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carinhosa como cle almejaria. Vern-Ihe entio a ideia de que ela seria mais afetuosa com ele se Ihe aconteces- se uma infelicidade; e se Ihe impoe o pensamento de que a morte de sew pai poderia ser essa infelicidade”™ © resultado aparece de modo imediato: no mesmo instante, o paciente repele, energicamente, essa ideia que Ihe ¢ terrivel dle expressat; Da mesma maneira — se- sgundo exemplo, “[.] seis meses antes da morte de seu Pai, um pensamento semelhante Ihe atravessou a cabega ‘como um raio, Nessa época, jé estava apaixonado pela ddama em questo, mas no podia desejar uma unio por rages pecuniétias. O pensamento que lhe veio & cabega foi o seguinte: com a morte de meu pai, eu me tornaria talvez sficientemente rico para desposé-la A resposta aparece: "Ele foi, rejeitanda essa ideia, até © ponto de desejar que seu pai nao lhe deixasse nenhuma heranca,a fim de que essa perda tio terrivel para ele nao fosse compensada por nada" Terceito exemplo: uma ideia lhe veio “A véspera da morte de seu pal: estou prestes a perder o que me é ‘mais caro no mundo” A essa ideia uum pensamento se pos: “Nao, existe outra pessoa cuja perda me seria ainda mais dolocosa’. E sua dama, Freud, compreendendo essas formulagdes, “lim. pa’ as hesitacoes de Lanzer: a morte do pai nao é um medo, mas um desejo do filho. Ha, para esse sujeito, a coexisténcia do amor, que ele brada conscientemen- te, bem alto e forte, e do édio, recalcado, inconsciente = “{] justamente esse amor tio intenso é que é a condigao do recalque do édio’: Como explicar esse dio inconsciente? A resposta revela a Freud a légica inconsciente da neurose obsessiva. Primeiramente, a constatagio metapsicoldgica: “E necessirio admitir ue esse dio estava ligado a uma causa gue 0 torna- va indestrutivel, Assim, o ddio ao pai é, por um lado, protegide contra a destruigda e, por outro lado, 0 grande amor por esse mesmo pai impede de se tornar consciente esse dio, Resta entao a esse ddio apenas a texistencia no inconsciente, do qual ele pode, entretan- to, ressurgin, por instantes, como uum raio” Em seguida, a razdo estrutural: “A fonte que all- mentava seu dio e o tinha tornado inalterdvel era evidentemente da ordem dos desejos sensuais; quan- do estes iltimos eram saciados, seu pal lhe aparecia como um incémodo. Um tal conflito entre a sensuali- dade € o amor filial ¢ absolutamente tipico” Daf o anseio infantil sempre presente: “eliminar 0 ai que incomoda” Essa conjunsao do amor ¢ do édio com seus an- seios mortais se estende para Lanzer a todos os seus, objetos amorosos. Portanto, também e antes de tudo, dama de seus pensamentos. Ele o admite: "Ele me diz entio lembrar-se de outras pulsdes de yingan- 4a, em relagao 4 dama pela qual tem, entretanto, um amor repleto de veneragao, e das guais apresenta wm retrato de modo entusiasmado.” Essas referénclas permitem retomar a famosa “cena da pedra’: “No dia da partida da dama, nosso paciente bate o pé numa pedra na rua, Ele teve que retird-1a do caminho, pois imaginou que, em algumas horas, o carro de sua amada, passando naquele lugar, poderia ter um acidente por causa dessa pedra. Al. guns instantes depois, ee se diz que isso era absurdo € teve que voltar a colocar a pedra no meio da rua” Essa cena é paradigmatica, pois sinaliza, [J nesse corasdo apaixonado, [que] uma luta entre o amor eo dio, experimentadas pela mesma pessoa, causa ira: ¢ essa luta se expressa de uma maneira plastica por um ato compulsivo de um simbolismo muito significati- vo: ele tira a pedra do caminho de sua amada, mas nm anula em sogulda esse gesto de amor, colocando-a em seu lugar, a fim de que o carro se choque nela © que stra amada se machuque. Seria errado considerarmos que a segunda parte dessa compulsio fosse inspirada pelo senso critico do doente.