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Henrique Salsano

ÍNDICE
HISTÓRIA e CULTURA da GASTRONOMIA

Introdução.............................................................................................................................................................. 3
Conceitos................................................................................................................................................................ 4
Pré-História............................................................................................................................................................ 6
Capítulo II............................................................................................................................................................... 8
Capítulo III........................................................................................................................................................... 10
Capítulo IV............................................................................................................................................................ 16
Capítulo V.............................................................................................................................................................. 21
Capítulo VI............................................................................................................................................................ 24
Capítulo VII........................................................................................................................................................... 31
Capítulo VIII......................................................................................................................................................... 34
Capítulo IX ........................................................................................................................................................... 38
Capítulo X.............................................................................................................................................................. 39
Capítulo XI........................................................................................................................................................... 41
Capítulo XII .......................................................................................................................................................42
Capítulo XIII......................................................................................................................................................... 44
Capítulo XIV.......................................................................................................................................................... 46
Capítulo XV........................................................................................................................................................... 48
Capítulo XVI......................................................................................................................................................... 49

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Introdução

A globalização provocou, nas últimas décadas, mudanças em vários países. Os hábitos alimentares,
por exemplo, cujos modelos são transmitidos culturalmente, sofreram transformações complexas. Tais trans-
formações exigem, a fim de serem compreendidas, uma abordagem e uma análise multidisciplinar do ponto
de vista socioeconômico, cultural e nutricional.

No Brasil, as transformações de ordem socioeconômica impactam de maneira considerável no setor


da alimentação. Pode-se ressaltar, assim, a ascensão da classe “C” no mercado de consumo e, consequente-
mente, na frequência a restaurantes. É necessário salientar, também, a mudança no perfil cultural alimentar
do brasileiro, causado pelo aumento do número de mulheres que trabalham fora. Cerca de 43,7% das mul-
heres trabalham fora. Ora, a tarefa de cozinhar, tradicionalmente inerente à mulher, acaba sendo dividida
com outros membros da família ou com profissionais do setor da alimentação (ABRASEL, 2007). O estilo de
vida contemporâneo nos leva a comer fora por necessidade ou simples prazer. Dados do IBGE mostram que
32% das pessoas comem fora de casa, 26% no Rio de Janeiro e 20% em Belo Horizonte. Nesse sentido, nota-se
que os gastos com a alimentação, fora do domicílio, no meio urbano, representam aproximadamente 33% do
orçamento das famílias brasileiras (IBGE, 2008-09).

Para entendermos por que comemos o que comemos, precisamos primeiro relacionar alguns fatores:

t Educacionais – Você come o que lhe foi ensinado a comer;


t Fisiológicos ou biológicos – Você come para ter saúde;
t Extrínsecos e intrínsecos – Você come o que a mídia determina;

Viver a sensação de comer um produto que faz parte da história é resgatar um significado. Comer um
acarajé na Bahia, por exemplo, é uma relação cultural.

Quantos alimentos não fazem parte mais do seu cotidiano e quantos hábitos alimentares foram alter-
ados com o passar dos tempos?

Para termos uma compreensão dos hábitos alimentares, responda:

t Qual a origem e formação da cidade?


t Qual a etnia dos antepassados?
t Quais fatores são mais importantes ou marcantes?
t O que a comunidade come normalmente?
t O que a comunidade come em ocasiões especiais?
t O que a comunidade come em festas religiosas, quermesses e eventos da cidade?
t Existe algum prato que seja diferente?
t Quais são os produtos de maior expressão?
t Qual a base da economia?
t Quais produtos são cultivados pelas condições climáticas?

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Conceitos
Os formados em gastronomia são aqueles que irão trabalhar direta ou indiretamente com os setores
de A&B (alimentos e bebidas), podendo ser na prática ou na teoria, trabalhando na administração de esta-
belecimentos relacionados à gastronomia: consultoria, catering, jornal, navio, eventos, chef de cozinha ou
cozinheiro.

“É impossível fazer gastronomia sem ter em conta o estado de espírito. Por mais vaga que possa ser
essa afirmação, colocar “alma” no que se faz depende de identificar com clareza a própria “alma” que porta-
mos ao cozinhar. Quando se prepara uma festa infantil ou se recebe uma pessoa muito íntima cujas preferên-
cias alimentares conhecem, o ato de cozinhar será aquele que leva o mais próximo possível, respectivamente,
do “gosto infantil” ou do gosto do convidado.” (ATALA e DÓRIA, 2008, p. 149).

A palavra cozinheiro vem do termo francês aubergiste, que quer dizer “dono de hospedaria, e faz
referência ao significado de acolhimento” (SUAUDEAU, 2004, p. 129).

Segundo Suaudeau (2004) “cozinha é paz, momento de diversão, de comunicação entre as pessoas”.
Ao preparar um prato, o profissional transmite seu caráter, sua pessoa e sua personalidade no momento em
que divide com a clientela um momento de felicidade. “É uma profissão que valoriza a obediência, o respeito
e o ritual, o que lhe dá um caráter sacerdotal” (p. 135).

Nota-se, desse modo, que a primeira regra do cozinheiro é servir com humildade até ser conhecido
pelo seu trabalho, pela sua dedicação e pelo seu talento. A profissão exige dedicação total e grandes desafios,
pois numa cozinha não há monotonia. A disciplina e os fundamentos clássicos para a criatividade pessoal
tornam a profissão muito bela, principalmente por permitir trabalhar com produtos de qualidade, conhecer
pessoas interessantes, comer bem, ter sucesso e reconhecimento financeiro (SUAUDEAU, 2004).

A segunda regra é o conhecimento do perfil dos clientes. Saber se a preferência tende mais para
carnes ou para massas, se gostam de molhos adocicados ou das receitas mais tradicionais, por exemplo, tor-
na-se uma observação necessária (SUAUDEAU, 2004).

Segundo o dicionário, o termo gastronomia significa “a arte de cozinhar bem e arte de deliciar-se com
pratos requintados”.

“Uma receita tem vida, pulsa e é alterada e adaptada conforme as referências e costumes de uma épo-
ca. Uma receita acompanha a vida social, cultural e financeira de uma família, povo ou nação. Tudo que você
come é resultado de guerras, técnicas, navegações e etc.” Bérgamo.

A origem da palavra vem do grego gaster (estômago, ventre), nomo (lei), o que literalmente significa
“Leis do estômago”. Quem criou o termo, fazendo o sentido do prazer de comer bem, foi o poeta e viajante
Archestratus, no século IV A.C. As experiências de suas viagens foram compiladas na obra chamada de Gas-
tronomia ou Hedypatheia (Tratado dos Prazeres). Archestratus gastou verdadeira fortuna viajando em busca
de novas iguarias e, arruinado e na miséria, preferiu se suicidar.

A gastronomia esteve presente na origem das transformações sociais e políticas, estando junto com
a evolução humana - de nômade caçador até o homem sedentário - fazendo parte da base da cultura de um
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povo. Ela nasce do prazer máximo que os alimentos podem proporcionar. É uma arte que está ligada à cria-
tividade onde a culinária é a base, e que engloba ainda, as bebidas e a alimentação com todos os seus aspectos
culturais.

A gastronomia expressa hábitos alimentares, a utilização dos recursos disponíveis na região a tradição
e os costumes de um povo e isso é passado de geração em geração, está ligada a técnicas de cocção, preparo,
conservação, serviço ao ritual e maneiras à mesa.

Em geral, é muito difícil comprovar a verdadeira paternidade de um prato, pois a gastronomia se


transforma com o dia a dia de acordo com o progresso e as transformações cotidianas. Os Romanos se deli-
ciavam em seus banquetes deitados, postura que foi abandonada na Idade média, na posição sentada, deixa-
vam as mãos livres para trinchar os assados, além das mesas terem, e o do uso do garfo se tornou um hábito
após a peste negra quando os comensais europeus aumentaram as distâncias entre eles. As maneiras como
preparam os alimentos diferem de um povo para o outro de acordo com os recursos tecnológicos, econômi-
cos e sociais, o clima e até de componentes religiosos.

Estudando a história da gastronomia de um país ou de um povo, é possível entender em quais


condições um prato foi criado e quais foram os fatores que influenciaram para esta criação ou adaptação.

Entender a evolução da cozinha é compreender as influências e o contexto histórico no qual se vive. O


cozinheiro vai muito além de escolher receitas para servir; é preciso conhecer a história e dominar as técni-
cas.

Gastronomia é o conjunto de técnicas e métodos de cocção, levando em consideração a relação entre


os indivíduos e os fatores ambientais, os fenômenos culturais, sociais e de consumo.

Já a culinária poderia ser definida como a arte de cozinhar, sendo o culinarista o conhecedor das
técnicas culinárias.

O gourmet é a pessoa que aprecia e conhece pratos elaborados, sendo o gourmand a pessoa aprecia-
dora de comidas apetitosas.

Cozinhando, o homem estabeleceu uma grande diferença entre ele e os outros animais. Descobriu
que podia restaurar o calor natural de sua caça, acrescentar sabor, tornar mais digerível e palatável. Desco-
briu, também, a primeira técnica de conservação: a cocção. O alimento ao ser cozido torna-se mais fácil de
ser mastigado e, com isso, oferece menos esforço na mastigação.

A capacidade de gerar ignição representaria um grande salto cultural, pois o fogo estava associado à
magia, ao sobrenatural, à ideia de vida, à purificação e à perenidade. Em muitas culturas, o fogo faz parte do
ritual da mesa e da hospitalidade, “de uma espécie de chamamento interior, inconsciente, uma reminiscência
do fogo original”.

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Pré-História
Pré-história: período que vai da origem humana até o desenvolvimento da escrita por volta de 3.500
a.C. Devido à grande extensão deste período, ele então é dividido em 3 partes: Idade da Pedra Lascada ou
Paleolítico, Idade da Pedra Polida ou Neolítico e Idade dos Metais.

Idade da Pedra Lascada ou Paleolítico é o período que vai da origem da humanidade até 10.000 a.C.
As características da alimentação eram a caça, pesca e a coleta de alimentos, tais como: raízes, tubérculos,
talos tenros, frutas e grãos silvestres, como lentilha, framboesa, figo, uva e o uso do mel para adoçar os ali-
mentos . O homo sapiens vivia em grupo unindo forças para caçar. Enquanto os homens caçavam e produz-
iam armas, as mulheres coletavam vegetais e cozinhavam os alimentos. A descoberta do fogo há 500mil anos,
abre uma grande diferença entre o homem e o animal, pois em volta do fogo ele se sociabiliza e partilha os
alimentos. Cozinhando a caça torna a carne mais palatável, mais saborosa (pois a temperatura libera odores
e sabores, ao contrário do frio que as sintetiza), mais digerível, e mais fácil de mastigar. A forma de cozinhar
a carne era assada sobre brasas, cinzas ou em um espeto feito de ossos. Com a cocção da carne descobre-se
a primeira técnica de conservação, pois alimentos cozidos retardam a decomposição, prolongando o tempo
de vida útil. Outra maneira de se conservar a carne era colocando-a para secar ao sol. O único objetivo da
alimentação era a subsistência.

Idade da Pedra Polida ou Neolítico é o período que vai 12.000 a.C. até 6.000 a.C., quando o clima da
terra começa a se estabilizar e o homem começa a se fixar num determinado espaço de terra, a domesticar
animais e a cultivar plantas. A produção agrícola e a fabricação de utensílios de barro possibilita ao homem
armazenar os alimentos restando, assim, mais tempo para o desenvolvimento tecnológico e cultural. Surgem,
então, os primeiros povoados: o Crescente Fértil (território que hoje compreende o Irã, Iraque, Turquia, Síria,
Líbano, Israel e Jordânia) onde eram produzidos, trigo, cevada, lentilha e ervilha e eram domesticados ani-
mais como a cabra, a ovelha, o boi e o porco. Neste período, as mulheres ganhavam novas atribuições. Além
do preparo do alimento, cabia a elas o plantio e a colheita dos vegetais e cereais e aos homens cabiam, além da
caça, cuidar dos animais. Neste período, o homem começa a trocar o excedente da produção dando início ao
que denominamos hoje de comércio. A partir de então, o homem começa a se deparar com alimentos difer-
entes de acordo com a região onde se fixava, e começou a selecionar o que mais lhe agradava.

Idade dos Metais é o período que vai de 5.000 a.C. à 4.000 a.C., no qual o homem aprende a técni-
ca de fundição dos metais que substituíram a pedra. Foram desenvolvidas armas e ferramentas de trabalho
como o arado impulsionando ainda mais a produção agrícola e dando maior margem ao excedente. Apare-
cem as primeiras cidades e o comércio de trocas se intensifica levando a necessidade de ser registrar estas
trocas, dando início à escrita.

História Antiga é o período que vai do surgimento da escrita e o surgimento das primeiras cidades
organizadas ocorrendo, neste período, o primeiro registro da profissão de cozinheiro. Este período termina
com o declínio do Império Romano, no século V d.C.

Corte de boi
“Quer-se o corte de boi ou de vaca delgado e miúdo, quase como se fosse coisa picada. De toda a sua
carne, a melhor é a que está junto do osso (exceto carne de leitão e porco, dos quais, melhor que a carne é o
“crostim” - couro mais macio)”.
Libre Del Coch (1520).
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Molho Béchamel
“Diz a lenda que tal alquimia foi idealizada pelo marquês Louis de Béchameil (1630-1703), um finan-
cista francês, especialista em agricultura e assessor do rei Luís XIV. Na verdade, na Itália, o molho já existia
desde o século XIV, uma especialidade da região de Cesena, nas imediações do mar Adriático, sob o nome de
balsamella”.
Cozinha Clássica – Silvio Lancellotti

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Capítulo II
“A descoberta de um prato novo é mais útil ao gênero humano do que ao descobrimento de uma estrela.”
Brillat Savarin

A socialização de uma criança compreende as noções sobre alimentação, deste processo resulta a val-
orização ou rejeição de certos alimentos ou preconceitos e tabus.

Na refeição em família são transmitidos valores. Da aprendizagem destes valores, desenha-se o mun-
do no qual a criança pertence e quais as atitudes são aprovadas pelo seu grupo social.

Hábitos alimentares são o conjunto de regras e maneiras que orientam um indivíduo ou um grupo na
preparação e no consumo de alimentos usuais.

Os hábitos alimentares de uma nação não são apenas mero instinto de sobrevivência; são resultados
de sua história, geografia, clima, organização social e crenças religiosas. Por isso, o gosto ou a repulsa varia de
uma sociedade para outra.

O gosto, que muitos acreditam ser pessoal, é, na verdade, formado por: sexo, idade, nacionalidade,
religião, grau de instrução e nível social.

O gosto é moldado social e culturalmente, compreendendo a formação dos hábitos alimentares e,


mesmo quando os pratos regionais de onde o indivíduo cresceu podem ser considerados medíocres por out-
ros povos, para eles são tão apreciados e associados a recordações mentais.

Os hábitos alimentares têm raízes profundas na identidade do indivíduo, por isso são difíceis no pro-
cesso de adaptação dos imigrantes.

O homem come o que a sociedade ensina. Os homens preferem os alimentos que suas mães os ens-
inaram a gostar. O gosto ou aversão fazem parte do patrimônio da infância. Mas é da natureza humana con-
tinuar provando e passar a gostar de alimentos que lhes eram desagradáveis e se tornar indiferente a certos
alimentos que lhe pareciam indispensáveis na infância.

O gosto eclético é justamente a ruptura com a infância e a maturidade do paladar.

A repulsa de certos alimentos pode se dar também pelo olfato. A rejeição, seja ela pelo olfato ou pelo
paladar, é transmitida culturalmente ou por meio de uma experiência traumática.

Na escassez, a seletividade decresce e os alimentos repulsivos são ingeridos quando há fome. Nessas
situações, provamos coisas novas. O homem é o ser mais adaptável de todos os mamíferos.

Molho branco
“Toma-se gengibre branco que seja fino, rapa-se a casca e corta-se em pedaços de tamanho de meio
cubo, deixando-se de molho de véspera em água rosada que seja fina. No dia seguinte, tomam-se amêndoas
brancas e limpas, trituram-se no pilão com bom caldo de galinha devidamente salgado, passa-se na esta-
menha e depois leva-se esse leite em panela ao fogo para cozer. Atam-se com um fio boas e largas cascas de
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canela, mergulham-nas em caldo fervente de galinha, escaldando-as com bons cravos de giroflê. Quando o
molho estiver mais de meio cozido, jogam-se nele, a canela, os cravos, bem como o gengibre curtido e à água
rosada. Se o sabor do gengibre não estiver acentuado, acrescente-se um pouco dele picado, pois este molho
deve puxar ao gengibre e à água rosada. Todavia, a água rosada não deve ser adicionada enquanto não com-
pletar o cozimento. Pronto o molho, distribua-se em terrinas, povilhando-as de açúcar fino.”
Libre Del Coch (1520)

Molho Mornay
“Joseph Voiron, o chef do restaurante Durant, na Paris do final do século 19, consta das enciclopédias
como inventor deste molho, uma homenagem ao seu filho mais velho, de nome precisamente Mornay. A re-
ceita, no entanto, já era comum na Itália duzentos anos antes, nos gratinados da Emilia-Romana, de Bolonha
até Parma. A Voiron apenas coube agregar as gemas de ovos à alquimia peninsular, uma forma de adensá-la
melhor.”
Cozinha Clássica - Sílvio Lancellotti

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Capítulo III
“O cozinheiro se faz, porém o bom cozinheiro nasce”.
Brillat Savarin

Mesopotâmia

Palavra que significa entre rios (no caso o Rio Tigre e o Rio Eufrates). Esta cidade conseguiu se valer
das enchentes destes rios para melhorar sua irrigação e, assim, produzir mais. Existia ativo comércio de tro-
cas onde a cevada era a moeda vigente, inclusive para o pagamento do camponês.

