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Fichamento: MORIN, Edgar. O homem e a morte.

Editora: Publicações Europa-américa,

Introdução geral

Capítulo 1

Nas fronteiras da terra-ninguém

Homem primitivo e as sepulturas

De pouco serve declarar que o utensílio humaniza a natureza e que a sobrevivência


humaniza a morte, enquanto o humano permanecer um conceito de correntes de ar. Só
poderemos compreender a humanidade da morte ao compreender a especificidade do
humano. Só então poderemos ver que a morte, tal como o utensílio no espaço, se esforça
igualmente por o adaptar ao mundo, exprime a mesma inadaptação do homem ao mundo e
as mesmas possibilidades de conquista do homem em relação ao mundo p. 24.

O que diz a imortalidade pré-histórica

[...] o cadáver humano já suscita emoções que se socializam em práticas fúnebres e a


conservação do cadáver implica um prolongamento da vida. O não abandono dos mortos
implica a sua sobrevivência p. 24-25.

A morte é, portanto, à primeira vista, uma espécie de vida que prolonga, de uma forma ou
de outra, a vida individual. De acordo com essa perspectiva, é não uma ideia, mas sim uma
imagem como diria Bachelard, uma metáfora da vida, um mito, se quisermos.
Efetivamente, a morte, nos vocabulários mais arcaicos, não existe ainda como conceito:
fala-se dela como de um sono, de uma viagem, de um nascimento, de uma doença, de um
acidente, de um malefício, de uma entrada para a morada dos antepassados, e, o mais das
vezes, de tudo isto ao mesmo tempo p. 25.

Oh, morte disforme e terrível de ver

Para mais, a expressão das emoções funerárias moldada num ritual definido e ostensivo,
pode ou transbordar, ou ignorar as emoções reais provocadas pela morte, ou ainda
conceder-lhe um sentido desviado. Assim, a ostentação da dor, própria de certos funerais,
destina-se a provar ao morto a aflição dos vivos, a fim de garantir a benevolência do
defunto. Em certos povos é a alegria que é de bom uso nessas ocasiões: visa mostrar tanto
aos vivos como ao morto que este é feliz p. 27.

Mas já é possível pressentir que os esgares da dor simulada implicam uma emoção de
origem. É essa mesma emoção que se esforça por dissipar a alegria oficial, cuja expressão
atrofiada se encontra, sem dúvida, no para quê chorar, ele agora já é mais feliz do que nós,
das nossas condolências p. 27.

Horror da decomposição do cadáver  Desse horror resultam todas as práticas a que o


homem recorre, já desde a pré-história, para apressar a decomposição (cremação e
endocanibalismo), para evitar (embalsamento), para a afastar (corpo transportado para outro
local ou fuga dos vivos). A impureza do corpo em decomposição determina, como veremos
depois mais em pormenor, o tratamento fúnebre do cadáver p. 28.

Grande parte das práticas funerárias e pós-funerárias visa proteger contra o contágio da
morte, mesmo quando essas práticas apenas pretendem proteger contra o morto, cujo
espectro maléfico, ligado ao cadáver que apodrece, persegue os vivos: o estado mórbido em
que se encontra o “espectro” no momento da decomposição não é mais do que a
transferência fantástica do estado mórbido dos vivos [...] p. 28.

Mas a decomposição do cadáver não é a única fonte de perturbações; a prova é que para
além da decomposição, para além do funeral e do luto, transbordando para toda a vida
humana, se pode detectar um sistema permanente de obsessões e angústias, manifestado
pela prodigiosa importância da economia da morte no seio da humanidade arcaica. Essa
economia da morte pode instalar-se até no coração da vida quotidiana e fazer que a vida
cotidiana gire em seu torno p. 29.

Poderíamos igualmente atribuir a essa presença obsessiva da morte a presença obsessiva


dos mortos, que é um dos aspectos mais evidentes e mais conhecidos da mentalidade
arcaica. Os espíritos (isto é, os mortos) estão, com efeito, presentes na vida quotidiana,
regendo a fortuna, a caça, a guerra, as colheitas, a chuva, etc p. 29.
Há muito tempo que se subestima a presença da morte na criança. E, contudo, embora a
criança não tenha experiência da decomposição do cadáver, pelo menos nas nossas
sociedades conhece muito cedo as angústias e obsessões da morte p. 30.

Assim, os dados da economia da morte, dos funerais, do luto e tanto da mentalidade


“primitiva” como da mentalidade infantil, a partir do momento em que esta “realiza” a
morte, confirmam conjuntamente, de forma decisiva, a existência de um dado não menos
elementar e não menos fundamental do que a consciência da morte e que a crença na
imortalidade são as perturbações provocadas pela morte na vida humana, aquilo que se
entende por “o horror” da morte p. 30.

Este horror engloba realidades aparentemente heterogêneas: a dor do funeral, o terror da


decomposição do cadáver, a obsessão da morte. Porém, dor, terror e obsessão têm um
denominador comum: a perda da individualidade p. 31.