[..] Esse gesto, realizan- do-se compulsivamente, denunicla, aqui, também, sua participacio na agio patolégica, mas que foi determi: nado por um motivo contririo Aquele que provocara 4 primeira parte da ago compulsiva” ‘A verdadeira significagao dessas compulsOes “resi de no fato de que elas exprimem 0 conflito de duas tendéncias contraditorias e de intensidade quase igual, eque sio [..] sempre a oposicao entre o amor eo 6dio' Estes jogos entre o amor ¢ 0 ddlo explicam a elas de Eenst com Gisela — 0 que mobiliza 2 vida deles durante 10 anos: ‘A dama tinha recusado 0 primeiro pedido de casamenta quie nosso paciente Ihe tinha fel to 10 anos antes. Desde ento, ateraavam os perlodos em que ele acreditava amé-la intensamente outros fem que, mesmo consclentemente, ela Ihe era indife- rente, Uma vee que, no curso do tratamento, ele devia dar um passo, podendo aproximé-lo do objetivo de seus desejos, sua resisténcia se manifestava primeira- ‘mente pelo sentimento de, no fundo, ni aula tanto, sentimento que, alids, se desvanecia rapidamente” Freud explicita o caso em uma formula-chocante: “Sea conflito mérbido era, com efeito, essencialmen: te, uma luta entre a persistencia da vontade paterna © seus préprios sentimentos amorosos” Seu pai tinha, efetivamente, sido, para seu filho, seu melhor amigo. a, exceto tum panto: os desejos se Tado os aprox sais de Ernest. "E inegavel que, no dominio da sensu: alidade, pai cfilho fossem separados por alguma coisa que pai tinha sido um obsticulo a evolucao precoce vinda ao filho, no momento de 10 sexual, em tim coita, o ates ifico!, pensou Lanzer, para experimen- tar isso, a gente seria capaz de assassinar o pail” nflito, nessa oposigSo entre a vontade suposta escolha de um objeto sexual, que reside a ex- 10 dos sintomas obsessivos que paralisam a-vida 6. "Seu amor — ou, melhor, seu ddio — é verdadet ramiente onipotente: sio justamente esses sentimentos ue produzem as obsessdes cuja arigem ele no com: preende e contra as quais se defende sem sucesso.” Cabe a Freud conchiir: “E no recalque do édio in fantil contra seu pai que vemos 0 procesto que provo- cou na neurose todos 0s conilitos posteriores de sua vida” — inclusive, eprioritariamente, sua relagao com, ‘eiro femininos a dama venerada e intocada. Pal morto dama idealizada sao insepardvels — “essas éiuas imagens se sustentam, em uma equivaléncia ca racteristica [..] — a da agressividade, na fantasia, que a perpetua, com aquela outra do culto mortificante que a transforma em idalc’, esereve Lacan, em 1953, © parceiro-sintoma do obsessive é o pai sempre uurado em sua imponéncia, tanto pelo amor cons: ciente quanto pelo ddio inconsciente. O obsessivo duce seis de passa seu tempo, aparentemente, querendo matar seu pai interditor, importunador dos desejos sexuais do filho. Aquilo de que se esquece 0 absessivo é que o pai nomeado, 6 pal simbélico, nio tem que ser morto, pols jé esti morto, e que é na qualidade de faltante que ele pode operat. B 0 pai transformado em Outro, © anseio pela morte da pa se reduz a um simulacro de seu asessinato ama pentomnime, Parando de jucrer malar pa Ji morte obsesio se oleae So contro a tna slvilo — emo queer bapeet. vel increvabl). © pal do obsstivo aan & no sentido Csvito,o pal mort, aso pai que ade chega a or rere sobre o qual ese obsing, mals mais ops como Outro mortiieado, Que cleo ame elou que tle oodele nio mua ada em questo. Amore io Sto apenas averso da mest moeda edna asus disposi, a dnicn que ele ulin em suas rlabes, Inclusive sobrtedor nas amorosss © tratumento devolve a Lancer o gosto pela vida 0 libera das forms mate doloross de soa‘nevrose Blomorteuem 1914, no momento da Grande Guerre brisionet em um campo russo., Fle havia-se cas tl com Gisela em 1910, depois de cortetla inten mente, por 12 ano, 6 A perversao INOS JA © DISSEMOS: A PULSAO, PORQUE PARCIAL E PER VERSA, # A CRIANGA £ UM PERVERSO POUIMORFO. Mas 0 que dizer dos perversos adultos — dos perversos pro: priamente ditos? Para Ereud, as atitudes, comporta: mentos, rituais.e outras passagens a0 ato, que mani- festam as formas mais surpreendentes da sexualidade humana, no permitem estabelecer o