As receitas da época tinham uma estrutura parecida com as de hoje, contando com a existência de
caldos de legumes, de carne, de cordeiro, e o uso de ingredientes como: cebola, alho, cominho. O sal era usa-
do, mas era muito difícil de ser obtido. Costumavam se alimentar de carnes de criação e de animais selvagens,
cozidas em água fervente e com sangue animal, além dos pães feitos com farinha de trigo.

Nos banquetes reais eram comemorados os grandes acontecimentos. Os pratos servidos eram feitos
com cabra, carneiro, cordeiro, veado e aves grelhadas ou guisadas, acompanhadas de pães de cevada, vinho e
cerveja, além de frutas e bolos adoçados com mel.

A conservação dos alimentos era feita em óleo de oliva, ou eram defumados, ou eram salgados ou
postos para secar.

Egito Antigo

Tinham um conhecimento do valor nutricional dos alimentos e se alimentavam de forma saudável,


com citações sobre a importância de se ingerir frutas e vegetais. Costumavam se alimentar de peixes, frutas,
laticínios, mel, óleo de oliva, pão, vinho e cevada.

As classes desfavorecidas se alimentavam de cozido de cereais, como: tremoço, grão de bico, lentilhas
e ervilhas, peixes que o Rio Nilo oferecia (tilápia, carpa e sargo), pães de cevada, queijo, aves, carne de porco
e pouca carne bovina.

Nos banquetes eram servidas aves de pequeno porte, além de bolos especiais com farinha de junça.

Na cozinha já existia uma separação das funções: padeiro, confeiteiro, cervejeiro e degustador de vin-
hos.

A padaria era muito apreciada no Egito antigo, com a utilização de fornos de barro para os pães e o
desenvolvimento da levedura para fazer crescer o pão.

Na época, os gansos e os patos já eram cozidos na gordura.

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Índia

Alimentação baseada em arroz, trigo e painço. Desde os tempos antigos, usa-se legumes secos e em
conserva, ensopados com lentilha, grão de bico, frituras e pães. Os pães mais comuns são preparados em
forno tandoori.

Para se tornar um cozinheiro, precisa-se ser um mestre na arte de mistura de especiarias.

Molhos tradicionais: molho agridoce preparado com frutas e especiarias.

Garam masala: mistura elaborada com condimentos, ervas de plantas aromáticas, que chega até ter 30
ingredientes.

Achar: molho a base de hortaliças ou frutas, conservadas em suco de vinagre.

Raita: molho de iogurte com especiarias e produtos vegetais, muito usado em pratos apimentados
para amenizar o efeito picante.

Curry: uma mistura de especiarias trituradas em forma de pó. Em sua composição existe gengibre,
cilantro, cúrcuma, nós-moscada, cardamomo, semente de papoula, cravo e açafrão.

Panir: receita que está entre o requeijão e a coalhada.

Koya: leite coagulado, muito usado em sobremesas e no curry.

Ghee: espécie de manteiga clarificada, usada para frituras e condimento.

China

Desenvolveu hábitos e filosofias valorizando o equilíbrio entre o corpo e a mente. É a origem de mui-
tas cozinhas asiáticas e, a base da alimentação está na soja, arroz, cevada e milhete.

Os pratos são baseados em vinagre, aves, peixes e crustáceos tendo a carne vermelha uma importân-
cia secundária.

Desenvolveu técnicas para aproveitar melhor a lenha e o alimento cortando-o em pedaços pequenos.
Assim, o cozimento é mais rápido e o seu suco natura é mantido, além da panela utilizada chegar à alta tem-
peratura em pouco tempo.

O símbolo do equilíbrio Yin/Yang é usado também na cozinha, onde os opostos se completam, de-
vendo conter na refeição os 5 sabores: o doce, o salgado, o ácido, o amargo e o picante.

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Pratos gordurosos e apimentados com peixes e frutos do mar são exemplos deste equilíbrio.

A alimentação natural e alguns hábitos à mesa foram contribuição chinesa.

Mediterrâneo

Une povos de 3 continentes - a Europa, a Ásia e a África. A base da alimentação é o óleo de oliva
(vários usos), trigo e o vinho. Usa-se pouca carne de gado por falta de espaço, sendo mais comum o uso de
carne de cabra e de cordeiro. Para compensar uso de pouca carne, usava-se muita salada e legumes, cultura
simples, porém essencial.

Grécia

É onde é ouvida pela primeira vez a palavra gastronomia. Os hábitos alimentares são parecidos com
o que usamos hoje, baseados em 3 refeições: o desjejum, o almoço e a refeição do final do dia. Era hábito adi-
cionar água ao vinho, exceto na primeira refeição, onde o pão era molhado no vinho puro. A bebida também
era usada para cozinhar guisados.

A base da alimentação eram os cereais, com receitas usadas até hoje como a cevada. Na Grécia cri-
am-se cabras e carneiros adaptados às montanhas onde se retiram carne, leite e o queijo como o feta, além de
animais de caça como o javali, lebre e linces.

A partir do século V a.C. a cozinha Grega evoluiu muito com o desenvolvimento da panela para
cada tipo de preparo, o desenvolvimento dos fornos, além dos utensílios de cozinha que eram leves e fáceis
de transportar. As profissões ligadas à gastronomia também se desenvolveram; o padeiro (mageiro); o re-
sponsável pela moagem.

Em Athenas, surgem os cozinheiros especializados. Antes disso, os escravos desempenhavam este pa-
pel. A diferença é que tinham uma posição de destaque: depois de anos podiam ser libertados e promovidos a
archimageiro (mestre de sua arte).

Os “simpósios” comuns na época eram recepções com o objetivo de alimentar o corpo e o espírito.
Eram divididos em duas partes: a primeira onde as pessoas faziam as refeições reclinadas e comendo com as
mãos. Na mesa eram servidos todos os preparos em pequenas porções, e a disposição dos convidados à mesa
é como se usa até hoje: o anfitrião no centro; ao lado direito, o convidado de honra, e assim por diante. Eram
servidas receitas com pato, ganso, pavão, galinha, faisão, perdiz e garça real.

A segunda parte iniciava-se derramando um pouco de vinho para a divindade, e a discussão de vários
assuntos com o serviço de “petiscos”, como, frutas secas, frescas, azeitonas e nozes. O ancorte era responsável
pelo serviço de vinho. Era ele quem fazia a seleção e administrava as dosagens.

Ainda tinham o triclinarca (mordomo) e o nomenclator (mestre de cerimônias).

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Na Grécia clássica nasce Pitágoras que, além de filósofo e matemático, é considerado o “pai do veg-
etarianismo”. Com argumento baseado em 3 vertentes: veneração religiosa, saúde física e responsabilidade
ecológica.

Hebreus

Surgiram na Mesopotâmia e eram comandados por homens mais velhos: os patriarcas. A religião era
monoteísta (judaísmo) e, em 1.800 a.C., partem rumo à terra prometida: Palestina (Canãa). Vão ao Egito em
busca de alimentos, onde viram escravos durante séculos. Libertados por Moisés, atravessam o mar vermel-
ho, chegam ao Monte Sinai onde recebem de Jeová as leis de Torá, constando também os primeiros preceitos
alimentares: a alimentação Kosher ou Kasher, cujo significado é “apropriado para o consumo”, e é seguida até
hoje pelos Judeus ortodoxos.

Algumas leis da alimentação Kosher: extrair o sangue do animal; abate indolor com a presença de
um rabino; não consumir a carne com leite e derivados; não consumir carne de porco por considerarem um
animal impuro; só consumir peixe com barbatana e escamas (truta); não consumir frutos do mar.

A alimentação é cheia de simbolismo. O pão que acompanha a refeição é o matza, “pão da fé”. É um
pão achatado porque, segundo a Torá quando da fuga do Egito, eles não tiveram tempo de esperar o pão
crescer.

Roma Antiga

De 753 a.C. até 476 d.C. Em 753 a.C., Roma era um estado da Península Itálica com características
agrárias, terras férteis e criação de animais. Com as conquistas, acabaram se anexando a ela a Região do Med-
iterrâneo e a Grécia, aos quais deve grande parte da influência gastronômica.

No auge do Império Romano (século I d. C.), para manter a ordem junto à população foi instituída a
política de “circo e pão”.

Circo e pão - seriam espetáculos a céu aberto e onde os pães eram distribuídos. Só existiam fornos
nas casas dos aristocratas, onde era possível fazer o pão.

Os Romanos, assim como os Gregos, faziam 3 refeições ao dia: o Jentaculum (desjejum) com o pão
umedecido em vinho ou mel com queijo e azeitonas; o Plandium (refeição do meio do dia), onde o queijo era
importante pois eram feitos a partir do leite de cabra, de jumenta ou de égua (só mais tarde é que foi difundi-
do o leite de queijo de vaca) e a Cena (ceia). O alface era bastante apreciado nas refeições.

Sendo essencialmente agrário, nos primórdios do Império Romano, eram bastante apreciados alimen-
tos como: oliveiras, parreiras, cereais, legumes, favas, feijões, tremoços, couve e rábano.

Já a alimentação do camponês era à base de verduras e hortaliças como o Pulmentum (um tipo de
guisado de cereais) acompanhado de pão, este último tornando-se a base da refeição do camponês.

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Os Romanos eram conhecedores da importância das proteínas (obsonium) para o organismo. As


mais consumidas eram as de ovo, carne de porco, cordeiro, cabrito e frango.

Os homens se confraternizavam nas tabernas bebendo, principalmente, vinho acompanhado de gui-


sado de carnes ou peixes.

Em 79 d.C. Pompéia é destruída, mas deixa um grande arquivo arqueológico, que podemos retratar
no dia-a-dia da população. As cozinhas eram pequenas, com fogões rústicos, feitos com base de tijolos e
trempes, com um orifício lateral para a colocação da lenha e, no pátio, ficava o forno para assar o pão. Nas
casas mais pobres não existiam nem fogão nem forno e, em raros casos, as pessoas dispunham de braseiros
móveis. O mais comum era usar os fornos coletivos onde as pessoas podiam cozinhar e se sentar para com-
er. Os motivos para o uso de fornos coletivos eram a falta de espaço e o medo de provocar incêndios. Os
utensílios eram de cerâmica, as taças eram esféricas ou quadradas, os pratos eram mais ou menos fundos com
sulco no centro e as moringas eram de várias formas e tamanhos. O termo “colher” vem dos Romanos, que as
chamavam de “cocheare”- espátula feita de marfim e madeira usada para pegar alimentos líquidos.

Os Romanos preparavam pratos com molhos elaborados e muitos temperos. Apreciavam o sabor
agridoce, adoçados com mel. As preparações eram assadas, cozidas, ensopadas e recheadas.

Na cozinha, o padeiro e o cozinheiro tiveram grande valorização: de simples escravos se tornavam


pessoas respeitadas. Começa, então, a existir uma hierarquia dentro da cozinha. O cozinheiro chef cuida do
fogão, o cozinheiro assistente preparava as massas moendo o trigo e fazendo os recheios. O pistor armazena-
va os alimentos e o provador ou proegustador era quem provava os pratos, sendo o primeiro a morrer.

De Re Coquinaria é uma coletânea com 468 receitas de vários autores que revela as preferências ro-
manas. Foi encontrada nos manuscritos de Apicius (37-68 d.C.). Nela consta molhos concentrados, redução
de vinho com ervas e especiarias como cominho, arruda, coentro, pimenta do reino e, ainda, amêndoas,
avelãs e pinhões, o defructum - molho de vinho reduzido até a metade – que dava mais consistência aos pra-
tos, truques de conservação e preparação de peixes, carnes e uma exaltação ao patê de fígado de ganso.

Com todas as conquistas, Roma se torna uma grande potência e, junto com estas conquistas, vieram,
também, as riquezas culturais e gastronômicas das regiões conquistadas. Com a conquista da região do mar
Mediterrâneo chamado de “Mare nostro”, também representava o controle de mais de 60 salinas. O sal tinha a
função de conservar, temperar, completar a alimentação (tanto da população, quanto dos animais) e também
de aplacar o sabor amargo das verduras.

Os banquetes romanos eram compostos de 3 passos: o Gustaio, onde eram servidos saladas e
pequenos pratos como os anti-pasti; Mensai primai, com pratos mais consistentes e, por último, o mensae
secundae com doces, bolos, frutas e vinho misturado à água. Consumia-se muita carne tanto de animais sel-
vagens quanto de animais domésticos, além de peixes, frutos do mar, verduras e legumes. As bebidas eram o
vinho e o hidromel (fermentado à base de água e mel). Os molhos eram espessados com pinhões, amêndoas,
avelãs, ovo cozido ou pão. Alimentos inusitados como carnes de girafa, urso, tromba de elefante e cabeças de
papagaio, faziam parte do serviço. Comer em demasia se tornou uma prática comum e, para que os convivas
pudessem comer mais, foram instalados vomitôdromos. Este tipo de excesso não era bem visto pela popu-
14 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

lação, dando margem a revoltas. A situação se agravou com a invasão dos germânicos (bárbaros) em busca
de terras para a agricultura. A queda do último imperador romano marca também o fim da Idade Antiga
(476 a.C.). A gastronomia teve como berço o mundo antigo. Todo esse passado rege nosso pensamento gas-
tronômico atual.

Tipos de molhos comuns


“Quatro onças de gengibre, três onças de canela, uma onça de pimenta, uma onça de cravos de giroflê, noz
moscada, meia onça de flor de macis (casca de noz moscada), de açafrão basta um quarto de onça. Tudo bem
misturado, picado e passado em peneira razoavelmente fina. Eis o molho comum.”
Libre Del Coch (1520)

Mirepoix
“Criação do duque de Lévis-Mirepoix, militar de coragem, marechal dos exércitos de Luís XV e também seu
embaixador. Trata-se de um glorioso refogado de fundo, excelente para os assados e ensopados.”
Cozinha Clássica – Silvio Lancellotti

História e Cultura da Gastronomia 15


Henrique Salsano
Capítulo IV
“A sorte das nações depende do modo de alimentar-se delas”.
Brillat Savarin

Todo o requinte da boa mesa cai no esquecimento, onde começa a prevalecer a agricultura de sub-
sistência, caracterizada pela religiosidade. Período que vai do ano 476 a 1453, quando os Turcos Otomanos
tomam Constantinopla. Com a queda do Império Romano, a estrutura econômica e política da Europa é
totalmente modificada e o legado culinário do Império fica com os novos donos do poder.

A Europa medieval era essencialmente agrária e isolada em feudos. As classes sociais eram ligadas à
agricultura de subsistência. Os senhores feudais e o clero ficavam no topo da pirâmide e os servos compun-
ham a base. O clero representava a Igreja Católica. Os sacerdotes exerciam muita influência no poder, deten-
do toda a cultura e eram, praticamente, os únicos letrados da época.

Entre os séculos IV e XIV, todo o conhecimento da gastronomia ficava nos mosteiros. A imprensa
surge apenas mais tarde. Os monges ficavam encarregados dos registros dos conhecimentos e da supervisão
do cultivo dos pomares, da criação de animais, da produção de queijos e bebidas.

Como exemplos deste conhecimento gastronômico, no Monastério de Alcântara, na Espanha, con-


stava a receita de faisão à moda de Alcântara que era um desossado na parte dianteira e recheado de fois gras
e pedaços de trufas cozidas no vinho. Já no colégio Jesuíta de Vizcaya, na Espanha, tortilha de batatas fazia
parte dos hábitos alimentares da época. Nos monastérios e conventos da Europa existia uma grande varie-
dade de sopas e este prato era consumido por toda a sociedade das diferentes classes da Idade Média, como:
sopas de toucinho, peixe, beterraba, espinafre, abóboras, entre outras. Seguia-se o calendário religioso onde
jejuava-se em alguns dias e comia-se muito bem em outros, principalmente aos domingos e datas festivas,
como no Ano Novo onde comia-se pratos como arroz de leite e amêndoas, peixe fresco, queijo e pastéis
regados com mel. Na quaresma não podia se consumir carne, seguido por todas as classes sociais da Idade
Média. Nesta data, era consumido o peixe que era considerado menos nutritivo que a carne. Os peixes mais
apreciados eram o salmão, a truta, o arenque, o esturjão e o bacalhau. A carne também podia ser substituída
por queijo, frutas secas e ovos.

As padarias do Império Romano haviam desaparecido, mas foram mantidas nos Monastérios, Abadi-
as e castelos e, muitos senhores feudais cobravam para assar o pão dos vassalos.