A dor provocada por uma morte só existe se a individualidade do morto tiver sido presente
e reconhecida: quanto mais o morto for chegado, íntimo, familiar, amado ou respeitado, isto
é “único”, mais a dor é violenta; não há nenhumas ou há poucas perturbações por ocasião
da morte do ser anônimo, que não era “insubstituível”. Nas sociedades arcaicas, a morte da
criança – na qual se perdem, contudo, todas as promessas da vida – suscita reação fúnebre
muito fraca. Nos Cafres, a morte do chefe provoca terror, ao passo que a morte do estranho
ou do escravo os deixa indiferentes. Escutemos as nossas bisbilhotices: a morte de uma
vedeta do Cinema, de um jogador de futebol, de um chefe de Estado ou do vizinho do lado
é mais fortemente sentida do que a de dez mil hindus afogados numa inundação p. 31-32.

Terror da decomposição  O horror não é a carcaça, mas sim a carcaça do semelhante, e é


a impureza desse cadáver que é contagiosa p. 32.

É evidente que a obsessão da sobrevivência, muitas vezes em detrimento da vida, revela no


homem a preocupação lancinante de conservar a sua individualidade para além da morte p.
32.
O complexo da perda da individualidade é, portanto, um complexo traumático, que rege
todas as perturbações provocadas pela morte, e a que chamaremos nesta obra o traumatismo
da morte p. 33.

O triplo dado antropológico

Este traumatismo da morte é, em certa medida, toda distância que separa a consciência da
morte da aspiração à imortalidade, toda a contradição da morte da aspiração à imortalidade,
toda a contradição que opõe o fato brutal da morte à afirmação da sobrevivência. Mostra-os
que a contradição é já violentamente sentida no mais profundo da humanidade arcaica: o
homem conheceria essa perturbadora emoção se aderisse plenamente à sua imortalidade?
Mas, se o traumatismo da morte descobre essa contradição, simultaneamente ilumina-a;
possui a chave dela p. 33.

Simultaneamente, podemos compreender que este traumatismo e este realismo são


indissoluvelmente função um do outro: quanto mais o homem descobre a perda da
individualidade por detrás da realidade putrescente de uma carcaça, tanto mais descobre
que ela é a perda irreparável da individualidade p. 33.

[visão dos corpos sendo retirados em sacos pretos das cenas de crime]

Triplo dado dialético: consciência da morte – traumatismo da morte – aspiração à


imortalidade p. 34.

[...] é a partir do momento em que a criança toma consciência de si mesma como indivíduo
que se sente preocupada com a morte; esta deixa de significar simples ausência ou paragem
na ideia de movimento ou de vida; então, surgem correlativamente a angústia da morte e a
promessa da imortalidade. Portanto, simultaneamente com a afirmação da individualidade,
manifesta-se o triplo dado da morte p. 34-35.

[...] último resíduo da consciência da morte é o ego [...] p. 35.

Embora aquilo que fulgura no momento da morte seja a maior afirmação do indivíduo, não
é necessariamente a afirmação do seu próprio “Eu”. Pode ser a de um “Tu”. Pode ser até de
um “Ideal”, de um “Valor” [...] p. 35.
Traçar uma relação não ente a consciência da morte e a individualidade, mas sim entre essa
a afirmação da individualidade p. 36.

Capítulo II

A morte em comum e a morte solitária

1. Morte e individualização: o civilizado, o civil, o cívico

[...] a afirmação do grupo social se efetua no mais íntimo do indivíduo, esta dissolve a
presença traumática da morte, e como, inversamente, a afirmação do indivíduo sobre ou na
sociedade faz que se levantem de novo os temores da morte [...] p. 38.

Todavia Frazer erra quando torna o luxo e a omnipotência das ideias cristãs responsáveis
pelo nosso medo “civilizado” da morte. Coloca nitidamente as consequências no lugar da
causa; o luxo não é mais do que um elemento de um processo geral da civilização
individualizadora, e o cristianismo, como veremos mais adiante, é outro elemento p. 39.

O militar e a morte

O “general” encarna a generalidade da cidade em relação a particularidade individual; esta


passa para segundo plano, já que se trata de uma luta de vida ou de morte para o phylum
social. Então, fundido no seu grupo em perigo ou em marcha, o mártir, o combatente, o
sitiado, o cruzado, já não teme a morte p. 80.

[...] a coragem é questão de organização. E a organização vem facilmente; é


“organicamente” que a sociedade se reapossa do indivíduo. A imprensa, os discurso, os
boletins, os poemas, forjam incessantemente a mentalidade épica e aconselham a “tratar a
vida como inimiga” (Tirteu). O título de herói é o mais banal em tempo de guerra, pois
aplica-se a todos os combatentes que, justamente, morrem “como heróis”. A única
consolação imediata dada ao herói é o homicídio, a vingança contra o inimigo, imundo
adversário, cão maldito, amarelo, preto, vermelho. Purga a sua morte sobre o inimigo a
abater p. 40.

