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ANÁLISE REFLEXIVA DO CORPO CULTURAL

Introdução
Este é um trabalho de cunho reflexivo originado a partir de estudos teóricos relacionados à
temática corpo/cultura na sociedade contemporânea, pensando nos fatores que contribuíram
para a existência deste corpo cultural assim como suas consequências para com o indivíduo e
a sociedade.

Objetivos
Objetivamos para este estudo uma reflexão referente aos problemas existentes na(s)
sociedade(s) e suas intimas relações com o corpo contemporâneo.

Reflexão
Ao iniciar uma reflexão sobre corpo e cultura, tento idealizar um corpo que não possua
nenhum vestígio cultural. Achei impossível pensar de tal forma, pois acredito que todos estão
sujeitos a sofrermos alguma interferência externa. Penso como um possível exemplo deste
fato, no personagem da Disney chamado Mogli. Mesmo este menino que fora criado por lobos,
incorporou nesta criação características próprias da "cultura" da alcatéia. Podemos visualizar o
retrato desta influência na figura 3, onde o menino se encontra andando sobre quatro patas e
interagindo com um filhote de elefante.

A partir deste pensamento digo que nos identificamos como sujeitos devido as nossas
relações sociais, no caso Mogli, a relação que ele passou a ter com a alcatéia. Como grande
parte de nossas características são oriundas do meio, afirmo que o corpo é ele mesmo uma
construção social, cultural e histórica (GOELLNER, 2003).
O corpo está tão inserido e é tão importante para a sociedade que ao mesmo tempo é capaz
de produzir uma cultura e ser influenciado por outras. Concordo com Goellner quando a autora
apresenta que "pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é, simultaneamente, um
desafio e uma necessidade" (2003, p.28). Podemos compreender essa necessidade com mais
clareza quando discutimos o corpo no tempo e suas tendências.
Caracterizando a moda como uma tendência que é ou que deve ser seguida, posso
enumerar ao longo da história, diversos momentos, relacionados ao corpo, que possuem
características semelhantes com as de uma "moda".
Começo com os gregos onde posso dizer que eles
possuíam uma filosofia onde o corpo possuía um papel de
destaque, possuindo um valor muito forte para a sociedade
Grega. Era necessário que o indivíduo cidadão fizesse uma
intima relação entre o trabalho do corpo e os conhecimentos
existentes (filosóficos, matemáticos, químicos, entre outros),
pois "a perfeição só podia ser alcançada com a união da
beleza e da virtude" (CARVALHO, 2004), chegando assim a
um estado de plena realização. Platão é um dos mais
conhecidos desta relação, pois apesar de ser um dos
principais filósofos clássicos também se consagrou campeão
olímpico.
Um grande exemplo do desejo de perfeição grega em
relação às formas do corpo masculino, onde a beleza e a
virtude se materializam em um mesmo ideal, é a imagem do
Discóbolo, possível de se visualizar abaixo na figura 4.
A era romana, onde também encontramos a existência da
prática corporal ainda unida ao conhecimento, só que passa a
existir o doutrinamento do corpo para levá-lo a guerra. O
corpo aqui perde significativamente sua importância social e passa a ser visto como um
instrumento de prazer e guerra, o que acarretou após a queda do império romano, uma época
de profundo esquecimento dos ideais gregos.
A idade média traz como uma característica principal a sacralização do corpo, onde o
mesmo se torna sinônimo de pecado. As práticas corporais ficam restritas somente aos nobres
que treinavam para defender seu povo em suas guerras. A grande valorização do religioso
promoveu a demonização dos desejos, entre eles muitas coisas relacionadas ao corpo,
inclusive a sexualidade, devido à idéia de que o corpo é um dos obstáculos à descoberta da
verdade e salvação (SANT' ANNA, 2004).
Chegamos então na era industrial, quando a revolução técnico-ciêntifica cresceu de uma
forma rápida, transformando o mundo feudal em um mundo onde o tempo é dinheiro, pois esta
sociedade tende a colocar o lucro acima de qualquer valor existente. O corpo não teve
nenhuma participação direta neste processo, somente padeceu com o desgaste a ele imposto.
Continuou seguindo traços da antiga idade média, onde o corpo era desvalorizado, assim como
tudo relacionado a ele.
Olhando registros feitos em pinturas, fotos, ou mesmo em relatos escritos, pode-se notar
algumas características existentes em cada época: Mulheres gordas e alvas vistas como
sensuais e saudáveis; O esforço físico, que hoje é visto como uma forma de melhorar a
condição do corpo, era visto como um indicador de baixo status social (ANZAI, 2000) e o corpo
sacralizado, intocável.
O que quero dizer é que a "moda atua na formatação do corpo" (CASTRO, 2005, p.141) e
este corpo que antes era visto de diferentes formas pelas sociedades, desde a hipervalorização
grega ao sacramento, agora é visto como "objeto de diferentes anseios e desejos" (FIGUEIRA,
2003, p.124), onde "a importância dada ao corpo contrapõe-se ao ofuscamento ao qual esteve
submetido no passado" (ANZAI, 2000, p.71).
Essa dessacralização desencadeou uma maior liberdade quanto a valores dentro da
sociedade, com isso, ocorreu um fenômeno onde o corpo se tornou objeto vendável, e acaba
por promover "uma tendência à hegemonia de certa expectativa corporal" (SILVA, 2001, p.21).
O mundo do consumo está inteiramente ligado ao mundo da informação, e estas
constantemente instigam a sociedade com estilos de vida, moda, corpo e comportamentos.
Somos seres únicos, até mesmo gêmeos idênticos se diferenciam ao longo do seu processo
de maturação. Imagine o impacto que um padrão estético ideal pode causar em homens,
mulheres, crianças ou adolescentes. Que conseqüências pode causar para a sociedade? O
que se faz quando alguém diz: "Fique nu... Mas seja magro, bonito e bronzeado" (FOUCAULT,
1986, p.83)?
Partindo do principio de "que a própria percepção, as próprias sensações físicas, os próprios
sentimentos são efeitos da cultura" (HEILBORN, 1997, p.49), ficaríamos completamente
perdidos quanto ao papel que o corpo assume perante a sociedade. Hoje ao olhar uma pessoa
se pode enunciar as características que ela possui e a que grupo social ela pertence, claro que
são definições subjetivas, mas "na sociedade contemporânea, o corpo é o local de construção
de identidades" (FIGUEIRA, 2003, p.127). Um grave problema é que este local está sendo
manipulado de uma forma meramente mercadológica, sendo tratado como um mero objeto de
consumo.
Isso nos leva a retomar um pensamento onde os nossos corpos não são meramente coisas,
são muito mais que isso, pois estão sempre mediados pela cultura a qual estamos inseridos
(BRUHNS, 2000), e está inserida em nossa cultura uma pressão social que tende a uma
exigência pela incorporação de algumas das diferentes características existentes.
Refiro-me a uma modelagem hegemônica, onde todos compartilhariam as mesmas
características, nos classificando como indivíduos morfologicamente aceitáveis ou inaceitável-
excluídos.
O indivíduo "aceitável" é aquele que segue ou se enquadra no padrão social dominante.
Quem não se adapta a este padrão vive 'a margem da sociedade', sendo culpado por não
possuir ou se aproximar deste ideal. Esse indivíduo, em sua grande maioria, tenta de qualquer
forma se enquadrar e acompanhar as tendências exigidas.
Essa segregação social deu origem a um grande mercado, o mercado estético, que por sua
vez está gerando um processo de naturalização do não biológico (SANT'ANNA, 2005), onde
passa a se tornar aceitável todo e qualquer método para manipular e transformar o corpo em
algo aceitável.
Venho fazendo referência a um padrão de corpo existente, que por sinal é de fácil
identificação. Basta olhar alguns comerciais televisivos ou algumas paginas de revistas para
percebermos as características comuns a todos os modelos. Ser magro, bonito e bronzeado,
como diz Foucault, são as mais bem observadas, porém não podemos deixar de enunciar
algumas outras: Ser bem torneada (o) (com a musculatura bem definida), bem sucedida (o),
com roupas despojadas junto ao carro do ano, ser objeto de desejo, entre muitas outras.
Abaixo segue uma tira onde se encontra duas características essenciais observadas hoje para
a beleza feminina.

