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Z A CONSTITUICAO HISTORICA DA PSICOLOGIA COMO CIENCIA* Edna Maria Peters Kahhale ‘Ana Gabriela Pedrosa Andriani A PSICOLOGIA, ASSIM COMO as demais ciéncias, é produto de um conjunto de determinagées histéricas, as quais culminaram por estruturar idéias que fundamentaram e possibilitaram seu sur- gimento como ciéncia. Compreender o momento em que se deu sua construcao histdrica significa abrir caminhos para que se possa apreender, questionar e transformar os principios que fundamen- tam o pensamento psicolégico hoje, de modo a possibilitar novas formas de pensar, sentir e agir dos profissionais que o representam para coma realidade (Bock, Gongalves & Furtado, 2001). Compreender o homem significa encard-lo como um ser que é parte integrante da natureza, a0 mesmo tempo que se diferencia dos demais animais pela relacao que estabelece com ela. Os ani- mais tém seus comportamentos herdados biologicamente e deter- minados basicamente pela transmissao do cédigo genético. Seu modo de agir é caracterizado pelos reflexos e instintos, que sao 0s mesmos para uma dada espécie ¢ nao variam de individuo para individuo dentro dessa espécie. A atuacado do homem em relagdo a + Este texto foi debatido no grupo PET/ Psicologia e contou com a colaboragao da ex- bolsista Renata Moraes Salles. A DIVERSIDADE DA PSICOLOGia, % a relagio do animal. Na relagao que 0 homem es. rabetooe com fi eiureres entretanto, nao hé uma rece “ae fs necessidades a satisfagio imediata. Oato humane €1 ta jo de fina. lidade, intencionalidade, isto é, ele supera o =a e oe 7 Pois sua agdo possui um fim di igido. A transmissao ¢ le suas expe rién- cias e conhecimento ocorre nao apenas) pelo cédigo genético, mas pela educagao e pela cultura. . Ao atuar sobre a natureza, o homem nao esta somente alteran- do-a, mas também modificando a si proprio nesta acao, desenvol- imal permanece 0 mesmo, vendo suas faculdades; enquanto 0 anu Stico, o homem encontra-se cada agindo segundo seu cédigo gene! ne ree! ¢ vez mais diferenciado da natureza ¢ das outras espécies animais. O homem na relacdo com a natureza ndo apenas Se altera, mas tame bém produz 0 que é necessario para sua sobrevivéncia e, ao ) fazé-lo ainda, esta produzindo idéias. Neste processo, ele adquire cons- ciéncia de que sua atuagdo em relagdo 4 natureza possui um fim dirigido e que é capaz de incorporar experiéncias anteriores. Ele é capaz de evocar o passado e planejar o futuro e estes sao processos intencionais, conscientes. Afirma-se, entao, como ser social, ou seja, como um ser que tem a sua sobrevivéncia diretamente vinculada a> de outros, ndo podendo existir isoladamente, uma vez que se cons- titui no, e com o grupo social. ~~ A Psicologia, assim como outras ciéncias, propde-se a pensar este homem. Para que uma disciplina se estabeleca como uma cién- cia independente é preciso que ela possua um objeto e métodos proprios. Um lugar nao muito comodo cabe a Psicologia, se compa- rada com outras ciéncias humanas, devido a sua diversidade teéri- co-metodolégica. E dificil definir exatamente qual seu objeto de estudo ¢ scu método de pesquisa. Os contetidos inconscientes, 0 comportamento, a subjetividade, o mundo interno, todas estas € algu mas outras nogoes fazem parte do chamado fenémeno psicolé- Bice etabelecer stoma ente a especificidade deste objeto, co- especulagio, étarefa drdua , talon, persian ene ee rarmos a sua dimensao historica, E poe a ae permite 0 didlogo entre toda a diversnnd ee te cxistente dentro doque ches iversi¢ lade te6rico-metodologico Sactenteds s de Psicologia (Figueiredo, 19912). A CONSTITUICAO HISTORICA DA PSICOLOGIA .. ” CO estudo cientifico dos aspectos psicolégicos s6 se inicia no momento histérico em que o homem se percebe ao mesmo tempo experimentando sentimentos aparentemente tinicos e particulares — sensagao de ser detentor de uma subjetividade privada — e esta experiéncia privada é questionada, entra em crise. “Ter uma experiéncia da subjetividade privatizada bem nitida é para