O civismo e a morte
[...] Por agora, trata-se apenas de mostrar como, em condições de equilíbrio ou
desequilíbrio, a cidade oferece ao cidadão uma compensação à morte, como o cidadão pode
colher na participação cívica uma força capaz de dominar a morte p. 43.

Moral cívica > patriotismo bruto

Moral cívica  Ela implica que a cidade está ao serviço dos cidadãos e que, em troca, o
indivíduo pode abdicar conscientemente, e caso de necessidade, de sua primazia em
proveito da cidade, porque esta representa a soma de toda as individualidades cívicas e
contém em si a fonte alimentar de toda a individualidade. A moral cívica é, bem entendido,
produto de sociedades já muito evoluídas p. 44.

2. A luta de classes

O rei, o escravo, a morte

A sociedade, dissemos nós, dissolve pouco a pouco, completamente, a morte, na


medida em que se afirma em relação aos indivíduos. Mas a individualidade não existe
no mesmo escalão para todos os membros de uma sociedade. A diferenciação social, a
partir do grupo arcaico, e a luta de classes, depois de essa diferenciação ter chegado às
relações entre classes, exercem pressão sobre a consciência e o horror da morte p. 48.

Com a evolução e formação das classes, a afirmação do individualismo vai em primeiro


lugar polarizar-se nos senhores. Os senhores vivem no geral, no ócio, na fruição; não
são especializados, são eles próprios, porque pertencem a sim próprios. Os oprimidos
são, simultaneamente, os seus apêndices manuais e os apêndices da terra, da mina e da
máquina com que trabalham. São servidores, súbditos; e “súdbito”, na linguagem dos
reis, significa “objeto”. Pertencem, de acordo com a ótica dos amo, ao reino das coisas
p. 48.

O rei está no cume da generalidade  o estado sou eu

O rei  Só ele tem direito, primeiro, e depois os nobres, às faixas, aos túmulos, à
conservação por embalsamento, à certeza do juízo dos deuses, à certeza da imortalidade
p. 49.
Portanto, cabe ao rei, indivíduo absolutamente reconhecido, hipostasiado, divino, não
só a suprema imortalidade como também a suprema angústia perante a morte; porque o
rei é o indivíduo supremamente solitário p. 49.

A onipotência do rei revela a suprema enfermidade do homem perante a morte p. 49.

Essa enfermidade sente-a o rei em si mesmo; no seu vasto palácio, teme a morte. Daí o
sadismo nerónico que o manda matar os outros, para se vingar daquela morte que não o
poupará, para ser pelo menos o último a morrer p. 49.

[...] esquecer a morte é sempre esquecer a si próprio p. 50.

Paralelamente, no plano rei-súdito, a afirmação das outras individualidades. A


universalidade da consciência real não existe senão porque essa universalidade é negada
às outras consciências p. 50.

E é dialeticamente que o temor da morte e o direito à imortalidade se vão estender aos


oprimidos, às mulheres e aos escravos, à medida que estes conquistam a propriedade da
sua própria pessoa, que emergem econômica e juridicamente à superfície social. O
capitalismo antigo, com a sua religião de salvação última, a mais adaptada às suas
estruturas, o cristianismo dos primeiros séculos, consagra a igualdade perante a morte p.
51.

O movimento da evolução humana, no seu conjunto, na medida em que tende para a


democratização geral, na medida em que tende para a inversão da relação de
subordinação indivíduo-sociedade, tende não somente para a igualdade individual
perante a morte como também a pôr, na sua nudez, na sua claridade total, o problema
do indivíduo perante a morte p. 52.

O indivíduo colide com a morte: nessa colisão recusa a lei da natureza, que lê
claramente na decomposição; as suas obras sobrenaturais, que procuram uma via de
escape, deixa claramente entender a sua oposição a essa natureza. Faz de anjo, mas o
seu corpo faz de animal, que apodrece e se desagrega como o de um animal... É
homem, isto é, inadaptado à natureza que traz em si, dominando-a e sendo dominado
por ela p. 52.
Capítulo III

O indivíduo, a espécie e a morte

Por outras palavras, é a espécie que conhece a morte, e não o indivíduo; e conhece-a a
fundo. Tanto mais a fundo quanto a espécie só existe pela morte dos seus indivíduos;
essa morte “natural” é maquiada no próprio seio dos organismos individuais: de toda a
maneira, os indivíduos morrerão de velhice. E essa morte não é a fatalidade da vida em
geral; como demonstraremos na quarta parte desta obra, as células vivas são
potencialmente imortais e os seres unicelulares só morrem acidentalmente. É a
maquinaria complexa das espécies evoluídas e sexuadas que traz em si a morte p. 55.

Com efeito, a espécie protege-se a si própria, quando faz morrer naturalmente os seus
indivíduos; salvaguarda o seu próprio rejuvenescimento e protege-se igualmente da
morte-agressão, da morte-perigo, graças a todo um sistema de instintos de proteção p.
55.

