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Metodologia para dimensionamento de cabos-guarda


em linhas de transmissão de alta tensão
C.E.M. Pereira, L.C. Zanetta Jr, PEA-USP

e dispêndio de tempo para o dimensionamento dos cabos-


Resumo- O presente artigo tem como objetivo apresentar uma guarda, em [6] é um método para o cálculo aproximado da
metodologia para dimensionamento de cabos-guarda em linhas distribuição das correntes de falta.
de transmissão, com ou sem fibras ópticas em seu interior, com Apesar da existência de módulos computacionais especifi-
base na distribuição da corrente de falta, na freqüência nominal.
camente voltados para esse cálculo, este trabalho apresenta
A metodologia desenvolvida facilita a tarefa do dimensiona-
mento desses cabos possibilitando a análise de diferentes alterna-
uma alternativa para o cálculo da distribuição da corrente de
tivas de cabos-guarda e de dados da linha de transmissão e das falta com o uso gerenciado do programa de transitórios ele-
subestações que influem no dimensionamento. tromagnéticos ATP [3].

Palavras-chave—Linhas de transmissão, cabos OPGW, curto- II. METODOLOGIA


circuito. O dimensionamento do cabo-guarda é baseado em sua su-
portabilidade térmica durante a ocorrência de curto circuito
envolvendo a terra, em que há rompimento do dielétrico da
I. INTRODUÇÃO cadeia de isoladores. Nessas condições a corrente de falta flui

O presente artigo apresenta o desenvolvimento e a imple-


mentação de um sistema computacional para automatiza-
ção de estudos de dimensionamento de cabos-guarda em
para a terra pela estrutura metálica da torre e através dos ca-
bos-guarda.
A figura 1 apresenta a distribuição das correntes na torre em
linhas de transmissão. O dimensionamento desses cabos de- que ocorreu um curto fase-terra.
pende de diversos fatores como:
• Características dos cabos-guarda utilizados
• Capacidade de curto-circuito do cabo-guarda
• Tempo de atuação da proteção If
• Resistência de falta
• Condutor
• Torre
• Vãos entre torres
• Resistividade do solo
• Resistência de aterramento das torres
• Resistência da malha de terra das subestações
No entanto, algumas dessas informações, como a resistivi-
dade do solo e as resistências de aterramento, podem não estar
disponíveis ou não terem sido calculados com precisão ade-
quada, durante a fase de projeto da linha. Estas incertezas no Fig. 1. Distribuição de correntes para curto fase-terra na torre com falta.
dimensionamento dos cabos-guarda exigem a consideração de Para as demais torres a distribuição de correntes segue a in-
diversas hipóteses na análise, o que conseqüentemente implica dicação da figura 2, que corresponde a alguma torre à direita
um elevado número de simulações na abordagem das condi- da torre com falta.
ções a serem analisadas. Como em todas as torres há correntes fluindo para a terra, o
Com o aumento da utilização dos cabos OPGW, a suporta- trecho com maior solicitação de corrente tem como uma de
bilidade térmica dos mesmos tem sido objeto de vários estu- suas extremidades a torre com falta.
dos recentes [4, 5], existem também normas recentes que tra- O principal fator que altera a distribuição das correntes à di-
tam desta nova aplicação em sistemas de transmisão [2]. Co- reita ou à esquerda da torre com falta é a resistência de ater-
mo exemplo de preocupação com o tema e com a dificuldade ramento das torres e da malha de terra da subestação.

L. C. Zanetta Jr e C.E.M. Pereira trabalham no LSP-USP Laboratório de


Sistemas de Potência da Escola Politécnica da USP (e-mail: lzanet-
ta@pea.usp.br).
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quando há muita discrepância nos valores de resistência de


