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ETICIDADE

LUTA POR RECONHECIMENTO

PREFÁCIO

Fundamentos de uma teoria social de teor normativo – luta por reconhecimento em Hegel

conceito de luta moralmente motivada

reconstrução + atualização de Hegel → teoria crítica da sociedade na qual os processos de mudança


social devem ser explicados com referências às pretensões normativas estruturalmente inscritas na
relação de reconhecimento recíproco (p. 24).

No fim do livro um conceito de eticidade próprio da teoria do reconhecimento

Outro caminho possível vem sendo trilhado pela filosofia política feminista

PARTE 1

PRESENTIFICAÇÃO HISTÓRICA: A IDEIA ORIGINAL DE HEGEL

Kant: autonomia como dever-ser → Hegel: autonomia como elemento da realidade social já atuante
historicamente

moderna doutrina da liberdade + política antiga, moralidade e eticidade

Jena: “Hegel defende naquela época a convicção de que resulta de uma luta dos sujeitos pelo
reconhecimento recíproco de sua identidade uma pressão intra-social para o estabelecimento prático
e político de instituições garantidoras da liberdade; trata-se da pretensão dos indivíduos ao
reconhecimento intersubjetivo de sua identidade, inerente à vida social desde o começo na
qualidade de uma tensão moral que volta a impelir para além da respectiva medida
institucionalizada de progresso social e, desse modo, conduz pouco a pouco a um estado de
liberdade comunicativamente vivida, pelo caminho negativo de um conflito a se repetir de maneira
gradativa” (29-30).

Maquiavel e Hobbes (motivos da autoconservação) → guinada teórica de Hegel (impulsos morais)

luta = distúrbio e lesão nas relações sociais de reconhecimento → medium central de um processo
de formação ética do espírito humano

1802 – Direito Natural


1802/1803 – Sistema da Eticidade
1803/1804 – Sistema da Filosofia Especulativa (Logic and metaphysics)
1803/1804 – Filosofia do Espírito (mudança no conceito de natureza, abandono do aristotelismo
pela filosofia da consciência)
1805/1806 – Filosofia Real de Jena

1. LUTA POR AUTOCONSERVAÇÃO: A FUNDAMENTAÇÃO DA FILOSOFIA SOCIAL


MODERNA

Em Teoria e Práxis, primeiro capítulo, “A doutrina clássica da política em sua relação com a
filosofia social”, Habermas aponta para a decadência da teoria política clássica e o elemento da luta
se tornando central nas filosofias de Maquiavel e Hobbes.
Teoria clássica – zoon politikon – concepção teleológica de homem – ciência política –
doutrina da vida boa e justa – estudo das instituições e leis adequadas.
Mudanças econômicas e políticas na Itália → transformação da filosofia política clássica em
filosofia social moderna → “Maquiavel se desliga de todas as premissas antropológicas da tradição
filosófica ao introduzir o conceito de homem como um ser egocêntrico, atento somente ao proveito
próprio” (p. 32). [ver capítulo XVII de O Príncipe]. “o campo da ação social consiste numa luta
permanente dos sujeitos pela conservação de sua identidade física” (p. 33).
120 anos depois, em Hobbes, hipótese cientificamente fundamentada. Natureza humana e
prevenção de poder diante do próximo → estado de guerra de todos contra todos. [capítulo XIII do
Leviatã]. Contrato racional com respeito a fins → submissão ao poder soberano.
Filosofia social moderna: redução da ação política à imposição de poder, racional
simplesmente com respeito a fins x filosofia política de Hegel que, e essa é a questão interessante,
parte de Hobbes.

2. CRIME E ETICIDADE: HEGEL E O ENFOQUE NOVO DA TEORIA DA


INTERSUBJETIVIDADE

Cem anos e três influências separam Hegel de Hobbes: 1) filosofia da unificação de


