consumo, juntamente manufacturing and
com políticas e consumption, together
regulamentações with unbalanced policies
desequilibradas, and regulations, have
criaram a agora infame created the now infamous
poluição na China, com smog across China, with
níveis de qualidade air quality levels regularly
do ar frequentemente exceeding acceptable
excedendo os padrões standards for health and
aceitáveis de saúde e survival. Carved from a
sobrevivência. Esculpida single block of marble,
em um único bloco de Mask depicts a personal
mármore, Máscara retrata air-filtering mask atop a
uma máscara pessoal de tombstone.
filtragem de ar em cima de
Pneu Tyre uma lápide.
2016 2016
Mármore Marble
80 × 75 × 35 cm 80 × 75 × 35 cm

Um salva-vidas é um A life preserver is a

suporte flutuante buoyant support intended
destinado a manter uma to keep a person afloat
pessoa à tona durante during emergencies. It is
emergências. É um símbolo a symbol of survival and,
de sobrevivência e, therefore, life.
portanto, de vida. When Ai Weiwei visited
Quando Ai Weiwei the island of Lesvos in
visitou a ilha de Lesbos, 2015, he saw the shoreline
em 2015, viu a costa littered with the life jackets
repleta de coletes salva- and buoys used by the
vidas e boias usados pelos refugees attempting to
refugiados que tentavam reach Europe by sea. Over
chegar à Europa por a million people sought
via marítima. Mais de safety and shelter in
um milhão de pessoas Europe in 2015, and over
buscaram segurança e three thousand people
abrigo na Europa em 2015, drowning.
e as que se afogaram Tyre is a monument
ultrapassaram três mil. to the lost carved from
Pneu é um monumento marble. It memorializes
ao entalhe perdido do those who risked
mármore. Ele faz uma everything to seek a better
homenagem aqueles que life for their families and
arriscaram tudo para loved ones, as well as a
buscar uma vida melhor stark reminder of the cold
para suas famílias e seus reactions many people
entes queridos, bem como and nations have taken
um lembrete sombrio das toward the ongoing crisis.
reações frias que muitas
pessoas e nações tiveram
em relação à crise em
curso.

62 63
 Calais Calais
2018 2018
Vídeo, 18’41” Video, 18’ 41”

Desde o final da déca- Since the late 1990s,

da de 1990, imigrantes
montam acampamentos
improvisados perto da
cidade portuária francesa
de Calais, na tentativa
de chegar ao Reino Unido.
Os acampamentos impro-
visados passaram a ser
conhecidos como a “selva”.
No início de 2015, duran-
te o pico da crise migrató-
ria na Europa, a população
dos campos cresceu,
ultrapassando seis mil
pessoas. O acampamento
foi desativado em 25 de
outubro de 2016.
Calais foi filmada du-
rante vários meses como
parte do documentário de
Ai Weiwei sobre a crise dos
refugiados, Human Flow
(2017).
migrants had been setting
up makeshift camps near
the French port city of
Calais in an attempt to
reach the United Kingdom.
The makeshift camps
came to be known as the
“Jungle.”
In early 2015, during
the peak of the European
migration crisis, the
population of the camps
grew to over 6 000 people.
The camp was demolished
on October 25, 2016.
Calais was filmed for
several months as part of
Ai Weiwei’s documentary
on the refugee crisis,
Human Flow (2017).

5 910 fotos relacionadas 5 910 Photographs

a refugiados, Relating to Refugees,
1.12.2016–9.8.2017 12.1.2016–8.9.2017
2016–2017 2016–2017
Papel de parede Wallpaper

Este papel de parede This wallpaper consists of a

consiste na seleção de
fotografias – entre mais de
17 mil imagens – feitas por
Ai Weiwei em seu iPhone
no decorrer das filmagens
de seu documentário,
Human Flow (2017). Durante
o processo de registro,
o artista e sua equipe
viajaram para 23 países e
40 campos de refugiados,
enquanto realizavam
mais de 600 entrevistas e
gravavam mais de 1 000
horas de filmagem.
selection of photographs—
from a total of more than
17 000 images—taken by
Ai Weiwei on his iPhone
during the filming of Ai’s
documentary feature,
Human Flow (2017). While
filming, Ai and his team
travelled to 23 countries
and 40 refugee camps,
while conducting over 600
interviews and recording
over 1 000 hours of footage.

64 65
66 67
Ai Weiwei com Ai Weiwei with his
seu pai, Ai Qing father, Ai Qing
Pequim, 1958 Beijing, 1958
INTERVIEW
WITH AI WEIWEI
AUGUST 2017
[Marcello Dantas] So Weiwei,
let’s go back to the beginning.
What are your earliest memories
of China before the Cultural
Revolution?
[Ai Weiwei] I was born in 1957.
The year I was born, my father
was purged as a “rightist.”
There were about 300 000 other
intellectuals also punished—often
compelled to hard labor—and
they were all accused of being
‘rightists.’ Mao Zedong wanted
to get rid of all the intellectuals,
individuals with different
opinions. Totalitarians could
not tolerate dissent. The year I
was born, 1957, was eight years
after the establishment of the
People’s Republic of China. My
father was sent to the northeast
in the first year, near the border
with North Korea. Later, he was
68
ENTREVISTA
COM AI WEIWEI
AGOSTO DE 2017
[Marcello Dantas] Então, Weiwei, remontemos
aos começos. Quais são suas lembranças mais
remotas da China antes da Revolução Cultural?
[Ai Weiwei] Nasci em 1957. Nesse ano, meu pai
foi expurgado como “direitista”. Cerca de 300
mil outros intelectuais, todos acusados de
serem “direitistas”, também foram castigados –
em geral enviados a campos de trabalhos
forçados. Mao Tse-Tung queria se livrar de
todos os intelectuais, de todas as pessoas
com opiniões diferentes. Os totalitários não
podiam tolerar a dissidência. Em 1957, quando
nasci, haviam passado oito anos desde o
estabelecimento da República Popular da
China. Meu pai foi enviado ao nordeste no
primeiro ano, perto da fronteira com a Coreia.
Mais tarde, foi exilado na província de Xinjiang,
no noroeste da China.
Eu vivia com ele no campo de trabalho.
Sua situação não era tão ruim, porque havia
um general que o protegia. Aquela zona estava
sob a proteção dele. Mas, quando teve início a
Revolução Cultural, ninguém mais ficou seguro,
nem mesmo esse general. Meu pai foi enviado
a uma aldeia bem distante. Foi submetido a
trabalhos forçados, a limpar sanitários públicos,
latrinas muito primitivas, sem água nem
papel higiênico.
Foi um período muito difícil, os anos da
Grande Fome na China. A maioria das famílias
69
Pablo Neruda Pablo Neruda
e Ai Qing and Ai Qing
Chile Chile
1954 1954
exiled to the Xinjiang Province, in
northwest China.
I lived with him in the camp.
His situation wasn’t that bad
because there was this one
general who protected him. Those
areas were under his protection.
However, when the Cultural
Revolution began, everybody
was jeopardized, including that
general. My father was sent to
a very remote village. He was
compelled to hard labor—having
to clean public toilets. Those
toilets were of a very primitive
type, with no water or toilet paper.
Those were the years of the
Great Famine in China. Very
difficult years. Most families were
broken; nobody wanted to live
under those conditions. But my
mother was a very courageous
woman and she spent all that time
with my father in exile. At that
time, I had just been born. I began
attending school when I was six
or seven years old, close to when
the Cultural Revolution started.
School stopped for a while. We
were sent to rural farming areas
and workshops. We were learning
from farmers and workers.
I can see the importance of the
father-son relationship to you.
Both in the direction of your
father and in the direction of your
son. What is fatherhood to you?
Since my father was in such a
depressed condition, we did
not have much of a relationship.
I could not even remember him
holding me once until I came
70
se desfez; ninguém queria viver naquelas
condições. Mas minha mãe foi muito corajosa,
ficou todos aqueles anos do exílio ao lado
do meu pai. Na época eu era recém-nascido.
Comecei a ir à escola aos seis ou sete anos, mais
ou menos, na época da Revolução Cultural,
mas ela ficou fechada por um tempo. Fomos
enviados às zonas rurais e às oficinas, para
aprender com os agricultores e os trabalhadores.
Vejo a importância para você da relação
pai-filho. Tanto na relação com seu pai, quanto
na relação com seu filho. O que é a paternidade
para você?
Como meu pai estava numa situação muito
deprimente, não tínhamos muita relação. Não me
lembrava de ele me segurar no colo até que dei
com uma fotografia dele fazendo isso. Parecia
sempre estar muito preocupado, e sob muita
pressão, por ser rotulado como inimigo do Estado.
Quando fui preso em 2011, tentei lembrar de
tudo que tinha acontecido comigo – da primeira
à mais recente lembrança – porque eu não
tinha mais nada a fazer. Repassei minha vida
inteira, tudo. Esse processo durou cerca de uma
semana, depois não tive mais em que pensar...
Mas cheguei à conclusão de que não sabia nada
sobre meu pai. Tínhamos passado mais de vinte
anos juntos e nunca lhe fiz nenhuma pergunta.
Eu via seu comportamento, mas não sabia o que
de fato se passava com ele, o que se passava
na cabeça dele ou quais eram suas emoções.
Era um homem maravilhoso que adorava
poesia. Sempre falava de poesia e gostava
de recitar poemas de memória, mas nunca
falava do que havia sofrido. Me arrependo de
não tê-lo interrogado mais. Depois de ter sido
subitamente solto, comecei a passar muito mais
tempo com meu filho porque não quero que ele
tenha a mesma experiência. E também queria
saber tudo o que tinha acontecido com meu pai.
Comecei a investigar por toda parte: procurei
todas as pessoas que tinham escrito sobre ele,
todas as pessoas que ele conhecia e os lugares
que tinha visitado. Por que ele veio à América do
Sul? Por que foi ao Chile? Estas são as perguntas
que tenho na minha cabeça.
E por que seu pai foi ao Chile?
Ele foi em 1954, logo depois do estabelecimento
de República Popular da China. Na época,
poucos países reconheciam o novo regime. Ele
demorou mais de um mês para ir da China ao
Chile. Era um encontro de poetas e escritores
socialistas de diferentes países. Era também o
aniversário de cinquenta anos de Pablo Neruda.
Foi ao Chile com uma delegação oficial, era um
grande acontecimento.
Neruda era um símbolo para os povos do
terceiro-mundo, mesmo antes de receber o
Prêmio Nobel. Foi uma grande decisão da China
enviar a delegação. Estavam procurando um
meio de usar as relações culturais para construir
uma espécie de ponte com a América do Sul
contra o imperialismo.
Falemos da sua prisão. Como eram seus dias lá?
Você tinha contato com alguém?
Fui detido no Aeroporto Internacional de
Pequim-Capital em 3 de abril de 2011. Sabia que
cedo ou tarde isso acabaria acontecendo, mas
não sabia quando, nem onde ou como. Vivia
em Pequim e escrevia abertamente em meu
blog sobre todo tipo de assunto; nunca tive
um segredo, era uma discussão pública. Eles
podiam ter me arrancado de casa a qualquer
momento, mas não o fizeram. Detiveram-me
quando eu estava passando pela alfândega;
puseram um capuz preto na minha cabeça e
me transportaram a um lugar secreto. Durante
minha detenção, interrogaram-me mais de
cinquenta vezes sobre minhas atividades
políticas e sociais. Liam os posts de meu blog
para mim e me perguntavam se o que eu tinha
escrito era subversão contra o poder do Estado.
Meus textos eram bastante duros; eu dizia que
71