E é porque a espécie é “clarividente” ao defender-se contra a morte, que o indivíduo


animal é cego á morte. Se o animal é cego à ideia da sua morte, subentende-se que não
tem consciência, e portanto não tem ideias. Mas a ausência da consciência, em si, é a
adaptação do indivíduo à espécie p. 55.

Donde, com efeito, uma cegueira animal à morte que é uma cegueira à individualidade,
na medida em que essa morte significa perda de individualidade. A cegueira à sua
própria morte é a cegueira à sua própria individualidade, que, contudo, existe; a
cegueira à morte de outrem é a cegueira à individualidade de outrem, que também
existe p. 56.

Poder-se-ia então inferir que a morte-perda-de-individualidade afeta o animal quando a


ordem da sua espécie foi perturbada, pela domesticação, por exemplo; a domesticação
liberta o animal da tirania vital, desvia-o das suas antigas atividades específicas,
“individualiza-o” num sentido e deixa-o disponível, perante o ser supremamente
individualizado: o homem. Portanto, apenas há, se não ainda consciência, pelo menos
sentimento, quando a lei da espécie é perturbada pela afirmação de uma individualidade
[...] p. 57.

O anjo e o animal

[...] é porque o seu conhecimento da morte é externo, aprendido, não inato, que o
homem fica sempre surpreendido com a morte p. 59.

Portanto, sendo naturalmente cego à morte, o homem é incessantemente forçado a


reaprendê-la. O traumatismo da morte é precisamente a irrupção da morte real, da
consciência da morte, no seio dessa cegueira p. 59.

A “imortalidade a que Freud alude não é a mesma imortalidade da crença na vida


futura, a qual, repetimos, implica o reconhecimento da morte. É uma “amortalidade”
anterior a esse reconhecimento, anterior ao indivíduo, acrescentaríamos nós. O
inconsciente é um conteúdo: nesse conteúdo misturam-se a cegueira animal à morte e o
querer humano de imortalidade p. 59.

O que não impede que a cegueira animal à morte não seja eliminada no indivíduo. Os
comentários de Freud atravessam na vertical todos os comportamentos cegos à morte.
Com efeito, embora conhecendo a morte, embora “traumatizados” pela morte, embora
privados dos nossos mortos amados, embora certos da nossa morte, os nossos amigos e
nós próprios não tivéssemos nunca de morrer. O fato de aderir à atividade vital elimina
todas as ideias de morte, e a vida humana comporta uma parte enorme de
despreocupação pela morte; a morte está frequentemente ausente do campo da
consciência, que, aderindo ao presente, afasta tudo o que não for o presente, e, nesse
plano, o homem é evidentemente um animal, isto é, dotado de vida. Nessa perspectiva,
a participação na vida simplesmente vivida implica em si mesma uma cegueira à morte
p. 60.

É por isso que a vida quotidiana é pouco marcada pela morte: é uma vida de hábitos, de
trabalho, de atividade. A morte só regressa quando o eu a olha ou se olha a si próprio p.
60.
Nos noticiários policiais, o cotidiano é repleto de sinais da morte. Ali, não se mostra a
morte real mas sim a consciência da morte que nos traz o medo da perda da
individualidade. Não é a toa que tenta-se humanizar o morto à todo instante,
perpetuando uma memória daquela individualidade que foi aniquilada. A perda do
outro, nos faz sentir a perda da individualidade dele e nossa por um processo de
espelhamento.

É verdade que o homem das civilizações modernas procura fugir à ideia da morte nas
suas atividades, isto em a esquecer-se de si mesmo. Mas esse esquecimento só é
possível porque existe nele um animal inconsciente que ignora sempre que tem de
morrer. Essa animalidade é a própria vida e, nesse sentido, a obsessão da morte é uma
“diversão” da vida p. 60.

Capítulo IV

O paradoxo da morte: o homicídio e o risco de morte (inadaptação-adaptação à morte)

O canibalismo, o homicídio

O canibalismo é ato originariamente humano. Praticado desde a pré-história, existe