Muitas bebidas têm como lugar de origem um mosteiro ou convento, os quais fabricavam sidra, vinho
e a cerveja como as famosas e consagradas Chimay e a Rochefort. A cerveja, na época, foi considerada mila-
grosa, pois podia acabar com epidemias transmitidas através da água. As pessoas eram incentivadas a beber
cerveja, uma vez que para a sua fabricação era usada água esterilizada sendo, assim, mais saudável beber
cerveja do que água. Na bebida eram usados: malte, grãos de trigo, centeio, aveia, cevada e leveduras para in-
duzir a fermentação e, ainda, aromatizantes como cascas e resinas de árvore, além de ervas, frutas, sementes,
especiarias e mel, e mais tarde sendo incorporado o lúpulo, responsável pelo o amargor e conservação. Tanto
a cerveja quanto o vinho tinham grande importância sendo considerados complementos alimentares devido
ao seu aspecto nutritivo. O vinho, quando misturado ao azeite, servia para a cicatrização de feridas e para o
tratamento de problemas no aparelho digestivo. Usado nas missas e consumido à mesa pela população em
geral, boa parte dos terrenos nos mosteiros era dedicado ao plantio e produção do vinho, sendo comum, mais
16 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

tarde, o cultivo em quase todas as propriedades rurais, com pequenas adegas e equipamentos caseiros, como
o lagar, a dorna, os funis e tonéis para fazer o vinho no local.

A pirâmide alimentar da Idade Média defendia a tese: “a grande cadeia do ser” que se baseava no
princípio - alimentos que fossem próximos ao céu eram considerados superiores aos alimentos próximos do
solo.

A doçaria medieval se desenvolveu nos conventos, como a clara de ovo que era usada na clarificação
do vinho e no engomar de roupas. As gemas passaram a ser usadas na composição de doces. Muitas, até
hoje, guardam o seu caráter original como: as massas de pão de ló, fios de ovos, marmeladas, toucinhos do
céu, ovos moles, marzipãs, doces de abóbora, fazendo parte da nossa cultura, as raivas e os tabefes feitos para
exorcizar más intenções.

Na cozinha do camponês, eram utilizados trempes para cozinhar, para apoiar os caldeirões, os quais
eram colocados sobre brasas ou pendurados por uma corrente. A base da alimentação do camponês era a
sopa, os ensopados e papas de legumes e cereais com favas, lentilhas e grão de bico. O pão era o alimento
básico consumido por todas as classes da Idade Média, com o diferencial de que a nobreza usava a farinha
de trigo na sua fabricação. Já a dos servos era mais rudimentar, pois utilizavam a farinha de cevada, aveia,
centeio e espelta (tipo de trigo), ou a mistura de todos os grãos nas boas safras. Quando a safra era ruim, o
pão era feito com farinha de leguminosas e, como este tipo endurecia muito rápido, o pão era mergulhado
em água, vinho ou caldo, explicando, assim, a origem do termo ensopado.

A sopa do camponês era preparada com banha de porco ou óleo e com o que conseguiam colher,
como: espinafre, abóbora, nabo, couve. Eram misturados com as carnes de caça, as quais tinham uma pre-
sença bem menor. Criavam animais como o porco aproveitando a banha, a carne, salgando-a e embutindo-as
(charcutaria) para consumir em outras épocas, além do carneiro, ovelha e a cabra, usadas para retirada da lã e
a produção de leite e derivados, e só eram abatidos em último caso. Criavam também galinhas e gansos.

Na idade medieval não existia luxo nem mesmo nos castelos, mas havia fartura de comida. As co-
zinhas dos castelos e dos camponeses eram bem parecidas, com o diferencial do uso da carne. A carne de
porco era servida em abundância e, nos festejos, usava-se também bastante carne de caça, como: javali,
pavões, perdizes e codornas. Sendo a carne o principal alimento desta época, os camponeses eram proibidos
de entrar nos bosques fora dos períodos de temporada, sendo punidos com pena de morte. A caça era per-
mitida somente aos nobres. Se na Pré-História caçava-se por necessidade, nesta época torna-se uma forma de
demonstrar poder.

No início da Idade Média não existiam fogões e os cozinheiros do castelo partiam as carnes em
pequenos pedaços e as assavam rapidamente em espetos movidos à mão, com engrenagem lateral. Nessas
laterais também eram pendurados os caldeirões para as sopas, mas como não era possível controlar a tem-
peratura, não era possível executar pratos mais elaborados. Como também era difícil a combustão, a chama
era mantida acesa.

O fogão volta para a cozinha no século XI, feito de tijolos, de forma retangular, medindo 2x2 e no
centro da cozinha, beneficiando a figura do cozinheiro que volta a preparar pratos mais elaborados, como
História e Cultura da Gastronomia 17
Henrique Salsano

guisados, molhos, preparos como pochê, frituras e grelhados. Os utensílios usados eram caçarolas, frigidei-
ras e grelhas. Fritava-se a carne com toucinho e, o peixe, com óleo de oliva. A ostentação estava na abundân-
cia, no valor e na raridade dos ingredientes utilizados. O paladar não era apurado, sendo bastante utilizados
em seus preparos, temperos e condimentos em excesso, todos vindos da Índia. O cozimento era feito em
água com especiarias, ervas aromáticas e outros condimentos, dando maciez e realçando o sabor. Nas carnes
de caça era usual utilizar-se de cozimentos sucessivos, como escaldá-las ou aferventá-las antes da cocção
na panela, frigideira ou grelha. No preparo dos molhos era apreciado o gosto ácido como o vinagre, as uvas
verdes (agraço) ou o suco de limão. O sabor era, ao mesmo tempo, forte e agridoce pelo uso das especiarias
em demasia, tais como: pimenta do reino, cardamomo, açafrão, gengibre, cravo e canela com molho de vinho.
O doce vinha do açúcar extraído da cana de açúcar. Por ser de difícil obtenção, era considerado como uma
especiaria, sendo utilizado até em pratos principais à base de peixes, aves e carnes. O doce misturado a outros
sabores melhorava o resultado final da comida. Ao açúcar, atribuía-se até a cura de dores de cabeça e melan-
colia, sendo vendido em boticários. Um molho comum da época era o verjus, composto de vários vegetais,
como brotos de feijão, suco de limão, laranja ou maçã, perfumado com romã, hortelã, águas de rosas e com
especiarias, pimenta do reino, gengibre, canela, cravo, mostarda, alho e açúcar e o sabor ácido do vinagre.

O visual da composição das mesas era importante, sendo servidas aves inteiras com penas, javalis
com cabeça e as perdizes e os tordos simulando um ninho. Comer em demasia era sinal de poder, onde a
sociedade valorizava guerreiros com força física.

Os banquetes dos senhores feudais prosseguiram como uma forma de fazer alianças e acordos, sendo
mais simples no início da Idade Média e ganhando certa ostentação com Carlos Magno (742-814). Alimen-
tavam-se em cadeiras ou bancos em frente das mesas, que eram rústicas pranchas de madeira, escoradas
com cavaletes, sentados todos do mesmo lado para apreciar os espetáculos. Na mesa, o vinho era diluído
com água e, dependendo das posses e da ocasião, os copos eram de madeira ou metais preciosos. Não existia
uma ordem de serviço; comia-se primeiro, frutas secas e depois era servida toda a comida ao mesmo tempo.
Comia-se com as mãos e os talheres eram apenas colher e faca para servir; comia-se sobre uma massa de pão
que era estendida para servir de base para a comida e cortar a carne e ao final do banquete era entregue aos
pobres. Somente mais tarde começa-se a usar toalhas, mas ainda sem bons modos, os convivas limpavam a
boca nelas. No final da Idade Média era mais comum as pessoas levarem suas próprias facas ao banquete - os
homens na bainha e as mulheres no estojo. Na hora da sobremesa toda a aparelhagem era retirada e comia-se
a sobremesa de pé, que consistia em bolos feitos com mel, frutas secas. As frutas eram enriquecidas com
creme de ovos, nozes ou amêndoas e neste momento, era servido o hipocraz (bebida feita com vinho branco
ou tinto e saborizado com canela, açúcar e aromatizado com bagas de zimbro (espécie de pinheiro), noz mos-
cada, baunilha, sidra, cravo, açafrão e violeta, e para refrescar o hálito eram servidos sementes de coentro,
erva doce, anis ou cominho.

O reaparecimento das cidades aconteceu a partir do desenvolvimento do comércio, que transformou


as estruturas sociais e fez surgir novas profissões. As cruzadas (expedições cristãs, domínio cristão sobre
locais sagrados), que traziam do oriente especiarias e produtos de luxo, estimularam as rotas comerciais, cri-
ando um comércio intenso e lucrativo. Os mais diversos comerciantes vendiam e negociavam as mercadorias
de regiões distantes. Os camponeses passaram a vender seu excedente agrícola, dando origem às feiras, que se
localizavam ao redor dos castelos ou dos conventos. As feiras aconteciam principalmente em festas religiosas,
e eram parecidas com as feiras atuais. O comércio e a produção ficaram tão intensos que deram origem às
18 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

primeiras corporações de ofício, ligadas à alimentação, e eram organizadas de acordo com a especialização:
charcuteiros, padeiros, cozinheiros e confeiteiros.

A função das corporações era evitar concorrência desleal, fixar preços e salários e também manter a
constância na produção e na venda de produtos.

Nas cidades, eram consumidos produtos alimentícios produzidos no campo, como carne de porco,
legumes, ovos, queijo e bebiam vinho. O pão como alimento passa a ter um caráter também simbólico, difun-
dido pela Igreja Católica. Representava a união de Cristo com os seus seguidores e a compaixão do próximo
por meio da partilha do pão. A farinha passa a ser usada em outros produtos de padaria e confeitaria. Esta
ganha fama com o primeiro estatuto da profissão em 1440, em Paris, diversificando sua produção com pro-
dutos à base de leite, ovos e nata.

No século XI ficava a cargo dos mosteiros hospedarem os viajantes. Com o reaparecimento das ci-
dades, surgem tabernas e estalagens que, além de oferecerem a hospedagem, ofereciam bebidas, como cerve-
ja, vinho e hidromel, e algumas ofereciam comida, mas algo bem simples. Não havia muita higiene o que era
uma característica dos locais públicos da época.

O Viandier foi o primeiro livro medieval da gastronomia, com uma lacuna de mais de 1000 anos
de Apícius. O livro foi escrito pelo chef Taillevent, nascido na Normandia. Ele foi o primeiro de uma série
de chef´s que serviram as cortes europeias, sendo o primeiro também a transmitir o seu conhecimento por
escrito, revelando técnicas culinárias, emprego dos molhos e das especiarias. Os molhos ganharam destaque
entre os profissionais de cozinha, usando pão para engrossar seus molhos e o uso de especiarias. Taillevent foi
considerado um grande saucier, criando receitas que ficaram famosas, como a galimafrée - feita com frango
desossado, cozido com vinho branco, manteiga, sal, pimenta do reino, noz moscada, cominho, louro e ce-
bolas; e a salsa formidable – feita com pimenta do reino, cravo, canela, âmbar (resina vegetal), alho e cebola.
Costumava acompanhar carnes com o molho cameline (vinagre, ou vinho tinto, pão assado, e especiarias,
cravo, canela, gengibre, cardamomo e pimenta). Para peixes e aves costumava usar o jance (mistura de vinho
branco, agraço, gengibre, pimenta malagueta, crevo e pão preto). No livro constam termos bem usuais com o
“habiller” referindo-se à limpeza do peixe.

Constantinopla era tanto o local de passagem obrigatória para as embarcações que transportavam
produtos alimentícios, como cereais, manteiga, mel, caviar, quanto o local de passagem das caravanas vindas
da Índia, Ceilão, China e Oriente Médio. Os Bizantinos não se desvincularam dos costumes Greco-Roma-
nos, sendo uma civilização bem mais refinada à mesa. Foram os primeiros influenciadores do renascimento
Italiano. Além da grande quantidade de produtos que chegava à Constantinopla, sua produção agrícola era
próspera: colhia-se trigo, cevada, azeitona, maçã, pera, ameixa, damasco, pêssego, romã, figo e avelãs, além
de alho, repolho, brócolis, beterraba, e acelga. Sua longa costa fornecia tanto o peixe quanto o sal e a quali-
dade e a quantidade dos produtos dependiam da classe social. Os camponeses se alimentavam de pão, queijo,
legumes e frutas e, quando a lenha era escassa, podia-se comprar comida nas tabernas, que serviam sopas
e ensopados de legumes e, às vezes, de carne de porco ou carneiro. Na elite, os pratos eram um pouco mais
refinados como o agridoce de frango desossado com recheio de amêndoas e mel, além de carnes de carneiro,
cordeiro e pombas, sempre acompanhadas de vinho. As aves de caça eram feitas com molho de mostarda,
orégano, sal e pimenta do reino, com purê de legumes, servido com vinho aromatizado com canela.
História e Cultura da Gastronomia 19
Henrique Salsano

No século VII, na Península Arábica, o profeta Maomé fundava o Islamismo, anexando territórios
que chegaram até o Vale do Indo, na Índia. Os Árabes eram grandes mercadores e levaram produtos asiáticos
e do norte da África para a Europa. Sua alimentação era equilibrada à base de coalhada seca, queijo, carneiro,
legumes, cereais, grãos e frutas secas. Os mezzés eram pequenas porções de comida, dando origem às tapas e
ao antipasto. Outra importante contribuição para a gastronomia foi a difusão do café, bebida que foi favore-
cida pela proibição da bebida alcoólica. Do século XIII foram resgatados dois livros de culinária, ajudando a
reconstruir as preferências dos Árabes.

Sopa chamada Molho Fervido


“Trituram-se no pilão amêndoas brancas limpas, misturam-se com um bom caldo de carneiro e pas-
sam-se na estamenha. Põe-se esse leite de amêndoas em panela, mais gengibre picado (o bastante para dar sab-
or), pés de carneiro bem cozidos e cortados em pedaços como para serem servidos. Depois de tudo bem cozido,
adicionar mais gordura de carneiro e boa quantidade de açúcar. Assim se faz o molho cozido”.
Libro Del Coch (1520)

Filet au Poivre
No livro básico de Taillevent, Le Viander, existe várias alquimias de carnes grelhadas com a ajuda da pi-
menta. Apenas no século 19, porém, o estupendo Auguste Joliveau, no seu Café de Paris, da Avenida de L’Ópera,
consolidou as misturas todas numa receita de antologia, versátil ao ponto de admitir uma infinidade de multi-
plicações.
Cozinha Clássica – Sílvio Lancellotti.

20 História e Cultura da Gastronomia


Henrique Salsano
Capítulo V
Renascença, a contribuição italiana.
Renovação cultural que teve início no século XIV e teve seu apogeu no século XVI. Período que
marca a transição da Idade Média para a Idade Moderna. É um marco importante na história da cultura, não
representando uma mudança súbita a partir do nada. Ao contrário, foi mais uma intensificação e um inter-
esse pela cultura dos séculos passados, e se expressou em todos os níveis da arte e da ciência, e também nos
hábitos à mesa.

No que se refere à gastronomia, a renascença rompe com os padrões da Idade Média, desprezando a
ostentação exagerada e dando uma importância maior à qualidade e ao refinamento à mesa.

O aumento do comércio deu vida e riqueza às cidades europeias, fazendo circular, cada vez mais, pro-
dutos de luxo e um estilo de vida até então nunca vistos. Banqueiros, mercadores e artesãos destacavam-se
socialmente nas recém-formadas cidades da Europa, em especial, no norte da Itália. Gênova e Veneza tor-
naram-se polos das atividades econômicas devido às suas localizações geográficas. A distribuição de produtos
importados do Oriente por via terrestre estimulou o aparecimento de outras cidades na Itália, como Florença
e Milão.

A Itália se torna símbolo de refinamento do mundo ocidental graças à influência dos Bizantinos. O
uso de garfos, aparelhos de jantar, peças finas e bem acabadas, toalhas bordadas em linho e porcelanas sofis-
ticaram o comportamento à mesa.

O uso do garfo se deu pela princesa Teodora, filha do imperador bizantino, quando do seu casamento
em Veneza em 1095.

Nas receitas italianas já constavam pastas com lasanha e ravióli e o uso de cogumelos e trufas.

Leonardo Da Vinci

Italiano, pintor, inventor e cientista, era também um grande gourmet. Alguns historiadores atribuem
a ele, a criação do Códice Romanov, do final do século XV, que seria um livro de anotações culinárias. Se-
gundo anotações deste livro consta que Leonardo Da Vinci foi sócio de Botticelli na Taberna das Três Rãs,
em Florença. Consta, também, que o negócio não durou muito tempo, pois Da Vinci queria incutir na cabeça
dos frequentadores conceitos novos de gastronomia como a ingestão moderada de alimentos, equilíbrio de
ingredientes, usando muitas verduras e legumes, bem próximo do que usamos hoje em dia. Segundo espe-
cialistas, estes conceitos lembram a Nouvelle Cuisine. Como inventor do guardanapo fazia com que os nobres
deixassem de lado hábitos nada higiênicos.