across a photograph of him doing
so. He seemed to be in such
a deep trouble—under such a
tremendous pressure—as he was
labeled an enemy of the state.
When I was arrested and
placed in detention, I tried to
memorize everything that had
happened to me—from the first
memory to the last—because I
had nothing else to do. I revisited
my whole life, everything. This
exercise lasted about a week and
then I had nothing to think about.
But I came to the conclusion that
I knew nothing about my father.
Even though we had spent over 20
years together, I never asked him a
single question. I saw his behavior
but I did not know what was really
happening to him, what was on
72
his mind, or what his emotions
were. He was a wonderful man
and he loved poetry. He always
talked about poetry and enjoyed
showing off his memory, but
nothing about how he suffered.
I regret never interviewing him.
After I was suddenly released from
detention, I began to spend much
more time with my son because
I did not want him to have the
same experience. I also wanted to
know everything that happened
to my father. I conducted all kinds
of research: I looked into all the
people who wrote about him,
all the people he knew and the
places he had visited. Why did he
come to South America? Why did
he come to Chile? These are the
questions on my mind.
Why did he come to Chile?
He came in 1954 after the
People’s Republic of China was
established. Not many nations
recognized China at that time. It
took him over a month to get to
Chile from China. The event was
a gathering of socialist poets and
writers from different nations. It
was also Pablo Neruda’s 50th
birthday. He came with an official
delegation so it was a big deal.
Neruda was symbolic for
people living in third world
nations even before he was
awarded the Nobel Prize. China
made a big decision to come.
They were looking for a way to
use cultural relations to build
a bridge with South America
against imperialism.
Restaurante no Lower East Side
Lower East Side Restaurant
1988 1988
Da série From the New
Fotografias York Photographs
de Nova York series [1983–1993]
[1983–1993] Ai Weiwei sits next
Ai Weiwei aparece to writer Allen
ao lado do escritor Ginsberg
Allen Ginsberg
Let’s talk about prison. What were
your days like there? Did you have
any contact with anyone?
I was arrested at the Beijing
Capital International Airport on
April 3rd, 2011. I knew this would
eventually happen, but I did not
know when, where or how. I was
living in Beijing and openly writing
about all kinds of issues on my
blog. I never had a secret—this
was a public discussion. They
could have easily taken me
away from my home, but they
did not. They arrested me while
I was going through customs;
they put a black hood over my
head and transported me to
a secret location. During my
detention, they interrogated me
over 50 times about my social and
o governo devia ser derrubado. Eram minhas
palavras e minhas crenças. Discutimos muito e
foi terrível, porque eu estava confinado numa
sala sem janelas, com dois soldados a um metro
de mim o tempo todo, mesmo enquanto eu
dormia. Nem os soldados nem eu podíamos
nos mover. Era muito duro, eles trocavam os
guardas a cada duas horas. Fui mantido nessa
condição psicológica por 81 dias. Quando eu
precisava ir ao banheiro, eu pedia e eles diziam
“sim”. Então eu me levantava e eles caminhavam
comigo até o banheiro como dois robôs. Se eu
dizia que precisava urinar, eles diziam “sim” e
eu podia urinar. Quando terminava, dizia que
tinha acabado e eles diziam “sim”, e eu lavava
as mãos. Quando dizia que tinha terminado de
lavar as mãos, eles diziam “sim” e eu me sentava
de novo. Não havia nenhum outro prisioneiro
comigo, eu estava sozinho em isolamento. Era
essa a ideia, me cortar completamente da
realidade. Eu tinha alguma noção do tempo
por causa das refeições, hora do almoço e hora
do jantar. Cada refeição durava oito minutos.
Depois, mais cinco minutos para lavar o prato.
Depois, ainda passou alguns anos numa espécie
de prisão domiciliar, não é?
Sim, vivi sob uma detenção branda. Durante os
quatro anos seguintes à minha libertação, não
tive permissão para sair da China. Meu passa-
porte foi confiscado e só o devolveram em 2015.
Passemos a outra parte da sua vida. Você viveu
em Nova York na década de 1980.
Que importância teve esse período para o
desenvolvimento de suas ideias e de seu estado
de espírito?
Bem, digamos que, se considerarmos o que
estou fazendo hoje, pode-se pensar que foi ou
irrelevante ou a coisa mais importante do mundo.
Adquiri toda minha formação e experiência em
arte contemporânea durante os doze anos em
que vivi nos Estados Unidos, principalmente em
Nova York. Eu ia a todas as exposições em museus
e galerias, mas estava sozinho. Abandonei a
pintura logo que percebi que não era possível
me tornar um “artista de sucesso”. Comecei a
73
No Museu de
Arte Moderna
1987
Da série
Fotografias
de Nova York
[1983–1993]
At the Museum
of Modern Art
1987
From the New
York Photographs
series [1983–1993]
political activities. They would
read my blog posts back to me
and ask whether what I wrote
was subversion of state power.
My writings were quite harsh;
I said the government needed to
be taken down. Those were my
words and beliefs. We had many
arguments and it was dreadful
because I was confined to a room
with no windows and two soldiers
standing one meter away at all
times, even when I was asleep.
Neither the soldiers nor I could
move. It was very harsh. They
changed guards every two hours.
I was kept in that psychological
condition for eighty-one days. If
I needed to go to the bathroom,
I would ask and they would say,
74
“Yes.” Then I would stand up and
they would walk alongside me like
two robots to the bathroom. I would
tell them I needed to pee. They
would say, “Yes” and I could pee.
After I finished, I would tell them I
was done and they would say, “Yes”
and then I would wash my hands.
Then I would tell them I was done
washing my hands and they would
say, “Yes” and I would walk back
and sit down. There were no other
prisoners with me, I was alone in
solitary confinement. That was the
purpose. I was completely cut off
from reality. I had some notion of
time, because of the meals—lunch
time and dinner time. Every meal
lasted 8 minutes. Then another 5
minutes to wash the dishes.
And then you spent a few years in
a sort of domestic prison, right?
I lived under soft detention.
For the next 4 years after I was
released, I wasn’t allowed to
leave China. My passport was
taken away and not returned
until 2015.
Let’s revisit another part of your
life. You lived in New York during
the 1980’s. How important was
that period in developing your
ideas and your frame of mind?
Well, let me put it this way. It can
be thought of as both irrelevant
or the most important because
of what I am doing today.
I received all of my contemporary
art experience and education
during the 12 years I lived in the
United States, mainly in New
York City. I’d go to every museum
and gallery show, but I was
alone. I quit painting soon after
I realized it was not possible
for me to become a “successful
artist.” I began working and gave
up my student status, becoming
an illegal immigrant for seven
years. I totally gave up, but still
called myself an artist. I never
made an effort to become a
citizen or become established.
I did not want to do anything;
I was more like a bum. I had to
pay rent for my basement and
spent my time wandering around,
which can be fundamental. But
it could have been a waste of
trabalhar e não renovei meu visto de estudante,
permanecendo assim, durante sete anos, um
imigrante ilegal. Desisti totalmente mas ainda
continuava dizendo que era artista. Nunca fiz
o menor esforço para me tornar cidadão norte-
americano ou me estabelecer no país. Não queria
fazer nada; era uma espécie de vagabundo.
Tinha que pagar o aluguel do meu sótão e
passava o tempo perambulando, o que pode
ser algo fundamental, mas também poderia ter
desperdiçado minha vida. Em 1993, depois de doze
anos, voltei a Pequim para ver meu pai; ele estava
doente e havia sido hospitalizado.
Quando seu pai morreu?
Morreu em 1996, três anos depois de meu regresso
à China. Nesse período, como não tinha nada
para fazer, passava muito tempo no mercado
de antiguidades. Aquelas coisas me fascinavam,
porque eram uma parte da história que nunca
nos haviam ensinado. Durante a Revolução
Cultural, as antiguidades eram destruídas
e ninguém podia falar do passado. Eram
condições de vida muito difíceis, mas a China
estava em processo de abertura. De repente, as
antiguidades começaram a reaparecer e, com
grande curiosidade, comecei a aprender o que
eram o bronze, o jade e a seda. Podia identificar
materiais e época de fabricação. Tornei-me um
especialista em antiguidades chinesas de todas
as eras e categorias. Esses seis anos desde o meu
regresso à China foram um período de formação
igualmente importante. A única coisa que eu
fazia todos os dias era ir à feira de antiguidades
e observar milhões de objetos. Treinei meu olho e
tornei-me um especialista.
Então, comecei a fazer algumas obras por
diversão, que são essas primeiras peças de
mobiliário. Comecei a editar e publicar livros
clandestinamente sobre arte chinesa – Livro
de capa negra, Livro de capa branca, Livro
de capa cinza – porque não existiam galerias,
nem museus, nem arte contemporânea.
A arte contemporânea era vista como uma
conspiração do Ocidente. Publiquei livros
para documentar, circular e proporcionar
uma plataforma para os jovens artistas. Esses
75