Hölderlin x pressupostos individualistas da filosofia moral kantiana; 2) Platão, Aristóteles e
intersubjetividade; 3) economia política inglesa, produção e distribuição de bens mediada pelo
mercado, inclusão pela liberdade negativa do direito formal.
Primeira tarefa de uma ciência filosófica da sociedade: superar os equívocos atomísticos a
que estava presa a tradição inteira do direito natural moderno → ensaio sobre “O direito natural”.
Direito natural → tradição empírica (ser do singular como o primeiro e o supremo,
premissas atomísticas, definições fictícias ou antropológicas da natureza humana para projetar uma
organização racional do convívio social) e tradição formal (conceito transcendental de razão prática,
Kant e Fichte). Ambas partem de premissas atomísticas e colocam a ética como um outro externo e
estranho à natureza humana. O modelo é o de muitos associados e não de uma unidade ética de
todos.
Totalidade ética → comunidade eticamente integrada de cidadãos livres → o mais antigo
programa de sistema do idealismo alemão (Hegel, Hölderlin e Schelling). Polis como modelo
político e institucional → os membros da comunidade podem reconhecer nos costumes praticados
em público uma expressão intersubjetiva de sua respectiva particularidade (Platão e Aristóteles).
Totalidade ética = 1) Unidade viva da liberdade universal e individual, vida pública como
possibilidade de realização da liberdade de todos os indivíduos; 2) costumes [Sitte =
comportamentos praticados intersubjetivamente e efetivamente como base sólida para a liberdade,
nem leis, nem moral individual] e comunicação no interior de uma coletividade como medium no
qual deve se efetuar a integração de liberdade geral e individual; 3) sistema de propriedade e direito,
o que é um passo além de Platão e Aristóteles → sociedade civil-burguesa, atividades mediadas
pelo mercado e por indivíduos isolados → zona negativa mas constitutiva do todo ético → os não
livres participam da produção e da troca de mercadorias.
Um novo sistema de categorias precisa ser desenvolvido para o reconhecimento solidário da
liberdade de todos os cidadãos. Esse é o problema subjacente a toda a produção de Hegel nessa
época.
No texto sobre o direito natural ainda não desenvolve a solução, mas a esboça. Primeiro
passo: atomismo → vínculo social entre os sujeitos: o povo é anterior ao indivíduo (Aristóteles).
Partir de vínculos éticos em vez de sujeitos isolados. Formas elementares de convívio
intersubjetivo. “na natureza do homem já estão inscritas como um substrato relações de comunidade
que na pólis alcançam um desdobramento completo”. (p. 43).
“Eticidade natural” → organização da sociedade. Em vez de contrato social, ampliação de
formas primevas de comunidade em relações mais abrangentes de interação social. Ontologia
teleológica de Aristóteles, ênfase no caráter negativo → reconhecimento. Eticidade natural →
existência da diferença → unidade do universal e do particular. História do espírito humano =
processo de universalização conflituosa dos potenciais “morais”, já inscritos na eticidade natural na
qualidade de “algo envolto e não desdobrado” → vir-a-ser da eticidade, superação progressiva do
negativo ou do subjetivo.
Duas questões sem resposta: 1) como se constituem os potenciais não desdobrados da
eticidade humana?; 2) que forma social deve possuir o processo de negações que se repetem até
alcançar validade universal?
A maior dificuldade é conciliar crescimento dos vínculos sociais com aumento da liberdade
individual. Isso fica sem resposta nesse ensaio. Ele só encontrará uma resposta satisfatória quando o
processo do vir-a-ser da eticidade for concebido como entrelaçamento de socialização e
individuação → coesão social = reconhecimento intersubjetivo da particularidade de todos os
indivíduos. Isso só virá com a reinterpretação da doutrina do reconhecimento de Fichte e o novo
significado ao conceito hobbesiano de luta.
Apesar de crítico de Fichte no texto sobre o direito natural, Hegel o retoma positivamente,
no Sistema da eticidade, com a teoria do reconhecimento. Para Fichte, reconhecimento é uma “ação
recíproca entre indivíduos, subjacente à relação jurídica”: apelo à ação livre + limitação da esfera de
ação a favor do outro = consciência comum → depois, relação jurídica. Hegel subtrai a filosofia
transcendental e aplica formas de ação recíproca entre indivíduos → intersubjetividade do
reconhecimento mútuo dentro das formas comunicativas de vida, um passo além de Aristóteles.
Trata-se de uma intersubjetividade prática, que leva à auto-consciência da identidade. Segundo
passo além do modelo inicial de Fichte: reconhecimento como dinâmica de reconciliação e de
conflito que leva a formas mais exigentes de individualidade e de eticidade. Da natureza subjacente
e da teleologia em Aristóteles a uma tensão interna à sociedade baseada nas relações entre as
pessoas.
Curso negativo do desenvolvimento do modelo de reconhecimento de Fichte → conflito =
reinterpretação do modelo de uma luta originária de todos contra todos.
Relações éticas originais → não reconhecimento pleno da identidade → luta que não é pela
pura autoconservação do ser físico → conflito prático como acontecimento ético → reconhecimento
intersubjetivo.
Luta = medium moral → etapa mais madura da relação ética.
Conceito de sociedade inclui: tensões morais, conflito, luta.