nés muito facil e natural: todos sentem que parte de suas experién- cias sao intimas, que mais ninguém tem acesso a elas. (...) Ainda com maior freqiiéncia temos a sensagao de que aquilo que estamos viven- do nunea foi vivido antes por ninguém, de que a nossa vida é unica, de que 0 que sentimos ¢ pensamos é totalmente original e quase in- comunicavel.” (Figueiredo, 1991a:16-17) No entanto, a histéria tem nos mostrado que nem sempre 0 homem sentiu-se assim, esta experiéncia subjetiva privatizada em geral s6 ocorre em momentos sécio-historicos de crise, quando os. valores, as normas e os costumes sao questionados e surgem novas alternativas; neste processo os homens se perguntam sobre os ca- is seus sent térios utilizar para tomar decisées. Percebe-se, portanto, que o estudo das bases mate= riais (condicdes sociais, econdmicas e politicas que caracterizam um dado momento histérico) das sociedades que vivenciaram a expe- riéncia de subjetividade privatizada é de fundamental importancia para a compreensao do processo de construc¢ao das idéias que de- terminaram o momento de constituigao do pensamento psicoldgi- co. E preciso ressaltar, que as relagdes existentes entre base mate- rial e construcao de idéias em um dado momento histérico apre- senta-se em um movimento complexo, continuo e nao linear: ha uma relagao de reciprocidade entre as idéias e a base material de dada sociedade, uma vez que as idéias Sao, simultaneamente um produto das condigdes econdmicas, politicas e sociais de um dado periodo histérico e determinantes na constituigdo e transfor- macao deste mesmo_perfodo, ou seja, as idéias retornam 4 base material — sao aplicadas — transformando-a, ao mesmo tempo em que é esta base material que, em tiltima instancia, possibilita 0 apa- minhos a seguir, quais seus sentimentos, quai u recimento dessas idéias. , A DIVERSIDADE DA PSICOLOG 4 O momento que marcadamente construiu o conjunto de idéjag e nec sidades que fundamentaram © surgimento da psicologia como ciéncia foi o de transigao do modo de produgao feudal para o modo de produgao capitalista (a delimitagao deste period é uma questao nao completamente definida, alguns historiadores situam- no entre os séculos Xe XIII). Pode-se dizer que o modo de produ. cao feudal é fundamentado pelos modelos de produgao de subsis- téncia, relagdo senhor versus servo e pelo dominio econémico politico da aristocracia e do clero sobre a sociedade. Os proprieté- rios de terra detinham grande parte do poder econémico, pois a Fiqueza, 0 maior valor dos bens, encontrava-se relacionado a pos- se de terras. A sociedade era organizada por ordens ou estamentos © que tornava extremamente dificil a mobilidade entre as classes sociais. O conjunto de idéias existentes nesta época era produto da organizacao social, politica e econdmica e encontravam-se princi- palmente referidas e estipuladas pelo clero, detentor de grande poder ideolégico. Dentre as principais idgias defendidas e prega- das pela Igreja 0 teocentrismo mostrou-s podemos caracterizé-] como fundamental e pela viséo do homem como ser predeter- minado e pela explicagao da igualdade humana como sendo pro- duto da vontade divina (sendo que a libertagao viria apés a mor- te). O mundo era visto de forma hierarquizada, finalista e estati- ca. Leis diferentes eram necessdrias para explicar 0 céu e a terra, porque estes seriam de natureza qualitativamente diferente. E possivel perceber a existéncia de um dualismo no que concerne as concep¢ées de corpo e alma. O conhecimento se dava por revela- ¢ao e a razao estava submetida a fé. Desta forma, dialeticamente, as idéias justificavam 0 modo de produgao, ao mesmo tempo, que este as produzia. Algumas mudangas histéricas nas relagdes de produgao, ou seja, nas relagdes existentes entre o homem e seus mecanismos de subsisténcia (trabalho) possibilitaram o surgimento de condigdes que levaram a acumulagao de capital e desenvolvimento do siste- a capitalista de produgao: a ativacio do comércio facilitado pe- las Cruzadas; 0 aparecimento das cidades e a produgio de exce- dentes agricolas e artesanais, dado pelo aperfeigoamento técnico ‘A CONSTITUICAO HISTORICA DA PSICOLOGIA ... 