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VIDYA, v. 30, n. 2, p. 57-69, jul./dez., 2010 - Santa Maria, 2010.

ISSN 2176-4603 X

EXPLOR ANDO A GEOMETRIA ESPACIAL POR MEIO DA


ETNOMODELAGEM MATEMÁTICA
EXPLORING THE GEOMETRY OF SPACE THROUGH MATHEMATICS ETHNOMODELLING

GISELI VERGINIA SONEGO*


ELENI BISOGNIN**

RESUMO ABSTRACT

Neste ar tigo, relata-se par te de uma pesquisa This ar ticle tells par t of a research accomplished
realizada em uma turma de terceira série do Ensino in a group of 3rd year of High School, with the
Médio, com o objetivo de analisar a contribuição objective of analyzing the contribution of the
da Modelagem Matemática em sala de aula, na Mathematical Modelling in classroom, in the
construção de conhecimentos de Geometria construction of knowledge of Space Geometr y by
Espacial pelo aluno, enquanto se explora o tema the student, while the theme “Plantation of Rice” is
“Plantação de Arroz”. Procurou-se fazer uma explored. It was tried to do a connection between
conexão entre a Modelagem e a Etnomatemática the Modelling and Ethnomathematics because the
pelo fato de o conteúdo matemático ser trabalhado fact of the mathematical content worked using
utilizando conhecimentos próprios das atividades own knowledge of the community’s economical
econômicas e culturais da comunidade onde os and cultural activities where the students are
alunos estão inseridos. Para a pesquisa, teve-se uma inser ted. The research had a qualitative approach
abordagem qualitativa e, para o desenvolvimento and, for the development of the activities, stages
das atividades, utilizaram-se etapas da Modelagem of the Mathematical Modelling were used as
Matemática conforme Bassanezi (2002). A par tir described in Bassanezi (2002). Star ting from the
da análise dos dados obtidos, foi possível inferir analysis of the obtained data, it was possible to
que, quando os conteúdos matemáticos surgem da infer that, when the mathematical contents appear
realidade dos alunos, desper tam maior interesse e of students’ reality, it wakes up larger interest and
motivação para a aprendizagem. Conclui-se que motivation for the learning. It can be concluded
essa prática pedagógica apresentou resultados that pedagogic practice presented positive results
positivos, quando utilizada em sala de aula. when used in the classroom.

Palavras-chave: Modelagem Matemática; Geometria Key words: Mathematical modeling; Space


Espacial; Ensino e Aprendizagem de Matemática. geometr y; Mathematics teaching and learning.

* Mestre em Ensino de Matemática (UNIFRA) e professora da Escola Estadual de Educação Básica João X XIII, São
João do Polêsine, RS.
** Doutora em Matemática, Professora do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática da
UNIFRA, Santa Maria, RS.

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INTRODUÇÃO adoção de metodologias alternativas em sala
de aula, entre elas a Modelagem Matemática.
A Matemática está cada vez mais inserida Neste trabalho, apresenta-se um recor te
no dia-a-dia das pessoas e, como tal, adquire de uma pesquisa realizada numa turma de
uma grande impor tância para a educação. terceira série do Ensino Médio, desenvolvida
Por outro lado, apesar de sua impor tância, o com o seguinte objetivo geral: analisar a
que se observa são alunos sem interesse em contribuição da Modelagem Matemática em
estudá-la. sala de aula na construção de conhecimentos
Diante dessas considerações, torna-se de Geometria Espacial, pelo aluno, enquanto
impor tante buscar alternativas de ensino que se explora o tema “Plantação de Arroz”. Como
complementem aquelas nas quais se utilizam objetivos específicos, temos: a) coletar e
apenas os recursos tradicionais, como quadro organizar dados referentes ao tema “Plantação
e giz, a fim de proporcionar um ambiente onde de Arroz”, a fim de interpretá-los; b) construir
o conhecimento não seja somente repassado modelos matemáticos a par tir do problema
ao aluno, mas que esse interaja com os objetos proposto; c) analisar de que maneira os alunos
existentes nesse ambiente, possibilitando-lhe fazem uso de seus conhecimentos sobre o
o desenvolvimento de sentidos, como a visão tema para resolver problemas relacionados
tridimensional e outros conhecimentos de à Geometria Espacial, em uma proposta de
forma interdisciplinar. Etnomodelagem.
A motivação inicial deste trabalho baseou- Selecionou-se o tema “agricultura”, em
se nas dificuldades encontradas por uma par ticular a “plantação de arroz”, pois os
professora de Ensino Fundamental e Médio em alunos residem numa região agrícola, em
contex tualizar a Matemática e em relacioná-la que essa atividade socioeconômica está
com fatos do cotidiano do aluno. Isso reflete, intimamente ligada a eles e às suas famílias,
de alguma forma, a vontade de mudar e sendo esta sua principal fonte de renda.
desenvolver uma abordagem alternativa para Dessa forma, buscou-se fazer uma
o ensino da Matemática, a fim de tentar torná- conexão entre a Modelagem Matemática e
la interessante e útil e, desse modo, estimular a Etnomatemática, pelo fato de se trabalhar
a curiosidade do aluno em estudá-la. a Matemática utilizando conhecimentos
Conforme Chevallard et al. (2001, p. 45), relacionados com as atividades econômicas e
culturais da comunidade.
A presença da Matemática na escola é
uma consequência de sua presença na
sociedade e, por tanto, as necessidades FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
matemáticas que surgem na escola
deveriam estar subordinadas às Quando se trabalha como professor de
necessidades matemáticas da vida em
sociedade. Matemática em escolas de ensino fundamental
e médio, há a opor tunidade de sentir e
Sob essa perspectiva, acredita-se que conviver com a possibilidade de transformar
sejam possíveis mudanças positivas com a a atuação docente e a dos estudantes em