SISTEMA DE ETICIDADE: eticidade natural = formas elementares de reconhecimento


inter-humano [teria a ver com Durkheim depois?] → crime
determinações naturais → primeiras relações sociais → aumento de individualidade

2 etapas de reconhecimento recíproco: 1) pais e filhos; 2) troca entre proprietários

pais e filhos → ação recíproca universal e de formação dos homens – amor e carência
emocional, “sentimento prático”, “negatividade interna” → independência do filho como superação
da unificação de sentimento.

Relações de troca entre proprietários reguladas por contrato → universalização jurídica –


pretensões de direitos universais.

Crime = exercício negativo da liberdade abstrata.


Motivo do crime = não reconhecimento (p. 53)
Destruição cega: não representa crime algum já que falta o pressuposto social da liberdade
juridicamente reconhecida.
Crime → ação negativa → roubo

As metas e peculiaridades valem mais que a sobrevivência física [teria a ver com suicídio?]

Eticidade natural → conflitos → eticidade absoluta

pessoa → pessoa inteira → membro de um todo (p. 57)

eticidade absoluta = fundamento intersubjetivo de uma coletividade futura – intuição


recíproca – reconhecimento cognitivo e afetivo (solidariedade).

Aqui Hegel ainda está preso a um referencial aristotélico, do qual vai começar a se libertar
na “Filosofia do Espírito” escrita entre 1803-1804, que derivou do projeto de um sistema de
filosofia especulativa, que se chamava Filosofia Real e no qual o conceito de natureza perde seu
significado ontológico abrangente [no que muda, então, o conceito de eticidade natural?].
Antes natureza significava a realidade como um todo, agora é apenas o outro do espírito, a
natureza pré-humana, física.
Com isso, o conceito de Espírito ou consciência aborda a vida social diante da natureza →
eticidade como processo de reflexão do espírito.
A teleologia aristotélica será substituída pela teoria filosófica da consciência.
Mas aqui, nos textos intermediários, a categoria consciência serve apenas para a explicação
das formas de eticidade. Essa virada, no entanto, deu ao modelo conceitual da luta por
reconhecimento uma nova versão, diferente.
A coletividade política não é mais um processo de desdobramento conflituoso da eticidade
natural → é um processo de formação do Espírito. Esse processo se efetua por meio das mediações
da linguagem, instrumento e bem familiar, pelos quais a consciência aprende a se conceber pouco a
pouco como “unidade imediata de singularidade e universalidade” e chega a compreensão de si
mesma como totalidade (p. 63). Nesse contexto, reconhecimento = passo cognitivo que uma
consciência já constituída idealmente em totalidade efetua no momento em que ela se reconhece
como a si mesma em uma outra totalidade, em uma outra consciência. Conflito = luta na
experiência de reconhecer-se no outro, na violação recíproca de pretensões subjetivas em que os
indivíduos adquirem um saber sobre se o outro o reconhece como totalidade [Winnicott na veia!].
Aqui a determinação teórica da luta por reconhecimento é mais clara que no texto anterior
(Sistema de Eticidade). Virada para a filosofia da consciência = motivos do começo do conflito no
interior do espírito humano, que pressupõe saber sobre reconhecimento adquirido no conflito. A
função social da luta permanece a mesma do Sistema de Eticidade → conflito como mecanismo de
comunitarização → consciência universal, espírito do povo, substância viva dos costumes
[eticidade].
Se os dois textos têm um denominador comum na relação entre luta por reconhecimento e
comunitarização, só o Sistema de Eticidade atribui à luta ser um meio de individualização e de
crescimento da capacidade do Eu.

Sistema da Eticidade: referencial aristotélico, relações comunicativas de teor normativo com


posterior diferenciação dos indivíduos. Comunidades intersubjetivas → pretensões subjetivas.

Filosofia do Espírito: teoria da consciência, não mais formas de interação social, de relações
éticas, mas etapas de automediação da consciência individual → comunicação não é mais anterior
aos indivíduos [influência de Habermas].