ainda em numerosas populações arcaicas, que seja endocanibalismo (canibalismo
funerário) ou exocanibalismo (devoração dos inimigos) [...] o exocanibalismo e o
endocanibalismo têm ambos significado mágico: apropriação das virtudes do morto. O
endocanibalismo é, além disso, um dos meios mais seguros de evitar a horrível
decomposição do cadáver. Mas queremos sobretudo insistir no aspecto “bárbaro” do
canibalismo, o homicídio seguido de consumo, isto é, a ausência do “respeito pela
pessoa humana” (de acordo com a terminologia moralista) que ele manifesta. Existe
paradoxo entre o desprezo antropófago pelo indivíduo e o nosso dado antropológico,
que é afirmação do indivíduo. Mas podemos entrever a explicação do paradoxo. Com
efeito, o canibal é testemunho da regressão absoluta do instinto de proteção específica.
Embora “os lobos não se devorem uns aos outros”, os homens comem-se a bom comer,
e o canibal não tem repugnância pela carne do seu confrade em humanidade p. 62.
O homicídio, que aparentemente contradiz tão peremptoriamente o “horror da morte”, é
um dado humano tão universal como esta. Humano porque o homem é o único animal
que mata o seu semelhante sem obrigação vital: embora o sinal do primeiro “crime”
pré-histórico conhecido seja muito mais recente do que o da primeira tumba, aquele
pobre crânio estilhaçado pelo sílex é uma testemunha sui generis do humano. Universal
porque se manifesta desde a pré-história, porque é perpetrado durante toda a história,
exprimindo a lei (talião, castigo), encorajado pela lei (guerra), ou inimigo da lei (crime).
Quantos crânios estilhaçados desde o primeiro “homicídio”! Poder-se-ia repetir agora o
que já dissemos sobre a sepultura. Nas fronteiras da terra-de-ninguém, o homicídio
surge, passaporte manchado de sangue, como fenômeno a tal ponto humano que a
Bíblia, com o crime de Caim, faz dele a primeira crônica da família terrestre e Freud vê
nele o ato original da humanidade (assassinato do pai pelos filhos, na horda primitida)
p. 63.

[...] também existe um homicídio provocado pela necessidade, determinado pelo


struggle for life darwiniano, quer se trate de luta por alimentos ou da luta de vida ou
morte travada entre duas coletividades. Além disso, o homicídio-defesa da cidade, de
que é alvo o criminoso, o traidor ou o inimigo, corresponde ao imperativo do grupo e
escapa-se, de momento, ao problema que pomos: apresenta o paradoxo da sociedade
que se comporta ora como “espécie”, ora como instrumento do indivíduo. Mais adiante
analisaremos este paradoxo p. 63.

Homicídio sendo fruto de cólera/ fúria/ loucura/ qual motivo que seja  [...] revela-nos
um encarniçamento, ou um ódio, ou um sadismo, ou um desprezo, ou uma volúpia de
matar, isto é, uma realidade propriamente humana p. 64.

O fato de a violência do ódio se poder traduzir por tortura até à morte e homicídio
revela-nos claramente que o tabu de proteção da espécie já não age. O homicídio é a
satisfação de um desejo de matar que nada pôde suster. Mas isto é apenas a face
negativa. A face positiva são a volúpia, o desprezo, o sadismo, o encarniçamento, o
ódio, que traduzem uma libertação anárquica, mas verdadeira, das “pulsações” da
individualidade em detrimento dos interesses da espécie p. 64
Podemos inferir daí que um processo fundamental da afirmação da individualidade se
manifesta pelo “desejo de matar” as individualidades que estão em conflito com a
primeira individualidade. No caso extremo, a afirmação absoluta de uma
individualidade implica a destruição absoluta das outras. É esta a tentação nerónica dos
reis dos poderosos, bem como dos S. S. das campos de concentração, que sentem como
um insulto a simples existência de uma cara que não lhes agrada e a suprimem p. 64.

Assim, o paradoxo do homicídio é regido pela afirmação da individualidade. Ao


paroxismo do horror provocado pela decomposição do cadáver corresponde o
paroxismo da volúpia provocado pela decomposição do torturado. E existe
comunicação íntima entre esse horror e essa volúpia, como nos será revelado mais
adiante pelo significado mágico do homicídio, que é escapar à sua própria morte e à sua
própria decomposição transferindo-as para outrem p. 66.

A decadência dos instintos de proteção específica e a irrupção orgulhosa da


individualidade implicam, portanto, o barbarismo, isto é, o homicídio. Na sua afirmação
bárbara, o indivíduo está liberto em relação à espécie [...] p. 66.

O risco de morte

O homicídio, na medida em que acompanha a luta de morte, na medida em que está


implícito na guerra, implica igualmente o risco de morte. Para matar é preciso arriscar-
se a ser morto p. 66.

O risco de morte é o paradoxo supremo do homem perante a morte, pois contradiz total
e radicalmente o horror da morte. E, contudo, tanto quanto esse horror, o risco de morte
é um dado fundamental p. 66.

Tal como existe, no homicídio, um para além do necessário, em que este surge como
afirmação do indivíduo, existe um para além do necessário no risco de morte, em que
este surge igualmente como afirmação do indivíduo. Este duplo “para além” está
intimamente associado no torneio, na competição armada, em que o risco de morte e o
homicídio se exaltam mutuamente p. 68.
Portanto, as participações contêm em si uma força extraordinária; como vimos no que
respeita à participação biológica e à participação belicosa, o indivíduo que nelas se
mergulha olvida-se a si próprio e olvida a sua morte. Talvez a potência das
participações seja ainda maior quando se trata da aceitação consciente do risco de
morte. Porque então o risco de morte defronta o horror da morte e revela-se capaz de o
vencer. Porque então não se trata de uma abdicação do indivíduo, mas sim de uma auto-
afirmação heroica p.70.

Reciprocamente, o risco da morte pelos “valores” evoca frequentemente “a vida


intensa”, isto é, a exaltação do Id, que se vai conjugar à do Ego, na defesa e ilustração
do Superego. Viveu “bem” aquele que vai morrer “bem” p. 71.

