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PREFÁCIO
Fundamentos de uma teoria social de teor normativo – luta por reconhecimento em Hegel
Outro caminho possível vem sendo trilhado pela filosofia política feminista
PARTE 1
Kant: autonomia como dever-ser → Hegel: autonomia como elemento da realidade social já atuante
historicamente
Jena: “Hegel defende naquela época a convicção de que resulta de uma luta dos sujeitos pelo
reconhecimento recíproco de sua identidade uma pressão intra-social para o estabelecimento prático
e político de instituições garantidoras da liberdade; trata-se da pretensão dos indivíduos ao
reconhecimento intersubjetivo de sua identidade, inerente à vida social desde o começo na
qualidade de uma tensão moral que volta a impelir para além da respectiva medida
institucionalizada de progresso social e, desse modo, conduz pouco a pouco a um estado de
liberdade comunicativamente vivida, pelo caminho negativo de um conflito a se repetir de maneira
gradativa” (29-30).
luta = distúrbio e lesão nas relações sociais de reconhecimento → medium central de um processo
de formação ética do espírito humano
Em Teoria e Práxis, primeiro capítulo, “A doutrina clássica da política em sua relação com a
filosofia social”, Habermas aponta para a decadência da teoria política clássica e o elemento da luta
se tornando central nas filosofias de Maquiavel e Hobbes.
Teoria clássica – zoon politikon – concepção teleológica de homem – ciência política –
doutrina da vida boa e justa – estudo das instituições e leis adequadas.
Mudanças econômicas e políticas na Itália → transformação da filosofia política clássica em
filosofia social moderna → “Maquiavel se desliga de todas as premissas antropológicas da tradição
filosófica ao introduzir o conceito de homem como um ser egocêntrico, atento somente ao proveito
próprio” (p. 32). [ver capítulo XVII de O Príncipe]. “o campo da ação social consiste numa luta
permanente dos sujeitos pela conservação de sua identidade física” (p. 33).
120 anos depois, em Hobbes, hipótese cientificamente fundamentada. Natureza humana e
prevenção de poder diante do próximo → estado de guerra de todos contra todos. [capítulo XIII do
Leviatã]. Contrato racional com respeito a fins → submissão ao poder soberano.
Filosofia social moderna: redução da ação política à imposição de poder, racional
simplesmente com respeito a fins x filosofia política de Hegel que, e essa é a questão interessante,
parte de Hobbes.
pais e filhos → ação recíproca universal e de formação dos homens – amor e carência
emocional, “sentimento prático”, “negatividade interna” → independência do filho como superação
da unificação de sentimento.
As metas e peculiaridades valem mais que a sobrevivência física [teria a ver com suicídio?]
Aqui Hegel ainda está preso a um referencial aristotélico, do qual vai começar a se libertar
na “Filosofia do Espírito” escrita entre 1803-1804, que derivou do projeto de um sistema de
filosofia especulativa, que se chamava Filosofia Real e no qual o conceito de natureza perde seu
significado ontológico abrangente [no que muda, então, o conceito de eticidade natural?].
Antes natureza significava a realidade como um todo, agora é apenas o outro do espírito, a
natureza pré-humana, física.
Com isso, o conceito de Espírito ou consciência aborda a vida social diante da natureza →
eticidade como processo de reflexão do espírito.
A teleologia aristotélica será substituída pela teoria filosófica da consciência.
Mas aqui, nos textos intermediários, a categoria consciência serve apenas para a explicação
das formas de eticidade. Essa virada, no entanto, deu ao modelo conceitual da luta por
reconhecimento uma nova versão, diferente.
A coletividade política não é mais um processo de desdobramento conflituoso da eticidade
natural → é um processo de formação do Espírito. Esse processo se efetua por meio das mediações
da linguagem, instrumento e bem familiar, pelos quais a consciência aprende a se conceber pouco a
pouco como “unidade imediata de singularidade e universalidade” e chega a compreensão de si
mesma como totalidade (p. 63). Nesse contexto, reconhecimento = passo cognitivo que uma
consciência já constituída idealmente em totalidade efetua no momento em que ela se reconhece
como a si mesma em uma outra totalidade, em uma outra consciência. Conflito = luta na
experiência de reconhecer-se no outro, na violação recíproca de pretensões subjetivas em que os
indivíduos adquirem um saber sobre se o outro o reconhece como totalidade [Winnicott na veia!].
Aqui a determinação teórica da luta por reconhecimento é mais clara que no texto anterior
(Sistema de Eticidade). Virada para a filosofia da consciência = motivos do começo do conflito no
interior do espírito humano, que pressupõe saber sobre reconhecimento adquirido no conflito. A
função social da luta permanece a mesma do Sistema de Eticidade → conflito como mecanismo de
comunitarização → consciência universal, espírito do povo, substância viva dos costumes
[eticidade].