time as well. After 12 years in 1993,
I went back to Beijing to see my
father; he fell ill and had been
hospitalized.
When did your father die?
He passed away three years after
I returned to China, in 1996. During
this period, I had nothing to do so
I spent a lot of time at the antique
market. Those things fascinated
me because they were a part
of our history that we had never
learned about. During the Cultural
Revolution, antiques would be
destroyed and nobody could talk
about old things. Those were very
harsh conditions, but China was
beginning to open up. Suddenly,
antiques began to reappear and,
with great curiosity, I started to
learn about bronze, jade, and
silk. I could identify materials and
periods of creation. I became an
expert on Chinese antiquities from
all ages and every category. The
six years after I returned to China
became an equally important
educational period. I did nothing
but go to the antique market
everyday, looking through millions
of objects. I trained my eye and
became a top expert.
Then, I began to make
some works for fun—those early
furniture pieces. I began to
edit and publish underground
books—the Black, White, and Grey
Cover Books—about Chinese art
because there were no galleries,
museums, or contemporary art.
Contemporary art was seen as a
western conspiracy. I published
76
Instalação na 48ª Installation at
Bienal de Veneza the 48th Venice
1999 Biennale
1999
the books to document, circulate,
and provide a platform for
young artists. Those three books
became the most important
publications ever in Chinese
art history. In 1997, I founded the
first independent gallery space
in China, with Hans van Dijk
and Frank Uytterhaegen, and
we decided to call it the China
Art Archives and Warehouse.
We called it a warehouse to
circumvent censors. That art
space also became a landmark
for when Chinese contemporary
art really went public.
In 2000, I organized the
exhibition “Fuck Off”, which
was a very aggressive show.
The exhibition featured over 40
artists from all over China, with três livros tornaram-se as publicações mais Minha primeira exposição de arte foi em
works considered controversial importantes da história da arte chinesa. Em 1999. O curador, Harald Szeemann, veio a
even today. I was curating and 1997, com Hans van Dijk e Frank Uytterhaegen, Pequim em 1998 para ser jurado do Prêmio de
publishing, but I never thought criei o primeiro espaço de galeria independente Arte Contemporânea da China, fundado por Uli
to do my own work because I did na China, e decidimos chamá-la Arquivo e Sigg. Eu havia participado como júri em suas
not think I could survive in this Armazém de Arte Chinesa (China Art Archives três primeiras edições, que foi como conheci
censored society. I was promoting and Warehouse). Dizíamos que era armazém Szeemann, que também era curador da Bienal de
contemporary culture in the para driblar os censores. No momento em que a Veneza de 1999 e estava selecionando artistas para
earliest stages and that was very arte contemporânea chinesa realmente se fez a mostra. Antes de partir, ele me propôs de ir ver
influential. Many young people pública, esse espaço de arte também havia se meu trabalho. Eu disse que não tinha muita coisa
were in my gallery shows and tornado um lugar emblemático. para mostrar, mas ele insistiu em fazer uma visita
more came to see the work. Em 2000, organizei a exposição Fuck Off, que ao meu ateliê, onde havia duas obras minhas.
My first art exhibition was foi uma mostra muito agressiva. Apresentava Não gosto de mostrar meu trabalho. Se você
in 1999. Harald Szeemann, a mais de quarenta artistas de toda a China, com visitar meu ateliê hoje, não verá nenhuma obra.
curator, came to Beijing in 1998 obras ainda hoje consideradas polêmicas. Eu Harald viu os dois trabalhos – um era uma peça
and took part as a juror for Uli fazia curadorias e publicava livros, mas nunca de mobília consistindo em duas mesas cerimoniais
Sigg’s Chinese Contemporary pensei em fazer meu próprio trabalho, porque combinadas em forma de cruz e o outro, uma
Art Award. I had participated as sentia que não poderia sobreviver nessa séria de fotografias da lua – e disse: “Você deveria
a juror for the first three years of sociedade censurada. Estava promovendo mostrar isso em Veneza”. Fiquei muito contente;
that award, which is how I met a cultura contemporânea em seus primeiros ele tinha visto apenas dois trabalhos meus, e sou
Harald Szeemann. He was also estágios e isso exerceu grande influência. Muitos grato por ele ter me entendido tão bem.
the curator for the 1999 Venice jovens expunham em minha galeria e muitos Fui a Veneza para montar minha exposição,
Art Biennale and was selecting outros vinham ver os trabalhos. mas um dia antes da abertura fui embora pois
77
Ai Weiwei Ai Weiwei in
na Praça de Tiananmen
Tiananmen, Square, Beijing
Pequim 2000
2000
artists to show. Before he left, he
said, “Why don’t I take a look
at your work?” I replied, “I don’t
have much work,” but he insisted
on making a studio visit. There
were two works in my studio.
I don’t like to display my work. If
you visit my studio today, you’ll
see that there’s no work. Harald
saw the two works—one was a
furniture piece consisting of two
conjoined ceremonial tables as a
cross and the other was a series
of photographs of the moon. He
said, “You should show these
in Venice.” I was so happy; he
only saw two of my works and
I’m grateful that he understood
me so well.
I went to Venice to set up
my exhibition. One day before
the opening, I left because I felt
78
that I did not belong to the art
world. No other artist going to
Venice for the first time would
leave before the opening. I’m
the only one. I photographed
my outstretched arm and finger
at Piazza San Marco in Venice,
then later at the Eiffel Tower in
Paris, and other locations. That
was my early beginning. In 2004,
I had my first solo exhibition at
the Kunsthalle Bern and from
then on I became extremely
busy. Now I’ve had more than a
hundred solo shows and 300 or
400 group shows.
You studied film, right? You
practiced architecture in Beijing
for a long time. I went to the
neighborhood you worked in.
You’re also an activist. How does
art come to you or how does art
come out of you?
To be an artist is not a natural
choice. To be a painter or sculptor,
you have to learn some skills, but
my relation to art began with
poetry because of my father’s
influence. I loved his books and
bookshelves even before I could
read. I loved the covers of the
poetry books and till today I think
those books had the best cover
designs. They are always simple
and charming, showing the taste
of the poet. Mayakovsky, Rimbaud,
Baudelaire, Whitman, Hikmet,
García Lorca and, of course,
Neruda, left the freshest images.
Their image—their faces—are so
special. Their writing was extremely
powerful; it’s joy. I learned to paint
and draw, and I could do them well,
sentia que não pertencia ao mundo da arte.
Nenhum outro artista que vá a Veneza pela
primeira vez partiria antes da inauguração. Fui o
único. Fotografei meu braço e o dedo esticados
na Piazza San Marco em Veneza, e depois na
torre Eiffel em Paris e em outros lugares. Assim
foi meu começo. Em 2004, fiz minha primeira
exposição individual no Kunsthalle de Berna
e dali em diante não parei. Até hoje, fiz mais
de cem exposições individuais e participei de
trezentas ou quatrocentas mostras coletiva.
Você estudou cinema, certo? E praticou
arquitetura em Pequim durante muito tempo.
Visitei o bairro em que você trabalhou.
E você é também um ativista. Como a arte
chega a você ou como a arte sai de você?
Ser artista não é uma escolha natural. Para ser
um pintor ou escultor, é preciso desenvolver
algumas habilidades, mas minha relação com
a arte começou com a poesia, pela influência
de meu pai. Eu gostava de seus livros e estantes
antes mesmo de saber ler. Gostava das capas
dos livros de poesia e até hoje acho que esses
livros tinham os melhores desenhos de capa.
São sempre simples e encantadores, mostram
o gosto do poeta. Maiakóvski, Rimbaud,
Baudelaire, Whitman, Hikmet, García Lorca
e, claro, Neruda, deixaram as imagens mais
frescas. Suas imagens – seus rostos – são
tão especiais. Sua escrita era extremamente
poderosa; é alegria. Aprendi a pintar e desenhar,
e era bom nisso, mas a verdade é que nunca
gostei de fazê-lo, porque na realidade não são
linguagens naturais. Aprendi cinema, mas o
cinema é uma arte privilegiada demais. Você
precisa de equipamentos e tem de conhecer
muitas questões técnicas, e isso não me
interessa. Gosto de assistir a filmes, mas fazer
cinema é diferente. A arquitetura é um ato
muito natural. Eu sabia como fabricar coisas
desde muito cedo, pelas condições difíceis em
que vivíamos. Construí uma estufa que enchia
nosso aposento de fumaça; construí uma cama
79
but never really liked it because
it’s not really a natural language.
I learned film, but film is too
privileged. You need equipment
and to know many technical
issues so I’m not so interested
in that. I love to watch films, but
making them is a different matter.
Architecture is a very natural act.
I knew how to make things from
an early age since I grew up under
harsh conditions. I built a stove
that filled our room with smoke;
I built a bed because I did not
have one; I built a bookshelf even
though I had no books. During the
Cultural Revolution, we burned all
of my father’s beautiful books. My
father loved books and he had
books on the Renaissance, on
Michelangelo; he had books on
Rodin and the Impressionists. The
books were well printed, had hard
covers, and they smelled good,
but if we did not burn them the
Red Guards would come to our
house and we would be punished.
Did you have any toy when you
were a child?
I had no toys. I remember one
moment when someone gave
us some colorful blocks. It was
very colorful, very beautiful. You
would never see those colors in
real life because it was a desert.
Blues, reds and yellows.
Who was the artist that made
you want to be an artist?
There was no artist who made
me want to be an artist. When
I came to New York to attend
80
Parsons, I read my first art book
The Philosophy of Andy Warhol:
From A to B and Back Again.
The language was so funny
and I liked his attitude. Then I
read about Jasper Johns and
through him I discovered Marcel
Duchamp. I looked to Duchamp
and thought: That is art I feel
I belong to. In an interview,
Duchamp said that he was more
influenced by the poets. He liked
poetry and language and hated
flat paintings—and so did I, which
is why I don’t go to museums
anymore. It’s an attitude; it’s
about the way you look at the
world and the way you express
yourself. He was a successful
communicator and someone
I admire.
Is there something you fear?
My deepest fear is to lose
my conscience—if I could no
longer be critical or if I lost my
compassion for humanity. If I
could no longer examine the
human condition, life would lose
its luster.
We know of your concern for
refugees. What are other issues
that move you today?
I still look to humanity. Refugees
reflect a broader political and
social condition. Humanity is
a huge issue where all humans
should be considered. If we
continue to allow nuclear
bombs to exist, that means our
rationality and intelligence has
some critical problems because
we understand these weapons kill
countless people indiscriminately.
It’s the 21st century. We cannot
allow these things to exist; there’s
no argument. Politicians, so-
called experts, political groups—
left and right—have not been
able to come to an agreement
to destroy these weapons. The
continued existence of the
nuclear bomb shows stupidity;
it shows how primitive we
are—we have never become
civilized. It is a crime that we
allow a nation to invade other
nations—regardless of reason—or
that we allow nations to sell
weapons for billions of dollars to
other nations. It is absolutely a
crime—a crime against humanity.
As an individual, I don’t need
that much. I have a relatively
happy and comfortable life. But
to consider that you’re a part of
society, if you’re not responsible
and voice your opinion, the
whole society can become very
corrupted and ruin the lives of
others. Future generations will be
placed in an increasingly difficult
situation because of the failure of
our generation.
What’s the role of women in
your life?
Women are the structure of
our emotional and intellectual
world. God created us as two
halves and we have to match the
other half. Like a broken piece
of jade, put back together. They
complete a perfect unit and can
give another life, which is beyond
porque não tinha uma; construí uma estante de
livros, embora não tivesse nenhum livro. Durante
a Revolução Cultural, queimamos todos os belos
livros do meu pai. Ele os amava. Tinha livros
sobre o Renascimento, Michelangelo, Rodin e
os impressionistas. Eram livros bem impressos,
com capa dura, e tinham um cheiro agradável,
mas se não os tivéssemos queimado a Guarda
Vermelha poderia vir a nossa casa e nos punir.
Teve algum brinquedo quando era criança?
Não tive nenhum brinquedo. Lembro que em
algum momento alguém nos deu uns blocos
coloridos. Eram muito coloridos, muito bonitos.
Cores que não se viam na vida real, porque tudo
era um deserto. Azuis, vermelhos e amarelos.
Quem foi o artista que lhe fez querer ser artista?
Nenhum artista me fez querer ser artista.
Quando cheguei a Nova York para estudar na
Parsons, li meu primeiro livro de arte, A filosofia
de Andy Warhol: de A a B e de volta a A. Sua
linguagem era muito divertida e gostava de
sua atitude. Depois li sobre Jasper Johns e,
através dele, descobri Marcel Duchamp. Olhava
Duchamp e pensava: “Sinto que essa é a arte
a que pertenço”. Numa entrevista, Duchamp
havia declarado que ele era mais influenciado
pelos poetas. Ele gostava de poesia e da
linguagem e odiava as pinturas planas, assim
como eu. É por isso que não vou mais a museus.
É uma atitude, que tem a ver com um modo de
ver o mundo e uma forma de se expressar. Ele
foi um comunicador muito bem-sucedido, e o
admiro muito.
Do que você tem medo?
Meu medo mais profundo seria perder a
consciência, perder minha capacidade crítica
ou perder minha compaixão pela humanidade.
Se eu não pudesse mais examinar a condição
humana, a vida perderia seu brilho.
Sabemos de sua preocupação com os refugiados.
Quais são outros temas que o movem
atualmente?
Ainda observo a humanidade. Os refugiados
são o reflexo de uma condição política e social
mais ampla. A humanidade é um grande tema
em que todos os seres humanos deveriam
ser considerados. Se permitimos que bombas
nucleares continuem a existir, isso quer dizer
que nossa racionalidade e inteligência têm
problemas críticos, porque sabemos que
essas armas matam indiscriminadamente um
incontável número de pessoas. Estamos no
século XXI. Não podemos permitir que essas
coisas existam, mas ninguém discute isso. Nem
os políticos, nem os chamados especialistas,
nem as agremiações políticas – de direita e
de esquerda – foram capazes de chegar a um
acordo para destruir essas armas. A existência
da bomba nuclear é uma mostra de nossa
estupidez; de como somos primitivos – de que,
na realidade, nunca nos tornamos civilizados.
É um crime permitir que um país invada outros
países, independentemente das razões, ou
permitir que os países vendam armas por bilhões
de dólares a outros países. É um crime absoluto,
um crime contra a humanidade. Como indivíduo,
não preciso de tudo isso para viver. Tenho uma
vida relativamente feliz e confortável. Mas ao
considerar que você é uma parte da sociedade,
se não for responsável e manifestar sua opinião,
a sociedade inteira pode se corromper e arruinar
as vidas dos outros. As gerações futuras serão
postas numa situação cada vez mais difícil por
causa dos fracassos da nossa geração.
81
 our understanding. It confirms us
as humans. I will always admire
and be fascinated by the other
half. It continues to be mysterious
to me. Yes, there’s sex, but as
I get older the other half is the
world; not only women, but the
world in total—it could be a child
or an old man. It is important to
see yourself through that mirror.
You have a complicated dual
level of perception. Your name is
banned in your country but you
are recognized by young people
everywhere you go. You are
acclaimed globally. How does
that make you feel? What about
your origins and home? Where do
you belong to?
I feel extremely sorry. For my
whole lifetime, I was—and still
am—rejected. Since I was born,
I was the child of an enemy of
Deixando cair
uma urna
da Dinastia Han
1995
Dropping
a Han
Dynasty Urn
1995
82
the state. People looked down
on us as the worst creatures
on earth. In New York, I was a
foreigner. I did not have much
to celebrate in a society that
embraced capitalism and
materialism. Once I was back
in China, I became a foreigner
once again because it was a
nation that crushed all humanity,
had no freedom of speech, and
a terrible record on human
rights. Everywhere I have been
has pushed me away and I, in
return, have rejected those
places with my own conscience.
Later, with the internet, I had the
opportunity to express myself
and I did so passionately. My
blog was a microcosm of what
kind of change was possible;
there was an illusion of change
due to a brief period of free
speech. But, suddenly, my
Qual é o papel das mulheres em sua vida?
As mulheres são a estrutura de nosso mundo
emocional e intelectual. Deus nos criou em duas
metades e temos de nos unir à outra metade.
Como um pedaço de jade quebrado, juntar de
novo. As mulheres completam uma unidade
perfeita e podem gerar uma outra vida, o que
está acima de nossa compreensão. Isso nos
confirma como humanos. Sempre admirarei
e serei fascinado por essa outra metade. Isso
ainda é misterioso para mim. Sim, há o sexo, mas
à medida que envelheço a outra metade é o
mundo; não só as mulheres, mas o mundo como
um todo – poderia ser uma criança ou um ancião.
O importante é se olhar através desse espelho.
A percepção que se tem de você é complexa.
Por um lado, seu nome está banido na China, por
outro, é reconhecido pelos jovens em qualquer
lugar que vá, é aclamado no mundo todo.
Como se sente com isso? E suas origens, seu país
natal? A que lugar você pertence?
Isso me dói muito. Na minha vida toda, fui – e
ainda sou – rejeitado. Já quando nasci, era
filho de um inimigo do Estado. As pessoas nos
olhavam como as piores criaturas da terra.
Em Nova York, eu era um estrangeiro. Não
tinha muito a comemorar numa sociedade
que abraçava o capitalismo e o materialismo.
De volta à China, era de novo um estrangeiro,
porque estava num país que esmagava qualquer
sinal de humanidade, onde não havia liberdade
de expressão e com um histórico terrível
na questão dos direitos humanos. Todos os
lugares em que estive me afastavam e, como
resposta, rejeitei esses lugares com minha
própria consciência. Depois, com a internet, tive
a oportunidade de me expressar e o fiz com
muita paixão. Meu blog era um microcosmo do
tipo de mudança que era possível; havia uma
ilusão de mudança graças a um breve período
de liberdade de expressão. Mas, subitamente,
meu blog foi encerrado e ainda hoje meu nome
é proibido na internet chinesa. O governo viu o
potencial do que um indivíduo poderia realizar.
Tem uma coisa que me surpreende quando
você fala de liberdade de expressão: como a
83
blog was shut down and even
today my name is prohibited
on the Chinese internet. The
government saw the potential
of what an individual could
accomplish.
There’s one thing that strikes me
when you speak of freedom of
speech. How has surveillance in
our lives affected our freedom
of thought? There is so much
awareness about who you are,
where you are, what you are
doing in the world and in the
monitoring of your ideas, even on
social media. There is freedom
of speech, but I think there is
something else going on which
is an awareness of the freedom
of thought. People are not even
engaging to think and this
happens even before speech.
I think that danger is always
there. As human beings, we are
born with emotions and the
ability to learn, but those are
mostly destroyed by schools
and by what is so-called socially
acceptable. Society sets up
all kinds of standards. People
generally live in fear and fear is
the most productive tool in our
society. We are smart because
we are scared; it is human nature.
We have freedom of expression,
but very few people really use
it because they don’t know how
to. It isn’t what they were taught
84
and that’s a true problem. This
is why we need art. Art is a form
of freedom of speech, which
never existed and which we then
call art. If it already exists, it is not
art. Art is against repetition, it is
about leading us toward more
dangerous ways of experiencing
and expressing ourselves. That’s
why art is powerful.
You have consistently developed
projects over the years that are
themselves social activation or
social transformation platforms
to make art. You now talk
about how to help people but
sometimes the very making of
your work is a social activity that
transforms a community, like in
Sunflower Seeds or Straight. How
did you come about doing this?
And what is your relationship to
the art market?
There is the creation of a
work and the production of
a work; these are separate
concepts. Production could be
an individual squeezing some
paint onto the tip of his brush.
In the case of Sunflower Seeds
and Straight, it involved a mass
of people, which provided some
way to make money and feed
their children. Most of the time
they don’t really understand
what they are doing even if you
explain it. But they enjoy the
process and having a steady
income. Collective production
changes the meaning of a work
and that’s important. It carries
a collective mark from a group
of humans, not just one artist’s
appreciation of the marks. That
aspect is very charming.
Now, my relationship to
the art market is much like my
relationship to the fish market
or to the stock market. It’s
absolutely insane. You create
something which is not for sale,
but it has to become part of the
market because there’s a certain
expectation and it has to sell that
way or else you cannot survive.
I also benefit from this market
because I can use the money to
create more work, which is the
only positive side of this. We are
trying to set up a foundation or
donate to those in need.
What kind of feelings have you
been experiencing in this trip to
Latin America?
To me, Latin America remains
like Garcia Marquez’s novel,
One Hundred Years of Solitude.
It’s magical realism. Things
appear real, but there’s
something fantastic in the air.
The nature, the people, and
their understanding of time
and space, are very different
from an industrialized society.
I think Latin American culture is
very rich.
vigilância em nossas vidas afeta nossa liberdade
de pensamento? Hoje em dia se sabe tudo,
quem somos, onde estamos, o que fazemos no
mundo, e nossas ideias são monitoradas,
inclusive nas mídias sociais. Há liberdade de
expressão, mas penso que algo mais se passa e
que tem a ver com a consciência da liberdade
de pensamento. As pessoas nem sequer se
preocupam em pensar, e isso vem antes
da expressão.
Acho que esse risco está sempre aí. Como seres
humanos, nascemos com emoções e com a
capacidade de aprender, mas estas são destruídas
principalmente pela escola e pelo que definimos
como socialmente aceitável. A sociedade impõe
todo tipo de padrão. As pessoas vivem com
medo, e o medo é a ferramenta mais útil em
nossa sociedade. Nos portamos bem porque
temos medo; é da natureza humana. Temos a
liberdade de expressão, mas quase ninguém faz
uso dela, porque não sabem como. Não é o que
lhes foi ensinado, e isso é um problema grave. Por
isso precisamos da arte. A arte é uma forma de
liberdade de expressão que não existia antes, e
que chamamos arte. Se já existia, não é arte.
A arte é contra a repetição. Consiste em nos guiar
a formas mais arriscadas de experimentar e de nos
expressar. Por isso a arte é tão poderosa.
Ao longo dos anos, você vem desenvolvendo
projetos que são em si mesmos plataformas
de ativação social ou transformação social
para fazer arte. Agora você também fala de
outras formas de ajudar as pessoas, mas às
vezes a realização mesma de seu trabalho é
uma atividade social transformadora de uma
comunidade, como em Sementes de girassol ou
Reto. Como você chegou a esses trabalhos?
E qual sua relação com o mercado de arte?
De um lado está a criação de um trabalho, do
outro a produção; são conceitos distintos.
A produção poderia ser uma pessoa espremendo
tinta na ponta de seu pincel. No caso de
Sementes de girassol e Reto, a produção envolveu
uma porção de gente, o que permitiu que essas
pessoas ganhassem dinheiro e alimentassem
seus filhos. Em geral, elas não entendem o que
estão fazendo, por mais que você explique. Mas
divertem-se com o processo e gostam de ter uma
renda estável. Sendo produzido coletivamente, o
trabalho muda de sentido e isso é importante. Ele
traz uma marca coletiva de um grupo humano,
não só a apreciação da marca de um artista.
É um aspecto maravilhoso.
Já minha relação com o mercado de arte é
parecida com minha relação com o mercado
do peixe ou com o mercado de ações. É uma
coisa completamente insana. Você não cria algo
para ser vendido, mas tem de ser parte desse
mercado, porque há uma certa expectativa e é
preciso vender para sobreviver. Esse mercado
também pode me beneficiar, porque posso usar
o dinheiro para criar mais obras, o que é o único
lado positivo disso. Estamos tentando criar uma
fundação e fazer doações para os necessitados.
Que sentimentos sua primeira viagem à América
Latina lhe provocou?
Para mim, a América Latina ainda é como o
romance de García Márquez Cem anos de
solidão. É realismo mágico. As coisas parecem
reais, mas há algo fantástico no ar. A natureza,
as pessoas, e a maneira como elas entendem o
tempo e o espaço são muito diferentes de uma
sociedade industrializada. Acho que a cultura
latino-americana é muito rica.
85
Ai Weiwei em Ai Weiwei in
Trancoso, Bahia Trancoso, Bahia
2018 2018
AUGUST 2018
[Marcello Dantas] What came
to your mind when you first
accepted to come to Brazil?
[Ai Weiwei] Often in my practice
or actions, I don’t have a clear
purpose. I don’t know if it’s in
my nature or my subconscious.
So many things I cannot really
find clear rationality, or I don’t
have enough knowledge,
or sensitivity and activity
in supporting argument or
reason. I think reason requires
strong experience. Since I was
born, I have experienced so
many incomprehensible and
unpredictable situations: my
early childhood in exile, then
living in the United States,
returning to China, and now
being in Germany. These were
not clearly planned. So most
of my important life events—if I
can call them that—were not the
result of rational events, with
one leading to another. And so,
with that context, the chance
AGOSTO DE 2018
[Marcello Dantas] O que passou pela sua cabeça
quando aceitou vir pela primeira vez ao Brasil?
[Ai Weiwei] Muitas vezes, nas minhas práticas ou
ações, não tenho um objetivo claro. Não sei se
isso é da minha natureza ou do meu inconsciente.
Nesse sentido, há muitas coisas para as quais não
consigo encontrar uma racionalidade clara, ou
das quais não tenho conhecimento, sensibilidade
ou atividade suficientes para sustentar um
argumento ou dar uma explicação. Acho que
a fundamentação requer muita experiência.
Desde que nasci, passei por diversas situações
incompreensíveis e imprevisíveis: minha primeira
infância, no exílio; depois, vivendo nos Estados
Unidos; em seguida de volta à China; e agora
morando na Alemanha. Nada disso foi planejado.
A maior parte dos acontecimentos da minha
vida – se é que posso chamá-los assim – não
é resultado de acontecimentos racionais, um
levando ao outro. Assim, nesse contexto, a
chance de conhecer a América Latina – conhecer
esse continente, como você diz – é fruto
principalmente da curiosidade e de uma falta
de conhecimento. Vem da necessidade de saber
como são as coisas ali: como são as pessoas,
como elas se comportam, que tipo de coisa
comem, que tipo de hábitos ou política têm.
Você veio pela primeira vez há um ano, e depois
disso já passou por aqui umas quatro ou cinco
vezes. Sua impressão se modificou no decorrer
desse período?
Ainda é difícil para mim analisar a experiência.
Sou chinês. Falo chinês. Vivi na China por
87
to know Latin America stems
mostly from curiosity, and from
a lack of knowledge. It comes
from wanting to know what it is
like there: how the people are
like, how they behave, what kind
of food they eat, what kind of
habits or politics they have.
You came here for the first time
a year ago, and then you have
come about four or five times
now. How has your impression
changed over the course of
this period?
It’s still difficult to even analyze
the experience. I’m Chinese.
I speak Chinese. I lived in China
for over 40 years. But if you ask
my opinion of China, it’s very
hard to even talk about it. It
seems that the longer you stay
there, the less sure you become.
You only can talk about it in
comparison, but in comparison
to what? To Europe, or to China?
Or to the United States? Or to
other Latin American nations;
Chile, Argentina, or Mexico?
It’s very hard for me to give a
clear take.
I often think there’s no such a
thing as “you” and “me.” I don’t
exist; I exist in the patterns of the
past, in what I did. Everybody
looking at Ai Weiwei has to think
of certain events, or certain
situations, or certain works, or
certain silly things he has done,
such as selfies. They think that
this is Ai Weiwei.
For me, it’s the same. I know
what I did in the past, but I’m a
88
person that never looks back.
I want to find out what’s in front
of me; what will be my next meal,
who I’m going to sit with to have
a conversation. So actually, my
existence, or my future, can be
completely different. It’s really
about my new experiences. My
experience in Latin America is
in the form of making, in your
words, a mutualphagy. I have
to take a bite, I have to eat the
fruit there, to see those artist’s
works, to work with the wood
craftsmen and see what is
possible, to examine the politics
and local issues. Those things
make ‘Ai Weiwei in Brazil’ and
it is a part of me. If I don’t have
those experiences, I don’t have
that part of me and I would not
have a persuasive excuse to
even have an art exhibition there.
What is art? For me, it is about
the process. In the process, you
discover a part of you, which
could be either an ability or a
disability, maybe something you
are incapable of. You begin to
appreciate how problems can
lead to undiscovered areas.
Yes, it’s about creating stories.
And that leads me to the thought
that you have displacement
in the core of your life.
You are like a root displaced from
the branches. Your roots are
clearly in China, in a way.
But your branches have spread
completely… They say roots can
communicate with each other,
underneath… So there’s another
mais de quarenta anos. Mas se você pede
minha opinião sobre meu país, é muito difícil
até conversar sobre isso. Parece que, quanto
mais tempo você fica lá, menos certezas
tem. Só consegue falar por comparação, mas
comparação com o quê? Com a Europa ou
com a China? Ou com os Estados Unidos?
Ou com outros países latino-americanos, Chile,
Argentina ou México? É muito difícil para mim
fazer uma ideia clara.
Penso muitas vezes que não existe essa
coisa de “você” e “eu”. Eu não existo; existo em
relação àquilo que fiz. Todos que olham para
Weiwei pensam em certos acontecimentos, ou
certas situações, ou certas obras, ou certas
coisas idiotas que ele fez, como os selfies.
Acham que isso é que é Weiwei.
Para mim, não faz diferença. Sei o que fiz no
passado, mas sou uma pessoa que nunca olha
para trás. Quero descobrir o que está à minha
frente, o que será minha próxima refeição, com
quem vou sentar para conversar. Então, na
verdade, minha existência, ou meu futuro, pode
ser completamente diferente. O que conta são
minhas novas experiências. Minha experiência
na América Latina consiste na realização,
segundo suas palavras, de uma “mutuofagia”.
Tenho que dar uma mordida; tenho que comer o
fruto aí, ver as obras desses artistas, trabalhar
com os carpinteiros e ver o que é possível,
examinar a política e as questões locais. Essas
coisas formam “Ai Weiwei no Brasil” e isso é uma
parte de mim. Se eu não tiver essas experiências,
não terei essa parte de mim e não teria uma
desculpa persuasiva nem mesmo para fazer
uma exposição de arte aí. O que é a arte? Para
mim, ela está no processo. A partir do processo,
descobrimos uma parte nossa, que poderia ser
uma habilidade ou uma deficiência, alguma
incapacidade. A gente começa a compreender
como os problemas podem levar a áreas
desconhecidas.
Isso é fazer histórias, e me conduz à ideia de
que você fez do deslocamento um núcleo
de sua vida. Você é como uma raiz deslocada
dos ramos. Claramente, suas raízes estão
na China, de certo modo. Mas seus ramos se
espalharam completamente…
Dizem que as raízes comunicam entre si por
baixo da terra, então há uma outra conexão…
Pois é, esse deslocamento é uma tensão.
É como se houvesse algo entre os ramos de
uma árvore, e isso me levou a pensar que
esse é o modelo de um refugiado. A pergunta
que te faço é: você é um refugiado? Pois um
refugiado não é um imigrante. Um imigrante
é alguém que se muda de um lugar para outro,
como os ingleses se mudaram para os Estados
Unidos, eles romperam os laços. Um refugiado
é alguém cujas raízes estão num lugar e os
ramos em outro.
Ser um refugiado significa que, onde quer que
você esteja enraizado, ou é afastado, ou forçado
a ir para outro lugar ou em outra direção. Somos
todos refugiados. Certos momentos são mais
extremos, ao passo que em outros momentos
não nos damos muito conta disso. Veja o poema
do meu pai sobre a árvore.
É exatamente isso! Há uma evidência científica
hoje de que as árvores se comunicam através
de suas raízes. Isso não é só poesia, também
é ciência!
É por isso que estamos falando da humanidade.
Temos de reconhecer que a humanidade é
uma só. Sim, somos diferentes, parecemos
89