Inadaptação ou adaptação à morte?

Tudo isto nos explica que o homem, o único ser que tem horror da morte, seja ao
mesmo tempo o único ser que mata os seus semelhantes, o único ser que procura a
morte p. 72.

[...] o homem está adaptado ou inadaptado à morte? Só no final desta obra poderemos
considerar uma resposta. Mas interessa desde já pôr esta questão importante, que vai
reger implicitamente todo o nosso estudo p. 72.

Todavia, a inadaptação é relativa. Se o indivíduo humano, estivesse absolutamente


inadaptado à morte, morreria de morrer, já que a morte, no mundo da vida, é a sanção
de toda a inadaptação absoluta. E, ademais, quem não pode suportar a ideia da morte
morre disso: seja de medo [...] seja voluntariamente, pelo suicídio p. 72.

A inadaptação é, como vimos, relativa às participações do indivíduo. As participações


são, num sentido, a própria adaptação: todos os homens estão “ligados ao mundo”.
Quando as participações são gregárias ou quase animais, o traumatismo e a consciência
da morte desaparecem, há quase-adaptação. Quando as participações evocam o risco de
morte, isto é, também a exaltação do indivíduo, poder-se-á falar, se não de adaptação no
sentido estrito, pelo menos de aceitação da morte p. 73.
Mas, se a inadaptação humana à morte é relativa, a adaptação à morte é igualmente
relativa. Embora o homem que arrisca a vida esteja pronto para assumir a sua morte,
esta não lhe é por isso menos odiosa; mas enfrenta-a, vista que lhe é imposta por um
imperativo da sua vida de homem. Porque arriscar a morte não é amá-la, mas sim,
frequentemente, escarnecer dela [...] p. 73.

O progresso que a história humana evoca é o desenvolvimento mútuo e recíproco da


sociedade e do indivíduo p. 75.

Assim, a sociedade, na sua realidade dupla, dialética, de quase-espécie e libertadora do


indivíduo, contém simultaneamente a adaptação e a inadaptação à morte p. 75.

[...] A sociedade é humana. O homem é social. A oposição entre a sociedade e o


indivíduo baseia-se numa profunda reciprocidade. Um conduz à outra, e vice-versa. O
complexo da inadaptação e da adaptação está simultaneamente no coração da socieade e
no coração do homem p. 75.

[...] O luto exprime socialmente a inadaptação individual à morte, mas, ao mesmo


tempo, é o processo social de adaptação que tende a fazer cicatrizar a ferida dos
indivíduos que sobrevivem. Depois dos ritos de imortalidade e da terminação do luto,
depois de um “penoso trabalho de desagregação e de síntese mental”, só então a
sociedade, “retornando a sua paz, pode triunfar da morte” p. 75.

Capítulo V

Os fundamentos antropológicos do paradoxo

Portanto, a fetalização que transforma o antropoide em homem faz dele um ser


indeterminado, já que está muito pouco afastado da forma-tipo indeterminada dos seus
antepassados. Faz dele um ser geral, já que essa ideterminação se traduz por uma não –
especialização fisiológica. Finalmente, faz dele um ser juvenil, um feto adulto que
ignora o conhecimento da espécie, isto é, que ignora a adaptação preestabelecida.
Corresponde exatamente ao fenômeno de regressão dos instintos específicos, que
encontramos constantemente no nosso caminho p. 79.
A brecha aberta pela decadência da espécie não é colmatada pela sociedade: a
sociedade permite antropologicamente a passagem pela brecha aberta. E por essa brecha
o indivíduo abre-se para o mundo; penetra no mundo, mas o mundo penetra nele. Todas
as virtualidades biológicas se revolvem no seio da indeterminação humano e procuram
realizar-se contraditoriamente. O homem está aberto a todas as participações. A
participação ilimitada é, portanto, produto da fetalização, da regressão dos instintos p.
80.

Os sentimentos humanos são sede de sincretismos instáveis, onde se mesclam atração e


repulsa, amor e ódio p. 81.

Portanto, em todos os campos, a regressividade fez do homem, desprovido dos instintos


e especializações orgânicos, um pequeno mundo que copia o grande, uma espécie de
espelho do mundo biológico p. 81.

O núcleo da individualidade

Assim, compreende-se o sentido da transformação progressiva-regressiva, que, criando


o homem, criou uma nova relação indivíduo-espécie. A desagregação das
especializações antropoides, operadas pela regressão, simultaneamente com a
desmomificação do instinto tornado inteligência, despojaram ambas o phylum, a
espécie, dos seus atributos práticos, em proveito do pseudo-phylum, da sociedade, que
alimenta indivíduo. É o mesmo movimento que faz do homem um indivíduo
autodeterminado e um microcosmo indeterminado, aberto às possibilidades da nutureza,
e que o impele para a evolução. E não é o corpo que vai evoluir para a especialização;
pelo contrário: o corpo humano desespecializa-se cada vez, à medida que a ciência e a
técnica se aperfeiçoam. Portanto, nenhuma especialização fisiológica, nenhuma
determinação orgânica, virão deter essa evolução ou transformá-la em adaptação. A
humanidade não só permanecerá juvenil como rejuvenescerá cada vez mais p. 84.