Se os dois textos têm um denominador comum na relação entre luta por reconhecimento e
comunitarização, só o Sistema de Eticidade atribui à luta ser um meio de individualização e de
crescimento da capacidade do Eu.
Filosofia do Espírito: teoria da consciência, não mais formas de interação social, de relações
éticas, mas etapas de automediação da consciência individual → comunicação não é mais anterior
aos indivíduos [influência de Habermas].
“A virada para a filosofia da consciência faz com que ele perca de vista a ideia de uma
intersubjetividade prévia do ser humano em geral e lhe obstrui o caminho para uma solução
inteiramente diferente, que teria consistido em realizar a distinção necessária de diversos graus de
autonomia pessoal dentro do próprio quadro da teoria da intersubjetividade” (p. 66)
Ideia fundamental partilhada por Hegel e Mead: é uma luta por reconhecimento que, como força
moral, promove desenvolvimentos e progressos na realidade da vida social do ser humano.
Soa como filosofia da história, mas para uma forma teoricamente defensável “seria preciso conduzir
a demonstração empírica de que a experiência de desrespeito é a fonte emotiva e cognitiva de
resistência social e de levantes coletivos.
Capítulo 7 = confusões objetivas e fracassos em Marx, Sorel e Sartre, pois ainda que tenham se
posicionado contra Maquiavel e Hobbes, não puderam penetrar a infra-estrutura moral da luta por
reconhecimento.
Capítulo 9 = fundamentação filosófica da luta por reconhecimento como fio condutor da teoria
crítica → concepção formal de eticidade na qual as condições intersubjetivas da integridade pessoal
são interpretadas como pressupostos que servem à finalidade da autorrealização individual. (p. 228).
A luta por reconhecimento não teve mais a mesma força desde a Fenomenologia do Espírito,
superior em método. Mas a dialética senhor/escravo manteve algo da luta por reconhecimento e se
tronou bastante influente a partir de Marx. Depois do estreitamento economicista do marxismo →
Sorel, mais influenciado por Vico e Bergson que por Hegel. Sartre retoma a luta por
reconhecimento, mas sob uma ótica existencialista.
“A razão decisiva do fracasso desse propósito teórico representado por Marx, Sorel e Sartre
é, no entanto, a mesma em todos os casos: o processo de evolução social foi sempre colocado em
vista somente sob um dos três aspectos morais que nós, seguindo o primeiro Hegel, distinguimos
sistematicamente no movimento do reconhecimento. Mas, ainda assim, as diversas abordagens
representam os fragmentos de uma tradição de pensamento cuja exploração ulterior nos confronta
com as tarefas pelas quais se tem de comprovar hoje uma interpretação do progresso moral baseada
na teoria do reconhecimento” (p. 230).
Marx
Marx não teve acesso aos escritos anteriores à Fenomenologia. Daí sua redução à auto-realização no
trabalho, mas ainda com um conceito de trabalho como reconhecimento intersubjetivo.
No primeiro Marx a questão central é o reconhecimento, mas fortemente influenciado pela filosfia
da história, que ele próprio vai amenizar no desenvolvimento de seu pensamento. [o problema com
a filosofia da história já se inicia em Hegel e influencia muito os pós-hegelianos, creio que venha
daí a necessidade de ler Hegel a partir da filosofia da ação].
Jovem Marx = antropologia romântica da expressão + conceito feuerbachiano de amor +
economia política inglesa.
Depois → modelo da objetivação x filosofia da história (ver Ernst Michael Lange “O
princípio trabalho” e Andreas Wildt “A antropologia do jovem Marx”).
Marx e o estreitamento do modelo hegeliano de reconhecimento → ainda que tenha
destacado a alienação do trabalho. Depois se liberta da antropologia dos primeiros escritos, mas
recai numa concepção utilitarista de conflito e abandona a abordagem afetiva de Feuerbach. [ver
Jeffrey Alexander].
Alternativa às tendências utilitaristas em Marx → análise histórica e política, onde se deixa
guiar por um modelo de conflito social em oposição ao dos escritos sobre o capital, “na medida em
que inclui, num sentido quase herderiano, as formas de vida culturalmente transmitidas de diversos
grupos sociais” (p. 237). Marx expressivista no “18 Brumário” e “Lutas de classes na França”.
Expressivismo = fenômeno de expressão, ação expressiva pela qual se expõem sentimentos
e atitudes (convicções axiológicas coletivas). Mas também apresentar confrontos sociais no modelo
literário de um drama, descrevendo as frações de classes conflitantes como atores num embate que
ameaça sua existência (p. 238) [isso daria um belo artigo a partir de Politzer e uma defesa do
expressivismo em Psicologia → ver boa interpretação de Marx em John Rundell].
Dois modelos de conflito em Marx: utilitarista (escritos de teoria econômica) e expressivista
(estudos históricos): “o princípio dos conflitos de interesses economicamente condicionados
encontra-se, sem mediações, ao lado da atribuição relativista de todos os conflitos aos objetivos
opostos de auto-realização” (p. 239) → luta de classes nunca foi entendida como moralmente
motivada em Marx.
