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Muito já se tem falado acerca da compreensão entre Paulo e Tiago sobre a doutrina

da justificação. Já demostramos no tópico anterior que a compreensão de Paulo acerca da


justificação mediante a fé em Cristo não é um conceito isolado dentro do testemunho
bíblico, mas parte de sua essência, embora muitos enxerguem na carta de Tiago um teste
para a unidade das Escrituras. É bem conhecida a distinção que a princípio Lutero fazia da
carta de Tiago de outras cartas do Novo Testamento, justamente por entender que a
doutrina da justificação pela fé estava ausente nela:

Em uma palavra, O Evangelho de João e sua primeira epístola, as Epístolas de Paulo, Especialmente


Romanos, Gálatas, e Efésios, e a Primeira epístola de Pedro são os livros que te mostram Cristo e ensinam tudo o que
é necessário e bom para você saber, ainda que você nunca fosse ver ou ouvir nenhum outro livro ou doutrina. Portanto,
A epístola de Tiago é realmente uma epístola de palha, comparados a esses outros livros, pois não tem nada da
natureza do evangelho nela.
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Conta-se que em uma de suas conversas à mesa, Lutero apostou seu diploma de doutorado
ao dizer que ninguém conseguiria reconciliar Paulo e Tiago de modo satisfatório. Essas declarações
equivocadas e exageradas de Lutero têm sido usadas como arma pelos apologistas Católicos
Romanos para atacar os protestantes até os dias de hoje. O que é um equívoco por parte destes, pois
quem aceita as declarações de homens proeminentes na história da igreja em pé de igualdade com
as Escrituras é Roma e não os reformados. Sustentamos que somente as Escrituras é palavra de
Deus e que homens, mesmo um reformador como Lutero, é falho e passível de equívocos. Não há
nenhuma divergência entre Tiago e o que toda a Escritura ensina acerca da justificação, por
conseguinte também não há com Paulo.

Antes de concluirmos que Tiago está apresentado um caminho de salvação pelas obras
precisamos voltar para o primeiro capítulo de sua epístola onde ele afirma que a salvação é um dom
concedido de acordo com a vontade soberana de Deus:
Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai
das luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança. Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela
palavra da verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas (Tg 1.16-18).
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O texto que tanto intrigou Lutero, não está tratando de como o homem é salvo, antes Tiago
está preocupado em corrigir uma falsa compreensão de fé que levava ao antinomismo. Os leitores
de Tiago já haviam compreendido que a justificação do homem é mediante a fé, pois “Abraão creu
em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça; e: Foi chamado amigo de Deus (Tg 2.23). O
problema era que alguns estavam supondo que se a salvação era mediante a fé somente, a fé
salvadora poderia estar presente sem obras, que Deus de antemão preparou para os que deu o dom
da fé (Ef.2.18 – 10). A preocupação de Tiago, então é com os efeitos da fé salvadora como esclarece
R.C. Sproul:

Devemos nos lembrar de que Tiago está discutido a respeito da fé salvadora. Se alguém alega ter fé, a prova
disso é sua obediência. Deus não precisa espera até constatar o nosso comportamento para saber se a fé que
professamos é autentica. Provavelmente nós precisaremos ver as obras, mas Deus não precisa. Quando Tiago se refere
a Abraão, ele cita a passagem de Gênesis 22, onde Abraão oferece Isaque sobre o altar: “Não foi por obras que
Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho Isaque? Vês como a fé operava
juntamente com as obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou” (Tg 2.21- 22).
Quando Paulo se refere a Abraão, ele cita Gênesis 15. O argumento de Paulo é que Deus não precisou esperar até o
Monte Moria (Gn 22) para saber se a fé que Abraão professava era autentica. No momento em que Abraão professava
era autentica. No momento em que Abraão creu, Deus o declarou justo. Somos nós que não sabemos se a fé que ele
professou era autentica até verificarmos como ele responde ao teste ao qual Deus o submeteu em Gênesis 22, o que
exatamente o que Tiago quer dizer. Tiago está falando sobre validar ou demostrar a verdade de uma profissão de fé.
Assim, ele conclui: “e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para
justiça; e foi chamado amigo de Deus. Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente (Vs.23-
24). Não há nada em Tiago com respeito à obediência de Abrão como consequência de mérito; Tiago está descrevendo
a obediência de Abraão como prova de que sua profissão de fé é real válida. Isso é difícil, mas resolve o problema entre
esses dois escritores da Sagrada Escritura.

Se a base para a justificação de Abraão foi sua obra, então a justificação de Abraão não foi pela graça. Se
suas obras foram boas o suficiente para torná-lo justo aos olhos de Deus, se Abraão tivesse colocado mérito sobre a
mesa – que seja mérito de côngruo ou de condigno – então, sua justificação não teria sido considerada como graça,
mas como débito. Em outras palavras, Deus lhe devia justificação, o que é exatamente o que Paulo está demolido nos
versículos 3 e 4 (Rm 4.3-4).3

Não existe nenhuma discrepância entre o pensamento de Paulo e Tiago ambos ensinaram a
mesma coisa diante daqueles que queriam transformar a graça de Deus em libertinagem. Paulo após
demostrar que o homem é justificado mediante a fé logo apressou-se para responder aqueles que
porventura estivessem pensando que ele estava defendendo um conceito de fé dormente:
E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum! Não sabeis
que daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mesmo a quem obedeceis sois servos, seja do
pecado para a morte ou da obediência para a justiça? Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado,
contudo, viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e, uma vez libertados do pecado,
fostes feitos servos da justiça. Falo como homem, por causa da fraqueza da vossa carne. Assim como oferecestes os
vossos membros para a escravidão da impureza e da maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos
membros para servirem à justiça para a santificação (Rm 6. 15 -19).
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Notemos que Paulo condena a mesma coisa que Tiago condena em sua epístola, uma fé sem
obras é morta, não é a fé salvadora, o meio pelo qual Deus justifica e transforma o mais vil pecador.
A questão clara em Tiago é que não é necessário acrescentar obras, a fé produz suas próprias obras
ou então não é fé. Sendo assim, se Lutero levasse seu desafio adiante perderia seu diploma, pois
Tiago e Paulo sempre estiveram reconciliados crendo que o Deus que justifica é o mesmo que
santifica.

Por: Josué Marcionilo

1 LUTHER MARTIN. The Works of Martin Luther Vol 06. Philadelphia. Muhlenberg


Press. p.443-444
2 BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tiago 1 vers. 16 -18.
3 SPROUL R.C. Estudos Bíblicos Expositivos em Romanos. 1ª Ed. São Paulo. Cultura
Cristã.2011.p.101
4 BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Romanos 6. 15 – 19.

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