Assim se remata a estrutura do “microcosmo” humano: análogo à natureza que reflete,


evolui como ela própria havia evoluído, efetuando a síntese viva entre a generalidade
detentora de todos os possíveis e as especializações que resolvem os problemas
concretos; é o único animal criador de generalidades e especialidades,
autodeterminando-se e determinando o seu ambiente; mas também fundamentalmente
inadaptado à natureza, sofrendo as suas determinações hostis, opondo-se-lhes,
perpetuamente instável, em ruptura. O homem, que é ele próprio um todo, está
inadaptado ao todo, isto é, às suas aspirações totais – que são de se adaptar ao cosmo -,
embora esteja adaptado à sua inadaptação – que é de transformar o cosmo p. 85.

A sua riqueza reside nesta adaptação à inadaptação e nesta ianadaptação à adaptação.


Numa, a sua bondade original; na outra, o seu pecado original: a morte p. 85.

Capítulo VI

A morte e o utensílio

A linguagem

Num sentido, as palavras nomeiam, isto é, distinguem e determinam objetos, tal como o
fará o utensílio. Porém, num sentido inverso, as palavras também evocam estados
(subjetivos) e permitem exprimir, veicular, toda a afetividade humana. Daí a dupla face
da linguagem; pelos seus sinais constitui o referente, isto é, um universo constituído por
fatos e objetos, mas permite simultaneamente a transformação desse referente em sinais
dos seus estados de espírito, dos seus estados de alma, dos seus estados de homem p.
88.

Assim, as palavras e as frases são os veículos dos intercâmbios antropocasmomórficos,


não só objetivos como subjetivos p. 88.

Falar é criar. O feiticeiro cria a coisa que nomeia, e um dos motores da magia é a
palavra. O verbo sagrado é sentido como afirmação de omnipotência, e o poeta
moderno encontra ingenuamente o sentimento xamânico, védico e bíblico: no princípio
era o verbo. Portanto, a linguagem revela-nos a mesma bipolaridade elementar que o
utensílio e a morte, a mesma bipolaridade antropológica: a afirmação da individualidade
que, por um lado, se constrói por meio das participações e que, por outro, se exalta com
os seus poderes p. 89-90.

O mito
1. Os conceitos primeiros da morte p. 48.
Capítulo 1
A morte-renascimento e a morte maternal

Sociedades arcaicas  toda morte anuncia um renascimento, todo nascimento provém de


uma morte, toda a mudança é análoga a uma morte-renascimento – e o ciclo da vida
humana inscreve-se nos ciclos naturais de morte-renascimento p. 103.

Sincretismo dos conceitos de duplo e de morte-renascimento

A crença nos espíritos (duplos) integra-se frequentemente num vasto ciclo de


renascimentos do antepassado sob a forma de recém-nascido. Os mitos do além trazem
simbolicamente a marca dos dois grandes sistemas da morte, ora harmonizados, ora
opondo-se maior ou menor grau. Na maior parte das vezes, o duplo sobrevive durante
tempo indeterminado e depois vai para a morada dos antepassados, de onde regressarão os
recém-nascidos; o nascimento permanece a provocação direta mas retardada de uma morte
p. 103.

Duplo  espírito

Num sentido, o “duplo”, isto é, a sobrevivência individual, tende a dificultar e até a negar o
renascimento do morto num novo vivo. Mas o sistema das crenças relativas à força mágica
de renascimento, de fecundidade e de vida, contidas na morte, não será por isso negado. As
duas noções, primitivamente tão poderosas uma como a outra, irão, no decurso da sua
história, transformar-se, dissociar-se e renovar-se sem cessar; encontrar-se-ão nas religiões
de salvação: as forças de renascimento da morte tornar-se-ão forças de ressurreição do
indivíduo, “para que em si próprio, enfim, a eternidade o transforme” p.105.

A reencarnação autóctone

A reencarnação totêmica é uma sistematização, rigorosa e já complexa, do nascimento


autóctone. Os mortos reencarnam-se em recém-nascidos ou em animais da espécie do totem
(nos Bororos, o morto transforma-se logo papagaio) e, mediante essas reencarnações, não é
apenas o morto que renasce, mas também o antepassado-totem [...] p. 106.
Profundidade e universalidade da morte-renascimento

Subsistem vestígios da reencarnação em numerosos mitos, nas fábulas, nos nossos


folclores, nas nossas literaturas e até nas nossas filosofias [...] p. 106.

E, assim, a morte-renascimento surge-nos como um universal. Universal da consciência


arcaica, universal da consciência onírica, universal da consciência infantil, universal da
consciência poética (como veremos) e até filosófica. O fato explica as analogias
fundamentais que existem entre as estruturas mentais arcaicas, oníricas, infantis e
filosóficas. Em todos os homens, o “primitivo” é ultrapassado, mas conservado p. 108.