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relação a essa disciplina e de tentar enfocar o da Modelagem Matemática com o tema
processo de ensino e aprendizagem sob uma “Plantação de Arroz”, relacionando o contex to
nova perspectiva. econômico e social com a Geometria.
Atualmente, vive-se um processo de Corroborando com essa ideia, Schef fer
transformação em que novas orientações (1999, p. 11) coloca que
curriculares propõem um ensino de Matemática
A modelagem Matemática, enquanto
preocupado com o desenvolvimento de estratégia alternativa para o ensino
habilidades e competências para o exercício da Matemática, num ambiente
da cidadania. contex tualizado, desempenha função
impor tante na Educação Matemática, pois
A experiência como professora de representa uma perspectiva que inclui as
Matemática evidenciou que, no terceiro ano vivências sócio-escolares, construção
do Ensino Médio, a Geometria Espacial é um e consolidação do conhecimento,
dos conteúdos cujos alunos mostram maior garantindo aprendizagens significativas.

dificuldade de aprendizagem. Até mesmo aqueles


O conteúdo tem sentido para o aluno na
que se salientam nas aulas, apresentando um
medida em que se relaciona com atividades de
desempenho satisfatório, possuem dificuldade
seu dia a dia. Dessa forma, embasando-se em
de visualizar as representações planas de objetos
uma concepção de educação que proporcione
tridimensionais quando se trabalha com o
ao aluno aproveitar sua experiência anterior
conteúdo. Esse é um dos motivos que dificultam para resolver situações-problema é que
o entendimento dos problemas propostos. o professor tem condições de ajudá-lo
Acredita-se que, para mudar tal contex to, é a compreender conceitos matemáticos,
primordial trabalhar a Matemática com situações estimulando-o a pensar e desafiando-o a
práticas relacionadas à vida real dos alunos, resolvê-las.
fornecendo subsídios para explorar conceitos Diferentes autores, entre os quais Bassanezi
e procedimentos matemáticos de modo que a (2002) e Barbosa (2003), apontam muitos
aprendizagem tenha sentido, ou seja, aspectos favoráveis à utilização da Modelagem
Deve permitir a formulação de Matemática em sala de aula: motivação dos
problemas de algum modo desafiantes alunos, possibilidade de tornar as aulas mais
que incentivem o aprender mais, o interessantes, relacionar a Matemática com
estabelecimento de diferentes tipos
problemas do cotidiano.
de relações entre fatos, objetos,
acontecimentos, noções e conceitos, Essa metodologia pressupõe o ensino pela
desencadeando modificações de pesquisa, possibilitando que sejam trazidos
compor tamentos e contribuindo para para a sala de aula temas de interesse dos
a utilização do que é aprendido em
diferentes situações (BORDONI, 2008,
alunos, com problemas vinculados a sua
p. 2). realidade. Isso possibilita desenvolver no
aluno a capacidade de perceber a impor tância
Para tentar desencadear essa disposição da Matemática nos contex tos político e social.
em aprender Matemática nos alunos que Na adoção de Modelagem como
integraram a pesquisa, propôs-se a adoção metodologia, há desafios tanto para o

