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Tânato

Ela acordava, ainda noite, saía para trabalhar e seguia sua rotina de
sempre. Fazia as coisas de sempre. Via as pessoas de sempre. Se
reinventara há pouco e na sua nova versão não havia tempo
para reflexões sobre a sua mesmice. As reflexões podiam matá-la.

– O suco de acerola de sempre? – Perguntou o garçom durante o almoço.


Ela sorriu e assentiu com a cabeça rápido. Não podia pensar sobre, mas
pensara… Como pudera ela se tornar essa coisa tão previsível depois de
ter se reinventado há tão pouco tempo? Depois de ter se destruído e
começado rapidamente do zero…? Será que tinha deixado passar algo?
Será que ela tinha uma essência?

Mas ela fingia. Ela deixava passar. Ela dormia, sempre noite, e esquecia
esses questionamentos bobos, essa busca de si. Aliás, fingia esquecer…
Uma música, uma lembrança, uma briga, um filme, um garçom e um
suco de acerola faziam ela se lembrar quem ou o quê ela era agora e,
consequentemente, quem ela não sabia que era.

O caos, ela sabia que estava ali. Aquele velho e familiar caos. Aquele que
explodia em raras ocasiões que ela não sabia controlar. Seria aquilo a sua
essência? O caos? Seu desejo pelo caos externo, sua fascinação pelas
distopias, sua pulsão de morte diziam que sim. Aquilo era a única parte
de sua vida que permanecia intacta em anos.

Continua noite. O caos lá fora, lá dentro.

Aqui jaz

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