aterramento e na extensão vãos. Para se confiar na pior condi-
ção, seria necessário simular faltas em todas as torres da linha,
o que gera uma quantidade de simulações muito grande, de-
mandando um tempo elevado de preparação de dados, proces-
samentos e contabilização de resultados, pois cada ponto de
falta corresponde a um arquivo diferente de entrada do pro-
grama ATP.
Como muitas linhas não são transpostas, é necessário tam-
bém avaliar a fase e o tipo de falta que levam aos maiores va-
lores de corrente nos cabos-guarda.
Como a escolha do cabo-guarda depende dos valores de
corrente obtidos, em muitos casos há a necessidade de se repe-
tir os processamentos modificando-se a configuração proposta
Fig. 2. Distribuição de correntes para curto fase-terra nas demais torres.
inicialmente no projeto, com alterações no cabo-guarda a ser
Dessa forma, é desejável que a previsão dos valores de re- utilizado ou com o acréscimo de um cabo-guarda auxiliar em
sistência de aterramento seja feita com cuidado. Supondo por alguns trechos da linha. Cada alteração proposta exige um
exemplo o caso com resistências de aterramento muito altas na novo conjunto de simulações e sendo o processo iterativo, não
torre de falta e nas torres à direita, e baixas nas torres à es- é possível saber previamente o número de simulações neces-
querda, a corrente de falta iria fluir predominantemente nos sário para o dimensionamento final.
cabos guarda à esquerda da linha. Uma situação como essa Essa elevada quantidade de casos e dados a serem proces-
poderia levar à especificação de um cabo-guarda mais robusto sados motivou o desenvolvimento de um sistema automatiza-
do que se as resistências de falta fossem mais uniformes al do para o gerenciamento dessas tarefas. O ferramental desen-
longo da linha. volvido facilita substancialmente a análise e dimensionamento
Outro fator bastante importante no dimensionamento do ca- dos cabos-guarda.
bo-guarda é o tempo de atuação da proteção, que deve ser A análise dos resultados é baseada na obtenção de um perfil
menor ou igual a um valor previamente especificado de tal de correntes máximas nos cabos-guarda, devendo-se verificar
modo que, no caso de curto, a corrente e conseqüentemente a se há superação da corrente máxima admissível pelo cabo-
temperatura do cabo-guarda não ultrapassem o limites permi- guarda considerado.
tidos. Esse perfil, conforme apresentado esquematicamente na fi-
O cálculo da distribuição de correntes é feita com o uso do gura 4, consiste em uma curva corrente x posição ou corrente
programa ATP, aplicando-se o curto circuito em todas as tor- x torre, onde se apresentam as correntes admissíveis e as cor-
res da linha, no caso de linhas curtas ou pelo menos nas torres rentes máximas nos cabos-guarda para faltas ocorridas em
próximas às subestações, conforme indicado na figura 3. todas as torres da linha ou em determinados trechos, próximos
às extremidades.
corrente (kAef)

T1 T2 T3 Iadm (kAef)

SE

início posição (km) fim

T1 T2 T3
corrente (kAef)

SE Iadm (kAef)

Fig. 3. Pontos de aplicação de curto.


início torre (no) fim
Alguns resultados de estudos realizados indicam que os Fig. 4. Perfis de corrente.
pontos de ocorrência de falta que apresentam maiores corren-
A figura 5 ilustra de forma simplificada o processo de di-
tes são os pontos próximos às subestações, porém, essa carac-
mensionamento do cabo guarda.
terística pode variar em determinados casos, principalmente
O cálculo dos parâmetros é feito pela rotina Line Constants
3

do ATP, sendo gerados automaticamente pelo sistema os mo- 10.50 10.50

delos de todos os trechos da linha, usando parâmetros distribu- 9.50


0.40 9.50
OPGW Leghorn
ídos e sem transposição. Os perfis são obtidos a partir da exe-
cução da simulação e leitura de correntes de forma automática

2.80
de casos de curto-circuito em todas as torres da linha, também
usando o programa ATP.

4.90

1.00
Os perfis de corrente são fornecidos em forma de arquivos
texto e a visualização dos mesmos é feita com uso de um pro- A C
B
grama de apresentação dos resultados.
0.40

entrada de dados básicos:


- geometria da linha

34.40
- resistividade do solo
- equivalentes nas extremidades

27.70
sistema

dados complementares:
- RAT torres
- config. cabo-guarda

calcula parâm. e monta


trechos da linha

calcula perfil de correntes

7.50
verifica superação de Fig. 6. Torre da linha de 500 kV.
corrente do cabo-guarda O projeto básico considera um cabo-guarda Leghorn e um
cabo-guarda OPGW de 115 mm2. Os cabos são Grosbeak em
bundle de 4 subcondutores, com espaçamento de 40 cm. As
superação de flechas são de 16,3 m para as fases e 13 m para os cabos-
corrente?
guarda. A resistividade do solo é de 1000 Ωm.
A taxa de curto circuito do cabo OPGW é de 63,5 kA2s e
considerando-se um tempo de atuação de 0,5 s, chega-se a
dimensionamento ok uma corrente admissível de 11,27 kAef.
Fig. 5. Diagrama de blocos. Para o cabo Leghorn a corrente admissível, para elevação
da temperatura de 50 para 180 oC, foi obtida a partir de gráfi-
O sistema desenvolvido permite a análise de diversas con- cos da norma ABNT [1, 2] e tem o valor de 13 kA.
dições que alteram os perfis de corrente, viabilizando o corre- O vão médio dos trechos, sem considerar os trechos de 50
to dimensionamento dos cabos. Uma opção prática é alterar a m até os pórticos é de 300 m.
as características do cabo-guarda ou sua configuração nos Para a resistência de aterramento foi adotado o valor de 20
trechos da linha, como por exemplo, instalar um cabo-guarda Ω para as torres e 0,1 Ω nas subestações.
adicional. Outra alternativa, sujeita a algumas incertezas seria Foram considerados equivalentes iguais nas duas extremi-
melhorar o aterramento das torres. dades da linha tais que a corrente de curto circuito fase terra
A obtenção da corrente limite do cabo-guarda é feita usan- fosse da ordem de 40 kA.
do-se a taxa de curto circuito e o tempo de atuação da prote- Um fator que pode alterar o dimensionamento do cabo-
ção e como complementação da análise, podem também ser guarda é o tipo de curto.
obtidos os perfis de temperatura máxima nos cabos guarda, no A tabela 1 apresenta os valores máximos de corrente nos
instante limite de atuação da proteção (apêndice). cabos-guarda e as correntes de falta para curtos na torre 1.
Verificou-se que o tipo de curto mais crítico para esse estu-
III. EXEMPLO DE APLICAÇÃO do é o curto fase A – terra. O curto trifásico-terra apresenta
A metodologia de dimensionamento foi avaliada para uma correntes baixas nos cabos-guarda pois a soma das correntes
linha curta (17,5 km) de 500 kV, com a seguinte torre básica. de falta das 3 fases só não é nula porque a linha não é trans-
posta.
4

TABELA 1 – CORRENTES MÁXIMAS NOS CABOS GUARDA máxima no cabo OPGW se reduz a 15,9 kA, valor ainda supe-
Imax (kAef) rior ao limite de 11,3 kAef.
tipo de falta Ifalta (kAef)
Leghorn OPGW
AT (fase-terra) 16,2 16,3 40,0 C. Instalação de cabo-guarda adicional nas extremidades
BT (fase-terra) 16,8 15,6 40,3 Como houve superação para 10 torres, propôs-se a instala-
CT (fase-terra) 17,3 14,9 40,1 ção de cabo guarda Leghorn adicional nos 10 primeiros tre-
ABT (dupla fase) 14,2 13,8 45,8 (34,7 *) chos (vãos) da linha, para as duas extremidades.
ABCT (trifásica) 1,9 1,6 46,9 (0,41 *) Para essa alternativa, obteve-se o seguinte perfil.
* Soma das fases
14

O dimensionamento se inicia com a obtenção dos perfis de


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corrente para o projeto básico, que será denominado caso ba-
se. No caso de haver superação de corrente admissível,do ca- 10
bo Leghorn ou do cabo OPGW, serão analisadas alternativas

corrente (kA)
para que não haja superação. 8
OPGW 115 mm2
A. Perfil de correntes para o caso-base 6 cg2 Leghorn
cg aux Leghorn
4 Imax OPGW
45
Imax Leghorn
40 2

35
0
10 20 30 40 50
30 OPGW 115 mm2 torre (no)
corrente (kA)

cg2 Leghorn
Fig. 8. Perfil de correntes máximas – 10 trechos com cabo-guarda adicional.
25 Icc
Imax OPGW
20 Imax Leghorn
Mesmo com essa medida ainda há superação da corrente
admissível no cabo OPGW, o que indica que se deve prolon-
15
gar o cabo-guarda adicional por pelo menos mais um vão.
10 Mesmo com essa alteração ainda houve uma pequena supe-
ração da corrente admissível no cabo OPGW, e face às condi-
5
10 20 30 40 50 ções críticas do estudo, é requerida a extensão do cabo-guarda
torre (no) auxiliar por mais um vão no início da linha, gerando o seguin-
45 te perfil (figura 9).