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professor, que precisa aceitar a possibilidade aprendizagem é um dos caminhos a
serem seguidos para tornar um curso
de criação coletiva do conhecimento, quanto
de matemática, em qualquer nível, mais
para o aluno, que deve ser sujeito de sua atraente e agradável.
própria aprendizagem e privilegiar a reflexão
sobre o seu cotidiano. Nesse sentido, O autor ainda acredita que, quando
ambos estão envolvidos no processo de a aprendizagem acontece por meio da
aprendizagem, aprendendo um com o outro. Modelagem, os alunos conseguem relacionar
Para Tardif (2002, p. 39), alguns aspectos da Matemática com suas
aplicações, vislumbrando alternativas que
o professor ideal é alguém que deve
conhecer sua matéria, sua disciplina e possam direcionar suas aptidões ou sua
seu programa, além de possuir cer tos formação acadêmica.
conhecimentos relativos às ciências da Dos vários olhares que a Modelagem
educação e à pedagogia e desenvolver
um saber prático baseado em sua
Matemática permite, percebe-se, em todos
experiência cotidiana com os alunos. eles, um ponto em comum, que é a possibilidade
de relacionar a teoria com a realidade vivida
Cada vez mais o ato de ensinar e aprender, pelos alunos, estabelecendo um elo com o
na concepção atual, desenha uma postura de mundo real. Isso gera a interdisciplinaridade e,
professor cooperativo, que propõe desafios e o que é mais impor tante, desper ta nos alunos
torna as aulas mais dinâmicas e atrativas. o gosto em aprender Matemática.
De acordo com Barbosa (1999, p. 4), Existem vários indícios de que integrar
atividades matemáticas escolares com
A modelagem redefine o papel do
professor no momento em que ele perde situações da realidade vivida pelo aluno pode
o caráter de detentor e transmissor do contribuir, de forma mais eficiente, para a
saber para ser entendido como aquele aquisição do conhecimento matemático.
que está na condução das atividades,
numa posição de par tícipe. Dessa forma, a proposta de utilizar a
Modelagem Matemática em sala de aula
O autor deixa claro que o papel do possibilita mostrar onde e como se aplica
professor é essencial para a utilização da a Matemática, tornando-se assim uma
Modelagem como estratégia pedagógica e que impor tante aliada em seu ensino.
a escolha do tema depende de seus objetivos
em sala de aula. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
No ambiente de Modelagem, o aluno
é incentivado a trabalhar em grupo, Contex to e metodologia
desenvolvendo o convívio social, o senso de
cooperação, a responsabilidade, a criticidade A pesquisa foi desenvolvida com 27
e a comunicação oral. alunos da terceira série do Ensino Médio
Para Bassanezi (2002, p. 177), e a maior par te deles reside no interior
do município de São João do Polêsine,
A Modelagem Matemática utilizada
como estratégia de ensino- local onde o sustento familiar advém da

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agricul tura. Mesmo para os estudantes que e fábrica de implementos agrícolas, ambas
residem na cidade, boa par te dos familiares localizadas no município; conversas informais
trabalha na terra, mais especificamente, na com profissionais da área; entrevista com
plantação de arroz. o gerente do Banco do Brasil e SICREDI
A pesquisa aqui relatada teve caráter (Sistema de Crédito Cooperativo) e entrevista
qualitativo. Este tipo de pesquisa busca captar com profissionais da EMATER e Secretaria da
o cotidiano, analisando o que se passa em Agricultura;
sala de aula, especialmente em situações de 3º) levantamento dos problemas: a
ensino e aprendizagem. problematização das informações obtidas foi
De acordo com Bicudo (2004, p. 104), construída pela professora em conjunto com
os alunos. Os problemas foram elaborados
O qualitativo engloba a ideia do sujeito,
possível de expor sensações e opiniões.
a par tir dos dados coletados na pesquisa
O significado atribuído a essa concepção de campo com o propósito de favorecer a
de pesquisa também engloba noções a compreensão do tema escolhido;
respeito de percepções de diferenças e 4º) resolução dos problemas e
semelhanças de aspectos comparáveis
de experiências. desenvolvimento da Matemática relacionada
ao tema: nessa etapa, foi opor tunizada a
Os instrumentos escolhidos para a coleta construção dos modelos matemáticos,
de dados foram a observação-par ticipante descritos por meio de representações
(direta e indireta) por meio de registros, como: geométricas dos objetos reais observados;
gravação, fichas de observação e anotações 5º) análise crítica das soluções: essa
feitas pela professora-pesquisadora e os fase foi de verificação se o modelo ou
trabalhos realizados pelos alunos, mostrados representação geométrica tinha validade ou
em seus relatos orais e escritos. não. Os resultados foram confrontados com
Para o desenvolvimento das atividades, os valores obtidos no sistema real e testados
foram formados três grupos: um de cinco se possuíam uma aproximação desejada.
componentes e dois de seis alunos, e utilizadas
as etapas da Modelagem Matemática, DESCRIÇÃO DE ALGUMAS ATIVIDADES
sugeridas por Bassanezi (2002): DESENVOLVIDAS
1º) escolha do tema: “Plantação de Arroz”.
A escolha ocorreu pela familiaridade dos Nesse ar tigo, descrevem-se algumas
alunos com a atividade agrícola desenvolvida situações-problema para ilustrar as atividades
por seus familiares; desenvolvidas pelos alunos. As três primeiras
2º) pesquisa exploratória: para obter situações-problema desencadeiam o estudo
informações sobre o tema, foi realizado um do prisma e a última o estudo do cilindro e
levantamento bibliográfico em jornais, revistas do cone.
especializadas ligadas à área, livros, internet; Ao repor tar-se à pesquisa realizada pelos
saída de campo para a coleta de dados; visitas alunos sobre o cultivo do arroz, observou-se
à cooperativa de beneficiamento de arroz que, no município de São João do Polêsine,