9 e aumento populacional (devido a di uigao do numero de mor- tes por doengas); a expansao do comércio externo, além da explo- ragdo colonial, saques, pirataria e empréstimos usurdrios; a for- macao de uma classe trabalhadora livre e sem propriedades devi- do a expulsdo dos camponeses da terra, dada pela elevagao das taxas de arrendamento, cerceamento das terras comuns e criagao de ovelhas — 0 que necessitava de um ntimero menor de traba- Ihadores. Vale lembrar que todo este processo foi longo e consti- tuido por varias lutas. Neste contexto, a mercadoria passa a ser a figura bdsica que carrega a possibilidade de acumulagao do capital e do desenvolvi- mento de uma economia de mercado. Este € 0 momento de ascen- sao da burguesia, em que a relacdo senhor — servo é substituida pela relagao dos detentores dos meios de produgao — burguesia — eo proletariado, expropriado dos meios de produgao e detentor da forca de trabalho. Esta burguesia substitui a aristocracia em termos de poder econémico e politico e o poder da Igreja passa a ser ques- tionado, o que culmina em sua destituigao. Acompanhando estas transformagGes, podemos observar tam- bém alteragées no campo ideolégico. O universo passa a ser visto como infinito, indeterminado e em movimento, tendo 0 sol como seu centro, além de passar a ser qualitativamente explicado (meca- nicamente). As mesmas leis explicariam 0 céu e a terra. O homem é agora capaz de conhecer a natureza e, mais do que isso, transtorma- la. O antropocentrismo € caracteristica fundamental: 0 homem € tido como livre, o que cria a possibilidade da definigdo de seu lugar social, pelo menos ideologicamente. Ele — homem natural — pode agora ser conhecido e, passa a ser visto como objeto e como parte integrante da natureza. A raza4o comega a ser encarada indepen- dente da fé e os dogmas da Igreja sao questionados, inclusive a existéncia de Deus. A produgao de conhecimento comega a se ba- sear em légicas de matematica, geometria, principalmente na obser- vacgdo e experimentacao. Sendo assim, 0 momento em que a burguesia ascende como sticas a énfase a razdo, classe econémica teve como idéias caracter liberdade ¢ individualizagao humana. Estas idéias estao expressas w A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA nas teorias do racionalismo, do mecanicismo e do liberalismo que se desenvolveram nesta época." Paralelamente e aos poucos, a vida que antes era coletiva vaj dando lugar a vida privada: as pessoas passam a morar em casas ocupadas somente pela fami lia nuclear (até entao, as casas eram ocupa- das por intimeras pessoas, incluindo familiares que nao possuiam relagdes consangiiineas diretas e mesmo por amigos); desenvolve-se uma preocupacao social com a construgao de lugares privados e com a diferenciacao das familias, classes sociais e pessoas em geral, uma das outras. O homem passa a ser tido como ser singular, passivel de transformar, estudar, conhecer e ser conhecido. A construgao das idéias mecanicistas advém da equiparacao das leis que regulamentam o funcionamento do reldgio e as leis que regem o funcionamento do mundo e da natureza: ambos pode- riam se explicados pela mesma regularidade e precisao do funcio- namento de um relégio, como sendo mecanicamente determinados e construidos através de relagdes causais. Tais idéias, tiveram como conseqiiéncia também uma mudanga na vivéncia e na concepcao do tempo que passa agora a ser marcado cronologicamente e nao mais por processos naturais (fases do dia e tarefas a fazer). Cabe mencionar a metéfora feita com o reldgio para explicar o espirito do mecanicismo: 0 mundo, a natureza poderiam ser explicados com regularidade, como sendo mecanicamente determinados e por um processo de causa ¢ efeito. Além disso, leva a uma mudanga na propria vivéncia do tempo que é marcado pelo relégio — um pro- duto humano — e nao mais por processos naturai: “E assim surgiram, entre os séculos