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Resumo
Este trabalho se insere na pesquisa desenvolvida entre 2012 e 2015 a respeito dos processos
constitutivos da docência, com ênfase na investigação sobre aspectos teóricos e
metodológicos que delineiam tais processos. Em particular, no presente trabalho,
consideramos um aspecto específico da docência e da formação de professores, isto é, sua
constituição disciplinar, e exploramos sua contra-face, a interdisciplinaridade, considerada
como uma das possibilidades para a organização do trabalho pedagógico escolar. Ressaltamos
seu potencial diante dos desafios contemporâneos do ensino e das demandas curriculares
atualmente em vigor para a Educação Básica. Nesta perspectiva, a partir dos construtos
teóricos que a pesquisa possibilitou sistematizar, analisamos aspectos epistemológicos e
didáticos da formação docente, s, de modo a indicar possibilidades para práticas pedagógicas
interdisciplinares. Ambas as questões, isto é, a interdisciplinaridade escolar e a formação
docente, são aqui consideradas como questões imbricadas no que diz respeito a dois fatores
que constituem os eixos argumentativos deste trabalho: os saberes docentes e as
características do conhecimento escolar. Tomando-os como aspectos fundamentais da
reflexão epistemológica sobre o exercício da docência, procuramos indicar as possibilidades
de constituição de uma episteme interdisciplinar no âmbito do estudo das disciplinares
escolares. Para isso, indicamos formas de explorar interfaces disciplinares que levem em
conta, numa perspectiva temática, o potencial das disciplinas escolares no que diz respeito a
relações de semelhança, especificidade e complementaridade entre estas. Pretendemos que as
análises e argumentos aqui apresentados possam contribuir para colocar em evidência as
possibilidades didáticas e formativas da interdisciplinaridade tanto em relação ao
conhecimento escolar quanto à formação de professores, em cursos de licenciatura.
1
Doutora em Educação pela Université Paul Sabatier (França). Professora Adjunta da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), docente do Centro de Ciências da Educação com atuação nas áreas de Didática,
Currículo e Formação de professores. E-mail: janebitten.jane@gmail.com
ISSN 2176-1396
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Introdução
Este trabalho parte dos resultados de uma pesquisa centrada em pressupostos teóricos,
assim como na análise de alguns dispositivos de formação utilizados em cursos de
licenciatura em diversas áreas, no decorrer da disciplina de Didática. Como síntese dos
resultados da pesquisa, foi possível esboçar um arcabouço teórico e metodológico capaz de
orientar a reflexão sobre as práticas pedagógicas em cursos de formação de professores, com
o propósito de incentivar o processo de desenvolvimento profissional da docência, tanto no
contexto da formação inicial quanto da formação continuada.
Entre os diversos aspectos identificados e analisados na pesquisa a respeito da
constituição da docência, procuramos analisar, neste trabalho, as relações entre duas
categorias relevantes na investigação sobre a docência e a formação: os saberes docentes e o
conhecimento escolar. Exploramos estas relações tendo em vista indicar possibilidades para a
concepção e implementação de práticas pedagógicas interdisciplinares na escola.
A questão dos saberes docentes tem sido analisada por inúmeros autores, entre os
quais destacamos os trabalhos de Schulman (1986); Garcia (1999) e Tardif (2002) e, no
contexto brasileiro, os trabalhos de Nunes (2001); Geraldi, Fiorentini e Pereira (1998) e
Pimenta (1999). Este conjunto de estudos desenvolvidos principalmente nas décadas de 1990
e 2000, deram indicações teóricas e também metodológicas importantes para a formação,
como é o caso do conceito de professor reflexivo, ou ainda da indicação do papel da pesquisa
no exercício da docência. De modo geral, podemos afirmar que estes trabalhos tiveram o
mérito de trazer a centralidade das investigações à natureza do trabalho docente e à busca da
compreensão do que seria uma base de saberes constitutivos da docência.
Neste sentido, tornou-se evidente a dificuldade em discernir e classificar os saberes
docentes, daí a grande diversidade de classificações propostas. Entre estas, colocamos em
destaque, pela sua pertinência, a proposta inicial de Schulman (1986), que veio a influenciar
um conjunto de investigações posteriores em diversos países. O autor sugere a consideração
do denominado Pedagogical Content Knowledge (PCK), geralmente traduzido como
conhecimento pedagógico dos conteúdos. Segundo o autor, este é composto por um
amálgama de conhecimentos da matéria do conteúdo, ou seja, conhecimentos específicos da
área de formação e conhecimentos pedagógicos a respeito das formas de ensinar, na escola,
determinados conhecimentos. Juntamente ainda com o tipo de conhecimento denominado
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pelo autor de conhecimento curricular, este conjunto viria a compor uma base para a
compreensão da docência.
Esta proposta, assim como as inúmeras que se seguiram, reforçaram, no contexto
brasileiro das investigações e também das políticas públicas, as críticas a respeito dos
modelos tradicionais de currículo na formação de professores. Tradicionalmente compostos
pela mera justaposição entre os conhecimentos da área específica de formação e um conjunto
de conhecimentos pedagógicos, tal modelo, bastante predominante nos currículos de
licenciatura, mostrou-se evidentemente limitado diante da complexidade dos saberes
docentes. Reconheceu-se, portanto, que a mera justaposição não possibilitaria o
desenvolvimento de saberes pedagógicos dos conteúdos, dificultando a apropriação, por parte
de futuros professores, das relações entre os conhecimentos relativos à área de formação e a
natureza dos processos de ensinar e de aprender tais conhecimentos no contexto da escola.