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as lavouras de arroz estão totalmente foram destacados.
mecanizadas. Verificou-se que, para fazer Foram explorados primeiramente os
o transpor te do arroz da lavoura até sua prismas de base quadrangular, destacando-
comercialização, os agricultores utilizam se o paralelepípedo retângulo e o cubo. O
alguns implementos agrícolas. manuseio dos sólidos de acrílico facilitou
Na Figura 1, é mostrado um graneleiro e a compreensão e identificação de cada
um reboque para transpor te do arroz. elemento do sólido bem como as diferenças
entre cada um dos prismas.
Após a exploração dos prismas por meio
do material concreto, a professora pediu para
alguns alunos que medissem os reboques
utilizados por suas famílias, visto que existem
vários tamanhos desses equipamentos.
Alguns alunos ficaram comentando no
grupo e um disse: - Professora, um reboque
tem 4,5 m de comprimento, 2,2 m de largura
e 70 cm de altura.
Figura 1 - Graneleiro e reboque utilizado na Em seguida, sabendo as dimensões de um
colheita do arroz. reboque, foram levantadas as questões:

A professora indagou: - Esses implementos SITUAÇÃO-PROBLEMA 1


agrícolas utilizados no transpor te do arroz,
como o reboque, o caminhão e a par te de Professora: - Se um reboque tem essas
cima do graneleiro, são semelhantes a qual dimensões, quanta madeira é necessária
sólido geométrico? para construí-lo?
Um dos alunos que já conhecia os sólidos Aluno: - Devemos saber quanta madeira é
geométricos respondeu: - Um paralelepípedo. necessária para a base e para as laterais.
Professora: - O que é um paralelepípedo? A professora desenhou no quadro um
Qual sua forma geométrica? reboque, desta forma:

Nesse momento, a professora aproveitou


para identificar, com o auxílio dos sólidos
de acrílico (material concreto), a forma de
um paralelepípedo e dos demais prismas,
mostrando também seus elementos. Figura 2 - Representação de um reboque.
Cada um dos prismas foi explorado e
classificado em reto e oblíquo, de acordo com A professora aproveitou para chamar
a forma geométrica da base. As faces laterais, atenção sobre a unidade de medida, que deve
a forma geométrica dessas faces, as arestas e sempre ser a mesma, por tanto as medidas
os vér tices de cada um dos prismas também foram expressas em metros.

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Professora: - Para saber quanto de madeira Divididos em grupos, os alunos foram
necessitamos, devemos calcular o quê? desafiados a resolver o problema. A posição
Aluno: - A área da super fície total, menos da ripa gerou discussão nos grupos e a
a tampa. professora aproveitou o momento para
Professora: - É isso mesmo. Então, vamos comentar sobre a rigidez do triângulo, que é a
imaginar um reboque aber to (com as única figura rígida do plano.
guardas laterais aber tas), isto é, planificar A forma triangular dá melhor firmeza à
o reboque. estrutura, evitando que se deforme com a
Professora: - Como é cada par te do ação do tempo, por isso nas por teiras e nas
reboque? construções de casas, por exemplo, usa-se o
Aluno: - Um retângulo. triângulo nas estruturas.
Professora: - Então, como podemos A professora indagou aos alunos: - Vocês
calcular a área total? tinham se dado conta disso?
Aluno:- Devemos calcular a área de cada Alunos: - Não, nunca tínhamos pensado
retângulo e somar. nisso.
Conhecendo as medidas das arestas, os Professora: - Então de que forma é melhor
alunos efetuaram o cálculo. o agricultor colocar a ripa para o reboque
ficar firme?
Eles responderam: - Atravessada.
Professora: - Então vamos tentar ilustrar
a questão.
Figura 3 - Cálculo realizado por um grupo de alunos.