Nesta época, surgem as primeiras cartilhas de boas maneiras e etiqueta, que eram um conjunto de
normas que passaram a ser usadas pela corte em refeições formais. Estas regras ganham força no século XV.
Estas cartilhas ditam normas de comportamento à mesa, a quantidade e qualidade das preparações, a bele-
za dos utensílios do serviço, além de listar pratos e ingredientes de luxo. Exemplos de regras escritas pelo
filósofo e humanista holandês Erasmo de Roterdam (1466-1536), não limpar a boca na toalha de mesa, não

História e Cultura da Gastronomia 21


Henrique Salsano

assear a colher no guardanapo, não tocar a comida com a mão, não lamber os dedos e não colocar os cotove-
los sobre a mesa entre outras. Lavar as mãos antes de comer, torna-se um hábito.

Diferente da Idade Média, o Renascimento traz o luxo à mesa, com utensílios requintados, com o
serviço de pratos organizados, de modo que os comensais não precisavam comer todos de uma vez.

Os primeiros livros de gastronomia da época da Renascença são da metade do século XV. Uma das
obras mais importantes foi do italiano historiador Bartolomeo Sacchi (1421-1481), De honesta voluptate et
valetudine, sua obra traduzida era Da honesta volúpia e do bem estar, que relata os prazeres da mesa e as
propriedades nutritivas de importantes ingredientes, como o vinho, já com algum refinamento. A obra prega
o uso moderado de especiarias, o uso de frutas secas no início das refeições e suco de frutas cítricas para aro-
matizar os pratos, destacando o bom tom e a sobriedade à mesa. Outra obra importante lançada mais tarde
em Veneza, em 1570, escrita pelo chef Bartolomeu Scappi, chamado de “o cozinheiro dos papa” foi L’opera
dellá’rte del cucinare. A obra propõe uma cozinha modelo, com base nos conceitos da Renascença, com
pratos mais leves. É dividida em fascículos e aborda desde a função do cozinheiro até pratos executados para
doentes, com funções restauradoras. Ao todo, são mais de mil receitas com ilustrações das cozinhas italianas
da época.

A influência italiana na França se deu graças à florentina Catarina de Médici que se casou em 1533
com Henrique II, que seria o rei da França. Na sua bagagem constavam luxuosos aparelhos de mesa, por-
celanas, toalhas, objetos de ouro e prata e copos de cristal. Os cozinheiros italianos preparavam pratos elab-
orados e requintados como quenelle (espécie de croquete com creme ou clara se mostrando um prato leve)
de peixe ou de ave, de ris-de-veau (galinha d’angola recheada com castanhas, escargots, trufas). Também
levaram outros pratos requintados como carne de vitelo e melão com presunto. Também, o cultivo de hortas
e a adição de legumes nas receitas de carne, pratos que se chamam à la Rennaissance. Alguns Castelos man-
têm, até hoje, legumes e verduras plantados em meio às flores que eram bem comuns nessa época. Da con-
feitaria saíram receitas que os franceses não conheciam, como o uso do mel em algumas delas. Receitas como
macarrons, Zabaiones (gema batida com mel ou açúcar e vinho de Marsala), frutas em calda e cristalizadas,
pudim de ovos, e até sorvetes consumidos na sobremesa, e para o final outro hábito Italiano: beber o licor de
marasquinho ou uma aguardente de fruta.

Outro ganho foi a presença feminina nos banquetes.

Da obra de Bartolomeo Sacchi foram inspirados alguns clássicos franceses: o consomê (caldo clarifi-
cado), ou pato com laranja que vem do papero all’ arancia (marreco com laranja) fazendo parte do cardápio
desde o século XV.

Com o declínio do feudalismo, o poder se concentra nas mãos da monarquia e isso fortalece as ativi-
dades econômicas e os estados modernos como Portugal, Espanha, França e Inglaterra. Começando a delin-
ear um perfil de preferências regionais como, por exemplo, na costa do Mediterrâneo, da Grécia à Espanha,
destaca-se o uso de azeite, trigo para o pão, queijo de ovelha ou de cabra, carnes de carneiro ou cordeiro e
pescados regados a vinho. E mais ao norte da Europa, os alimentos mais consumidos eram o centeio, carne
de boi, presunto, castanhas, maçãs e a cerveja, ao mesmo tempo que valores regionais se solidificavam, surgia
uma grande necessidade de desbravar o mundo, adquirir conhecimento e conquistar riquezas.
22 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

Em meio aos objetos de desejo das nações estavam as especiarias, símbolo de luxo e poder da época.
Portugal e Espanha eram as nações mais desenvolvidas nas técnicas de navegação.

As navegações revolucionaram o mundo, originando uma globalização em termos de ingredientes e


bebidas fazendo surgir uma sociedade moderna de bons modos e gostos mais apurados. A França vai liderar
estas transformações gastronômicas chegando ao requinte de sua cozinha no século XVIII com a elaboração
da haut cuisine (alta cozinha).

História e Cultura da Gastronomia 23


Henrique Salsano
Capítulo VI
Influência da Gastronomia Francesa
A Idade Moderna tem início em 1453 com a tomada de Constantinopla pelos Turcos-Otomanos e
termina com a Revolução Francesa em 1789, fato que marca a queda dos reis absolutistas e fortalece o poder
da burguesia, abrindo caminho para a Idade Contemporânea. Na idade Moderna acontece uma revolução
gastronômica com o surgimento do restaurante como estabelecimento comercial e muitos chef ’s deixam de
servir os reis e começam a trabalhar nestas casas.

Com a tomada de Constantinopla em 1453 os Turcos-Otomanos fecham a principal entrada das es-
peciarias na Europa, fato que força a busca de novas rotas para a Índias, já que as especiarias faziam parte dos
hábitos alimentares da elite desde a História Antiga e existia, também, a ambição por luxo e pedras preciosas.

As especiarias, além da importante utilização nos pratos da nobreza como símbolo de riqueza e
poder, também eram usadas como corante de tecidos, na elaboração de medicamentos e na fabricação de
perfumes e cosméticos e era aplicada a uma grande variedade de produtos, como, cardamomo, gengibre,
mostarda, pimenta do reino, canela, açafrão, noz-moscada e cravo. A mais cobiçada da época era a pimenta
do reino. Exemplos dessas especiarias em pratos que comemos até hoje: paella, arroz doce, quentão e o filé au
poivre. Estas especiarias eram caríssimas pelo fato das rotas serem tortuosas e compostas de várias etapas. Em
um dos caminhos, os barcos árabes levavam os produtos até a costa oriental da África, depois iam de camelo
até o Nilo, e depois para Alexandria (Egito) por via fluvial. Em outro caminho elas seguiam para o Ceilão (Sri
Lanka) via Golfo Pérsico, à Bagdá (capital do Iraque), para seguirem por caravanas até Constantinopla, e por
via marítima, até o porto de Veneza, um dos principais portos da época, onde as mercadorias eram vendidas
a preços bem elevados.

Com as grandes navegações, a América entra no mapa do mundo e alimentos nativos se tornam pop-
ulares em outras culturas integrando os hábitos alimentares mundiais.

África - inhame, quiabo, café, dendezeiro, jiló, pimenta malagueta e galinha d’angola.

Mediterrâneo - cebola, alho, farinha de trigo, cevada, centeio, fava, salsa, cebolinha, alcachofra,
uva, vinho, figo, hortelã, manjericão, azeitona, azeite de oliva, vaca, porco, ganso, pato, carneiro, cabra e laticí-
nios.
América - batata, batata doce, pimentão, milho, mandioca, abóbora, tabaco, cacau, tomate, caju,
mamão, abacaxi, goiaba, amendoim, abacate, peru, baunilha, pimenta, feijão, quínua, amaranto e pimentão.

Ásia - arroz, pepino, espinafre, berinjela, chá, laranja, limão, banana, tangerina, lima, marmelo, man-
ga, coco, jaca, carambola, cravo da índia, coentro, manjericão, canela, pimenta do reino e cana de açúcar.

Quando os espanhóis, comandados pelo navegante genovês Cristóvão Colombo chegaram às Améri-
cas, depararam-se com povos com grande diversidade cultural. Eram sociedades complexas, com economia
diversificada de base agrícola onde o milho era a principal fonte de subsistência. Em Tenochtitlán, capital
dos Astecas e futura cidade do México, vivia uma população de 300 mil habitantes, com um imenso mercado
com mais de 5 mil barracas permanentes, por onde 60 mil pessoas passavam diariamente, com grande varie-
24 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

dade de produtos como cacau, milho, pimenta, abacate, feijão, abóbora, patos e perus, e ao redor desta feira,
existiam tabernas onde era oferecida comida quente e um tipo de bolo de milho e amassado com feijão, e
uma pasta chamada atol, em uma mistura de pasta de cacau e farinha de milho. O milho era de tal importân-
cia que existia até uma divindade Chicomecoalt. Até hoje um prato típico Mexicano, a tortilla, é feito com
farinha de milho. Na África, quem difundiu o milho foram os Portugueses, através da Espanha, chegando até
a Itália, integrando um dos pratos mais emblemáticos daquela cultura: a polenta.

Havia outra planta sagrada para os Astecas: a huauhtli, que conhecemos hoje como amaranto. Era
preparada com farinha de amaranto e milho formando uma massa e misturada com mel de manguei (planta
da tequila).

Na América do Sul, a batata era um produto nativo. Na época, já existiam 200 tipos diferentes deste
produto, com grandes vantagens percebidas: alta durabilidade, fácil armazenagem e conveniente para alimen-
tar a população em épocas de escassez e invernos rigorosos e que os Franceses integraram à sua refeição no
final do século XVIII. O tomate era outro produto de origem andina e era conhecido como tomalt. Ganhou
fama nos preparos napolitanos, como molho ao sugo, ragu e outros vários molhos.

No Mediterrâneo, o pimentão assume papel importante e, a partir dele, começa a se produzir a pápri-
ca, tempero que se integra à cultura europeia como o clássico prato húngaro goulash (guisado de carne).

A bebida apreciada pelos Maias era o chocolate. Seus antecedentes só comiam a polpa do cacau
porque o grão era amargo, depois disso começaram a moer os grãos com duas pedras formando uma pasta,
depois inventaram o molinnilo, (usado até hoje pelos Mexicanos que consomem a versão antiga da bebida,
água fervente + chocolate) um pequeno moedor, para triturar e bater as sementes. Mais tarde, os Maias, tam-
bém apreciadores da bebida, cultivam o cacau até servindo como moeda de troca.

Os Astecas também apreciavam a bebida em cerimônias religiosas, preparada com grãos de cacau
tostados, moídos, amassados e diluídos em água quente e condimentos como pimenta, mel, flores secas, cor-
antes e baunilha e, em 1519, o conquistador espanhol, Hernán Cortés levou a novidade para a Europa. Nem
uma destas civilizações usava fritura porque não existia a gordura, e nem utilizavam forno. Os alimentos
eram fervidos, cozidos ou assados em chapas, grelhas e espetos. Não era desenvolvida a criação de animais e
nem usavam leite e seus derivados. Os animais que eram consumidos eram o porco da índia, a anta e a paca.

Os Incas ergueram um grande império, compreendido hoje pela Colômbia, pelo Equador, pela
Bolívia, parte do Chile e, principalmente, o Peru. Os hábitos alimentares contavam com chicha (bebida sagra-
da preparada com milho fermentado, do Peru), farinha de quínua (cereal de grãos miúdos) para fazer torti-
llas assadas, e em dias festivos, tomava-se chicha de quínua e muitas receitas onde o ingrediente era a batata.

Nos banquetes Astecas, do Imperador Montezuma, havia muita fartura. Seus serviçais preparavam
mais de 300 pratos quentes mantidos por braseiros, para a escolha de sua preferência do dia. Contavam com
tomates, pimentões recheados, rãs condimentadas com pimentão, aves de caça com molhos de frutas e outros
e a bebida servida era o xocotlatl.

História e Cultura da Gastronomia 25


Henrique Salsano

O chocolate (América), o café (África) e o chá (Ásia) entraram na Europa no século XVI. Estas bebi-
das deram origem a vários estabelecimentos comerciais que se tornaram ponto de encontro de intelectuais.

Do chocolate foi retirada a pimenta, mantiveram a baunilha e adicionaram a canela, o açúcar e o leite,
caindo, assim, no gosto da aristocracia, do clero, dos mosteiros, dos conventos e das damas da sociedade.
Mais tarde, já se tomava com leite. Em Viena, fez sucesso por muitos anos a chocolateria Kramer, uma das
primeiras da Europa do século XVII. Em 1776 foi fundada uma das primeiras chocolaterias da França, a
Chocolateria Royale.

O chocolate em barra como conhecemos hoje, foi inventado por Henri Nestlé, no século XIX, mis-
turando manteiga de cacau com leite em pó.

O café é originário da Etiópia (África) e era usado desde os tempos antigos sob a forma de pasta. Foi
no Iêmem, no século XIV, que começou-se a torrar o grão e a moer em um pilão e lançá-lo em água ferven-
te. O resultado era uma bebida estimulante que, em repouso, apresentava sedimentos (borra). A primeira
cafeteria que se tem notícia foi na Turquia em 1457 e chama-se Kiva Kan. O hábito do café turco permanece
até hoje. No século XVII, o café chega à Europa e uma das primeiras cafeterias foi o Café Procope em 1686,
e na Itália fez sucesso o Café Florian, em Veneza. Todas as duas ainda funcionam. Já em Londres, o primeiro
estabelecimento foi o Café Royal, mas com o domínio inglês na Índia e China, não demorou para o café ser
superado pelo chá.

O chá é originário da China. O consumo de chá data de 2.737 a.C. A infusão do chá era muito usada
em cerimônias religiosas, pois os Chineses acreditavam que ela estimulava a mente e o espírito. O hábito de
tomar chá se espalhou pelos vizinhos como os Coreanos e os Japoneses. Uma das lendas da criação do chá
conta que, certo dia, o Imperador foi repousar embaixo de uma árvore e pediu água quente a um dos seus
serviçais (a água quente era uma forma de esterilizar a água para beber). Enquanto a água esfriava , caíram
sobre elas algumas folhas. Quando o Imperador percebeu a mudança de cor e o agradável aroma que exalava
da bebida resolveu provar.

É mérito da Inglaterra a difusão do chá pelo resto do mundo, e aos Portugueses com as navegações
abrindo caminho pela Ásia, que foram os primeiros a levar o chá para a Europa. O chá foi a última bebida
introduzida na cultura gastronômica europeia. Tornou-se a bebida nacional da Inglaterra dando origem ao
hábito do five o’ clock tea ( chá das cinco). De 1760 a 1797 representava 81% das mercadorias da Companhia
de Comércio Inglesa das Índias Orientais.

Na Idade Moderna acontece uma grande evolução da gastronomia. Na França, neste período os chef ’s
aperfeiçoaram técnicas e criatividade. Essa evolução conheceu seu apogeu no reinado Luís XIV, no século
XVII.

Na mesma época em que o povo exigia “pão”, os restaurantes nasciam para atender, não só à nobreza,
mas à burguesia. Com o restaurante desenvolve também o conceito de restauração e acontece a profissional-
ização do setor.

26 História e Cultura da Gastronomia


Henrique Salsano

Após o assassinato de Luís XIII, quem assume o poder é Luís XIV, um grande incentivador das artes
e da gastronomia. Nesta época o cardeal Richelieu torna-se homem forte da diplomacia imperial (participou
da criação da maionese - ovos, azeite e vinagre).

Luís XIV gostava de grandes e espetaculares banquetes. Quanto aos hábitos à mesa não era muito re-
finado se recusando a usar o garfo e poderia comer, em uma só refeição, quatro pratos de sopa, uma travessa
de salada, um faisão, uma perdiz, uma perna de cabrito, costelas de porco e algumas frutas secas e doces.

Nesta época, o peru tornou-se prato comum nas mesas dos monarcas, levado pelos jesuítas, substitu-
indo, de preferência, o ganso e o pato.

Nos pratos, os legumes tinham importância e dividia espaço com as carnes, legumes e verduras como
aspargos, ervilha e alface. Eram cultivados lado a lado nos jardim com plantas ornamentais. Luís XIV presti-
giava os que se destacavam em sua equipe, com títulos de honra. O clássico serviço a francesa (toda a com-
posição era colocada em cima da mesa, dividida em 3 passos: hors d o’uvre; segunda: os assados e a terceira:
as sobremesas pièce-montée, petit fours) iniciou-se em seu reinado, facilitando e organizando melhor os
banquetes. Luís XIV conferiu à gastronomia a supremacia nacional.

Vatel (1635-1671) foi considerado o pai dos mestres de cerimônias. Ele servia o príncipe Condé, da
cidade de Chantilly. Vatel tinha o ofício de chefe de cozinha e confeiteiro a mestre de cerimônias.

La Verenne, o cozinheiro do Marquês d ‘Uxelle, publicou o livro chamado Le Cuisiner François, com
receitas até hoje utilizadas. Sua obra é considerada uma das mais importantes do século XVII. Ela trata do
uso da manteiga e da farinha nos molhos; técnicas culinárias e regras para sequência de pratos; como usar as
trufas negras; cogumelos para aromatizar carnes, servidas em seu próprio suco; receitas claras e em ordem
alfabética. La Verenne estabeleceu um principio básico da culinária francesa, onde as especiarias e temperos
deviam aflorar o verdadeiro aroma natural dos alimentos e exaltá-los em vez de disfarçá-los. Ele difundiu
técnicas, combinações e molhos básicos. O molho bechamel foi divulgado por ele, e é de sua criação a técnica
de clarificação para o consommé, dando grande destaque à preparação de vegetais.