Tento aqui compreender o corpo não somente como uma forma/matéria, mas sim como uma
fonte de controle construída ao longo do tempo através de instituições como a médica, militar e
escolar (FOUCAULT, 1986).
Hoje o Brasil é o segundo maior consumidor de cirurgias estéticas no mundo, chegando a
realizar mais de 600 mil cirurgias anuais (ELIA, 2006), não que isso seja ruim, mas a procura
por estes métodos, em sua grande maioria, não se deve a tentativa de melhorar alguma
anomalia genética ou mesmo a correção de alguma seqüela causada por determinado fator
externo. Não podemos achar normal crianças, mulheres e homens fazendo 'formatações' em
seus corpos para ficarem parecidas com os modelos existentes.
Vivemos em uma sociedade capitalista que se refere ao tempo pensando em dinheiro,
associa o lazer à falta de trabalho e acredita que o status social é mais importante que a
qualidade de vida. Lógico que uma sociedade que pensa de tal forma não poderia estar se
encaminhando de uma forma diferente.
Todo este processo de bundalização, como nos diz Lessa (2005), não se restringe só ao
Brasil, vai muito além. O mundo hoje esta infectado com este vírus que gera uma quantia
exorbitante de lucro e que impregna cada vez mais as sociedades. Ana Márcia Silva (2001) traz
relatos em seu texto que estes corpos estão causando uma não aceitação das características
físicas e culturais orientais a tal ponto que está crescendo enormemente o número de cirurgias
plásticas para ocidentalizar as formas de seus rostos.
Não precisamos ir tão longe, segundo Lovisolo (2006) temos inúmeros casos como o de
compulsão, anorexia, culpa, auto-centramento, consumo desesperado de medicamentos,
vigorexia, entre muitos outros que podem ser relacionados com estes ideais de corpos, mas
pouco ainda se discute em relação aos caminhos para se evitar tal mal.

Referências
ANZAI, Koiti. O corpo como objeto de consumo. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, Campinas, v. 21, n. 2/3, p.
71-76, janeiro a maio 2000.
BRUHNS, Heloisa Turini. O corpo contemporâneo. In: Bruhns, Heloisa Turini; Gutierrez, Gustavo Luiz (Org.). O corpo
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