connection… Yeah, and so, this
displacement is a tension. It’s like
there is something between the
branches of the tree, and that
led me to think that this is the
model of a refugee. The question
to you is: are you a refugee?
Because a refugee is not a
migrant. A migrant is somebody
that moves from one place to
another, like the English moved
to America, they broke the tides.
A refugee is somebody whose
roots are in one place and whose
branches are in another.
To be a refugee means that, no
matter where you’re rooted,
you’re either pulled out or
forced to another location, or
to another direction. We’re all
refugees. Certain moments are
more extreme, while we’re not
90
very conscious of it during other
moments. See my father’s poem
about a tree.
It’s exactly that! There’s scientific
evidence today that trees
communicate through their roots.
This is not only poetry, it’s also
science!
That’s why we talk about
humanity. We have to recognize
that humanity is one. Yes, we’re
different; we look different; we
have different leaves, branches,
and flowers, but we’re all under
the sun, on the Earth, as one
phenomenon of life.
I see, you know, this relationship
between yourself and your
interests they are completely
mingled. You were working with
Artesãos Craftsmen
produzindo creating Works
Obras de from Juazeiro
Juazeiro do do Norte
Norte (assim (Named After
nomeadas Weiwei Saw
por Weiwei the Work)
ao vê-las) 2018
2018
diferentes, temos folhas, ramos e flores
diferentes, mas estamos todos sob o mesmo sol,
sobre a Terra, como um só fenômeno da vida.
Sim. Mas vejo que essa relação entre você e
seus interesses está totalmente mesclada.
Você estava trabalhando com artesãos da
China, do México, do Brasil e da África.
Existe, em sua arte, uma linguagem comum que
pode ser compreendida por qualquer um?
Acho que a única coisa que pode ser realmente
chamada de arte, ou uma arte que pode ser
compreendida por todos, é a arte que está
diretamente associada a nossas mentes –
a forma como nos retratamos, como nos
relacionamos com materiais especiais, texturas,
iluminação, como nossas mãos trabalham com A arte pode mudar nossa percepção do
nossas mentes para criar. tempo e do espaço. Tem um efeito parecido com
Poderia ser uma linha escrita, um som, uma as drogas. Na verdade, muitos trabalhos de arte
escultura, ou uma pintura. Essas coisas têm de são feitos sob sua influência. Com as drogas,
ser produzidas por indivíduos que entendem, nossa habilidade para produzir esse tipo de
que experimentaram as emoções humanas, sentimento é estimulada. É por isso que, às vezes,
ou que têm um conhecimento do artesanato. tomar drogas tem um aspecto religioso.
E criam essas peças para estimular; é uma
fantasia. O trabalho tem de ser examinado. Você já usou drogas para fazer arte?
Não importa o que o artista possa pensar, tem Nunca. Por todas as questões legais. Mas
de ser examinado pelo espectador, o público. eu gostaria muito, porque as drogas podem
Quando passam diante dele, as pessoas se alterar o funcionamento de nossos nervos, a
sentem forçadas a desacelerar. A peça lhes dá forma como olhamos para nós mesmos, como
algo interessante para olhar, algum sentido lhes vivenciamos o espaço e o tempo, e mesmo as
vem à mente. É uma experiência que nunca se relações humanas.
apaga; ainda que milhões de estímulos passem
por nossos olhos todos os dias, certas coisas que Um dos aspectos chave da cultura brasileira
vemos não podem ser apagadas. Por quê? O que é nossa antropofagia mítica, ou canibalismo.
aconteceu naquele momento que se cravou em Absorvemos as culturas uns dos outros e as
nossa memória? digerimos à nossa maneira. Esse projeto lhe
91