SITUAÇÃO-PROBLEMA 2

Um dos alunos informou que o reboque


de seu pai havia estragado e para usá-lo na
Figura 5 - Ilustração da diagonal da face de um
colheita do arroz ele teve a ideia de colocar
reboque.
uma ripa (travessa) de madeira para ficar
firme, por isso já desenhou o reboque com a
Professora: - Como vamos calcular o
travessa, mostrado no desenho. A professora comprimento da ripa?
indagou porque ele colocou a ripa atravessada. Eles responderam: - Pitágoras.
Qual a medida (comprimento) dessa ripa? Professora: - Vejam no sólido de acrílico,
nessa face, a linha (como se fosse a ripa)
atravessa a face e une dois vértices não
consecutivos. Isso chama-se diagonal da
face. Ela divide a face, que é retangular, em
dois triângulos retângulos, então a linha
(no nosso exemplo, a ripa) é a hipotenusa.
Figura 4 - Desenho feito por um grupo de alunos.

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Com essa explicação, os alunos calcularam - Quanto de arroz cabe nesse reboque?
o comprimento da diagonal utilizando o Essas indagações formuladas mostram a
Teorema de Pitágoras. impor tância da par ticipação dos alunos na
Representando por d a diagonal da face, problematização do tema.
os alunos obtiveram:
SITUAÇÃO-PROBLEMA 3
d2 = (2,2)2 + (4,5)2 = 4,84 + 20,25 = 25,09
d≈ 5m Para responder a questão formulada pelo
aluno, foi necessário retomar o conceito de
Eles verificaram que a travessa deveria
volume.
medir aproximadamente 5 m.
Inicialmente, a professora desenhou, no
Além da travessa na base, a professora
quadro, um cubo cuja aresta media 1 cm e
chamou a atenção para o fato de que o pai
salientou que a área da base desse cubo era
do aluno havia colocado uma travessa unindo
de 1 cm2 e o volume era de 1 cm3. Em seguida,
dois vér tices não consecutivos. O esboço do
desenhou um paralelepípedo formado por
reboque mostra a travessa colocada.
24 cubinhos de 1 cm de aresta, por tanto o
volume do paralelepípedo composto de 24
cubinhos mede 24 cm3.
Retomada a ideia de volume com material
concreto, a professora concluiu, junto com
os alunos, que, para se obter o volume do
Figura 6 - Ilustração das diagonais do reboque.
paralelepípedo, basta multiplicar a medida da
área da base pela medida da altura. Assim:
Professora: - Que tamanho tem essa ripa?
V = Ab x h, em que Ab é a área da base e h
- Como já calculamos a diagonal da face,
essa outra ripa chama-se diagonal do é a altura do paralelepípedo.
sólido ou do reboque, no caso. Depois de os alunos terem compreendido
A professora também mostrou, nos a maneira de calcular volume, voltou-se à
paralelepípedos de acrílico, que a diagonal da questão inicial, que era saber qual o volume de
face, a altura e a diagonal do sólido formam arroz que comporta um reboque com 4,5 m de
um triângulo-retângulo. comprimento, 2,2 m de largura e 70 cm de altura.
Não foi difícil para os alunos concluírem Conhecidas as dimensões de um reboque,
que poderiam usar o Teorema de Pitágoras que se assemelha a um paralelepípedo, os
novamente. Indicaram a diagonal (ripa) por D e alunos obtiveram seu volume:
fizeram o cálculo, obtendo:
V = 4,5 x 2,2 x 0,7 = 6,93 m3
D = (5) + (0,7) = 25 + 0,49 = 25,49.
2 2 2

A professora indagou qual é a unidade


Isto é, o comprimento da ripa é de mais utilizada para medir a quantidade de
aproximadamente 5 m. Outro conceito foi arroz. Alguns alunos responderam que era o
trabalhado na exploração dessa atividade, kg e que outra unidade muito utilizada pelos
quando um dos alunos formulou outra questão: agricultores era a saca de 50 kg.