Sorel
Sorel x utilitarismo (que teve maior peso em Marx): intenção de superar o utilitarismo que
faz o marxismo desconhecer suas finalidades éticas → a concepção de que a ação humana opera
numa racionalidade com respeito a fins é um obstáculo fundamental no conhecimento dos impulsos
morais pelos quais os seres humanos se deixam guiar em suas realizações criativas (p. 240). Se
aproxima do modelo de conflito do jovem Hegel.
Fundamento da teoria de Sorel é um conceito de ação social orientado pelo modelo da
produção criativa do novo x racionalidade com respeito a fins.
O texto de Sorel sobre Vico já demonstra sua consciência das diferentes motivações das
lutas de classes em relação a Marx. [daria um ótimo artigo comparar as leituras de Vico de Sorel,
Horkheimer e Berlin no contexto da teoria crítica].
Socialismo ético + afetividade (eticidade natural) → “no interior da família, cada indivíduo
humano adquire, pela práxis da 'afeição e do respeito recíprocos', um sensório moral que constitui o
cerne de todas as representações posteriores acerca do eticamente bom” (p. 242). Mas eles contém
apenas negações e não podem ainda se tornar representações coletivas. Moral = reações emocionais
negativas; direito = estabelecimento positivo de normas.
No entanto, conceito reducionista do direito como técnica do poder, desconhecimento do
potencial universalista do reconhecimento jurídico (p. 244). Por influência de Bergson → conceito
de mito social → falta critério normativo por não levar em consideração as distinções elaboradas
por Hegel e Mead.
Sartre
Apesar de Sartre ter desprezo pela obra de Sorel, em seus últimos escritos partilha com ele a
concepção teórica segundo a qual os conflitos e as querelas sociais são consequências de distúrbios
das relações de reconhecimento entre atores coletivos. Essa visão veio de revisões contínuas de sua
teoria, pois em O ser e o nada estava convencido da impossibilidade de interação bem-sucedida
entre seres humanos.
Teoria inicial de Sartre = exclusão ontológica da perspectiva de um estado de reconciliação
inter-humana.
Nos escritos político-filosóficos, sem perceber, ele subordina essa teoria negativista da
intersubjetividade a uma abordagem mais histórica. A virada começa no escrito sobre a questão
judaica. Luta por reconhecimento passa de característica estrutural irrevogável para consequência
de relação assimétrica entre grupos → estudo sobre movimento anti-colonialista da negritude.
O esquema de Sartre é tosco, mas tem relevância empírica. No estudo sobre Flaubert, “o
termo 'neurótico' não se refere a um distúrbio de comportamento individual, psiquicamente
condicionado, mas a uma distorção patológica de relações interativas resultante do fato de as
relações de reconhecimento, subterraneamente efetivas, serem ao mesmo tempo negadas
mutuamente” (p. 249).
Não há clareza, nos escritos de Sartre, sobre o status de ser humano digno de
reconhecimento.
Também Sartre, como Sorel, fica aquém de Hegel e Mead.
Contribuições centrais dos autores:
Marx: trabalho como medium central do reconhecimento recíproco, malgrado a sobrelevação
da filosofia da história.
Sorel: sentimentos coletivos do desrespeito sofrido, como aspecto afetivo, que raramente as
teorias acadêmicas levam em conta.
Sartre: conceito de “neurose objetiva” → estruturas sociais de dominação como patologias
das relações de reconhecimento.
Reconstrução dos traços básicos desse paradigma alternativo, orientado por Hegel e Mead → novas
tendências na historiografia → nexo entre desrespeito moral e luta social (p. 255-6).
269, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 277, 278, 279, 280
HARRIS, H.S. O desenvolvimento intelectual de Hegel até 1807. In: BEISER, F.C. (Org.). Hegel.
Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2014. pp. 37-65.
“Eticidade grega” era um tema em torno de 1794. Leu Adam Smith em 1793.
1797 → a fundação de uma nova religião requer que o amor seja transformado em uma essência
objetiva pela imaginação, uma essência na qual sujeito e objeto, liberdade e natureza, real e
potencial estão unidos (p. 48).
1800 → O Espírito do Cristianismo: complexo conceito dialético de vida infinita que apaga toda a
memória da divisão, mas que é reconciliado com a necessidade da finitude e preserva as divisões
conflituosas dentro de si mesmo. A concepção madura da Aufhebung é visível pela primeira vez na
versão revisada do famoso fragmento “Amor”.
HEGEL, G.W.F. System of ethical life and first philosophy of Spirit. State University of New
York Press, 1979.
HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Ed.
34, 2003.
IFERGAN, P. Hegel's discovery of the philosophy of spirit: autonomy, alienation, and ethical life:
the Jena lectures 1802-1806. Palgrave, Macmillan, 2014.