O conflito tinha duas funções no Sistema de eticidade: comunitarização e individualização.

Na Filosofia do Espírito tem apenas uma: comunitarização. Deixa de tratar da história da


sociedade para abordar a formação do indivíduo para a sociedade. (p. 66).

“A virada para a filosofia da consciência faz com que ele perca de vista a ideia de uma
intersubjetividade prévia do ser humano em geral e lhe obstrui o caminho para uma solução
inteiramente diferente, que teria consistido em realizar a distinção necessária de diversos graus de
autonomia pessoal dentro do próprio quadro da teoria da intersubjetividade” (p. 66)

No projeto da Filosofia Real de 1805-06, último texto antes da Fenomenologia, analisa a


formação do Espírito no quadro da filosofia da consciência, mas a luta por reconhecimento tem uma
posição forte e sistemática pela última vez.

3 LUTA POR RECONHECIMENTO: A TEORIA SOCIAL DA REALPHILOSOPHIE DE


JENA (74-114)

Filosofia da consciência → princípio unitário da construção da realidade = duplo movimento


de exteriorização e retorno a si mesmo, em cuja repetição o espírito se realiza passo por passo → já
é um processo de reflexão até saber absoluto de si mesmo do espírito. Três grandes partes: lógica,
filosofia da natureza e filosofia do espírito.
Espírito toma consciência de sua constituição interna por arte, religião e ciência. Para os
quais a eticidade perde seu espaço central na teoria.
Reconstrução da formação do espírito subjetivo → auto-experiência da consciência
individual: quais experiências o sujeito precisa ter feito antes de estar em condições de perceber-se
como uma pessoa dotada de direitos (p. 73). Intuição → imaginação → representação linguística.
Teoria da vontade, derivada do Sturm und Drang, relações práticas do sujeito com o mundo, para
além das cognitivas.
Aspecto prático da consciência começa com auto-experiência instrumental do sujeito →
trabalho, instrumento e produto. Ação instrumental → consciência do agir. Trabalho como
autocoerção ou experiência do fazer-se-coisa.
Mas esse modelo ainda não explica a consciência individual do direito, será necessária uma
primeira forma de reconhecimento recíproco [é provável que na relação entre filosofia da
consciência e ação instrumental esteja a raiz do marxismo criticada por Habermas e Honneth]
A filosofia da consciência tem premissas monológicas [o que considerei provável se
confirma]. A saída metodológica de Hegel foi a construção aventureira e misógina da astúcia,
inerente ao caráter feminino: instrumento → máquina → astúcia para com a natureza. Por inserir a
relação homem/mulher aqui, a intersubjetividade volta para a formação da autoconsciência de uma
pessoa de direito.
O desejo do desejo do outro, sexualidade como primeira forma de unificação de sujeitos
opostos. É nesse contexto que ele usará o termo “reconhecimento”.
Aqui há semelhança com o Sistema de Eticidade, a novidade é que “só na própria
experiência de ser amado o sujeito querente é capaz de experienciar-se a si mesmo pela primeira
vez como um sujeito querente e desejante” (p. 78). Premissa teórica: o desenvolvimento da
identidade pessoal de um sujeito está ligado fundamentalmente à pressuposição de determinadas
formas de reconhecimento por outros sujeitos. Relação interpessoal > ação instrumental. Além disso
→ não reconhecer o parceiro e não poder experienciar-se a si mesmo.
Amor é pré-condição para a solidariedade, mas não a eticidade em si mesmo. Condições
emotivas de um desenvolvimento bem-sucedido do ego. Amor como campo de experiência primário
→ sem o sentimento de ser amado, não poderia absolutamente se formar um referente intrapsíquico
para a noção associada ao conceito de comunidade ética. É precido, no entanto, distinguir entre
integração da comunidade ética e relação emotiva sexual.
Confirmação do amor no filho → Hegel como pensador burguês
Mas no campo de experiência do amor familiar ainda não há elementos para a formação do
sujeito de direitos. O próximo passo é retomar a luta por reconhecimento.
Hobbes e o estado de natureza x Hegel e modelo comunicativo da luta → famílias que se
confrontam por propriedade, porção de terra.
Hobbes não responde ao problema: como os indivíduos, em situação de concorrência,
chegam à ideia de direitos e deveres intersubjetivos? Na tradição do direito natural a determinação