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Professora: - Que relação há entre o metro que o cálculo do volume do paralelepípedo
cúbico e o quilograma? se obtém pelo produto da área da base pela
Os alunos começaram a discutir sobre a altura, verificaram que, para os demais prismas
transformação de unidades para concluir que, e cilindros, o cálculo é realizado da mesma
num reboque, cabem aproximadamente 83 maneira, ou seja, V = Ab . h.
sacas de arroz de 50 quilogramas.
As discussões com a par ticipação dos SITUAÇÃO-PROBLEMA 4
alunos, que surgiram nessa aula, foram muito
interessantes. Eles chegaram à conclusão Durante a visita à fábrica de implementos,
de que a relação que eles conheciam para os alunos tiveram opor tunidade de visualizar,
transformar unidades e volume, capacidade e na prática, como se constrói um silo, como
massa tinha uma aplicabilidade. são feitos os cálculos do projeto de um
Como alguns alunos são agricultores, eles silo e de outros equipamentos utilizados na
mesmos validaram essa resposta. A par tir dessa plantação de arroz.
questão, pôde-se descobrir o peso específico do Na Figura 7, são mostrados alguns
arroz com casca, que é de 600 kg/m3, ou seja, momentos da visita, quando o proprietário
0,6 t/m3. Esse valor foi confirmado na fábrica de da fábrica explica aos alunos as etapas da
máquinas agrícolas visitada e na Internet. construção de um silo. Já na Figura 8, os alunos
Tendo determinado o volume do puderam visualizar o silo pronto (modelo).
paralelepípedo, foi trabalhado, com auxílio do
material concreto, o cálculo do volume dos
demais prismas. Para a dedução do cálculo,
a professora utilizou o Princípio de Cavalieri.
Essa experiência foi feita no laboratório.
A professora tomou um prisma de base
quadrangular e encheu-o de água, em seguida
tomou outro prisma de base triangular, com
mesma área da base do anterior e transferiu
a água contida para esse prisma. A seguir, a
professora repetiu esse processo com diversos Figura 7 - Visita à fabrica
prismas e também com cilindros de mesma
área da base e mesma altura. Verificou-se que
a água encheu totalmente todos os prismas e
cilindros, nessas condições, concluiu-se que
o volume dos prismas e do cilindro de mesma
base e mesma altura são iguais.
Através dessa experiência, os alunos
puderam constatar que o volume de qualquer
prisma ou cilindro que possui a mesma área da
base e mesma altura são equivalentes. Como os
alunos já haviam compreendido anteriormente Figura 8 - Silo.

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Pelos questionamentos e comentários A professora lembrou aos alunos que,
apresentados pelos alunos, percebeu-se que na visita à cooperativa, o funcionário havia
eles ficaram surpresos com a Matemática informado as dimensões do silo. Os alunos
envolvida, principalmente em relação aos confirmaram que o raio do silo era de
conhecimentos de Geometria Espacial, aproximadamente 2,36m e a altura 4,73m.
utilizados para a construção dos equipamentos, Assim,
o que destacou a impor tância de aliar a teoria
aprendida em sala de aula aos problemas do Acilindro = 2 π r.h = 2. 3,14. 2,36. 4,73= 70,10 m2
dia-a-dia. Dessa visita surgiu a questão: Quanto
de metal é necessário para construir um silo? Professora: - Até agora foi calculada a
Para iniciar a resolução desse problema, área lateral do silo (cilindro). O que falta
a professora perguntou aos alunos: - O que, ainda calcular?
matematicamente, estamos necessitando Aluno: - A cober tura.
resolver? Professora: - Como é a cober tura de um
Durante as visitas a campo, os alunos silo?
perceberam que a forma do silo é um cilindro Aluno: - É um cone.
e a par te de cima é um cone. A planificação do cone é formada por um
Aluno: - A área lateral do cilindro e do setor circular cujo raio é igual à geratriz e por um
cone. círculo de raio r igual ao raio da base do cone.
Professora: - Como podemos calcular a A planificação do cone foi feita do mesmo
área lateral do cilindro? E do cone? - Para modo que o cilindro. Primeiramente, usando
calcular a área da super fície lateral do silo, recor te de papel e, posteriormente, um
facilita o entendimento se o visualizarmos programa computacional.
planificado. Aluno: - Professora, a cober tura do silo
Foi feita a planificação do cilindro utilizando- não é um cone completo, porque ele só
se recor te de papel e, posteriormente, um tem a par te do setor circular.
programa computacional para favorecer a Professora: - É realmente, como vimos
visualização. Ao analisar a figura planificada nas visitas à cooperativa e a fábrica de
indagou-se: implementos, a cober tura de um silo é um
Professora: - Que figura é vista na lateral cone, mas sem a base.
do cilindro planificado? Professora: - Para calcular a área da
Aluno: - Forma um retângulo. super fície lateral do cone (cober tura
Professora: - Então, como se calcula a do silo), vamos também visualizá-lo
área de um retângulo? planificado.
Aluno: - É só multiplicar a base pela altura. Para determinar a área do setor circular, a
Professora: - Mas, quanto mede a base professora chamou a atenção para o fato de
desse retângulo? que, se o círculo de raio g fosse completo, o
Aluno: - É 2 π r, porque é o comprimento comprimento da circunferência seria 2 π g, e a
da circunferência do cilindro. área correspondente seria π g2. Como temos só