Luís XV reinou entre 1715 e 1774 e gostava de comer bem. Em um de seus banquetes, em 1751, para
dar um ar de requinte, mandaram redigir uma lista contendo 48 pratos que seriam servidos na festa, sendo
os menus ilustrados por um artista plástico. Luís XV encomendou um prato especial: ostra frita na manteiga,
apimentada e recolocada na concha com trufas e suco de limão , receita que ofereceu de presente à sua aman-
te, a marquesa de Pompadour, mais conhecida como Madame de Pompadour. Além dos grandes banquetes, o
rei também gostava de refeições mais reservadas (petit souper), e para este novo hábito, surgiram aparadores
para apoiar os pratos, pequenas mesas, elevador e um tubo acústico.

Luís XVI (1774-1793) - neste período, a crise era insustentável e a corte vivia com grande ostentação
e riqueza enquanto o povo, no campo e na cidade, passava fome. A Queda da Bastilha, no dia 14 de julho de
1789, marca o fim da monarquia na França. Por mais de 19 anos, o processo revolucionário perdurou fazen-
do os cozinheiros saírem dos palácios e procurarem novas formas de trabalho.

História e Cultura da Gastronomia 27


Henrique Salsano

Embora na Idade Moderna tenha ocorrido uma verdadeira revolução gastronômica, na mesa do cam-
ponês pouca coisa mudou; a carne de porco continua sendo praticamente a única opção, aproveitando as tri-
pas enchidas com alho poró, cebola, cenoura e banha, e continuavam a consumir sopa e pão. Eram consumi-
dos ingredientes com favas e ervilhas cozidas e o rábano era um alimento tradicional consumido cru com sal.
Como utensílios, havia panela e caldeirões; eram raras as grelhas e os espetos, e eram usadas tigelas de barro
e copos de madeira. Nas localidades mais próximas do Mediterrâneo, os camponeses bebiam vinho tinto e
zurrapa, uma bebida de baixo teor alcoólico, cuja uva era prensada de 4 a 5 vezes com bagaço e o sabor era
áspero e carregado. No leste da Europa, principalmente na Holanda e na Alemanha, era a cerveja a consum-
ida no desjejum (inclusive crianças). A bebida tinha uma consistência grossa, a cor era escura e era servida
quente, com noz-moscada e açúcar e, por muitas vezes, substituía o pão. A partir do século XVIII, a cerveja
passou a ser industrializada. Na época, fabricava-se a do tipo ale, de alta fermentação, bebida de cor avermel-
hada, com sabor forte, um pouco ácida e entre 4 e 8 graus de álcool. Esse tipo era comum na Alemanha. Em
1830, se desenvolveu a tipo larger, de baixa fermentação, mais límpida, com 3 e 5 graus de álcool e a pilsener,
originária da cidade de Pilsen, na antiga Tchecoslóvaquia (República Tcheca). Esta é a mais consumida no
Brasil de hoje.

As mudanças que se seguiram a partir do século XVII, no que se refere ao sabor, temperos e ingre-
dientes como échalotte, anchovas e trufas vieram substituir as especiarias. Começou o uso da manteiga, do
creme de leite e a ligação do leite engrossado com amêndoas. Também foram introduzidos os elementos
ácidos como a laranja e o limão. Valorizando mais o sabor dos alimentos passaram a servir carnes como filé e
a alcatra em seu próprio suco e a grelhar costela de boi.

No final do século XVIII, nas casas mais abastadas, o fogão de lenha e os braseiros de carvão vegetal
foram sendo substituídos por fogão de ferro fundido, contendo várias bocas e aquecido por carvão mineral,
possibilitando o controle do fogo e a melhora da qualidade final dos preparos.

Os doces passaram a fazer parte das mesas europeias, sendo produzidas pela pâtisserie francesa como
a tartellete d’amande. Também, a pâtisserie de Viena começa a fazer fama com o seu apfelstrudel.

Consta que Nostradamus (1503-1566) era também um gourmet e que fazia geleias de marmelo,
limão, figo, cereja e de flores como rosas e violetas.

No século XVIII, a aristocracia adotou a sala de jantar e a mesa com pés fixos, destinada à refeição.
Antes disso, elas eram montadas em salas de múltiplas funções. As toalhas eram engomadas e bordadas até o
chão e as mesas eram decoradas com candelabros e baixelas de ouro e prata, além de porcelanas.

Em 1765, durante o reinado de Luís XV, o boulanger proprietário da casa Poulies em Paris afixou na
porta a seguinte inscrição: “Boulanger débite de restaurants divins” (Boulanger serve caldos restauradores
divinos), caldo feito de várias carnes, além de cebolas e raízes nutritivas, que já existiam na Idade Média em
albergues e tabernas.

Esses estabelecimentos foram chamados de restaurants, que quer dizer restauradores, e têm origem
no fato dos viajantes que precisavam de algo que os restaurasse para prosseguirem viagem. A ideia deu tão
certo que foram criadas outras receitas sob a forma de lista com o preço ao lado. Não demorou nem 20 anos
28 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

para surgir o primeiro restaurante, o Taverne de Londres, em Paris, na rua Richelieu, em 1782, como conhec-
emos hoje. As receitas são dispostas à “la carte”, preparadas individualmente segundo a escolha do cliente e
servidas em pequenas mesas.

Em 1788, foi aberto o Café Conti (mudando de nome mais tarde para Grand Vefour) e o Restaurante
Monsieur Véry. O que o diferenciava dos albergues e tabernas eram o menu, a frequência nos horários, as
mesas individuais, a limpeza, o profissionalismo, o atendimento e o zelo com os móveis e a decoração.

Obra para o burguês - a primeira obra chamava Le Cuisinier Royal et Bougois (O Cozinheiro Real
e Burguês) de Massialot (1660-1733), estrutura as receitas e propõe um modelo francês para os meios bur-
gueses. É o primeiro livro em forma de dicionário.

Vicent la Chapelle cria uma ruptura nas práticas do passado com a obra Le Cuisinier Moderne ( O
Cozinheiro Moderno), sugerindo um menu composto por apenas 2 ou 3 pratos. O livro pregava que os coz-
inheiros deveriam aliar a teoria à prática.

No século XVIII, o povo do campo acordava muito cedo e adotava diferentes horários para as re-
feições: faziam um pequeno almoço pela manhã, jantavam ao meio dia e ceavam ao entardecer, pouco antes
de dormir. Nas cidades, tomava-se o pequeno almoço ao se levantar (leite, chá, café, chocolate com pão ou
torrada). No segundo almoço, que depois começa a se chamar de almoço era servido ao meio dia (entradas,
carnes e sobremesa) e o jantar, que avança no horário com o passar dos séculos, no início era das 16 às 17
horas e, mais tarde, passa a ser até 19:30hs, alterado devidos aos compromissos de trabalho. Em Paris, a vida
noturna faz surgir a ceia, refeição fria servida em forma de buffet com salgados e sobremesas entre meia-noi-
te e 1 hora da manhã.

As bebidas ganham rolhas nesta época e passam a ser oferecidas nos recém-abertos restaurantes e
cafés. O uso da rolha de cortiça possibilita que o vinho seja difundido nas Américas ou em lugares distantes,
pois anteriormente era muito perecível e avinagrava com facilidade. Nesta época, ele deixa de ser expedi-
do em barris e passa a ser acondicionado em garrafas. Um dos primeiros vinhos a serem engarrafados foi o
vinho do Porto, em 1708, e foi nesta época também que se iniciaram as técnicas viníferas com maceração
carbônica e não mais pisadas, ficando mais tempo com o mosto, extraindo mais cor. Antes, os vinhos eram
claros: o Claret. Neste período, o vinho francês da região de Bordeaux atingiu o seu auge, o qual perdura até
os dias atuais. A vida social intensa do século XVIII propicia um consumo maior de bebidas alcoólicas, com
vinho destilado e licores.

Champagne – Nesta época, a colheita da uva na região de Champagne era prematura. O processo de
produção do vinho era feito sem que completasse a fermentação. As garrafas iam para as caves e, após um
período de hibernação, ocorria naturalmente uma segunda fermentação, que fazia com que algumas garrafas
estourassem. Dom Périginon criou o método champenoise, selecionando uvas de diferentes vinhedos (pinot
noir, pinor meunier e a chardonay) para produzir vinhos diversos. As uvas dessa safra misturadas com as da
safra anterior faziam a assemblage (mistura) para produzir a champagne, ocorrendo, então, uma segunda
fermentação dentro das garrafas. Ele começa a introduzir garrafas mais espessas e resistentes e a prender a
rolha com arame; adotou prensas baixas para ficar pouco tempo em contato com o mosto. É habito o con-
sumo de champagne em comemorações e acompanhada de doces.
História e Cultura da Gastronomia 29
Henrique Salsano

Licor - Na época, era muito sofisticado servir licor após as refeições ou para recepcionar os convida-
dos. Esta bebida tem um alto teor de açúcar e pode ser feito a partir de frutas, ervas, flores e etc. Também é
usado na elaboração de doces. Os mais antigos e famosos foram criados na Idade Moderna, em mosteiros,
como o francês Chartreuse, feito de ervas, em 1607 ou o Benedictine, em 1510, criado também por monge,
com a infusão de 27 ervas e cascas de plantas com vinho, e o de cassis, criado pelos monges de Dijon, no
século XVI.

Destilados – Cada país passa a ter o seu destilado. O conhaque, na França e em outras localidades, é
o brandy. Na Rússia e países nórdicos, a vodca preparada com cereais. Na Escócia, o uísque. Na Itália e em
Portugal, a aguardente de uva, a grapa e a bagaceira. E na Holanda, o gim feito com cereais. Ficaram famosas
porque na época diziam que elas tinham o poder de proteger contra doenças, ajudavam na cicatrização, facil-
itavam a digestão, protegiam do frio e da fadiga.

Com a Revolução Francesa e o surgimento dos restaurantes, a gastronomia sai dos palácios e fica mais
acessível e a alta cozinha francesa fundamenta suas técnicas.

30 História e Cultura da Gastronomia


Henrique Salsano
Capítulo VII
Idade Contemporânea e a Era de Ouro
A Idade Contemporânea é o período cujo início se dá com a Revolução Francesa em 1789, seguindo
até os dias atuais. Neste período, houve grandes transformações culturais, econômicas, sociais, modos de
pensar e de viver o cotidiano. As grandes descobertas e as evoluções tecnológicas também fazem parte deste
período como o computador, o automóvel, o telefone e o avião, abrindo as portas do turismo e impulsionan-
do ainda mais as economias de cada país.

No século XIX, o restaurante se torna a instituição mais importante da gastronomia, deixando de lado
a pompa e tornando o atendimento e o paladar mais democráticos. Foram estabelecidas regras e a profission-
alização dos trabalhadores do setor de restauração com a definição de todos os cargos constantes da cozinha.

Com a queda da monarquia, os cozinheiros que serviam os nobres ficam sem trabalho, se fixando em
Paris onde existia maior possibilidade de emprego, ou abrindo seu próprio negócio. Nesta época, existiam
cerca de 1500 restaurantes e mais de 20.000 cafés e cervejarias, além de vários negociantes de vinho. Os novos
ricos da revolução, os burgueses, queriam conhecer o luxo e a sofisticação da boa mesa dos chef ’s. Os restau-
rantes fazem sucesso com os burgueses e, tempos depois, com o operariado na Revolução Industrial. Os
restaurantes frequentados pela burguesia no século XIX ficavam em Paris, próximo ao Palais Royal e à praça
La Madeleine.

Por volta do fim do século XIX até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, que fica conhe-
cida como Belle Époque, Paris era considerada o centro cultural e gastronômico do mundo, com seus cafés,
banquetes, cabarés, livrarias, teatros, e a alta costura. E a elite dos outros países copiavam a moda, a arte, a
literatura e a gastronomia.

Nesta época, fazia sucesso a Taverne de Londres e a casa do chef Beauvilliers que, segundo Brillat-Sa-
varin, foi o “primeiro a ter um salão elegante, garçons eficientes, uma adega cuidadosa e uma cozinha supe-
rior”. Por 15 anos foi considerado o proprietário de restaurante mais famoso de Paris, quando se destacou,
também, o Café du Divan, local onde eram encontrados Honoré de Balzac e o compositor Berlioz; o Café
Anglais, fundado em 1802, ficou famoso pelos seus assados e grelhados. A generalização do estilo de serviço
do restaurante fez desses estabelecimentos uma das instituições de vida de Paris.

O restaurante se torna um local habitual para se fazer refeições por vários motivos: poderia se comer
a hora que quiser, com preço de cada prato, sabendo-se quanto se iria gastar e a diversidade de estabeleci-
mentos ainda possibilitava a escolha de pratos mais leves, clássicos locais ou estrangeiros e a possibilidade
de se harmonizar com vinhos. Nesta época, os restaurantes funcionavam da seguinte maneira: ao entrar, o
comensal era recebido pelo maître, que lhe mostrava as opções de pratos e o auxiliava na escolha. Além do
menu du jour (prato do dia), a um preço fixo, era oferecido também um cardápio com diversas opções acom-
panhadas dos seus respectivos preços; os garçons traziam os pedidos e ficavam de prontidão à disposição do
cliente; a figura do maître e do garçom propiciavam um atendimento mais personalizado ganhando força
com a estabilidade do setor da restauração.

A cozinha internacional surge também nesta época diante da necessidade dos chef ’s franceses
agradarem os comensais locais e turistas, servindo receitas clássicas de diversos países, como o inglês roast-
História e Cultura da Gastronomia 31
Henrique Salsano

beef e o beef-steak (bisteca), o caviar e o estrogonofe dos russos, o frango à spadoni com fungui sec ( cogu-
melos secos) e folhas de sálvia, a lasanha à bolonhesa, o macarrão, o sorvete dos italianos, o supreme de fran-
go à cubana ou o lombo à california e, também, os clássicos franceses como o filet au poivre, canard à l’orange
e a sobremesa crepe Suzette (realizada no salão na frente do cliente, que era também uma das funções do
maître). Foi assim que a alta cozinha deu origem à cozinha internacional, sendo criada dentro dos hotéis de
luxo.

A classe média começa a ter um poder de consumo a partir do século XIX. Classe formada por
pequenos comerciantes, artistas e intelectuais, que começa a frequentar os restaurantes também, porém esta-
belecimentos bem mais simples, com menu e preços módicos. Cafés e bistrôs eram as opções para os menos
abastados. Estes locais eram originados de ambientes familiares cujos membros da família faziam todas as
atividades relativas ao estabelecimento. Hoje o conceito se desvirtuou das características originais de um es-
tabelecimento familiar que era comandado e servido pela família, com porções generosas de comida caseira
e que oferecia um menu do dia. Deu lugar a estabelecimentos de luxo ou que servem comida pasteurizada.
Exemplos de pratos de bistrô são: a sopa de cebola, a terrine de campanha (feito à base de carne e fígado de
porco, temperado com conhaque e ervas), tarte Tatin, o confit de pato com batata sauté (sudeste da França) e
o frango cozido com vinho branco riesling (Alsácia).

Os bouillons também atendiam as classes menos abastadas. Surgiram por volta de 1869. Eram estabe-
lecimentos bem mais simples, com pratos bem populares, com comida em quantidade e bem baratos e, para
barretear o custo da refeição, os clientes levavam seus próprios talheres que eram guardados em caixas de
madeira. Mesmo estes estabelecimentos eram, para muitos, um “luxo” ou para raros momentos.

No início do século XIX, as populações passam a se concentrar mais nas cidades e os produtores
ficam mais distantes (campo) dos centros urbanos. Surge então a necessidade dos alimentos durarem por
mais tempo, surgindo, assim, técnicas de conservação dos enlatados e a pasteurização. Foi o cientista francês
Nicolas F. Appert quem descobriu a técnica de preservar por mais tempo os ingredientes frescos. Esta técnica
consistia na conservação dos alimentos em lata, passando por um processo de refrigeração ou congelamento,
guardando muito das suas características por um longo tempo. Buscou dar a este processo uma escala indus-
trial e, em 1804, montou uma fábrica de conservas, onde iniciou soldagem de tampas. Este método foi uti-
lizado pelas tropas de Napoleão dando a elas mais autonomia, e foi utilizado também na marinha mercante e
em longas viagens transatlânticas. Na Itália, impulsionaram o uso frequente do molho de tomate.

Louis Pasteur (1822-1825) descobre os microrganismos, trazendo a preocupação de se fazer a assep-


sia e higiene dos alimentos, desenvolvendo o método de conservação, a pasteurização, que consiste em um
processo de tratamento térmico baseado na elevação da temperatura do alimento ou bebida até 57º C por
alguns minutos e, em seguida, o resfriamento súbito obtendo a morte dos germes patogênicos. Este método
foi usado primeiro com o vinho, propiciando um estudo científico da bebida e o surgimento da enologia.