Estátua antiga
artisans from China, Mexico,
de Buda
colocada Brazil, and Africa. In your art, is
na árvore there a common language of
pequi-vinagreiro
durante o art that can be understood by
processo de everyone?
moldagem para
I think the only thing that can
Uma árvore
2018 really be called art, or an art that
can be understood by everyone,
Antique Buddha is art that is directly associated
statue placed in with our minds; how we picture
the Pequi Tree
ourselves, how we relate to
during the mold-
making of A Tree special materials, textures,
2018 lighting, how our hands work with
our minds to create.
It could be a line of writing, a
sound, or it could be a sculpture
or a painting. Those things have
to be produced by individuals
who understand human
emotions, or have experienced
92
so much, or have a knowledge
of craftsmanship. And they
make those pieces to arouse;
it’s a fantasy. The work has to
be examined. It doesn’t matter
what an artist may think; it has
to be examined by the onlooker,
you know, the public. When they
pass by, they have to slow down.
The piece gives them something
interesting to gaze at, or some
meaning is brought to their mind
that they can never forget. It’s an
experience they can never erase,
even though millions of visuals
pass through our minds each day,
but certain things we see cannot
be erased. Why? What happened
in that moment that stuck into
your memory?
Art can change our perception
of time and space. It has the
same kind of effect as drugs.
Actually, many artworks are
made under the influence, which
also encourages our own ability
to produce certain kinds of
feelings. That’s why taking drugs
can be somewhat religious.
Have you ever used drugs to
make art?
I never did. There are so many
legal issues. But I would really like
to, because drugs can alter how
our nerves function, how we look
at ourselves, how we experience
space and time, and even
human relations.
One of the key aspects of
Brazilian culture is our mythical
anthropophagy, or cannibalism.
We absorb each other’s cultures
and digest them our own way.
This project offered you the
possibility of absorbing a culture
and digesting it your way. How is
this new to you?
I think that Brazil, as a huge
country and one of the the
richest environments on this little
planet, has such a strong visual
and psychological impact. I think
it’s more important than we can
understand because as humans
we are very short-sighted. We
only get what we want to get, the
rest we forget. Nature offers us
much more and has much more
wisdom than what our little brain
can imagine.
It’s very difficult because you
need a language to describe your
feelings. Languages are structured
by vocabularies and created
by our experiences. We almost
ofereceu a possibilidade de absorver uma
cultura e digeri-la à sua própria maneira.
Isso é novo para você?
Acho que o Brasil, sendo um país imenso e com
o meio-ambiente mais rico deste nosso pequeno
planeta, exerce um forte impacto visual e
psicológico. Acho que é mais importante do que
podemos compreender, porque, como humanos,
temos uma visão muito curta. Só absorvemos o
que queremos, o resto esquecemos. A natureza
nos oferece muito mais e é muito mais sábia do
que o que nosso pequeno cérebro pode imaginar.
Mas é muito difícil, porque precisamos de uma
linguagem para descrever nossos sentimentos.
As linguagens são estruturadas por vocabulários
e criadas por nossas experiências. É quase
impossível descrever algo maior do que nossas
capacidades. Assim, como artistas, ficamos numa
situação extremamente difícil, porque temos de
criar a linguagem a partir do nada. Por isso estou
interessado nessa árvore. Essa árvore pertence
à terra, à floresta tropical. Ela tem suas próprias
razões para crescer; chegou milhares de anos
antes da gente e é indiferente a nós.
Um belo dia, vem um artista chinês e presta
atenção nela. Ele quer uma cópia dessa árvore.
Mas, obviamente, não se pode tocar a árvore, ela
pertence à floresta. Tivemos a ideia de moldá-la
mas moldar uma árvore viva, de trinta metros
de altura, é muito trabalhoso. No entanto, se
podemos construir arranha-céus em Manhattan,
moldar uma árvore de trinta metros não é tão
difícil assim.
A ideia tinha de vir de um absurdo, porque
o absurdo é abrir uma nova porta. Se tudo
faz sentido, quer dizer que se seguiu o velho
caminho para um velho destino. Então, nós
abrimos essa porta. Começamos a pensar
em como trazer mão de obra, como torná-la
tecnicamente possível. Isso é um verdadeiro
pesadelo, um pesadelo acordado, mas é
interessante. Você trabalha com as duas
sociedades. Os trabalhadores e os artesãos
vindos da China são extremamente pacientes.
Acho que nenhum outro povo seria louco
o bastante para fazer o que pretendíamos.
Um membro de nossa equipe alemã perdeu
93
cannot describe anything bigger
than our capabilities. So, as artists,
it puts us in an extremely difficult
situation because you have to
create the language from nothing.
That’s why I’m interested in this
tree. This tree belongs to the land,
you know, the rainforest. It has
its own reason to grow; it came a
thousand years before us and is
indifferent.
One day, a Chinese artist
comes and pays attention to it.
He wants a copy of this tree. But,
of course, you cannot touch the
tree; it belongs to the forest. We
conceived of the idea to cast
it, but to cast a living tree, one
measuring thirty-meters in height,
requires a lot of work. However,
if we can build skyscrapers in
Manhattan, then casting a thirty-
meter tree is not too difficult.
The idea had to come out of
nonsense because nonsense is
to open a new door. If everything
makes sense then it means you
followed the old path leading to
some old destiny. So, we opened
that door. We started to think
of how to bring in labor, how
to make it technically possible.
It’s such a nightmare, a daily
nightmare, to do this. But it’s
interesting. You work with both
94
societies. The laborers and
craftsmen, coming from China,
you see they’re so patient. I don’t
think that any other people
would be crazy enough to do it.
A member from our German team
completely lost his mind, but the
Chinese are very durable. In the
forest, you had bees and snakes.
Some of our team were stung by
scorpions and some had to be
sent back to China, replaced by
others. It was endless.
And then you also have to
work with Brazilians. They don’t
have this eagerness to work fast,
you know? They have a relaxed
life, I should say. Slow, but it’s
not rich or poor; it’s their sense of
time, or urgency, that is different.
You have strikes and delays,
all kinds of bureaucracy. But,
eventually, the tree was casted.
The tree is still standing; there are
still branches with green leaves Estrutura de Scaffolding
andaimes para structure for
on top of it. The only thing that
a elaboração de the making
is different is that a small red Uma árvore of A Tree
string was tied to the very top. 2018 2018
The bees will come back and
the snake will also come back.
I think the scorpion may be dead.
[Laughs] It’s interesting that, after
all this, nothing has changed; the
wind still blows through the forest,
which is as green as ever.
95