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um setor circular, podemos determinar sua área a razão entre os volumes e a razão entre as
fazendo uma regra de três, isto é, observando que alturas. A professora sugeriu aos alunos que
comparassem as medidas da altura e do
Asetor/ π g2 = 2 π r/2 π g ou diâmetro da base dos cilindros que haviam
construído.
Asetor = π g2. 2 π r/2 π g = π rg
Professora- Qual dos cilindros tem maior
com as dimensões do silo fornecidas pela volume?
fábrica, r = 2,36 m e h = 2m, então, pelo Depois de muita discussão e comparações,
teorema de Pitágoras, resulta: concluíram que o cilindro tem maior volume
quando a altura é próxima do diâmetro da
g2 = h2 +r2 = 22 +(2,36)2 = 9,5696 ou g = 3,06 m base. Essa conclusão foi feita após analisar
vários cilindros, aumentando a base e
Por tanto, a área lateral do cone que compõe a diminuindo a altura.
par te de cima do silo é Professora: - As dimensões do silo que
visitamos têm essa relação?
Alcone = 3,14. 2,36. 3.09 = 22,89 99 m2, Os alunos lembraram que o funcionário
havia lhes informado que o raio da base do silo
a área lateral do silo é calculada somando-se media 2,36 m e a altura era 4,73 m. Logo, com
a área lateral do cilindro com a área lateral do essas dimensões, o volume do silo era máximo.
cone obtendo-se Também, pôde-se concluir, por meio
dessa atividade, que a forma ideal de um silo é
Asilo = Aci +Alc = 70,10 + 22,89 = 92,99 m2,
estabelecida pela economia de material para a
ou seja, necessitamos de aproximadamente fabricação, capacidade de armazenamento e a
92,99 m2 de metal para construir o silo em durabilidade do grão.
questão.
Em seguida, a professora solicitou que CONSIDER AÇÕES FINAIS
cada grupo recor tasse um retângulo de papel,
de qualquer tamanho, unisse as bordas nos Demo (1997) considera que educar por
dois sentidos e perguntou aos alunos: - Em meio da pesquisa é um desafio nada fácil,
qualquer um dos sentidos que enrolarmos a mas agradável. Implica transformação no
folha (retângulo) de papel, que figura forma? significado da palavra aprender, que passa a
Alunos: - Um cilindro. ter um sentido de reconstruir.
Professora: - Imaginemos que cada um Pôde-se sentir que, durante o
desses cilindros formados pela união das desenvolvimento das atividades, foi preciso
bordas ilustre as laterais de um silo, qual tanto por par te do professor, quanto dos
dos cilindros tem maior volume, ou seja, alunos, uma dedicação superior em relação
em qual deles cabe mais arroz? às aulas tradicionais, que utilizam somente
Os grupos calcularam o volume de cada caderno e livro. Também, acarretou uma
cilindro que construíram. Cada grupo calculou mudança no papel do professor e do aluno.