do direito é sempre trazida de fora, fechar o contrato é uma prudência (Hobbes) ou postulado moral
(Kant e Fichte). Em oposição Hegel procura mostrar que a realização do contrato é um processo
prático que procede da própria situação social; não é uma necessidade teórica, mas empírica,
interior à situação de concorrência. Direito = relação da pessoa em seu procedimento para com o
outro, o elemento universal de seu ser livre ou a determinação, limitação de sua liberdade vazia.
Essa relação ou limitação, eu não tenho por minha parte de maquiná-la ou introduzi-la de fora, o
próprio objeto é esse produzir do direito em geral, isto é, da relação que reconhece (p. 84-5)
Atenção teórica em → relações sociais intersubjetivas através das quais um consenso
normativo mínimo é previamente garantido desde o começo → relações pré-contratuais de
reconhecimento recíproco → potencial moral → se efetiva de forma positiva na auto-limitação da
esfera da liberdade.
O conflito em torno da tomada de posse unilateral é interpretado como uma luta por
reconhecimento e não como uma luta por auto-afirmação.
Hobbes → autoconservação; Hegel → reconhecimento. Ação agressiva não para satisfação
de suas necessidades sensíveis (Hobbes), mas para dar-se a conhecer novamente ao outro (Hegel
[Winnicott]).
Hegel aborda não apenas a perspectiva do despossuído, mas agora também a do possuidor,
que descobre o outro em seu protesto.
No estado de natureza se antepõe ao conflito um acordo implícito entre os sujeitos. (p. 90).
Dasein → ser-para-si sabido
A fragilidade do argumento de Hegel sobre a luta de vida e morte exige maiores
desenvolvimentos teóricos.
Wildt defende que se trata de sentido figurado. Kojève = sentido figurado, mais experiência
monológica em que o sujeito se depara com a própria vida, antecipação do existencialismo.
Levinas, baseado na teoria da intersubjetividade → é a morte possível do parceiro que aparece no
ponto central.
Mas nenhum deles explica por que a antecipação da morte própria ou alheia leva ao
reconhecimento da pretensão de direitos individuais. Honneth recorrendo ao próprio Hegel, mas
reconhecendo sua confusão: é a experiência social da vulnerabilidade moral do parceiro de
interação que conscientiza os indivíduos das relações de reconhecimento prévias cujo núcleo
normativo assume na relação jurídica uma forma intersubjetivamente vinculante.
Até aqui Hegel expôs a formação do espírito subjetivo, mas ele não para nessa constituição
estática, seguirá para como a luta por reconhecimento influi de forma inovadora sobre a
configuração interna da sociedade, como uma pressão normativa para o desenvolvimento do direito.
Depois da discussão sobre o espírito subjetivo, Hegel passa para o direito como expressão da
vontade geral e cooperação.
Do reconhecimento subjetivo para a propriedade e a troca como reconhecimento concreto.
Propriedade e troca → contrato.
Mas a relação contratual apresenta a possibilidade da violação.
Crime ↔ coerção do direito [Honneth parece considerar muito simples essa explicação].
Processo de formação da vontade geral e constituição da sociedade como um processo de
concretização gradativa dos conteúdos do reconhecimento jurídico (p. 101) ↔ crime.
[Em geral, parece que o texto de Hegel é bem frágil em relação à luta por reconhecimento e
Honneth fica buscando uma forma de reinserí-la].
Tese de Honneth: a fundamentação teórica do Sistema de Eticidade ainda vale na
Realphilosophie [sensação de que o capítulo anterior dá conta do conceito de eticidade].
Na Realphilosophie a eticidade é reduzida às relações dos membros da sociedade com o
Estado, não em suas relações interativas → visão conservadora do Estado.
Versão monológica da eticidade.
Mas ainda vê a construção do mundo social como um processo de aprendizagem ético que
conduz, passando por diversas etapas de uma luta, a relações cada vez mais exigentes de
reconhecimento recíproco.

III. PERSPECTIVAS DE FILOSOFIA SOCIAL: MORAL E EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE

Ideia fundamental partilhada por Hegel e Mead: é uma luta por reconhecimento que, como força
moral, promove desenvolvimentos e progressos na realidade da vida social do ser humano.

Soa como filosofia da história, mas para uma forma teoricamente defensável “seria preciso conduzir
a demonstração empírica de que a experiência de desrespeito é a fonte emotiva e cognitiva de
resistência social e de levantes coletivos.