No início do século XX, a tecnologia se desenvolve e a invenção do motor de explosão e a energia


elétrica modificam os hábitos e o modo de vida das pessoas. Nas residências era possível ter torradeiras,
batedeiras, liquidificadores e geladeiras elétricas (1913), revolucionando a cozinha e os hábitos alimentares,
possibilitando maior conservação dos alimentos e mais rapidez na cocção. No fogão a carvão se demorava
muito para executar uma receita e o esforço era bem maior para alcançar um bom padrão de qualidade. Já o
32 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

fogão a gás permitia ao cozinheiro o controle da chama, sendo bem mais fácil o ponto de cocção dos alimen-
tos.
Toda a evolução tecnológica deste período, podemos ver nos mercados de hoje, com uma infinidade
de produtos.

“E vós enfim, gastrônomos de 1825, que encontrais a saciedade no seio da abundância e sonhais com
novas especialidades, não desfrutareis das descobertas que as ciências preparam para o ano de 1900, com as
esculências minerais, bebidas resultantes da pressão de cem atmosferas, não vereis as importações que viajantes
ainda não nascidos farão chegar daquela metade do globo ainda por descobrir ou explorar. Como vos lamento!”
Brillat-Savarin

História e Cultura da Gastronomia 33


Henrique Salsano
Capítulo VIII
Idade Contemporânea
O turismo e a gastronomia se beneficiam com o avanço dos meio de transporte, intensificando a
produção de automóveis, transatlânticos e trens expressos, fomentando o turismo, possibilitando que as
pessoas conheçam outros locais e outras culturas. Outros acontecimentos também ajudaram a fomentar
este turismo: as leis trabalhistas que foram instituídas na Europa, no final do século XIX e início do século
XX, concedendo o descanso semanal, a redução da jornada de trabalho e as férias remuneradas, podendo
então o trabalhador vislumbrar uma vida com mais lazer, podendo viajar para conhecer outros lugares. O
setor de serviço com os profissionais liberais formam parte deste contingente. Com recursos para gastar, os
empresários de turismo notam este novo público, passam a investir em hotéis mais baratos, aproveitando
a história, as tradições e a cultura gastronômica do local, formando assim o turismo gastronômico. Apesar
de nas grandes metrópoles podermos comer pratos do mundo inteiro, nada se compara à visita ao lugar
tradicional. Podemos citar entre outras o pão de queijo de Minas Gerais, o cassoulet de Toulouse ou brasato
al Barolo (carne feita com o vinho da região do Piemonte) da Itália, o mussaka da Grécia, o ratatouille, um
refogado de berinjela com tomate, abobrinha, alho, cebola e pimenta do reino que faz parte da tradição dos
franceses do sul.

No filme Ratatouile, o sabor do prato ativa a memória gustativa e remete aos gostos da infância.

O guia Michelin foi o primeiro guia do gênero. André Michelin aproveitou o sucesso da exposição
mundial de 1900 em Paris e lançou o guia contendo endereços dos melhores hotéis, restaurantes, postos de
gasolina e oficinas mecânicas da época, contando ainda com mapas rodoviários. O guia incentivava o uso do
carro e a demanda de pneus, atendendo às necessidades dos motoristas. Tornou-se um modelo para todos os
outros guias que apareceram mais tarde e fora editado em vários países da Europa, sendo o mais conceitua-
do até hoje. A versão brasileira é o Guia 4 Rodas da Editora Abril, que segue o modelo de cotação de estrelas
para classificar hotéis e restaurantes e é sempre uma referência para quem viaja, sendo informado no guia
até sobre condições das estradas. O guia é atualizado todos os anos. Para o Guia Michelin, a diferenciação
qualitativa dos restaurantes só aconteceu em 1926 e em 1933 com a classificação por estrelas, sendo adotada
até 3 estrelas. Os profissionais do guia têm os seguintes compromissos: a visita incógnita, independência na
seleção, escolha dos melhores restaurantes em todas as categorias de conforto e preço, atualização anual e
padronização da seleção em todos os países. E os critérios para a avaliação dos restaurantes são a escolha do
produto, a personalidade da cozinha, o domínio dos métodos de preparos e sabor, relação qualidade x preço
e o padrão de qualidade da cozinha. A edição de 1933 foi histórica e contava com 23 restaurantes 3 estrelas
entre eles: Éugenie Brazier, Mère Brazier, Fernand Point do Restaurante La Pyramide em Vienne, La Tour
D’argent de Claude Terrail e Lucas – Carton de Fréderic Delair.

Mère Brazier foi a mais famosa do gênero e a primeira a ganhar 6 estrelas do guia com a soma de
seus dois restaurantes. Mère eram chefes de pequenos restaurantes na Borgonha que até hoje são chamados
de bouchons, frequentados por uma clientela fiel e abriram as portas para celebridades como Paul Bocuse e
Alain Chapel.

Outra casa contemplada com o guia foi a Pernollet, na cidade de Belley, comandada por François
Pernollet, que teve como admirador Brillat Savarin, que apreciava a noix de vitela acompanhada de pequenos
morilles. Vale notar a importância da cozinha regional transmitida de geração à geração e que mantém
34 História e Cultura da Gastronomia
Henrique Salsano

relação direta com a terra e seus produtos influenciava e renovava a alta cozinha.

Em 1921 o crítico e jornalista Curnonski junto com Marcel Rouff, escreveram o Tour de France Gas-
tronomique em 28 volumes, que pregava a simplicidade no prato. Queriam que o ingrediente tivesse o gosto
daquilo que é na sua origem. Mais tarde fundou a revista Cuisine et Vins de France. Vários guias surgiram
depois sempre valorizando a cozinha regional de determinada região.

A primeira enciclopédia do gênero foi a Larousse Gastronomique, redigida em 1938 por Prosper
Montagné (1864-1948). E trabalhou nos Estados Unidos e abriu sua casa em Paris sendo considerada a
melhor da sua época, o que levou seus seguidores a fundarem o Club Proper Montagné, uma associação de
gastrônomos em prol da máxima qualidade.

Elizabeth David foi a pioneira no jornalismo gastronômico de viagem, reproduzindo em mais de nove
livros e vários artigos para a revista Vogue suas impressões da cozinha francesa e do Mediterrâneo.

A Nouvelle Cuisine foi uma revolução gastronômica liderada por Paul Bocuse, Jean e Pierre Trois-
gros, Michel Guérard, Roger Vergé e Raymund Olivier, que foram buscar na fonte os padrões estéticos e as
técnicas da cozinha Japonesa, trabalhando ou estudando no Japão. Incrementaram os conceitos da cozinha
clássica francesa com práticas e formas de servir diferenciadas. Algumas características da Nouvelle Cuisine
eram: utilização de ingredientes da época, menus menores; confecção de molhos mais leves, feitos a partir
do próprio suco do alimento; uso de manteiga clarificada, limão, ervas frescas e o uso de purê de legumes
e iogurte; em desuso ficam as marinadas e molho com farinha; cozimento à vapor; redução do tempo de
cocção; uso do empratado; porções individuais.

A Nouvelle Cuisine foi uma reação da alta cozinha diante dos novos tempos. O trabalho nas cidades
não exigia tanto esforço braçal, portanto as pessoas não necessitavam ingerir dietas tão consistentes e a estéti-
ca corporal havia mudado valorizando o corpo magro. Essa revolução culinária passou a ser divulgada pela
imprensa, virou moda e, banalizada, ficou mal vista após abusos de alguns profissionais que exageravam na
mistura de sabores e na redução da comida.

Em 1977 surge o Guia Gault e Milau. Estes dois críticos gastronômicos montaram uma equipe para
selecionar os melhores restaurantes e para classificar qualitativamente os estabelecimentos. Para diferenciar
as casas, usava um gorro preto para cozinha tradicional e vermelho para cozinha criativa que, naquele mo-
mento, era representado pela Nouvelle Cuisine, identificando e divulgando os estilos particulares de cada
profissional.

No final do século XIX e início do século XX, os vinhedos europeus enfrentaram algumas dificul-
dades: a praga (filoxera) que dizimou boa parte das parreiras e a outra foi a crise econômica vivida pela
Segunda Guerra Mundial, fortalecendo a produção de vinhos em outros continentes ou países. Até então, a
notoriedade do vinho se dava pela região onde era produzido: Bordeaux (França), Toscana (Itália), o Novo
Mundo (países colonizados pelos europeus).

Na França, surge um sistema de denominação de origem chamado Apelação de Origem Controlada


(AOC) como uma tentativa de defender os seus vinhos de qualidade. Este modelo indica que o produto pos-
História e Cultura da Gastronomia 35
Henrique Salsano

sui características particulares. Este modelo é seguido por vários países com DOC (Denominação de Origem
Controlada).

A globalização tende a padronizar hábitos e comportamentos das populações do mundo e, em con-


traponto, existe a valorização das culturas locais, muitas práticas são absorvidas e reinventadas como mov-
imentos da gastronomia, slow food, culinária orgânica, a cozinha molecular e a de vanguarda. Todas elas
coexistem sendo sempre influenciadas pela cultura local.

Um importante tempero para a nossa culinária são as migrações dos povos. E neste mundo global-
izado a mídia dita as regras de comportamento. O poder dos veículos de comunicação (sites, blogs, revistas
especializadas, programas de TV, rádio e livros) fazem da arte culinária um dos temas mais comentados do
momento, e chefs com status de estrela aparecendo em colunas sociais, em capas de revista, apresentando
programas de TV. A mídia faz a glória e a ruína como o chef Bernard L’Oiseau.

Os guias mais respeitados no Brasil são: o Guia 4 Rodas de Restaurantes, Guia do Josimar Melo, Guia
Danúsia Bárbara e o roteiro da Veja. E no mundo, o Zagat (Estados Unidos), Gambero Rosso (Itália) e o
espanhol Lo mejor de la Gastronomia.

As principais revistas são a Gula e a Prazeres da Mesa. E todos os jornais têm coluna especializada em
gastronomia como a Folha de São Paulo (Nina Horta) e O Estado de São Paulo ( Dias Lopes).

Nas rádios, temos a Band FM (Pitadas de Gastronomia), CBN (Turismo e Gastronomia) e a Eldorado
FM com Adega Musical.

Entre as tendências gastronômicas atuais estão a cozinha fusion que é uma permuta de ingredientes
de 2 países diferentes, adaptando algumas técnicas e ingredientes asiáticos e exóticos como o nirá, flor de
lótus e pasta de curry. Mas para isso ocorrer, precisamos ter bom senso e equilíbrio adotando ingredientes
adequados e com critérios.

Os quatro sabores que podemos sentir com o nosso palato são o doce, o amargo, o salgado e o azedo,
mas o cientista Japonês Ikeda Kokunai, em Tóquio, descobriu o que chamou de o quinto sabor: isolando o
Kombu (alga), o seu gosto ativo, isto é, o glutamato de sódio, obteve o que chamou de Unami (gostosura).
Este produto foi patenteado e industrializado e chamado de Ajinomoto, que acabou sendo usado para poten-
cializar o sabor.

Muitos livros foram escritos e destaca-se Laurent Suaudeau (Cartas a um Jovem Chef); Claude Trois-
gros (Claude Troisgros de Cabeça a Panela); Antony Bourdain (Cozinha Confidencial), César Santos (Oficina
do Sabor); Roberta Sudbrack (Uma Chef um Palácio) e Alex Atala (Escoffianas Brasileiras).

Nas últimas décadas, o status de chef de cozinha é notório, sendo um mercado de grandes perspectiv-
as. A formação em gastronomia oferece algumas opções internacionais.

Argentina - IAG (Instituto Argentino de Gastronomia);

36 História e Cultura da Gastronomia


Henrique Salsano

Itália – ICIF (Instituto de Culinária Italiano para Estrangeiros); Universidade de estudo e ciências
Gastronômicas (tem convênio com a associação Slow food),

Espanha - Escuela de Hostelaria Hofmann;


Estados Unidos - CIA (Instituto de Culinária da América);

França – École Lenôtre; École Ritz-Escoffier; Instituto Paul Bocuse; Le Cordon Bleu.

História e Cultura da Gastronomia 37


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Capítulo IX
América do Norte
A Nova Escócia, antiga Acádia, localiza-se no leste Canadense. Foi colonizada pelos Franceses e
Britânicos e, em 1713, foi ocupada definitivamente pelos Britânicos, fazendo com que os Franceses migras-
sem para outras partes do continente. Muitos voltaram para a França e outros se instalaram na Géorgia, Car-
olina e Lousiana conhecida como Nova França. Nestas regiões, tiveram contato com os escravos Africanos
vindos do Caribe e, usando ingredientes locais, deram origem à culinária Cajun como eram chamados pelos
nativos. Culinária Cajun tem raízes francesas, mas com características rústicas e robustas, sem a preocupação
da precisão nos cortes. Tinha o costume de preparar suas receitas no caldeirão. Pratos típicos são o Gumbo
(ensopado de quiabo e camarões) e Étouffêe (guisado de frutos do mar e arroz).

Já a culinária Creole nasceu em Nova Orleans. Recebeu grande influência dos Franceses vindos do sul
da França, africanos e índios locais (semelhante ao Cajun). Sofre, ainda, influência dos Espanhóis, Italianos e
Alemães e é considerada uma culinária mais refinada. O prato típico é o jambalaya (bastante parecido com a
paella).

Hoje é difícil estabelecer uma diferença nas culinárias e é bem comum encontrar o mesmo prato com
2 versões Cajun e Creole.

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Capítulo X
China
Podemos dividir a culinária chinesa em 4 estilos, segundo as suas regiões: Norte (estilo de Pequim),
sul (estilo Cantão), costa leste (Xangai) e o interior/oeste (estilo Tsechuan). A China, com uma população de
1,3 bilhões de pessoas e um território de 8 milhões de km², possui uma longa costa, possui vários rios, lagos e
montanhas. Considerando o tamanho da área da China, é fácil imaginar a diversidade culinária oriunda das
diferenças climáticas e geográficas.

Norte - Região onde está localizada a cidade de Pequim, sede da corte imperial. A culinária desta
região é um exemplo de criatividade e sofisticação. O prato tradicional é o pato de Pequim, conhecido pe-
los temperos intensos de modo simples e agridoce. Produtos agrícolas: trigo, milho, soja, acelga chinesa,
couve-chinesa e berinjelas. Influências mongólicas são percebidas como o uso do carneiro e cordeiro.

Sul – O estilo Cantonês é uma mistura de diferentes sabores, usado poucos temperos, simples e
saborosos. Os produtos principais são o arroz, a cana de açúcar, as amoras e os peixes de água doce e salga-
da, além de ervilhas tortas, brócolis, cogumelos e feijão. Os molhos são hoisin, de ameixa, de ostra e de soja.
Preferem cocções rápidas, vegetais branqueados ou no vapor. Dim sum e carnes laqueadas são pratos tradi-
cionais.

Oriental - Região de Xangai. São usados agentes aromatizantes, molho de soja e gengibre. Fukien
é famosa por produzir o melhor molho de soja da China. Utiliza-se, nesta região, cozimentos a vapor, cozi-
mento vermelho e o branqueamento. Os produtos agrícolas são o arroz e o trigo, com a cevada, a batata doce
e o milho em segundo plano. O vinho shaoxing (vinho amarelo de grãos), o vinagre chinkiang (vinagre preto
Chinês usado como molho e condimento) e o presunto jinhua (presunto curado e defumado).

Ocidental - Região de Tsechuan famosa por pratos bem temperados, pratos agridoces e oleosos.
Sofre influência dos seus vizinhos, Índia e Paquistão. Cultiva-se arroz, milho, batata doce, painço, tungue
nogueira de óleo) e chá. Caracterizado por ingredientes fortes, usa-se muita pimenta, cascas de frutas cítricas
e gengibre. O cozimento a vapor é o mais popular.

Técnicas de cocção:

t Cozimento Vermelho - Cozinhar o alimento (em geral, carne de porco, boi, frango, pato ou carpa) em
grandes quantidades de molho de soja e água. O molho de soja contribui com sabor e cor.

t Laquear - O alimento é passado várias vezes em uma mistura de mel, xarope de milho, maltose ou
açúcar com óleo ou molho de soja. Depois de assada, a carne ganha crocância, brilho e leve doce.

t Empanado - Técnica que consiste em passar a carne por amido, claras, vinho de arroz e sal para reter
a umidade da peça e permite que o molho se agregue melhor.

História e Cultura da Gastronomia 39


Henrique Salsano

Japão
O Japão desenvolveu um rico conjunto culinário. Sua maior influência vem da China. A culinária
japonesa é famosa pela sua apresentação criativa, com ingredientes bem equilibrados e bonitos. Este sistema
estético se chama wabi (simplicidade) e sabi (elegância controlada).

Cerimônia do chá - Considerada uma arte que envolve música, local, jardim, poesia e alimento. A
cerimônia pode durar várias horas ou envolver um simples doce.

Arroz - Consumido de forma simples. O tipo é de grão curto (Gohan), é ligeiramente grudento e
úmido. O arroz vermelho é produzido para celebrações combinado com feijão azuki.

Os Japoneses acreditam que o peixe é melhor se consumido fresco e cru, conservando melhor a tex-
tura e o sabor. Como os produtos necessitavam de conservação, eles eram colocados para fermentar em arroz
cozido, sendo suficientemente preservados, então o arroz decomposto era desprezado e o peixe ficava com
leve sabor azedo. No século XVI, o arroz e o peixe se tornam comestíveis.