diagnéstica de perversio, Dito de outza forma, a perversio é uma po- sigio subjetiva e no pode ser deduzida de uma série e priticas observiveis, Freud sempre demonstrou ‘que somente a posicio subjetiva — precisamente 4 ficsio da fantasia inconsciente — pode servir de biissola clinica. Nos anos de 1925-1927, ele sola um mecanismo em que 0 sujeito diz nlo a descoberta da castracdo materna e da diferenca dos sexos. E 0 des- ‘mentido (= Verleugnung). Diante da diferenga sexual apresentada pelo real, 0 perverso fica dividido. Uma corrente psiquica recomhece a castragio (materna), ‘eoutra a recusa, Esse sim e esse no (3 castracio) co- existem no inconsciente ¢ explicam 0 paradoxo das ‘posig6es perversas, principalmente o deseo fetichista [Em 1908, Freud descreve o efeito da descoberta dos 6r- 0s genitais ferininos pelo menino: “Estou conven- ido [..] de que nenbuma crianga (..) pode deixar de ficarpreocupada com o¢ problemas sexuais nos anos pata com isso equals rexpastas ela chega? As cam. Primeira “impulefo a0 saber’ “A primetce devant teorias esti ligada a0 fato de que 630 negligencadas 2 diferengas entre os sexs, [1] Essa teers conic femininos, um penis. 0 penis, jé para clanga:€4 zone erégena diretriz, o objeto sexual autoerstico pri- ‘mordial e 0 valor que ele Ihe di encantra seu reflexo logico na incapacidade de representar uma pessoa [..] em esse clemento essencial” O que produ 0 encontro com o objeto feminino? ‘Quando o menininho vé as partes genitais de uma inmazinha, seus propéeitos mostram que seu precon ceito jd é suficientemente forte para arrasar com essa percepgio; ao invés de constatar a falta do membro, ele comumente diz, como uma forma de consolagdo e de conciliaglo: “o... 6 ainda pequeno; mas, quando ela for maior, ele cresceri bem” A representagio da mulher com o pénis reaparecerd de novo, mais tarde, nos sonhos de adulto” ‘A crianga diz no A castragio — esse “no” seins creve no inconsciente e retorma nos sonhos (entre ou tras manifestagées do inconsciente) na idade adulta A mulher com pénis assinala esse “no” enderecado A percepcio (visual) da diferenga dos sexos e da au- séncia do pénis feminino, Essa descoberta a respeito dessa fantasia da mulher (mae) com penis vai explicar 1 posigio fetichista, Freud cita vitios pacientes homens "[..J cua es colha objetal era dominada por um fetiche”. Desse fetiche os pacientes nio se queixavam de forma algu- ‘ma, O fetiche nfo tem 0 estatuto do sintoma: “Nao & necessitio esperar que as pessoas procurem anilise por causa do fetiche; este, de fo, é bem reconhecido pelos seus adeptos como uma anomalia, mas é raro ‘que seja sentido como um sintoma doloroso” Os pacientes buscavam uma consulta por razdes diferentes do uso de um fetiche, Era somente durante © trabalho analitico que ele era descoberto, e, ainda, de maneira marginal. Qs fetichistas nio se queixam de seus fetiches por uma simples taza0: "A maior par- te de seus adeptos estio muito contentes com eles ou mesmo se felicitam pelas facilidades que trazem A sua vida amorosa”’ O fetiche nao traz problema, mesmo se 0 sujeito admite o seu uso andmalo em relagio as formas sexuais habituais. Ele no traz complicagaio justamente pelo fato de que foi escolhido para evitar ificuldades amorosas ou sexiais, Quais sio o sentido e a finalidade do fetiche? A resposta ¢ valida em cada caso: “Eu vou certamente desapontar dizendo que 0 fetiche é substituto do énis. Apresso-me entio em acrescentar que nio se trata de um substituto de um pénis qualquer, mas de um pénis totalmente particular que tem uma grande significagdo no inicio da inficia e desaparece em se- guida. Em outros termos, esse pénis particular teria de ser normalmente abandonado, mas 0 fetiche esta justamente ai para garanti-lo contra seu desapareci- ‘mento, Dirla mais claramente que o fetiche é 0 subs- tituto do falo da mulher (da mie) no qual acreditou a criancinha e ao qual, nos sabemos por que, essa crian

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