XVII e XIX, a concepeao dos se- res humanos como mdaquinas e 0 método — 0 método cientifico — mediante o qual era possivel investigar a natureza humana. As pes soas se tornaram maquinas, 0 mundo moderno foi dominado pela perspectiva cientifica e todos os aspectos da vida passaram a ficar sujeitos a leis mecanicas” (Schultz & Schultz, 1994:36). Uma vez que a Igreja nao ditava mais as verdades, para que os estudos fossem possiveis de serem realizados e ainda, para qu‘ 1. O detathamento destas duas concepgdes: racionalismo e liberalismo encor capitulo 1 deste livro. A CONSTITUIGAO HISTORICA DA PSICOLOGIA . a garantissem a obtengao de conhecimentos tidos como verdadeiros dria a utilizagao de instrumentos de con- pelos homens trole, observagao e medida bastante rigorosa, os quais tiveram sua construgao fundamentada em trés correntes tedricas: no racionalismo, no empirismo e no mecanicismo. Para a fundamen- tagao racionalista, a razao 6 tida como instrumento basico através do qual 6 homem pode desvendar leis naturais; j4 a fundamenta- gao empirista prega a necessidade da observagao na utilizagao de estudos experimentais; 0 mecanicismo, por sua vez, encontra-se pautado na idéia da existéncia de leis que garantem a regularidade de funcionamento do mundo em associagdo com o funcionamento das maquinas. Neste momento em que se torna necessdrio 0 estudo do ho- mem em termos de organizagao e funcionamento da mente, 0 pen- samento psicolégico comega encontrar terreno fértil para ser cons- tituido, colocando-se como produto e, a seguir, produtor das ne- cessidades hist6ricas e econémicas vividas. Para que tal estudo fos- se possivel, dever-se-ia controlar e precisar os experimentos reali- zados, com o intuito de que fossem descobertas leis universais e verdadeiras sobre a mente humana. Esta ultima era assemelhada a uma maquina em termos de propriedades e funcionamento. Desta forma, percebe-se que 0 pensamento psicolégico foi sendo cons- truido a partir das idéias racionalistas, empiristas e mecanicistas, e ainda a partir da concepgao de homem como ser tinico, livre e dota- do de um “mundo interno” que precisaria, dadas as necessidades deste momento historico, ser desvendado. Vale dizer novamente, que este processo de transformagao social e ideoldgica sé foi possivel devido as moditicagSes trazidas pela acumulagao do capital e surgimento da burguesia. Tais trans- formagoes possibilitaram a construgao de idéias relacionadas a exis- téncia da liberdade humana trazida pela razao e a valorizacao da raz4o como instrumento fundamental para se atingir os conheci- mentos verdadeiros, questiona-se a idéia de imutabilidade do mun- do, de que as coisas sao dadas e nao se transtormam. Enfim, cons- trufdo um momento histérico em que a possibilidade de transfor- macao do mundo, a liberdade, a razao e 0 homem sao altamente valorizados. Em decorréncia disto, as idéias de estabilidade e imu- ‘A DIVERSIDADE DA PSICOLOG a am anteriormente perdem a forga. Nao é mais vomo deve se pensar, mas cada individuo passando a existir a possibilidade de julgamento pessoal. Esta situagao cria a vivéncia individualizada_ trazendo a questao da privacidade e a possibilidade do surgimento da subjetividade. Os lagos sociais ficam frouxos e OS individuos identificagao. Em outras palavras, hé também altera a mentalidade da época O modo de vida do periodo ante- Jo antiprivado. tabilidade que vigorav a Igreja que dita o que © taz de maneira diferente perdem seus parametros de uma mudanga histérica que que orienta as ages das pessoas. rior se caracterizava principalmente pel A vida social se organizava em comunidades estamentais, nas quais nao existia diferenga entre as esferas publica e privada. Em um certo momento, fatores histdricos externos levam ao fortaleci- mento dos Estados, que passam a produzir normas na esfera publi- ca, a decidir 0 que é ptiblico e privado. As comunidades sao priva- das na sua propria legalidade e o Estado se apropria disto, criando condigdes para o aparecimento da vida privada/Para que a