A diferença entre o sushi e o sashimi é a presença do arroz. O sashimi apresenta os corte de peixe, em
geral, delicados.

Saquê é uma bebida fermentada de arroz que surgiu há mais de 2 mil anos. É bastante usado na cu-
linária em marinadas, molhos e preparo de peixes.

Utensílios:
t Espátula de arroz (Shamoji)
t Esteira de shushi (makisu)
t Panela elétrica para cozinhar arroz (sokuseki tsukemono-ki)
t Wok

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Capítulo XI
Cervejas Históricas
Alta Fermentação (Ale) – É um tipo de levedura usado a uma temperatura mais alta (18ºC). Com um
tempo curto de fermentação: de 4 a 5 dias, forma sedimento no fundo e na superfície. Ficam bem mais perfu-
madas.

Baixa Fermentação - Sedimenta totalmente no fundo a uma menor temperatura (12ºC). A fermen-
tação leva mais tempo: de 8 a 9 dias. Aroma mais discreto.

t Chimay Red (1862)


País: Bélgica;
Tipo: Ale ( alta fermentação);
Teor alcóolico: 7%;
Cor: Escura;
Espuma: Formação espessa e duradoura, deixa marcas pelo copo;
Aroma: Frutado e doce;
Paladar: Doce, frutado, caramelo e com amargor.

t Urquell (Primeira cerveja pilsen do mundo):


País: República Tcheca, Cidade de Pilsen;
Urquel significa fonte original. Cerveja do tipo lager, ou seja, baixa fermentação;
Teor alcóolico: 4,4 %;
Paladar: Suave e agradável.

t Grolsch (Mesmo processo desde 1615)


País: Holanda;
Cerveja do tipo lager;
Primium que significa que é mais lupulada, o que confere o amargor e contribui para o aroma;
Em 1897 adota a tampa de cerâmica usada até hoje.

História e Cultura da Gastronomia 41


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Capítulo XII
Espanha
A Espanha é cercada de montanhas que isolam as regiões culinárias. Estes relevos criam as diferenças
e as distinções entre as regiões. A Espanha é banhada tanto pelo Mar Mediterrâneo como pelo Oceano At-
lântico e é uma das principais entradas da Europa. Esta situação geográfica facilitou as invasões mouras do
século VIII. Este domínio durou um pouco mais de 7 séculos deixando um legado cultural e gastronômico.

A Espanha pode ser dividida em: norte, interior norte, planos centrais, nordeste, costa sudeste, sul e
as Ilhas Canárias.

Com uma população de aproximadamente 45 milhões de habitantes, tem heranças mediterrâneas e


nórdicas. Por ser um país católico, realiza diversas festas culinárias com rituais e celebrações. Os Castelhanos
são dominantes, mas existem os bascos (grupo que habita o norte da Espanha e sudoeste da França, sendo
a região conhecida como País Basco) e os catalães (a Catalunha é uma comunidade autônoma da Espanha,
onde a capital é Barcelona). Com uma culinária célebre, os Espanhóis vêm se destacando nas últimas déca-
das.

Apesar das diferenças, existem pratos que são consumidos em todo país como a tortilla espanhola
(omelete de ovos e batatas), a paella, e o gaspacho (sopa fria).

Região Costa Norte – Faz parte da cultura, os homens cozinharem. Numerosos chefs têm origem
nesta região. A técnica culinária é cozinhar, lentamente, em azeite de oliva, a grande variedade de peixes e
alguns pratos semelhantes à culinária portuguesa.

Interior do Norte – Região próxima aos rios e adjacente à França. Conhecida como tendo uma cu-
linária simples. Os produtos agrícolas são: pimentão doce vermelho (pimentos del piquilo), aspargo branco,
minialcachofra, ervilha, feijão e batata.

Planos Centrais – Onde se encontra a capital Madri e alimentos internacionais. Entre eles: o peixe,
que chega de avião e é servido com molho de amêndoas, porém, no interior, o peixe é substituído pela carne,
feijão e linguiças, como o cocido (prato fervido de carne, batatas, verduras verdes e feijão. O caldo é consum-
ido como primeiro prato e o conteúdo como prato principal). Cultiva-se trigo e cria-se carneiro, originando o
queijo manchego, feito com leite de ovelha, cuja característica é a sua textura macia.

Nordeste – Região que compreende a Catalunha. As suas receitas são famosas por suas combinações
geniais, como lula com porco, coelho e caracóis e bacalhau salgado com uvas-passas. Esta culinária está mais
próxima das raízes medievais, utilizando temperos doces com pratos salgados e frutos secos para engrossar
molhos. Os pratos tradicionais são: safregit - mistura de cebolas sautées; picada - pasta de amêndoas, pão e
alho usados para dar sabor e engrossar; Allioli – emulsão de alho e azeite de oliva servida com peixe e frutos
do mar; samfaina – ensopado de vegetais.

Costa Sudeste – Esta região é considerada o jardim da Espanha, com vastas plantações de frutas

42 História e Cultura da Gastronomia


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cítricas, laranjas de Valência e vinhas da uva moscatel. É cultivado o arroz bomba de grão curto e o açafrão,
que dão origem a diversos pratos que levam estes dois ingredientes.

Sul – É a maior produtora de azeite, com peixes e frutos do mar, em sua maioria, fritos neste azeite
aromatizado. Os mouros, que ocuparam esta região por 800 anos, influenciaram na culinária e nos hábitos
alimentares, com pratos que combinam carneiro e frutos secos ou mel, presuntos curados, serrano e bellota.

É o berço de dois pratos: os tapas – pequenos pratos com origem no século XIX , origem do nome vem
de tapar (cobrir) que eram fatias de linguiça ou presunto que cobriam um copo de xerez; o gaspacho que é
uma sopa fria podendo ser de tomates, de ervas ou amêndoas.

Ilhas Canárias – Tem influências moura e africana. Seu solo é ideal para plantio de alimentos tra-
zidos do Novo Mundo como o tomate, o abacate, o abacaxi, a banana e o trigo. Os sabores incluem “mojos”
condimentados que são marinadas verdes (com ervas) ou vermelhas (com pimenta picante).

Utensílios tradicionais:

t Cazuela que são panelas de cerâmica, se aquecendo por igual e retendo o calor.
t Paellera - Panela redonda e rasa com duas alças, tradicionalmente é feito em uma fogueira.

Paella
Prato barato consumido pelos camponeses que trabalhavam nos campos da Espanha. Os produtos
utilizados eram sazonais.

A paella é definitivamente o prato mais conhecido da Espanha, mas existem outros bem tradicionais,
como o arroz negro com lulas, lulas recheadas, bolinhos natalinos de peru ou patatas a la importância. E as
sobremesas: toucinhos do céu, maçãs assadas, arroz doce e a crema catalã. Da herança moura existe frango à
moda moura, frango à pepitória e a torta folhada de Múrcia.

Ingredientes comuns eram os tomates e as cebolas, com carnes mais comuns como: coelho, pato e
caracóis que eram bastante utilizados, já o frango era utilizado em ocasiões especiais. Um jornal espanhol foi
o primeiro a utilizar o termo paella como receita, e não como panela.

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Capítulo XIII
França
A França pode ser dividida em 4 regiões: noroeste, nordeste, sudeste e o sudoeste. Em cada uma
delas existem 22 províncias, e cada região tem suas especialidades, sofrendo influência do solo, do clima e da
história. Cerca de 57% do país é dedicado à agricultura, incluindo a viticultura. Com cerca de 60 milhões de
habitantes, a França é abastecida com produtos agrícolas diversos, grãos, queijo, vinho, gado, caça e frutos do
mar.

Suas influências vêm das conquistas, explorações e limites com diversos países: celtas, britânicas,
bascas, espanholas, italianas, alemãs, gregas e do Oriente Médio, além do país ser cortados por diversos rios e
uma vasta costa marítima.

Criação do AOC (Appellation d’ Origine Contrôlée).

A criação do primeiro restaurante.

Noroeste – Região formada pelas províncias da Bretanha, Baixa Normandia, Alta Normandia, País
do Loire e Centro (conhecido por Vale do Loire).

A Bretanha é a principal região pesqueira com ostras, lagostas, mexilhões, caranguejos, arraias, cava-
las e linguado, que também é bastante valorizado na Normandia por ter uma carne firme e saborosa. É tam-
bém apreciada a carne de carneiro, cabra e gado, que é o caso do País do Loire. Já o Centro aprecia a carne de
javali, coelho, faisão e peixe de água doce como a truta e a carpa. A Normandia é conhecida pelas suas maçãs
e pelos seus queijos como o camembert e o pont l evêque e outros devivados como o creme de leite e a man-
teiga. Já outras regiões possuem grande variedade de frutas e vegetais como ameixas, peras, batatas, alcachof-
ras, endívias, entre outros. O trigo é o grão preferido do noroeste.

Nordeste - Formada pelas províncias Nord-Pas-de Calais, Picardia, Champagne-Ardenne, Île de


France, Alsácia, Lorena e Franco-Condado, recebendo influência de países fronteiriços: Bélgica, Luxemburgo,
Alemanha e Suíça. Entre as frutas e hortaliças estão as cerejas, as uvas, os cogumelos selvagens, as batatas, as
beterrabas, os aspargos e o repolho. As carnes consumidas são de porco (usadas também para a charcutaria),
de caça, de foie gras, de peixes, de escargots e de rã. A manteiga e a gordura de porco são as gorduras preferi-
das assim como o trigo é o grão favorito. O queijo, em geral, é o derivado da vaca.

Sudeste - Formada pelas províncias da Borgonha, Auvergne, Limousin, Ródano-Alpes, Provença-


Alpes-Côte d’ Azur e Córsega. Existe uma grande variedade de carnes como: boi, porco, carneiro, pato e
coelho. Os queijos são derivados da vaca, ovelha e cabra. As frutas e hortaliças são: maçã, uva, cereja, pera,
morango, cogumelo, repolho, batata e vagem. Os grãos mais cultivados são o trigo e o milho. As especial-
idades são a mostarda de Dijon e Borgonha, e as lentilhas Le Puy, de Auvergne. A culinária da Provença-
Alpes-Côte d’ Azur e Córsega são diferentes por estarem no mar Mediterrâneo, consumindo, anchovinha,
sardinha, salmonetes e o tubarão-anjo. Uma especialidade da região é um ensopado de peixe chamado bouil-
labaisse, o ratatouille e a tapenade.

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Henrique Salsano

Sudoeste - Formada pelas províncias de Midi-Pyrénées, Languedoc-Roussilon, Aquitânia e


Poitou-Charents. Essas regiões têm muito em comum com Portugual e Espanha. Os peixes são muito popu-
lares como: tubarão-anjo, enguia, atum, bacalhau, ostra e marisco. No interior, aves como peru, pombo, pato
e ganso e as nozes, as trufas negras e os cogumelos selvagens como porcini e chaterelles. Os pratos cassoulet
e confit de pato são especialidades desta região. Prevalecem os queijos de cabra, o azeite de oliva e a gordura
do pato além de produtos agrícolas como: ameixa, pêssego, damasco, tomate, berinjela, trigo, cevada e milho.

Boeuf Stroganov
Existem algumas versões deste prato.

De fato, é um prato de origem russa, cuja versão final conta com a colaboração da cozinha francesa.
Uma das versões da criação do prato é que, nos séculos XVI e XVII, os soldados russos carregavam, em sua
bagagem, a carne em pedaços preservada em aguardente e sal grosso. Na hora de se alimentarem, bastava
cozinha-la com cebola, gordura e creme azedo. A origem do nome pode vir de “strogat” que significa “cortar
em pequenos pedaços”.

   Outra versão um pouco mais refinada veio com o cozinheiro do czar Pedro, O Grande. Ele começou a
utilizar componentes ocidentais no prato. Seu nome de batismo era Stroganov.

   No final de 1800, o cozinheiro parisiense dos Nougorod, Thierry Costet, adicionou alguns ingredien-
tes à receita: os champignons do seu país e, da viagem até a Rússia, acrescentou a mostarda dos germânicos, a
páprica dos Magiares, além de picles de pepino dos judeus.

   Outra versão é que, no século XIV, uma nobre da família Stroganoff reunia mensalmente em seu cas-
telo algumas receitas preparadas por eles. Certa noite, a baronesa Nikolie Strogannoff serviu um prato com
cebolas picadas, cogumelos, carnes suínas e bovinas cortadas em tiras, flambado com vodka e engrossado
com polpa de tomates e natas, para ser servido com torradas de fécula de trigo.

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Capítulo XIV
Itália
A Itália é dividida em 3 regiões: região norte que tem fronteira com a França, Eslovênia, Áustria e
a Suíça; região sul e região central que têm limites com o Mediterrâneo. Suas influências culinárias e cul-
turais são evidentes em várias partes do mundo como a Espanha, a Grécia, o norte da África e, até mesmo,
as Américas. A Itália é dividida em 20 regiões e tem um relevo acidentado e montanhoso. Abriga uma pop-
ulação de cerca de 60 milhões de pessoas. Considerando que a área da Itália é ligeiramente maior que a do
estado do Arizona, a diversidade e as especialidades são motivos de orgulho de cada região.
As influências culinárias e culturais vêm do passado de ocupações ou colonizações, dos etruscos, dos espan-
hóis, dos franceses, dos gregos, dos árabes, dos austríacos e dos alemães. A Itália era formada por estados
separados e conflitantes e o responsável pela unificação foi Giuseppe Garibaldi em 1861. Tem a característi-
ca de ser de um povo regionalista, preservando sua culinária e até mesmo o dialeto, do qual sentem muito
orgulho.

Norte da Itália - Considerada a mais próspera da Itália, é uma região mais industrializada e, como
o resto do país, tem seus próprios costumes e culinária. A culinária é dominada pela carne e seus derivados.
A vitela, a carne de porco e de caça são bastante populares. Consome-se pasta fresca, polenta, nhoques,
dumplings (influência austríaca e alemã) e arroz. A região de Piemonte é a maior produtora de arroz. As
técnicas de cocção são ferver, ensopar e brasear, embora exista um forno especial chamado fogher usado para
assar no espeto.

Centro da Itália - O centro da Itália tem uma história bastante rica, devido à origem da Renascença
e de Catarina de Médici, Florença. A característica da culinária desta região é a simplicidade. Muitas vezes o
alimento é temperado somente com ervas aromáticas e azeite. Região conhecida pela carne bovina, caprina e
ovina que é geralmente grelhada, assada, ensopada ou frita. Na Úmbria a carne de porco é bastante popular.

Sul da Itália - Considerada a menos desenvolvida da Itália, mas é a maior região. Tem a carac-
terística de um povo bastante ligado à família, no que diz respeito à culinária. Embora as características de
cada região sejam distintas, existem algumas similaridades. O terreno é acidentado e, por este motivo, não
é propício para a criação de gado, sendo mais comum a carne de porco, frango e carneiro. Prevalecem os
derivados de cabra e ovelha, além de frutos do mar sempre usando o azeite com a gordura de preferência,
principalmente na Sícilia.

Risotto ala milanese

Receita básica de risoto - Arroz vialone nano, arbóreo ou carnaroli, manteiga sem sal, fundo, cebola,
vinho, queijo e temperos.

Em Milão se usa preferencialmente o arroz carnaroli, enquanto o vialone nano é mais utilizado em
Veneza. O açafrão ainda hoje é valioso e caro conferindo ao prato o amarelo dourado que, por vezes, é conhe-
cido por Risotto giallo. O Papa Celestino IV usava para perfumar o seu banho.

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Henrique Salsano

A origem do prato seu deu há mais de 400 anos e a expressão risoto significa, no diminutivo, arro-
zinho. O arroz provém do Oriente, entre a Índia e a China e chega à Europa provavelmente pelos Mouros
no século 9, mas a primeira vez que surge em citação foi em 1379, em Paris, e publicado no Le Viandier por
Taillevant.

O prato surgiu em 1574, na preparação da festa de casamento da filha de Valério da Profondavalle,


um artesão flamengo, encarregado da montagem dos vitrais do duomo da capital da Lombardia. Na época,
o açafrão era usado para pigmentar na pintura ou coloração de cristais. Por acidente um ajudante do artesão
deixou cair o açafrão na panela de arroz. Para surpresa de todos, o arroz ganhou uma coloração dourada e
um paladar muito agradável. Economicamente o açafrão era mais barato que o pó de ouro usado para a orna-
mentação da época.

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Capítulo XV
Portugal
Portugal pode ser dividido: região ao sul do rio Tejo, ao norte do rio Tejo e as ilhas da Madeira e
Açores. Tem aproximadamente 11 milhões de habitantes e é um país católico com várias tradições culinárias.
Os hábitos culinários vêm da sua costa e da proximidade com a Espanha. Apesar de ter uma população
rural maior do que a de qualquer outro país da Europa, a agricultura de Portugal não consegue sustentar sua
população. Os portugueses são os que mais consomem peixe per capita na Europa. Seus principais produtos
agrícolas são o trigo, o milho, o arroz, a batata, a uva e o azeite de oliva. As carnes: de porco, de carneiro e de
frango. Usam diversos temperos como coentro e pimenta mais picante talvez por influência de suas colônias.
As refeições são parecidas com as nossas.