What made you commit to
doing this?
I always want to do something
different. I always want to
do something beyond my
imagination. I have to challenge
myself that way, to give me
a little satisfaction to fulfill
my curiosity. If I respect Brazil
so much, I have to do a work
that is different; I couldn’t do
it anywhere else. I can work
with you because you are so
supportive and you equally have
a crazy imagination. You made
everything possible. There’s
nothing that you would say no
to, you would always find a
possibility for it. That makes this
96
kind of thing happen, you know?
Otherwise, it can stop at any
moment. A foreigner comes to
Brazil, with a Chinese team to
work there. It can be so difficult.
Yeah. There’s something about
this that I find to be extremely
clever. When you decided to cast
a culture, not only a tree, but
a culture. Because you started
casting the fruits, the people,
the tree; everything you could
find, you cast. This is the thing:
when sculptors work, they try to
think of an object. What you did
here is something quite special
because you’re not casting the
object anymore, you’re casting
the culture, which is a non-object.
Even the trees are non-objects,
you know? The tree’s so big, so
large, so different, so unique,
that it’s almost imagination.
Well, it’s still alive. It was there long
before you were there, and it will
stay there after you die. And we
cast only part of it, the roots are
much bigger under the surface.
Exactly, it’s like we’re trying to
grasp this thing that’s ethereal,
that’s immaterial, which is
culture. And that I find to be the
beauty, the poetic part. Sure,
casting fruit is easy, but casting
the culture of the fruit? You’ve
made that question.
Molde para Molds for
Duas figuras Two Figures
2018 2018
completamente a cabeça, mas os chineses são
muito resistentes. Na floresta havia abelhas
e cobras; algumas pessoas da equipe foram
picadas por escorpiões e alguns tiveram de ser
enviados de volta à China e substituídos por
outros. Eram problemas infindáveis.
E também ainda tínhamos que trabalhar
com brasileiros. Eles não têm essa mesma
disposição para trabalhar rápido, sabe? Têm
uma visão da vida mais relaxada, eu diria. Lenta,
mas não rica ou pobre. O que é diferente é seu
senso do tempo, ou de urgência. Há greves e
atrasos, todos os tipos de burocracia. Mas, no
final, a árvore foi moldada. A árvore ainda está
lá; ainda há ramos com folhas verdes no alto.
A única coisa que é diferente é um pequeno
barbante vermelho amarrado bem no alto.
As abelhas voltarão e a cobra também voltará.
Acho que o escorpião deve estar morto. [Risos]
É interessante que depois de tudo nada mudou;
o vento ainda sopra na floresta, que é verde
como sempre.
O que o levou a se empenhar em fazer isso?
Sempre quero fazer algo diferente, superar minha
imaginação. Sinto necessidade de me desafiar,
de me dar uma pequena satisfação para matar
minha curiosidade. Se respeito tanto o Brasil,
tenho de fazer um trabalho que seja diferente;
não poderia fazer isso em nenhum outro lugar.
Posso trabalhar aqui com você porque você me
apoia e também tem uma imaginação louca.
Você fez com que tudo fosse possível. Não
havia nada para o qual dissesse não, sempre
encontrava um jeito. Isso faz com que esse tipo
de coisa possa acontecer. Se não, a coisa pode
parar a qualquer momento. Um estrangeiro vem
ao Brasil com uma equipe chinesa para trabalhar.
Isso poderia ser muito difícil.
Acho essa atitude extremamente inteligente, a
decisão de moldar e fundir uma cultura; não
só uma árvore, mas uma cultura. Porque você
começou moldando as frutas, as pessoas, a
árvore; tudo que encontra, você molda e funde.
Esse é o ponto: quando os escultores trabalham,
eles tentam pensar num objeto. O que você fez
aqui é algo muito especial porque já não está
moldando o objeto, está moldando a cultura,
que é um não objeto. Mesmo as árvores são não
objetos. A árvore é tão grande, tão diferente,
tão única, que é quase uma imaginação.
Bem, ela ainda está viva. Já estava lá muito
tempo antes de nós, e ainda permanecerá depois
de nossa morte. E só moldamos uma parte dela,
as raízes são muito maiores sob a superfície.
É como se estivéssemos tentando captar essa
coisa etérea, imaterial, que é a cultura, e que
eu considero a beleza, a parte poética. Com
certeza, moldar frutas é fácil, mas, e moldar a
cultura da fruta? Foi a pergunta que você fez.
O que você molda, na verdade, é o vento, o
trovão, a chuva, o calor, as histórias antigas da
floresta, o culto do povo indígena. As árvores
são como deuses para eles.
E, para você, como artista, essa escultura,
penso eu, é o maior de todos os desafios, que
consiste em como captar essa coisa. É muito
ambicioso! Esse jogo tem algo a ver com a
China no Brasil. A China é um lugar de recursos
culturais ilimitados: nove mil anos de história,
de processo, de paciência, como você disse.
97
What you actually cast is the wind,
the thunder, the raindrops, the
heat, the old stories of the forest,
the worship of the aboriginal
people. The trees are like gods
to them.
And, as an artist, this sculpture,
this, I think, is the biggest of all
challenges. Which is how to grasp
this thing. It’s very ambitious!
There is something about China
in Brazil in this game. China is
a place of unlimited cultural
resources: 9 000 years of history,
of process, patience, as you
said. And Brazil is a country of
accumulated diversity, like no
other place on Earth. Suddenly,
you have these two very strong
potentials. I’m not talking about
the nations, I’m talking about
the territories, the cultures, the
things that happen in these two
places. And there is a connection
there. You have extreme tools
to interpret, and then there is
tremendous food, in the sense of
food for thought, in there. How do
you relate to that? From deserts to
jungle, from emptiness to fullness…
In China, I should say, the living
conditions, in general, are quite
limited. You have the largest
population, but less than 30% of
the land can be cultivated. The
places that can produce food
are very limited. On top of the
overcrowded population, there is a
98
very rigid political system, which can
never really balance a respect for
humanity, while maintaining control
in the name of stability. As a rule,
you sacrifice everybody’s needs to
maintain a totalitarian state.
And Brazilians have a history
of such a mixed, diverse society.
You understand co-existence. It’s
a kind of mutualphagy here. That
means you co-exist and benefit
from each other. And with such rich
natural resources and not much
competition, because when nature
is generous the competition is not
obvious, your existence is not based
on somebody’s disadvantage. In
China, if you want to profit, it comes
at the expense of someone else
because the competition is so high.
The two societies are very
different, but have been brought
closer after globalization, now
that China has started to depend
on other places, such as needing
beans or cows from Brazil. These
business relations benefit both
sides, I guess, but, at the same time,
will disrupt the old way of living.
Nature will be interrupted. Trees
will be cut down, certain things will
be grown for profit. Because once
a society embraces capitalism,
it means profit is everything; it
means that if you want to develop,
you have to sacrifice your sense,
or understanding, of time, space,
and relationships. Eventually we all
become the same.
E o Brasil é um país de diversidade acumulada,
como nenhum outro lugar na Terra. De repente,
você tem esses dois potenciais muito fortes. Não
estou falando das nações, mas dos territórios,
das culturas, das coisas que acontecem nesses
dois lugares. E há uma conexão aí. Você tem
ferramentas extremas para interpretar, e aqui
há muito alimento, no sentido de alimento para
o pensamento. Que conexão você faz com isso?
Do deserto à floresta, do vazio ao cheio?
Eu diria que, na China, as condições de vida,
em geral, são muito limitadas. Temos a maior
população do mundo, mas menos de 30%
da terra é cultivável, poucos são os lugares
que podem produzir alimentos. Além da
superlotação populacional, há um sistema
político muito rígido, que não consegue de fato
contrabalancear o respeito pela humanidade
com o controle que exerce em nome da
estabilidade. Via de regra, sacrificam-se
as necessidades de todos para manter um
Estado totalitário.
E os brasileiros têm uma história de uma
sociedade diversificada, mesclada, uma
verdadeira coexistência. É uma espécie de
“mutuofagia” aqui. Isto é, as pessoas coexistem
e se beneficiam umas das outras. E com recursos
naturais tão ricos e não muita competição,
porque quando a natureza é generosa a
competição não é óbvia, sua existência não se
baseia no prejuízo de alguém. Na China, se você
quer se dar bem, acaba sendo às custas de outra
pessoa, pois a competição é grande demais.
As duas sociedades são muito diferentes,
mas se aproximaram após a globalização, agora
que a China começou a depender de outros
países, como a necessidade de soja e carne
bovina do Brasil. Essas relações comerciais
beneficiam ambos os lados, imagino, mas,
ao mesmo tempo, estão rompendo o modo
antigo de vida. A natureza será afetada. As
árvores serão derrubadas, certas coisas serão
cultivadas apenas pelo lucro. Porque quando
uma sociedade adere ao capitalismo, o lucro
vem em primeiro lugar; ou seja, se você quer se
desenvolver, terá de sacrificar sua percepção,
sua compreensão do tempo, do espaço e das
relações. No final, ficaremos todos iguais.
Na semana passada seu ateliê começou a ser
demolido em Pequim, e a demolição ainda não
acabou, certo?
Já faz seis dias, e acho que ainda levará mais
cinco dias.
A demolição é tão gráfica, é surpreendente­
mente gráfica. É um trabalho de arte em si.
Sim, depois de pensar sobre tantas coisas que
aconteceram na minha vida, por que é tão
dramático? Há alguma coisa aí? O que me
pôs nessa posição? Esse é o segundo ateliê
destruído. O anterior foi há oito anos; era um
ateliê totalmente novo, belamente construído.
Foi destruído diante dos meus olhos. E agora
mais um, e isso já não me perturba tanto. Na
China, temos um dito antigo, shenwaizhiwu,
99