Tradição pós-hegeliana, com apoio em Hegel, mas sem menção a Mead.

Capítulo 7 = confusões objetivas e fracassos em Marx, Sorel e Sartre, pois ainda que tenham se
posicionado contra Maquiavel e Hobbes, não puderam penetrar a infra-estrutura moral da luta por
reconhecimento.

Capítulo 8 = plausibilidade empírica de falar em luta por reconhecimento

Capítulo 9 = fundamentação filosófica da luta por reconhecimento como fio condutor da teoria
crítica → concepção formal de eticidade na qual as condições intersubjetivas da integridade pessoal
são interpretadas como pressupostos que servem à finalidade da autorrealização individual. (p. 228).

CAP. 7 – VESTÍGIOS DE UMA TRADIÇÃO DA FILOSOFIA SOCIAL: MARX, SOREL E


SARTRE

A luta por reconhecimento não teve mais a mesma força desde a Fenomenologia do Espírito,
superior em método. Mas a dialética senhor/escravo manteve algo da luta por reconhecimento e se
tronou bastante influente a partir de Marx. Depois do estreitamento economicista do marxismo →
Sorel, mais influenciado por Vico e Bergson que por Hegel. Sartre retoma a luta por
reconhecimento, mas sob uma ótica existencialista.

“A razão decisiva do fracasso desse propósito teórico representado por Marx, Sorel e Sartre
é, no entanto, a mesma em todos os casos: o processo de evolução social foi sempre colocado em
vista somente sob um dos três aspectos morais que nós, seguindo o primeiro Hegel, distinguimos
sistematicamente no movimento do reconhecimento. Mas, ainda assim, as diversas abordagens
representam os fragmentos de uma tradição de pensamento cuja exploração ulterior nos confronta
com as tarefas pelas quais se tem de comprovar hoje uma interpretação do progresso moral baseada
na teoria do reconhecimento” (p. 230).

Marx

Marx não teve acesso aos escritos anteriores à Fenomenologia. Daí sua redução à auto-realização no
trabalho, mas ainda com um conceito de trabalho como reconhecimento intersubjetivo.

Capitalismo = destruição das relações de reconhecimento.

No primeiro Marx a questão central é o reconhecimento, mas fortemente influenciado pela filosfia
da história, que ele próprio vai amenizar no desenvolvimento de seu pensamento. [o problema com
a filosofia da história já se inicia em Hegel e influencia muito os pós-hegelianos, creio que venha
daí a necessidade de ler Hegel a partir da filosofia da ação].
Jovem Marx = antropologia romântica da expressão + conceito feuerbachiano de amor +
economia política inglesa.
Depois → modelo da objetivação x filosofia da história (ver Ernst Michael Lange “O
princípio trabalho” e Andreas Wildt “A antropologia do jovem Marx”).
Marx e o estreitamento do modelo hegeliano de reconhecimento → ainda que tenha
destacado a alienação do trabalho. Depois se liberta da antropologia dos primeiros escritos, mas
recai numa concepção utilitarista de conflito e abandona a abordagem afetiva de Feuerbach. [ver
Jeffrey Alexander].
Alternativa às tendências utilitaristas em Marx → análise histórica e política, onde se deixa
guiar por um modelo de conflito social em oposição ao dos escritos sobre o capital, “na medida em
que inclui, num sentido quase herderiano, as formas de vida culturalmente transmitidas de diversos
grupos sociais” (p. 237). Marx expressivista no “18 Brumário” e “Lutas de classes na França”.
Expressivismo = fenômeno de expressão, ação expressiva pela qual se expõem sentimentos
e atitudes (convicções axiológicas coletivas). Mas também apresentar confrontos sociais no modelo
literário de um drama, descrevendo as frações de classes conflitantes como atores num embate que
ameaça sua existência (p. 238) [isso daria um belo artigo a partir de Politzer e uma defesa do
expressivismo em Psicologia → ver boa interpretação de Marx em John Rundell].
Dois modelos de conflito em Marx: utilitarista (escritos de teoria econômica) e expressivista
(estudos históricos): “o princípio dos conflitos de interesses economicamente condicionados
encontra-se, sem mediações, ao lado da atribuição relativista de todos os conflitos aos objetivos
opostos de auto-realização” (p. 239) → luta de classes nunca foi entendida como moralmente
motivada em Marx.