Norte do rio Tejo - esta região prefere refeições rústicas e energéticas usando cabra, porco e a
gordura de porco, azeite de oliva, peixes e sopas. Pratos típicos: caldo verde, que usa cebola, couve e linguiça;
minhota, que significa prato que contém presunto. Ainda consomem em seus pratos sardinha, arraia e bacal-
hau. Esta região engloba a capital Lisboa onde se encontram vários alimentos. Em Cascais existe um merca-
do, o maior do país, onde se encontra de tudo. Na província de Estremadura nasceu a açorda (prato com sopa
ou caldo com base de pão e ingredientes locais) de mariscos que é uma sopa seca de pão, com ovos, frutos do
mar e coentro.

Sul do rio Tejo - tem um clima mais quente e mais produtivo. Produz o trigo para o pão usado
também para engrossar a açorda com migas (migalhas). Os pratos incluem ovas de sável fluvial, costeletas de
cabrito ou cabra, lebre ensopada em vinho tinto, pudim de cenouras, piri-piri (molho picante). Tradicional-
mente, esta região era visitada por exploradores, comerciantes e viajantes o que tornou uma encruzilhada de
ingredientes exóticos como o figo, o damasco, a alfarroba entre outros. A cataplana é uma panela típica que
originou o prato mexilhões cozidos no vapor na cataplana.

Ilhas da Madeira - cultivam-se vegetais e frutas tropicais como bananas e uvas.

Açores - vem um prato que consumimos em comum - bife a cavalo.

A palavra bacalhau apareceu pala primeira vez em Flandres, região atualmente dividida entre Bélgica,
França e Holanda, em 1163, na forma latinizada “cabellauwus” que pode vir do vocábulo gascão “cabilhau”
derivado de “cap”, cabeça. Peixe de água salgada, carne branca, grossa, sabor suave, filés grandes. As ovas,
bochechas e mandíbulas inferiores são consideradas iguarias.

Bacalhau a Gomes de Sá – Gomes de Sá foi um comerciante da cidade do Porto do final do século


XIX, Restaurante Lisbonense.

48 História e Cultura da Gastronomia


Henrique Salsano
Capítulo XVI
GASTRONOMIA MOLECULAR

O objetivo da Gastronomia segundo Brillat-Savarin, na obra Physiologie du goût, de 1825, é zelar pela
conservação dos homens, por meio da melhor alimentação possível, mediante princípios seguros desenvolvi-
dos por aqueles que pesquisam, fornecem ou preparam coisas que podem se converter em alimentos. Ele
prevê que sua evolução somente acontecerá mediante descobertas e trabalhos no campo da ciência.

A palavra ciência vem do latim scientia (conhecimento), do verbo scire (saber). Etimologicamente,
ciência designa a origem da faculdade mental do conhecimento. É a atividade que observa os fenômenos e
busca propor mecanismos, explicações, sob a forma do que denominamos modelos ou teorias.

De acordo com o químico francês Hervé This, desde a antiguidade, são inúmeros os estudos que
ligam a ciência aos alimentos. Contudo, ele cita alguns como diretamente influentes na história da criação da
gastronomia. São eles:

t 1681 – Denis Papin inventa a panela de pressão enquanto buscava um meio de amolecer ossos;
t 1783 – Lavoisier estuda o processo de preparação do caldo de carne, medindo a densidade para avaliar a
qualidade;
t 1790 – Rumford desenvolve chaminés, utensílios e equipamentos para a cozinha com o objetivo de apri-
morar a arte culinária;
t 1870 – Chevreul estuda a cocção de vegetais;
t 1907 – Royal Institution, Londres. Usa o nitrogênio líquido para produzir sorvete;
t 1920 a 1950 – Edouard de Pomiane usa a expressão Gastrotechnie (outro termo para Gastronomia). Mais
de 20 livros na área;
t 1969 – Nicholas Kurti faz experimentos físicos na área de gastronomia;
t 1986 – Harold McGee publica dois best-sellers: On food and cooking e The curious cook;
t 1988 – Nicholas Kurti e Hervé This criam a Gastronomia Molecular e Física.

A ciência dos alimentos é definida pelo Institute of Food Technology como a disciplina em que a Bio-
logia, a Física e a Engenharia são utilizadas para estudar a natureza dos alimentos, a causa de sua deterioração
e os princípios fundamentais de seu processamento: seleção, conservação, processamento, embalagem, dis-
tribuição e uso de alimentos seguros, nutritivos e sadios. Para esse instituto, essa é uma ciência engajada prin-
cipalmente na análise do conteúdo e das propriedades dos alimentos, na relação com as demandas de nosso
corpo e no desenvolvimento de métodos de processamento de alimentos voltados para escala industrial.

Apesar do avanço da ciência dos alimentos, não havia uma ciência que ajudasse a compreender o que
milhares de pessoas estavam fazendo e como estavam preparando o que iriam comer. A culinária foi a última
das chamadas “artes químicas” a se tornar objeto de estudo científico segundo Hervé This.

A respeito da necessidade da criação de uma ciência que levasse mais a fundo os estudos sobre a Gas-
tronomia, nos idos de 1794, Sir Benjamin Thompson (apud PEDERSEN et al., 2006, p. 612) publica:
“A vantagem resultante da aplicação das últimas brilhantes descobertas da química filosófica e de outros

História e Cultura da Gastronomia 49


Henrique Salsano

ramos da filosofia natural e mecânica, no aperfeiçoamento da arte culinária, é tão evidente que não posso
deixar de lisonjear-me que logo veremos uma pessoa da profissão, com a mentalidade liberal, levar o assunto
a sério e dar-lhe uma investigação científica completa. Em que arte ou ciência melhorias poderiam ser feitas
para contribuir mais poderosamente com o aumento do conforto e do prazer da humanidade?”

Por tudo isso, a Gastronomia Molecular nasceu, em 1988, quando dois cientistas, Nicholas Kurti e
Hervé This, criaram uma disciplina científica para investigar as transformações culinárias tendo, especifica-
mente, a física e a química por trás da preparação dos alimentos.

A qualificação da gastronomia como “molecular”, como This explica, foi feita para designar a ex-
ploração físico-química das transformações culinárias. A partir de uma unidade minúscula, ela explica o
complexo: uma atividade que depende de fatores tão diferentes como é a gastronomia.

This lembra a existência de mitos que envolvem a manipulação de alimentos – como a influência da
lua ou da menstruação – que se tornaram ditos populares, muitas vezes acreditados até os dias de hoje. Fun-
damentada em vários desses mitos, ainda existe a chamada “cozinha automática”, com aplicação de protocolos
que “devem” ser fielmente seguidos, sob pena de não funcionar como deveria. Nela, os cozinheiros podem até
observar, mas não interpretar certos fenômenos: é o caso do uso das receitas culinárias que forçam, muitas
vezes, o cozinheiro a atuar como mero executante.

Daí a necessidade de se compreender que, quanto maior o conhecimento básico que se tenha sobre a
forma como a química funciona, mais facilmente compreender-se-á a culinária em termos químicos e, con-
sequentemente, mais fácil será melhorar as habilidades culinárias. Os estudos científicos permitem pensar
na função antes de pensar nas ferramentas: fornecer suas razões e explicações. O cerne da disciplina então é
compreender os fenômenos que acontecem por ocasião das transformações.

A ciência da composição química dos alimentos e das técnicas gastronômicas possibilita elaborar
produtos balanceados nos aspectos nutricional e sensorial, pelos quais mantêm-se e intensificam-se formas
distintas, odores, sabores, texturas, cores e apresentações.

A Gastronomia Molecular tem como premissa, como as demais áreas da ciência, contribuir para o
bem coletivo, produzir conhecimentos novos e compartilhá-los, originando, então, aplicações técnicas e
resultando na produção de bens mais planejados e úteis. O conhecimento produzido pela ciência é utilizado
para produzir e aperfeiçoar a tecnologia e a técnica.

Cozinha Molecular é o trabalho culinário feito após o estudo físico-químico dos alimentos e das
técnicas de preparação. As inovações técnicas, junto com a introdução dos conhecimentos da física e da
química, constituem uma das vias para ampliar as possibilidades de criatividade na cozinha.

Heston Blumenthal, Ferran Adrià, Thomas Keller e Harold McGee, ilustres colaboradores da área,
reconhecendo como rápido e, às vezes, equivocado o desenvolvimento dessa nova cozinha, publicaram em
2006, um artigo de autoria coletiva declarando os valores e os princípios em que se baseiam. Sua “declaração
da nova cozinha”, Statement of the new cookery, destaca a excelência, a abertura e a integridade como
princípios básicos para o desenvolvimento da culinária que valoriza e se fundamenta no clássico, mas que
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evolui continuamente, pois aceita a inovação, os novos ingredientes, as técnicas, os equipamentos, as infor-
mações e as ideias, sempre que evidenciarem uma efetiva contribuição para a cozinha. Eles têm em conta que
a partilha é essencial para o progresso, considerando a profunda influência que a culinária pode causar na
vida das pessoas.

Para os chefs e, esperançosamente, para todos os cozinheiros, o principal alvo é surpreender e deleitar
seus convidados com uma saborosa, bonita e saudável comida. O objetivo da cozinha do chef Ferran Adrià
é, em primeiro lugar, surpreender e, em segundo, divertir, pois sua filosofia é a de que a gastronomia faça as
pessoas felizes.

A ciência pode contribuir para o progresso da cozinha? Certamente, pois ela explora seus efeitos e
revela seus mistérios. Nada fica fora da análise que conduz ao propósito de renovação da prática culinária.
Consequentemente, esses estudos levam à contestação de grandes autores do passado, como Marin, Ma-
rie-Antoine Carême, Urbain Dubois, Édouard Nignos, Jules Gouffé, sobretudo quando eles se aventuraram
no terreno das explicações.

A ciência seria então iconoclasta? Hervé This afirma que sim, justificando que fatos são fatos e que
erros, mesmo os dos maiores cozinheiros do passado, são erros. Mas não é por derrubar erros do passado que
a Gastronomia Molecular é uma operação de desconstrução, pelo contrário. Deve-se ressaltar, observa o au-
tor, que é uma renovação, como já deveria ter acontecido há muito tempo. Somente a ciência pode nos ajudar
nessa empreitada e responder às indagações: o que devemos conservar? O que podemos transformar?

This propõe considerar que a cozinha francesa seja como uma velha casa de família. Uma construção
magnífica, mas sem o conforto moderno. Sem banheiro, com sanitários no fundo do quintal, um antigo
fogão a lenha. Deve-se manter a casa nesse estado, apesar da falta de conforto? Sem dúvida, é mais sensato
conservar a casa, enfatiza o autor, porém, equipando-a, para nela viver melhor do que os antepassados que a
construíram.

A iconoclastia do chef catalão Adrià é clara. Ele define seu restaurante como um palco de mágicas
e afirma: “É preciso derrubar o conceito de que livros de culinária servem para cozinhar. Eles servem para
inspirar, trazer uma filosofia, apresentar técnicas que as pessoas possam adaptar”. O chef paulista Alex Atala
comenta que, para desenvolver a Gastronomia, é fundamental convergir esforços de várias áreas, especial-
mente porque inovar é questionar verdades estabelecidas num sentido bastante amplo.

Em gastronomia, tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar tradição com criação.
A tradição está no saber do povo. É ligada à terra e à exploração dos produtos da região e das estações. Já
a criação está relacionada à invenção, à renovação e às experimentações. É uma tendência atual misturar
a tradição com a inovação. Elas devem caminhar juntas, reforçando-se mutuamente. É importante que o
profissional da cozinha seja sempre muito curioso e não se deixe aprisionar pela tradição, estando aberto às
novidades e às discussões gastronômicas que correm o mundo.

Profissionais da cozinha, com tamanha importância e responsabilidade social, precisam ter uma for-
mação acadêmica mais sólida também no campo da ciência, visto que os conhecimentos científicos propor-
cionam novas técnicas culinárias, permitindo não só prever o comportamento dos alimentos, mas também
História e Cultura da Gastronomia 51
Henrique Salsano

conhecer a afinidade entre eles, do ponto de vista químico. Estudando, também podem aperfeiçoar as técni-
cas, os equipamentos e até a matéria prima a fim de obter melhores resultados, de forma mais racional.

PRINCIPAIS TÉCNICAS MOLECULARES


Esferificação:

Aprisionar um líquido qualquer numa esfera perfeita.


É feito por meio da dissolução de alginato no líquido em que se pretende fazer as esferas e da dis-
solução de cloreto de cálcio em água.
O alginato é uma substância extraída de algas marrons e possui caráter geleificante, utilizado na in-
dústria alimentícia como aditivo alimentar para alterar a viscosidades de produtos.
Devido a suas propriedades químicas, o alginato reage com o cálcio o que resulta na formação da
película que reveste as esferas resultantes da esferificação.

Espumas:

Espuma é simplesmente uma substância formada pelo aprisionamento de bolhas de ar. O modo mais
conhecido é o que usa o sifão com cartuchos de óxido nitroso. É feito um suco de frutas, vegetais ou qualquer
líquido com sabor, só devendo ter cuidado para que não tenha nenhuma partícula no líquido usado que pos-
sa entupir os mecanismos do sifão.
Para algumas espumas deve-se usar emulsificante, como a lecitina de soja (que torna possível a mis-
tura de dois líquidos que normalmente não se misturariam, como água e óleo) ou estabilizantes, como Agar
ágar, Carragena e Metilcelulose.
O que vai determinar é a densidade desejada e o tempo (duração da espuma) antes do consumo.

Gelatinização - Gelificantes:

Produtos que conferem ao líquido a textura de gel, modificando a sua viscosidade. Os mais conheci-
dos são:

- Agar-ágar: hidrocolóide extraído de algas marinhas vermelhas. Ele possui em sua composição


principalmente fibras, sais minerais, celulose, anidrogalactose e uma pequena quantidade de proteínas. É
normalmente vendido em forma de pó ou tiras de algas secas. A temperatura de fusão é entre 85º e 95ºC e a
temperatura de gelificação entre 32º e 45ºC.

- Metilcelulose: é extraída da celulose dos vegetais. Ao contrário dos outros gelificantes, suas proprie-
dades gelificantes são ativadas pelo calor, ou seja, tem que ser dissolvida em água fria e depois esquentada.
Devido à essa característica, o chef Ferran Adrià faz a “gelatina” quente. Em frio atua como espessante, per-
mitindo a realização de gelados quentes (que derretem quando frios). Mousses sem ovos e cremes.

- Carragena: grupo de polissacarídeos naturais que estão presentes na estrutura celular de algas do
tipo Rodophyceae. É muito rica em minerais como ferro, zinco, potássio, magnésio, iodo, fósforo, cobre,
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cálcio, vitaminas do complexo B e alguns betacarotenos, além do elevado teor de fibras. É um gel transpar-
ente e termorreversível, conseguindo uma ampla variedade de texturas desde muito elásticas e coesas, até
géis firmes e quebradiços, dependendo da combinação das frações que se utiliza.Utilizada na estabilização de
gordura, espessamento, suspensão e gelificação.

Transglutaminase:

Permite a reestruturação de aparas e pedaços de carne.


É uma enzima natural existente nos organismos que atua como catalisadora (aumenta a velocidade)
de reações de polimerização e ligações entre moléculas de proteína. As ligações resultantes da ação dessa en-
zima são de grande estabilidade e ocorrem entre os aminoácidos glutamina e lisina. Sendo assim, esta trans-
formação atua em todo o tipo de alimentos proteicos.
Possui forte poder de ligação que permanece mesmo quando os alimentos são congelados ou cozidos.
Não compromete o aroma e sabor original dos alimentos.

Texturização de lipídios:

- Maltodextrina n-zorbit:
Transforma substâncias oleosas em pó. É um pó com densidade muito baixa que proporciona uma
elevada área superficial adequada para absorção de óleos e gorduras.
2 partes de óleo para 1 parte do pó n-zorbit. Bater no mixer. Exemplos: Azeite em pó, Nutella em pó.

Nitrogênio Líquido:

Temperatura – 196ºC. Congelamento quase instantâneo permitindo a formação de minúsculos cris-


tais de gelo, resultando numa preparação de textura extremamente cremosa.
O manuseio descuidado pode resultar em queimaduras de frio. Deve-se ter em mente que, como o
nitrogênio líquido evapora, ele irá reduzir a concentração de oxigênio no ar, podendo atuar como asfixiante
em espaço confinado.

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Henrique Salsano
Bibliografia
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Chef profissional/Instituto Americano de Culinária-São Paulo : Editora Senac,2009.

SEBESS, Mariana. Técnicas de cozinha profissional. Tradução de :Helena Londres. Rio de Janeiro:Senac Na-
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ARABIAN Ghislaine, FRÉCHON Éric, ROBUCHON Joel, SENDERENS Alain. La Cusine- Vue par ses
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Os chefs de le cordon bleu. Fundamentos culinários: Receitas básicas.

Rodriguez Palacios, Ariel. Cordeiro, cerdo y conejo al uso del maestro de cocina- 1a ed. – Buenos Aires:At-
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http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/bc/William_Orpen_Le_Chef_de_l%27H%C3%B4tel_
Chatham,_Paris.jpg

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