Your studio was demolished
last week in Beijing? Still being
demolished, right?
It has been six days now, and
I think they will need another
five days.
The demolition is so graphic, it’s
amazingly graphic. It’s a work of
art in itself.
Yes, after thinking about so many
things that happened in my life,
why is it so dramatic? You know,
is there something there? What
put me in that position? It’s the
second studio to be destroyed.
One was eight years ago; a
completely new, beautifully built
100
studio. Destroyed right in front
of my eyes. And now another
one and I’m not as bothered. In
China, we have an old saying,
shenwaizhiwu, which means
external things not connected to
oneself. We come into this world
as a baby and when we die, we’re
not going to take anything away.
You move and digest; you change.
You have several lives. I don’t
regret things like that.
Which life are you in?
I once said that art is not the end,
but the beginning. I appreciate
how I have the opportunity to
always have beginnings. It makes
me think of doing something else,
you know, or maybe I shouldn’t
have a studio. They told me twice
I shouldn’t have it. Why do I have
to insist on having a studio?
Maybe there are other ways we
can live better.
There is one central character
in this journey you’re making
around the world. And I think this
central character is not you; it’s
Ai Lao. Am I right to say that?
Before, I was alone. I’m like a
crazy wolf, walking in the wild.
After I was arrested, I had days
to think about what has been
associated with me and with my
Casa de The Crab
caranguejos House
2015 2015
Vídeo Video
14’ 31’’ 14’ 31’’
Em 2010, Ai Wewei In 2010, Ai Weiwei’s
recebeu uma notificação newly constructed
oficial de que seu ateliê studio in Shanghai was
recém-construído em ordered demolished by
Xangai seria demolido pelo the local government.
governo local. Ai reagiu Ai reacted to the que significa coisas externas não conectadas
à decisão convidando decision by inviting com a pessoa. Chegamos bebês a este mundo
amigos e seguidores friends and supporters
para um banquete de to a feast of river crabs. e quando morrermos não levaremos nada. Nós
caranguejos de água doce. In Chinese, the word nos movemos e digerimos; nós mudamos. Temos
Em chinês, a palavra para for “river crabs” sounds
várias vidas. Não lamento coisas como essa.
“caranguejo de água doce” like “harmonious,” an
soa como a palavra para allusion to the Chinese
“harmonia”, a desculpa authorities crackdown Em que vida você está?
que as autoridades on personal freedoms in
chinesas usam para the name of maintaining Eu disse certa vez que a arte não é o fim, mas
justificar a repressão das stability. On the day o começo. Sou grato por ter a oportunidade de
liberdades individuais em of the feast, Ai was
ter sempre começos. Me faz pensar em fazer
nome da manutenção da placed under house
estabilidade. No dia do arrest and prevented alguma outra coisa, sabe, que talvez eu não
banquete, Ai foi detido from attending his own devesse ter um ateliê. Duas vezes me disseram
em prisão domiciliar, não party. On January 11,
podendo comparecer 2011, demolition of Ai’s que eu não devia. Por que insistir em ter um
a sua própria festa. Em Shanghai studio began ateliê? Talvez haja outras formas de viver melhor.
11 de janeiro de 2011, a without warning.
demolição do ateliê de The Crab House
Xangai começou sem documents these events. Há um personagem central nessa viagem que
aviso prévio. O vídeo você está fazendo ao redor do mundo. Acho
Casa de caranguejos
documenta esses eventos. que esse personagem central não é você: é
Ai Lao. Estou certo?
Antes, eu era só. Sou como um lobo louco,
andando na natureza. Depois que fui preso, tive
father. He was a poet, he had muitos dias para pensar no que foi associado
a very dramatic life, and a big a mim e a meu pai. Ele era um poeta, teve uma
heart. He was very rich in terms of vida muito dramática e tinha um grande coração.
intelligence and aesthetics, but Era muito rico em termos de inteligência e senso
he experienced such a horrible estético, mas foi submetido a um tratamento
treatment. And until he died I horrível. E até sua morte nunca lhe perguntei
never asked him one question, so nada, e agora acho terrível pensar que alguém...
I feel so terrible to think, you know, Pensei então que talvez devesse agir melhor com
that somebody… I thought maybe meu filho; aí, comecei a registrar o que eu tinha
I should do better to my son, so I feito, para que mais tarde ele não sentisse que
started to record what I had done, não me conhecia. Tentei estabelecer algo, mas
so that later he would not feel isso é só a intenção. Ele tem a vida dele. Mas, a
like he did not know me. I tried to intenção é importante. Tudo vem da intenção, ou
establish something, but that’s da falta de... [risos]
only the intention. He has his own
life. But, intention is important. Quais foram os materiais que mais lhe
Everything comes from intention. chamaram a atenção no Brasil, que coisas você
Or lack of… (Laughs). observou e quis conhecer melhor?
101