Seja como for, renascimento, metempsicose e reencarnação implicam, juntamente com as


participações cósmicas, a salvaguarda da individualidade que morre e renasce por meio das
metamorfoses naturais. Podemos tornar-nos criança, velro, planta, animal, bom, mau,
permanecendo todavia o mesmo. O morto que renasce continua a ser ele mesmo, até
quando é também antepassado primitivo (totemismo). Sempre o mesmo indivíduo ressucita
e continua, e continuará sempre, e sempre, a renascer. A morte-nascimento, lei do cosmo, é,
apropriada pelo homem, uma imortalidade p. 108.

A morte fecunda: o sacrifício

O sacrifício é a exploração mágica sistemática e universal da força fecundante da morte.


Presentes em todas as civilizações, e já desde o paleolítico antigo, os enormes gastos
sacrificiais podem-se comparar aos enormes gastos funerários. Compreende-se que Georges
Bataille, em La part maudite, tenha procurado construir uma antropologia sobre a noção de
luxo e gastos. No seu ato vivificante, o sacrifício faz jorrar a exaltação “luxuosa” do
sacrificante (e do sacrificado voluntário). Mas é, acima de tudo, um rito de superfecundação
explorando a morte fecundante. Em certa medida, sacrificar é plantar. Quanto maior for a
exigência vital, maior deverá ser o sacrifício. De acordo com os princípios análogos da
magia, quanto mais o desidério do sacrificante lhe é querido, tanto mais querido lhe deverá
ser aquilo que sacrifica: Ifigénia, Issac p. 109.

Na refeição endocanibal, que é uma das formas arcaicas e até pré-históricas (Kleinpaul) do
funeral, consome-se a carne do morte familiar ou membro do clã: na refeição totêmica
come-se o substituto animal do antepassado e, mais tarde, na eucaristia, consome-se a carne
de deus. Estas “ceias” visam tanto – e até mais – a regenerar a carne dos vivos por meio das
virtudes fecundantes do morto como a assegurar o renascimento deste [...] p. 109.

O sacrifício tem múltiplos significados

[...] Pode até traduzir a preocupação obcecante de fugir ao talião, isto é, ao castigo de
retaliação evocado por crimes e más tendências. Com efeito, a estrutura íntima do talião
exige que paguemos com a nossa morte não somente os nossos assassinatos reais, mas
também os nossos desejos de morte. O sacrifício, que faz que o bode expiatório pague por
nós, traz o alívio da própria expiação. Os bodes expiatórios sacrificados em Israel ou em
Atenas, tal como os atuais massacres de bodes expiatórios humanos, infiéis e judeus, têm
efetivamente por finalidade purificar a cidade, atrair para a vítima a mácula mortal. Aliás,
veremos que quanto mais se exacerba no homem a angústia da morte, tanto mais tendência
ele terá a descarregar a sua morte sobre outrem por meio de um assassinato que será
verdadeiro sacrifício inconsciente. Poderemos apreender o significado nevrótico desses
assassínios sacrificiais que tendem a libertar o assassino-sacrificante do jugo da morte p.
110.

A evolução irá suprimir o sacrifício como tal e tornará clandestinos os significados de


morte-fecundidade que os assassinatos poderão assumir. Mas é lícito pensar que todo o
assassinato solene, tal como todo o festim sagrado, desperta, fora do seu objetivo
propriamente dito, as emoções sacrificiais fundamentais oriundas da participação na grande
lei elementar do cosmo: morte-renascimento, morte-fecundidade, morte-vida nova p. 110.

Da mesma forma, toda a dávida de si ressuscitará os valores fecundantes do sacrifício. O


herói-deus, pelo seu auto-sacrifício permanente (Jesus) ou sempre renovado (Osíris, Orfeu,
Dioniso), fará jorrar as virtudes de ressureição sobre toda a humanidade mortal. Ainda hoje,
a metáfora poética que garante que o sangue do herói fez crescer novas searas evoca as
associações sacrificiais. O mártir “considera-se um pouco como uma folha que cai da
árvore para fazer terriço” p. 111.

A iniciação ou reverso da morte nascimento


Depois de se ter servido do símbolo da morte-nascimento, a iniciação irá tornar-se símbolo
da morte-nascimento: efetua-se a inversão dialética da analogia; a morte, na sua qualidade
de passagem, vai precisamente tornar-se em iniciação. No decurso das cerimônias fúnebres
há toda uma gama de práticas que sai a iniciar o morto à vida póstuma e a garantir-lhe a
passagem seja para o novo nascimento, seja para a sua vida de duplo p. 112.

É igualmente a morte-nascimento que a purificação faz apelo. A purificação lava as


máculas mortais que a vida profana acumula e faz penetrar no “sagrado”, isto é, na
comunicação mágica com as forças de morte-nascimento [...] p. 112.

A morte maternal

Capítulo II

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