Psico- logia surgisse como ciéncia foi preciso que isto entrasse em crise € 0 mundo psicolégico pudesse ser estudado através de conhecimen- tos e métodos da fisica, matematica, fisiologia ete., deixando de ser mera especulacao para ser considerada cientifica) Hé necessidade- de um método rigoroso (método cientifico) para trazer estes conhe- cimentos através da razdo e que respondesse também as necessida- des do homem de objetivar e neutralizar suas produgdes. Neste sen- tido, Fechner (1801-1887) e Wundt (1832-1920) apdiam seus estu- dos sobre a subjetividade em técnicas e conhecimentos da fisiolo- gia, desenvolvendo a Psicologia Experimental. O pensamento cientifico no inicio do século XIX mostrava-se fundamentalmente desenvolvido na Inglaterra, Franga e Alemanha Justifica-se a localizagao de pontos férteis para o desenvolvimento cientifico em tais paises, pela tentativa de alcance de progresso eco- nomico tecnolégico vivida por eles, 0 que culminou em amplas estratégias de incentivo e financiamento de pesquisas. A Alema- nha teve estratégias de incentivo ao desenvolvimento cientifico & tecnolé i ologico ainda mais intensas que os demais paises citados, dada a necessidade de equiparar-se ae a eles em termos de progresso eco- nomico, uma vez que vivia um consideravel retardo devido ao seu A CONSTITUICAO HISTORICA DA PSICOLOGIA 8 lento processo de unificago. A Alemanha ofereceu ampla abertura js ciéncias relacionadas principalmente a Biologia, através da de- nominada Fisiologia Experimental. No final do século XIX, os chamados fisiologistas, voltados para as questoes ligadas ao estudo e compreensao da constituigao e fun- cionamento da mente humana, foram responsdveis pela descober- ta de regides especificas do cérebro e ainda, pelo desenvolvimento de técnicas de observagao e controle amplamente utilizadas, mais tarde, pela Psicologia. Realizavam pesquisas experimentais, atra- vés das quais a mente humana era estudada em termos de estrutu- ras neurais, sensagdes e percep¢gdes produzidas, utilizando-se, para tanto, de técnicas de medida, observacao e controle embasadas nos moldes pregados pelo método experimental das ciéncias naturais. Percebe-se que parte do objeto de estudo adotado pela ciéncia fisio- légica (a mente humana) oferece ampla possibilidade de constitui- cao de uma nova ciéncia que estivesse diretamente relacionada a tal proposta de investigacao. Neste sentido, o estudo da obra de Wilhelm Wundt faz-se necessdrio por conter esta especificidade. Alemao, nascido em 1832, Wundt teve sua formacao na area de fi- siologia. A partir de seus estudos como fisiologista, comecou a de-. senvolver a nogao de uma psicologia independente baseada na ex- perimentagao.)Em 1875 montou o primeiro Laboratério de Psicolo- gia do mundo, em Leipzig, onde desenvolveu vérias pesquisas que contribuiram para o desenvolvimento da psicologia experimental. Psicologia Cultural ou Social. “A Psicologia Cultural tinha que ver com a investigagao dos varios estagios do desenvolvimento mental, manifestos na linguagem, na arte, nos mitos, nos costumes sociais, na lei e na moral. As implica- Ges dessa obra (Vélkerpsychologie ou Psicologia Cultural) para a psicologia tém um significado maior do que o seu contetido; ela ser- viu para dividir a nova ciéncia da psicologia em duas partes, a expe- rimental e a social.” (Schultz & Schultz, 1994:81). onder o que & a consciéncia do homem, que para ele poderia ser estudada por dois aspectos diferentes: 0 dos 6rgaos dos sentidos e da experiéncia imediata; e o da linguagem e = 40 x Além disso, teve papel ra na criagio do que chamou de_ —p ‘A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA, 4 minho para 0 estudo do primeiro experimentagao, enquanto seriam analisados atra- imbélicos. O ca 6s da observagao © processos simb6lico dos processo: aspecto seria atrav' quea linguagen ooeeativa és do método comparativo. ; _ Ne estudo da experiéncia consciente, Wandt acredita que os elementos da mente humana encontravam-se interligados e orga- nizados de forma ativa