40
14
35

OPGW 115 mm2 12


30
corrente (kA)

cg2 Leghorn
25 Icc 10
Imax OPGW
corrente (kA)

20 Imax Leghorn 8

15 6
OPGW 115 mm2
10 cg2 Leghorn
4
cg aux Leghorn
5 Imax OPGW
2 4 6 8 10 12 14 16 2
posição (km) Imax Leghorn

Fig. 7. Perfil de correntes máximas para o caso base (por km e por torre). 0
10 20 30 40 50
torre (no)
Dos perfis pode-se verificar que há superação de corrente
Fig. 10. Perfil de correntes máximas – 12 trechos com cabo-guarda adicional.
para faltas nas 10 primeiras torres (a partir de cada extremida- no início e 11 trechos no fim da linha
de da linha). Uma alternativa simplista mas com dificuldade
prática seria especificar o tempo de atuação da proteção em O valor máximo de corrente no cabo OPGW, nessa confi-
0,24 s ante o valor original 0,5 s. guração, escolhida como final, é de 11,25 kA, valor abaixo do
limite admissível.
B. Redução da RAT das torres
A primeira alternativa a ser avaliada é a redução da resis-
tência de aterramento das torres (RAT) para o valor de 10 Ω.
Utilizando-se o perfil de correntes, verifica-se que a corrente
5

IV. CONCLUSÕES I é a corrente máxima no cabo-guarda (Aef)


O sistema desenvolvido facilita a tarefa de dimensionamen- t é o tempo (em s, normalmente o de atuação da proteção)
to de cabos-guarda de linhas de transmissão, assim como de R0 é a resistência do cabo-guarda à temperatura θ 0
cabos OPGW, do ponto de vista de correntes à freqüência (Ω/km)
industrial, permitindo a análise de várias alternativas de insta- α é o coeficiente de elevação de resistência com a tempera-
lação dos mesmos. tura (oC–1)
O sistema trabalha conjuntamente com o programa ATP, ω é o peso específico do cabo (kgf/km)
gerenciando os dados para a montagem de arquivos e obten- c é o calor específico do cabo (J/oC/kgf)
ção de resultados, proporcionando um ambiente favorável
para análise de alternativas, como melhoria do aterramento de VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
torres, instalação de cabos-guarda adicionais ou outras medi- [1] NBR 13981 Cabos pára-raios com fibras ópticas para linhas aéreas de
das mitigatórias. Foi ainda apresentado um exemplo de estudo transmissão (OPGW) - Curto-circuito - Método de ensaio, 1997.
de dimensionamento de cabos OPGW, em condições críticas [2] NBR 8449 Dimensionamento de cabos pára-raios para linhas aéreas de
transmissão de energia elétrica, 1984.
de solicitações de correntes de curto-circuito. [3] Leuven EMTP Center, ATP: Alternative Transients Program Rule Book.
Leuven, K.U, 1987.
V. APÊNCICE [4] Madge, R.C.; Barrett, S.; Grad, H.;. “Performance of optical ground
wires during fault current tests,” IEEE Trans. Power Delivery, v. 4, n. 3,
A corrente limite do cabo-guarda é dada pela expressão a p. 1552-1559, July. 1989.
seguir: [5] Madge, R.C.; Barrett, S.; Maurice, C.G.;. “Considerations for fault cur-
rent testing of optical ground wire,” IEEE Trans. Power Delivery, v. 7,
Tcc n. 4, p. 1786 - 1792, Oct. 1992.
I adm = (1) [6] Popovic, L.M.;. “Pratical method for evaluating ground fault current
t prot
distribution in station, towers and ground wire,” IEEE Trans. Power De-
onde: livery, v. 13, n. 1, p. 123 - 128, Jan. 1998.

Tcc = tI 2 é a taxa de curto-circuito, dada em kA2s, para e-


VII. BIOGRAFIA
levação da temperatura (normalmente de 50 a 180 oC)
t prot é o tempo de atuação da proteção dado em segundos, Carlos Eduardo de que o Morais Pereira nasceu em 1971, Brasil. Formou-
se em engenharia elétrica em 1996, obteve o grau de mestre em 1999 e o de
cujos valores típicos são 0,5 e 1 s. doutor em 2003, todos na Escola da de Politécnica da Universidade o São
A temperatura no cabo-guarda devido à circulação da cor- Paulo EPUSP. Atualmente é professor doutor na EPUSP atuando na área de
sistemas de potência e transitórios eletromagnéticos.
rente de curto é calculada usando-se a equação 2,
2
e kI t − 1
θ = θ0 (2)
α Luiz Cera Zanetta Jr. nasceu em 1951, Brasil. Formou-se em engenharia
elétrica em 1974, obteve o grau de mestre em 1984 e o de doutor em 1989,
onde: todos na Escola da de Politécnica da Universidade o São Paulo EPUSP. Atu-
θ , θ 0 são as temperaturas atual e inicial do condutor almente é professor titular na EPUSP atuando na área de dinâmica de sistemas de
potência e transitórios eletromagnéticos.
R0α
k=
ωc

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