Ai Lao ao lado
dos testes de
impressão para
Marcas 3–12
2018
Ai Lao next
to test prints
created for
Brands 3–12
2018
What materials caught your eye
the most in Brazil, what things
that you noticed and wanted to
know more about?
I’m still wondering about how
people relate to nature here.
Of course, Brazil has very strong
nature, but, as humans, we
survived from this wildness.
Of course, we have become more
delicated, in a way, because
of the city, we are cultured,
we have scientists, and all this
development and everything is
refined. It seems we are really
making a very fast departure
from nature, from the wildness.
During that kind of development,
102
how much of our society can
still be benefited, or appreciate
even, by what we have? That
is fascinating because Brazil
still has the opportunity. Many
places have developed too
fast and they have totally lost
the opportunity, you know?
But certainly Brazil, still has it.
Can you talk a little bit about
some of the works you have
developed? There are others,
and some of them are still under
development, but, I mean, how
did you come up, for instance,
with the idea of working
with roots?
I have been paying attention to
the roots of trees for some time.
When I was young, about Ai Lao’s
age, around 8 or 9 years old, I had
to pick up these roots in the Gobi
Desert. The tree had been dead
thousands of years, but they
had some roots under the sand.
I picked them up, cleaned off the
sand, and put them in my bag.
We carried these home to use for
heat, you now, winter is very long
there. I don’t know how many
roots I have picked. At this time,
we lived underground. When we
go above ground, there was a
big pile of roots. Every day after
school I went to the desert to pick
up the roots. They piled up very
nicely, it was really like a minimal
sculpture, but a huge pile, maybe
half the size of this room.
My whole village was very
proud of what we had there. It
showed the family’s aesthetic
status. It showed that the family
had the manpower to pick it up
and take care of it nicely. Some
families just had a massive big
pile, a pile of nothing, but we
piled it up very nicely. We were
very proud of it. The desert had
no trees, only roots of trees that
had died hundreds or thousands
of years ago, a long time ago.
Because it was dry, they didn’t
rot. You couldn’t see a tree, but
you could see a lot of roots.
When I had a show in Munich,
I exhibited Rooted Upon. I placed
100 roots on Soft Ground, which
was a carpet mirroring the Haus
der Kunst floor. I did all this
collecting of roots, but Brazil is
heaven for roots, and for wood.
Even many of the works I made
in China used wood that came
from Brazil. I always had a dream
that maybe one day I would
have the chance to go to Brazil.
Once I was there, we were first
discussing making work from the
roots, which makes sense. The
result is unbelievable. We had
the chance to work with Hugo
[França], a local artist, who has
been generously helping us.
Ainda estou pensando sobre as relações
humanas aqui ligadas à natureza. Obviamente,
o Brasil tem uma natureza muito forte, e,
como humanos, precisamos dela para nossa
sobrevivência. Obviamente, ficamos mais
delicados, de certa forma, por causa da cidade;
somos cultos, temos cientistas e todo esse
desenvolvimento, e tudo é refinado. Parece que
estamos mesmo nos afastando muito rápido da
natureza, do estado selvagem. Nesse tipo de
desenvolvimento, o quanto de nossa sociedade
ainda pode ser beneficiada, ou mesmo
apreciada, pelo que temos? Isso é fascinante
porque o Brasil ainda tem a oportunidade.
Muitos lugares se desenvolveram rápido demais
e perderam totalmente a oportunidade. Mas o
Brasil, certamente, ainda tem.
Você poderia falar um pouco de alguns dos
trabalhos que desenvolveu? Há alguns que
ainda estão em processo, mas, como você
chegou, por exemplo, a Raízes?
Faz muito tempo que presto atenção nas raízes
das árvores. Quando eu era criança, aos oito
ou nove anos, a idade de Ai Lao, tinha de
apanhar raízes no deserto de Gobi. A árvore
estava morta havia milhares de anos, mas
havia algumas raízes sob a areia. Pegava-as,
limpava a areia e as colocava na minha
sacola. Levávamos para casa para usar como
aquecimento. O inverno é muito longo lá. Não
sei quantas raízes peguei. Naquela época,
morávamos num subterrâneo. Do lado de fora,
havia uma grande pilha de raízes. Todos os
dias, depois da escola, eu ia ao deserto pegar
as raízes. A forma como elas se empilhavam
era muito bonita, parecia uma escultura
minimalista, era uma pilha enorme, talvez a
metade do tamanho desta sala.
Toda minha aldeia se orgulhava muito do que
tínhamos ali. Demonstrava o nível estético da
família. Demonstrava que a família tinha a força
de trabalho para pegar e cuidar bem daquelas
raízes. Algumas famílias amontoavam tudo de
qualquer maneira numa pilha volumosa, uma
pilha de nada, mas nós, não, empilhávamos de
um jeito especial. Tínhamos muito orgulho disso.
103

I’m thinking back about your
father’s poetry, I mean, if you
think about it, those trees in the
Gobi Desert are communicating
with the trees…
Yeah, my father painted a big tree
on the cover of his first book of
poetry, published in the 1930s. It’s
beautiful, and I saw this tree on
his poetry book when I was small.
But it’s funny, because it’s, at the
same time, completely open, you
know, completely random… There
is this script that has been written
even before you were here. That
you open yourself to something,
but then what you actually
discover in this process is yourself.
You’re seeing something that
was there already. Your father’s
story with the trees, your memory
of trees. So, in this mutualphagy
idea, what you discover in the
other person’s body is your body
because you have been eaten
by that other person. It becomes
autophagy. Yourself, eating
Enraizado sobre yourself through the other. And
2009 China has done a lot of that, by
copying a lot of the world. Also,
Rooted Upon
just out of curiosity, why do you
2009
have this passion for antiques
and jades?
Oh, yes! In Chinese culture,
copying has never been seen as
bad, but rather as a continuity or
challenge, or the act of making
something better or new. Now,
the antiques, they are about a
curiosity for what happened in
104
O deserto não tem árvores, somente raízes de
árvores que morreram há centenas ou milhares
de anos, muito tempo atrás. Como é seco, não
apodrecem. Não víamos árvores, mas víamos um
monte de raízes.
Quando fiz uma exposição em Munique,
mostrei Rooted Upon [Enraizado sobre].
Coloquei cem raízes sobre Soft Ground [Chão
macio], um tapete que espelhava o chão da
Haus der Kunst. Juntei todas aquelas raízes lá,
mas o Brasil é um paraíso para as raízes e para
a madeira. Mesmo em muitos trabalhos que
fiz na China, usei madeira do Brasil. Sempre
sonhei que um dia teria a chance de ir ao Brasil.
Depois que cheguei, estávamos discutindo sobre
fazer trabalhos com raízes, o que faz sentido.
O resultado é inacreditável. Tivemos a chance
de trabalhar com Hugo [França], um artista local,
que tem generosamente nos auxiliado.
Estou pensando de novo na poesia do seu
pai. Quando você fala dessa conexão,
aquelas árvores no deserto de Gobi estão se
comunicando com as árvores...
Pois é, meu pai pintou uma grande árvore na
capa de seu primeiro livro de poesia, publicado
nos anos 1930. É bonita, quando eu era pequeno,
vi essa árvore em seu livro.
Mas é engraçado, porque isso é, ao mesmo
tempo, completamente aberto, completamente
aleatório... Há esse roteiro que foi escrito ainda
antes do seu nascimento. O fato de você se
abrir para algo, mas, na verdade, o que você
descobre nesse processo é você mesmo.
Você está vendo algo que já estava ali, a história
de seu pai com as árvores, sua lembrança das
árvores. Assim, nessa ideia de “mutuofagia”, o
que você descobre no corpo da outra pessoa é
o seu corpo, porque você foi comido por aquela
outra pessoa. E isso se torna autofagia. Você,
comendo a si mesmo através do outro. E a China
fez muito isso, copiando muita coisa do mundo.
Outra coisa, por curiosidade, por que essa
paixão por antiguidades e pelo jade?
105
the past, an attempt to find
if there was someone like you.
How do we really know where we
come from? And then maybe you
can find and share some feelings
and associations with the past. If
you don’t have the memory, you
can build up your memory. You
have to find an old photo, or an
old piece of jade, or an old piece
of a root. From the roots, you can
imagine what the tree was like.
Yeah, again, the same search.
Through the roots you find what
the tree was like. That’s a good
ending. I think we should end
at that. From the roots, we find
what the tree was like. Let’s
end it there.
Sim! Na cultura chinesa, copiar nunca foi
considerado uma coisa ruim, e sim uma
continuidade ou um desafio, fazer melhor ou
fazer de novo. A paixão por antiguidade é uma
curiosidade pelo que aconteceu no passado,
uma tentativa de descobrir se havia alguém
como eu mesmo. Como vamos saber de onde
viemos? Assim, talvez possamos achar e
compartilhar sentimentos e associações com
o passado. Se você não tem a memória, pode
construir sua memória. Tem que encontrar uma
fotografia antiga, ou uma peça antiga de jade,
ou um pedaço de uma raiz antiga. Pelas raízes é
possível imaginar como era a árvore.
Pois é, mais uma vez a mesma busca. Através
das raízes você descobre como era a árvore.
Esse é um bom final. Acho que deveríamos Uma árvore A Tree
parar por aqui. Pelas raízes descobrimos como Vídeo, 26’ 36” Video, 26’ 36”
2018 2018
era a árvore.
Em 2017, Ai Weiwei visitou a América In 2017, Ai Weiwei made several trips
Latina diversas vezes para realizar to South America for research ahead
pesquisas para as exposições of a series of planned exhibitions
que aconteceriam no continente. to take place on the continent. Ai
No Brasil, Ai se interessou pela became interested in the rich natural