e nao de forma passiva e mecanica como pensavam os associacionistas britanicos. Segundo Wundt, a cons- ciéncia era dotada de uma capacidade propria de auto-organiza- cao de seus contetidos em pensamentos. Denominou ° método de ‘estudo utilizado para a realizagao de seus experimentos de introspeccao, o qual acreditava ser um mecanismo eficaz de obser- vacao da experiéncia consciente. Relatava como sendo problema da Psicologia a descoberta dos elementos basicos que comp6em a consciéncia, bem como o entendimento da estrutura de organiza- cao e funcionamento destes. O método utilizado por Wundt para o estudo de tais elementos basicos era voltado ao exame da per- cepcao interior através do qual obtinha uma espécie de relato introspectivo dos sujeitos sobre tamanho, intensidade e duragag__ de estimulos fisicos. Ele considerava, entretanto, que a experimen- tacao psicoldgica tinha limites no estudo dos processos mentais superiores, a Para entendermos melhor as propostas de Wundt é preciso esclarecer 6 que ele entendia por conhecimento cientifico, Para ele 08 Unicos fendmenos reais so os psiquicos. Nao ha uma entidade substancial sendo 0 conjunto de fendmenos psiquicos. Sé_hé um tipo de experiéncia que é a consciente ou interna. — “Por iss conheci: ientifi ro - todo conhecimento cientifico nado se configura senao como ciéncia da erié i i i ceca vachariéncia interna, A distingao entre ciéncias fisicas e ‘a sea la @1 i patie rio apo 7 uma diversidade de objetos, pois que to- ¢ ocupar de represe Ses inc funda-se numa aventisa Presentacdes ou experiéncias internas, fundlacpe Sidade de pontos de vista, cao interna podemos distinguir trés ek 3 ; és ele da, ou seja, 0 contetido da repre: : as Telacdes entre a coisa re, (Penna, 1991:137), Em toda represen- Mentos: a coisa representa- “enlacao; 0 sujeito que a representa € Presentada © © sujeito que a representa.” ‘ACONSTITUICAO HISTORICA DA PSICOLOGIA ... s Ele propée que a Psicologia estude a experiéncia imediata, ou seja, 0 contetido total da experiéncia em suas relagdes com 0 suj to. As ciéncias fisicas s6 se constituem quando se abstrai o objeto do sujeito, portanto estuda a experiéncia mediata. A Psicologia es— tuda, através do método experimental, o controle das condicées fi- siolégicas dos fendmenos psiquicos. _ Este método, entretanto, s6 & adequado se aplicado aos pro- cessos ligados a sensibilidade. Nao se aplica aos processos superio- res pelo cardter sintético ou produtivo destes fendmenos. No plano da sensibilidade prevalecem as relages associativas; enquanto, na esfera do pensamento, prevalecem os processos aperceptivos. A apercepcao envolvida nos processos psiquicos superiores ativa, pois se refere as relagdes intrinsecas e légicas da consciéncia, seu foco é a atencao. As apercepgées sao sintéticas e produtivas. Em funcao dos limites do método experimental, os processos superio- res deveriam ser estudados através do método da obse: aca SS Outro aspecto a ser considerado para entendermos as Propos- tas de Wundt era o papel da universidade moderna. “A universidade medieval preparava scus estudantes para as anti- gas profissdes da medicina, do direito e da Igreja. Humboldt criou a universidade moderna quando ele estabeleceu a Universidade de Berlin em 1809. O elemento novo da universidade moderna foi a pesquisa ou a Wissenschaft. (...) Foi possivel, entao pela primeira vez, conseguir graduar-se apenas através da pesquisa. O grau de doutor em filosofia (PhD) atraiu muitos estudantes de fora da Ale- manha e da Europa.” (Fart, 1998:37). Havia nos circulos académicos da Alemanha uma discussdo sobre as distingdes entre pesquisa das ciéncias naturais (Naturwissenschafien) e as ciéncias humanas e sociais (Geisteswissenschaften). Esta distingao levou Wundt a separar a Psicologia em Experimental, vinculada as ciéncias naturais, e Social, vinculada as ciéncias humanas e sociais, A proposicao de limites a Psicologia Experimental fez com que se- Buidores de Wundt questionassem se realmente a psicologia era somente em parte um ramo