Sorel

Sorel x utilitarismo (que teve maior peso em Marx): intenção de superar o utilitarismo que
faz o marxismo desconhecer suas finalidades éticas → a concepção de que a ação humana opera
numa racionalidade com respeito a fins é um obstáculo fundamental no conhecimento dos impulsos
morais pelos quais os seres humanos se deixam guiar em suas realizações criativas (p. 240). Se
aproxima do modelo de conflito do jovem Hegel.
Fundamento da teoria de Sorel é um conceito de ação social orientado pelo modelo da
produção criativa do novo x racionalidade com respeito a fins.
O texto de Sorel sobre Vico já demonstra sua consciência das diferentes motivações das
lutas de classes em relação a Marx. [daria um ótimo artigo comparar as leituras de Vico de Sorel,
Horkheimer e Berlin no contexto da teoria crítica].
Socialismo ético + afetividade (eticidade natural) → “no interior da família, cada indivíduo
humano adquire, pela práxis da 'afeição e do respeito recíprocos', um sensório moral que constitui o
cerne de todas as representações posteriores acerca do eticamente bom” (p. 242). Mas eles contém
apenas negações e não podem ainda se tornar representações coletivas. Moral = reações emocionais
negativas; direito = estabelecimento positivo de normas.
No entanto, conceito reducionista do direito como técnica do poder, desconhecimento do
potencial universalista do reconhecimento jurídico (p. 244). Por influência de Bergson → conceito
de mito social → falta critério normativo por não levar em consideração as distinções elaboradas
por Hegel e Mead.

Sartre

Apesar de Sartre ter desprezo pela obra de Sorel, em seus últimos escritos partilha com ele a
concepção teórica segundo a qual os conflitos e as querelas sociais são consequências de distúrbios
das relações de reconhecimento entre atores coletivos. Essa visão veio de revisões contínuas de sua
teoria, pois em O ser e o nada estava convencido da impossibilidade de interação bem-sucedida
entre seres humanos.
Teoria inicial de Sartre = exclusão ontológica da perspectiva de um estado de reconciliação
inter-humana.
Nos escritos político-filosóficos, sem perceber, ele subordina essa teoria negativista da
intersubjetividade a uma abordagem mais histórica. A virada começa no escrito sobre a questão
judaica. Luta por reconhecimento passa de característica estrutural irrevogável para consequência
de relação assimétrica entre grupos → estudo sobre movimento anti-colonialista da negritude.
O esquema de Sartre é tosco, mas tem relevância empírica. No estudo sobre Flaubert, “o
termo 'neurótico' não se refere a um distúrbio de comportamento individual, psiquicamente
condicionado, mas a uma distorção patológica de relações interativas resultante do fato de as
relações de reconhecimento, subterraneamente efetivas, serem ao mesmo tempo negadas
mutuamente” (p. 249).
Não há clareza, nos escritos de Sartre, sobre o status de ser humano digno de
reconhecimento.
Também Sartre, como Sorel, fica aquém de Hegel e Mead.
Contribuições centrais dos autores:
Marx: trabalho como medium central do reconhecimento recíproco, malgrado a sobrelevação
da filosofia da história.
Sorel: sentimentos coletivos do desrespeito sofrido, como aspecto afetivo, que raramente as
teorias acadêmicas levam em conta.
Sartre: conceito de “neurose objetiva” → estruturas sociais de dominação como patologias
das relações de reconhecimento.

8 DESRESPEITO E RESISTÊNCIA: A LÓGICA MORAL DOS CONFLITOS SOCIAIS

Nível pré-científico ↔ potencial semântico do vocabulário conceitual do reconhecimento.


Marx ↔ dignidade; Sorel ↔ honra; Sartre, via Fanon, reconhecimento em Hegel [artigo Fanon e
reconhecimento]. Mas a luta social não ganhou status teórico, por influência do darwinismo social e
do utilitarismo foi reduzida a concorrência por chances de vida ou sobrevivência.
Nem Durkheim, nem Tönnies que tentaram diagnosticar a crise moral. Weber não considera
a motivação moral em seu conceito de luta [Economia e sociedade]. Em Simmel falta a
intersubjetividade. Destaque para a Escola de Chicago, mas ainda falta a ela como determinar
adequadamente a lógica moral das lutas sociais [cita Joas].