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A professora passou de transmissora de o cotidiano e problemas práticos do dia-a-dia
informações para orientadora, motivadora (BRASIL, 1999).
e parceira dos alunos no processo, e o Algumas contribuições foram observadas
estudante passou a ser um aprendiz ativo no com o uso da Modelagem Matemática em
processo de reconstrução do conhecimento. relação às aulas tradicionais, no que diz
Após serem concluídos os trabalhos respeito ao entendimento dos conceitos de
com os alunos, utilizando a Modelagem Geometria Espacial, tais como:
Matemática, pôde-se constatar que a - proporcionou ao aluno o contato com
construção do conhecimento ocorreu de forma a representação dos sólidos geométricos
significativa. Isso se evidenciou no momento manipuláveis que se encontram no meio em
em que os alunos utilizaram as informações que eles vivem;
que recolheram na exploração do tema e - facilitou a visualização da utilidade
nas visitas a campo e as transformaram em dos conteúdos estudados em sala de aula,
conhecimento, na resolução das situações- possibilitando aos alunos fazer a conexão da
problema. Percebe-se que esses alunos Matemática com a realidade vivida por eles no
conseguiram conectar o conhecimento seu dia-a-dia;
adquirido no dia-a-dia com a Matemática - propiciou aos alunos a compreensão e
estudada em sala de aula. Um dos indícios resolução de situações-problema reais, de
foi o comentário de um dos alunos: - Este seu interesse;
trabalho possibilitou uma aproximação entre - facilitou a troca de informações entre
a matemática teórica e a prática, mostrando os alunos, que se ajudaram mutuamente,
que ela está mais presente no nosso dia-a-dia com a intervenção da professora, quando
do que podemos imaginar. necessário, proporcionando um trabalho
Percebe-se, por meio da experiência pedagógico cooperativo;
docente, que a Matemática é uma das matérias - o professor deixou de ser o detentor do
de menor preferência entre os alunos, mas, conhecimento e passou a ser o orientador/
apesar disso, observa-se que eles concordam motivador em relação ao melhor caminho a
que a Matemática é impor tante. Isso nos leva seguir para a construção do conhecimento
a pensar que é realmente necessária uma pelos próprios alunos, aprendendo junto com
mudança na forma como ela é desenvolvida eles por meio dessa prática cooperativa.
nas escolas. Os registros da professora mostram
É fundamental que o professor consiga que as atividades aproximaram mais os
desenvolver o conteúdo matemático de forma alunos, fazendo com que, por meio da ajuda
interessante, levando em conta os Parâmetros mútua entre os integrantes dos grupos a
Curriculares Nacionais (PCNs) e preparando o par tir de conversas e troca de informações,
aluno para o seu cotidiano. conseguissem construir um conhecimento
Nos PCNs do Ensino Médio, os objetivos da por meio da cooperação, pois um auxiliava o
Geometria Espacial referem-se à impor tância outro no entendimento de algum detalhe que
de trabalhar os conceitos geométricos não tivesse ficado claro.
para introduzir os alunos num mundo No que concerne à aquisição do
tridimensional, relacionado diretamente com conhecimento, a principal evidência da

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pesquisa foi a de que o trabalho pedagógico BASSANEZI, Rodney Carlos. Ensino-
orientado pelos pressupostos da Modelagem e aprendizagem com modelagem matemática:
da Etnomatemática favoreceu a aprendizagem uma nova estratégia. São Paulo: Contex to,
dos alunos. 2002.
Os alunos tiveram a opor tunidade de
manusear dados reais, tendo um contato BICUDO, Maria Aparecida. Pesquisa Qualitativa
mais direto com o tema estudado e usando e Pesquisa Qualitativa segundo a abordagem
instrumentos para medir os equipamentos in fenomenológica. In: BORBA, M. C; ARAUJO, J.
loco. Também, visitaram alguns engenhos L. (Org.). Pesquisa qualitativa em educação
de arroz do município, uma cooperativa e matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004,
uma fábrica de máquinas agrícolas, além de p. 99-112.
entrevistar alguns agricultores, técnicos da BORDONI, Thereza. O Nó: Avaliação e
área e gerente de banco. Aprendizagem Significativa. Disponível em:
No que concerne à aquisição do <ht tp://7mares.terravista.pt/forumeducacao/
conhecimento, a principal evidência da Tex tos/tex toono.htm,>. Acesso em: 15 set.
pesquisa foi a de que o trabalho pedagógico 2008.
orientado pelos pressupostos básicos no
referencial teórico, favoreceu a aprendizagem BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria
dos alunos. Essa prática pedagógica mostrou- de Educação Fundamental. Parâmetros
se viável quando implementada em sala de Curriculares Nacionais: Ensino Médio.
aula, tornando-se auxiliar poderosa para o Brasília, 1999.
professor, uma vez que é voltada para um
CHEVALLARD, Y.; BOSCH, M.; GASCÓN, J.
ensino rico, pleno de significado e possível de
Estudar matemáticas: o elo perdido entre
ser aplicada ao cotidiano.
o ensino e a aprendizagem. Por to Alegre:
Pode-se concluir que as atividades
Ar tmed, 2001.
desenvolvidas durante esta pesquisa tornaram
o ensino de Matemática mais interessante, DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. 2. ed.
levando os alunos a incorporar e compreender Campinas, São Paulo: Autores Associados,
os conceitos matemáticos de forma mais 1997.
significativa.
SCHEFFER, Nilce Fátima. Modelagem
REFERÊNCIAS matemática: uma abordagem para o ensino-
aprendizagem da matemática. Educação
BARBOSA, Jonei Cerqueira. O que pensam os Matemática em Revista, n. 1, p. 11-16, maio,
professores sobre a modelagem matemática? 1999.
Zetetiké, v. 7, n. 11, p. 67-85, jan./jun., 1999. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e
BARBOSA, Jonei Cerqueira. Modelagem formação profissional. Petrópolis: Vozes,
Matemática na sala de aula. Perspectiva, 2002.
Erechim, RS, v. 27, n. 98, p. 65-74, jun.,
2003b.

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