das ciéncias naturais. Kiilpe, em Wurzburgo, estuda o pensamento sem imagem e Ebbinghaus, em A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA % ntam mostrar que € possivel fazer im, a meméria. Os dois te! : ‘ owerta snuperiores e definem 0 organis- experimentagio com os proces : i sique. mo como objeto de estudo, substituindo a psiq' “As restrigdes propostas por Wundt ao método experimental, Ro que toca ao estudo do pensamento, nao foram com, partilhadas por Kiilpe ¢ pelos demais integrantes da chamada Escola de Wurzburgo. Atra- vés da intradugdo do método da introspecgae experimental, Kiilpe imaginou contornar as dificuldades apontadas pelo mestre. Wundt, contudo, jamais aceitou como valida a introspecgao experimental, insistindo, em argumentagio cerrada, em que esse método nao ul- trapassava a condigao de simples método de observacao.” (Penna, 1991:138). A experimentacao exige que se possa repetir em condicGes_ idénticas o mesmo fenémeno e que se possa controlar sua aparicao Sua observacao; estes critérios nao podiam ser obtidos nos experi- mentos de Kiilpe, esta era a critica de Wundt a introspeccao experi- mental. Em 1896, ao publicar Grundiss, Wundt sistematiza a teoria tridimensional dos sentimentos. Todos cles poderiam ser vistos por trés dimensées: prazer e desprazer; tensio ¢ relaxamento; excitacdo e calma. Esta proposta tedrica rompe com o associacionismo, por ser inadequado para conceber o psiquismo, e propée uma estreita ligacio entre afetividade e a produgao de processos aperceptivos, sendo os sentimentos um sintoma experiencial da apercep¢ao. to Wundl propos Pas completar 0 método experimental, o mé- Stavienwnincpes eam eeaeenemni ei tiva e a evolugado das sociedades ht poselvel Nida espiritual cole: linguagem, a arte, o mito, os tree a tna Euineiiesiseriam d va 5 », OS costumes. A consciéncia é ao mesmo tempo individual e coletiva. As funcdes mentais individuais esto" sircunscritas aos limites da vida individual c ane dhe ee outros individuos, mas as fungdes sociopelcalag nn, renee oe pendem da interagio do grupo e expreccen ese oe nica de- através das geracdes. O estudo da { Tete ma (Volugao do mesmo inguagem permite estudar as leis do pensam s di td ae ento, as diferentes linguas express i! igios do pensamento, A linguagem passes diferentes €° CCONSTITUIGAO HISTORICA DA FSICOLOGIA ... 87 A “aparece constitufda de movimentos expressivos tais como gestos, 10 reconhecidos e distinguidos stes Ihe atribuem, inicialmen- te, uma significagdo subjetiva correspondendo as emogées aos de- sejos. Mais tarde, na medida em que a inteligéncia se desenvolve, uma significagao objetiva se expressa, voltada para o mundo exte- rior”. (Penna, 1991:139-140). gritos, modulagées vocélicas que s pelos individuos da mesma espécie Esta divisao da psicologia em experimental e social proposta por Wundt exemplifica a influéncia do positivismo comtiano na constituicdo desta nova disciplina cientifica. Comte criticava a psi- cologia da época por utilizar-se da observacao interna, introspeccao. Como se pode, ao mesmo tempo, pensar e pensar que se pensa? Ele nao nega os fendmenos psiquicos (pensamento, emo¢ao, vontade), mas nega a possibilidade de conhecé-los através da reflexao, da observagao interna. O método de observacao comparativa tinha se mostrado muito titil na Biologia e deveria ser aplicado a Psicologia. Comte considerava inatas todas as func¢des mentais, afetivas ou in- telectuais e a pluralidade das faculdades mentais eram distintas e independentes entre si. Propée que, de um lado, a Psicologia deve vincular-se a Fisiologia e, de outro, a Histéria e a Sociologia. E exa- tamente esta cisdo que era vivida nas universidades alemAs, entre ciéncias naturais e humanas e sociais, e é expressa na proposta de Wundt para a Psicologia (Penna, 1991). Wundt deu grande atencao ao estudo da experiéncia imedia- ta. Tal estudo € considerado por muitos como um avango para a Psicologia, uma vez que através dele foi possivel a formalizagao e a Sistematizagao todos os conhecimentos da