“os motivos para rebelião, o protesto e a resistência foram transformados categorialmente em


'interesses', que devem resultar da distribuição desigual objetiva de oportunidades materiais de vida,
sem estar ligados, de alguma maneira, à rede cotidiana das atitudes morais emotivas” (p. 255).

Tradição subterrânea e fragmentária em Marx, Sorel e Sartre x Hobbes → contramodelo hegeliano


→ teoria social de teor normativo → conceito de luta social que toma seu ponto de partida de
sentimentos morais de injustiça, em vez de constelações de interesses dados.

Reconstrução dos traços básicos desse paradigma alternativo, orientado por Hegel e Mead → novas
tendências na historiografia → nexo entre desrespeito moral e luta social (p. 255-6).

Primeiro conceito: experiências individuais de desrespeito são interpretadas como


experiências de um grupo inteiro (movimentos das identidades) → motivos diretores da ação.

Necessidade de um ponte semântica para constituição de identidade coletiva.


Mead → preenchem a condição dessas semânticas as doutrinas ou ideias morais capazes de
enriquecer normativamente nossas representações da comunidade social → horizonte subcultural de
interpretação (p. 259). [outro generalizado].
Não apenas questões afetivas, mas também cognitivas, o que já aparece na maior parte da
literatura. Importante também frisar a luta por bens culturais e simbólicos (Bourdieu).
O modelo de luta por reconhecimento não pode substituir o modelo utilitarista, mas
complementá-lo: é sempre uma questão empírica saber se o conflito social segue a lógica da
persecução de interesses ou formação de reação moral. Mas a fixação da teoria social na dimensão
do interesse obstrui o olhar do significado social dos sentimentos morais → tarefa de
complementação e correção: os motivos utilitaristas não precisam ser últimos e originários, podem
ter se constituído num horizonte de experiências morais → interpretação retificadora dos conflitos
sociais → cultura moral cotidiana das camadas sociais baixas.
Antropologia social + sociologia da cultura = nova historiografia → gramática moral das
lutas sociais.
Thompson: pressupostos utilitaristas → premissas normativas
Thompson + identidade individual ou coletiva = Barrington Moore → contrato social
implícito. Também Grießinger = Thompson + identidade.
Há ainda um abismo entre processos singulares e processo evolutivo abrangente.
Húmus das formas coletivas de resistência é preparado por semânticas subculturais em que
se encontra para os sentimentos de injustiça uma linguagem comum → possibilidades de ampliação
das relações de reconhecimento.
Tarefa de Honneth: descrever o fio de liberação dos potenciais normativos do direito
moderno e da estima → processos históricos não são meros eventos, mas etapas em um processo de
formação conflituoso → ampliação progressiva das relações de reconhecimento.
Esses potenciais normativos formam o critério normativo para avaliação das lutas sociais,
em termos de distorção ou não do reconhecimento.
Tal critério depende da antecipação hipotética de um estado comunicativo em que as
condições intersubjetivas da integridade pessoal aparecem como preenchidas.
A doutrina hegeliana só poderá ser atualizada se o conceito de eticidade alcançar validade
numa nova forma dessubstanciada.

9 CONDIÇÕES INTERSUBJETIVAS DA INTEGRIDADE PESSOAL: UMA CONCEPÇÃO


FORMAL DE ETICIDADE

269, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280

HARRIS, H.S. O desenvolvimento intelectual de Hegel até 1807. In: BEISER, F.C. (Org.). Hegel.
Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2014. pp. 37-65.

“Eticidade grega” era um tema em torno de 1794. Leu Adam Smith em 1793.

1797 → a fundação de uma nova religião requer que o amor seja transformado em uma essência
objetiva pela imaginação, uma essência na qual sujeito e objeto, liberdade e natureza, real e
potencial estão unidos (p. 48).

1800 → O Espírito do Cristianismo: complexo conceito dialético de vida infinita que apaga toda a
memória da divisão, mas que é reconciliado com a necessidade da finitude e preserva as divisões
conflituosas dentro de si mesmo. A concepção madura da Aufhebung é visível pela primeira vez na
versão revisada do famoso fragmento “Amor”.

HEGEL, G.W.F. System of ethical life and first philosophy of Spirit. State University of New
York Press, 1979.

HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed.
34, 2003.

IFERGAN, P. Hegel's discovery of the philosophy of spirit: autonomy, alienation, and ethical life:
the Jena lectures 1802-1806. Palgrave, Macmillan, 2014.

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