Esta questão, que indaga as diretamente as relações entre teoria e prática no exercício docente,
como analisa, por exemplo, Pimenta (1999), viria a compor a problemática principal de
eventuais mudanças nos cursos de formação de professores.
Podemos considerar que alguns resultados deste vasto conjunto de pesquisas foram
incorporados na reformulação dos currículos de formação, expressos nas Diretrizes
Curriculares Nacionais (BRASIL, 2002). Nesta, identificamos a afirmação da necessidade de
ampliação do tempo de formação pedagógica expressa no aumento da carga horária do
Estágio Supervisionado, assim como na introdução de atividades de Prática como
Componente Curricular desde as fases iniciais dos cursos de licenciatura. Tais medidas
certamente procuram reconhecer a necessidade da ampliação de conhecimentos pedagógicos,
articulados aos conhecimentos específicos e ao conhecimento curricular, por meio de uma
maior aproximação com o contexto escolar.
No entanto, após mais de dez anos da implementação desta reformulação curricular, a
dissociação entre a área de conhecimento específico e o domínio pedagógico persiste e a
almejada articulação permanece uma questão aberta, como indicam claramente os resultados
da pesquisa de Gatti (2010).
Neste trabalho, adotamos a hipótese de que uma das dificuldades no avanço desta
questão é exatamente a disciplinaridade que caracteriza os currículos e práticas de formação, e
que esta seria também a razão das dificuldades na implementação da interdisciplinaridade
escolar, conforme argumentaremos a seguir.
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relações entre conhecimento escolar e sociedade, seja do ponto de vista político, isto é, da
intencionalidade formativa imbricada nas matérias escolares, seja do ponto de vista da análise
histórica.
No contexto das contribuições da sociologia da educação no âmbito dos estudos
curriculares, as perspectivas críticas denunciaram, a partir dos anos 1970, a impregnação de
elementos ideológicos, intencionais, assim como significados articulados a processos de
hierarquização e controle social que caracterizam o conhecimento escolar desde a invenção da
escola nas sociedades modernas. O fato de que o conhecimento escolar é regido pelos
agenciamentos sociais, sentidos e interesses de classe é evidente também no que diz respeito
aos estudos históricos, que consideram aspectos sociológicos na configuração das matérias
escolares.
Estes estudos são extremamente importantes porque indicam a especificidade do
conhecimento escolar no que diz respeito aos condicionantes sociais, culturais e históricos.
Isto é, o conhecimento escolar, embora tenha uma filiação com as áreas de conhecimento
específico, cuja produção de conhecimento se dá no contexto da pesquisa nas universidades,
não constitui uma simplificação ou uma mera reelaboração destes. O fato de ser veiculado por
uma instituição social, que tem finalidades associadas a projetos políticos e socioculturais, o
conhecimento escolar adquire, ao longo dos tempos, traços próprios. Como afirmam Lopes e
Macedo:
No caso do ensino médio esta proposta é ainda mais enfatizada, o que é evidente nas
Diretrizes Curriculares (BRASIL, 1998), antes ainda da publicação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, em 2000. Neste documento é anunciada a
proposta de organização do conhecimento escolar no ensino médio em três áreas de
conhecimento: Linguagens, códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Esta proposta, assim como no caso
do ensino fundamental, é justificada a partir dos fins formativos para esta etapa de
escolarização, que são: capacitar para a vida em sociedade e para a atividade produtiva,
valorizando a experiência subjetiva, "visando à integração de homens e mulheres no tríplice
universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva" (BRASIL, 2000,
p.15).
É importante ressaltar ainda, a respeito da opção curricular proposta pelos Parâmetros
para o ensino médio, que está encontra sua matriz conceitual no âmbito do currículo por
competências. Nesta concepção, não só a estrutura disciplinar, mas os próprios
conhecimentos, perdem sua importância em prol do desenvolvimento do sujeito no que diz
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Art. 7º A organização curricular do Ensino Médio tem uma base nacional comum e
uma parte diversificada que não devem constituir blocos distintos, mas um todo
integrado, de modo a garantir tanto conhecimentos e saberes comuns necessários a
todos os estudantes, quanto uma formação que considere a diversidade e as
características locais e especificidades regionais.
Como sugere Moehlecke (2012) em suas análises a respeito das mudanças trazidas
pelas novas diretrizes em relação às anteriores, estas:
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Considerações Finais
REFERÊNCIAS
GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto:
Porto Editora, 1999.
LOPES, Alice Casimiro. Políticas de integração curricular. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.
MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores: entre saberes e práticas. Educação
& Sociedade, Campinas, SP, vol.22, n.74, p.121-142, 2001.
PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo:
Cortez, 1999.
ROSA, Maria Inês Patracci; RAMOS, Tacita Ansanello. Identidades docentes no Ensino
Médio: investigando narrativas a partir de práticas curriculares disciplinares. Pró-Posições,
Campinas, SP, v.26, n.1, p. 141-160, 2015. Disponível em: <
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-73072015000100141&script=sci_arttext>.
Acesso em: 01 ago. 2015.
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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.