mente humana, aplican- do a ela os métodos das ciéncias fisicas ¢ biolégicas. Quando a pro- dugao de conhecimento acerca da natureza humana se da através da experimentacao e observacao, a Psicologia comega a delinear Sua independéncia como um campo auténomo de saber, deixando de ser pura filosofia ou metafisic a. Como jé afirmado anteriormente, a constituigao da Psicologia, Como ciéncia auténoma, nao ocorre de maneira linear nem homo- 8€nea. Em meados do século XIX, hé um embate epistemolégico Sobre a direcao que a Psicologia deveria tomar: ou desenvolver-se * [A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA como uma disciplina cientifica, preocupada com a wveriticagho e expe- rimentagao dos fates; ou como uma disciplina filos6fica, preocupad la coma reflexao, com as esséncias, com aS intuigo se os significados, Com relagdo & primeira possibilidade j# analisamos a proposta fundante de Wundt, cabe agora analisarmos a proposta de Henri Bergson (1859-1941) referente a psicologia filosdfica. Bergson produz suas obras no periodo de 1889 a 1932, preten- dendo que a Psicologia Filosdfica seja mais profunda do que a Psi- cologia Cientifica. Para ele o homem se percebe existente, pois exis- tir 6 durar, ou seja, é ser no tempo (élan vital). Este durar, durée, caracteriza-se como perpétuo, qualitativo, substancial, irreversivel, imprevisivel e criador. Estas caracteristicas séo aspectos de uma tinica realidade e se implicam mutuamente. “Quando define o durar como substancial é no sentido de que o tem- po psicoldgico, ao contrario do reldgio, conserva-se de modo inte- gral. (...) 0 cérebro concentra todo 0 nosso psiquismo no momento atual. Mas 0 passado nao se perde.(...) Nao se pode viver duas vezes © mesmo estado. Se todo o nosso passado se conserva, 0 que vive- mos pode ser andlogo a outros momentos, mas nunca igual, daf o durar ser irreversivel. (...) Cada um dos nossos atos € absolutamente original. Somos nds que criamos nés mesmos, pois cada um de nos- sos atos se revela como expressao de tod6 o nosso passado. Na reali- dade exprime toda a nossa personalidade” (Penna, 1991:125). Para Bergson, a consciéncia caracteriza-se pela mem6ria, pela conservacao integral do passado. E uma ponte entre o passado e 0 futuro. A consciéncia nao é atributo humano e nao esté associada ao cérebro, ela é coextensiva com a vida. O cérebro é 0 érgao do esquecimento e da escolha, segundo ele hd mais no espirito do que 0 corpo. A evolugao da duracao do ser no tempo tem duas linhas di- vergentes: uma orientada para a escolha e para a acdo cada vez mais livre; e outra dirigida Para 0 torpor, para a inconsciéncia. 4 intuicao é a via do conhecimento, que integra a inteligéncia e 0 ins- tinto. A inteligéncia é vazia porque sé conhe: too instinto conhece as coisas, é pragmatico. O do, através da meméria, sobrevive de duas maneiras pela a wee pe iF weep senta- ao. A memoria-habito refere-se a acao, molars, std Cineulada a ce as relacdes, enqual- AcONSTTUKAO HISTORICA DA PSICOLOGIA » ticdo e A passagem do tempo; a memoria-pura ou “souvenier” et fendmenos tinicos que se desenvolveram através da apren- ae Bergson estabelece uma intima relagao entre percepcao e oda, 0 primeiro contato com 0 objeto permite detectar as pos: sibilidades praticas nele implicadas. A Percepcao é ut litaria, estd voltada para a agdo. Bergson nega o paralelismo psicofis CO, a cor respondéncia entre processos organicos e psicoldgicos é apenas parcial, s6 existiria enquanto estes estados envolvessem acao (Penna, 1991). Ele propde duas dimens6es para o eu: de superficie e profun- do, Oeu de superficie é estatico, objeto da Psicologia Experimental, é social recebendo as pressdes do grupo, preside a vida exterior, 6 espacializado podendo ser medido pela passagem do tempo, sua moral € estatica. O eu profundo é a propria duracao do ser, é cria- dor e livre, é dinamico, seus atos sao imprevisiveis porque Ppessoais e originais, sé o atingimos pela intuicdo. Bergson critica os fisiologistas da época, em especial Fechner, dizendo que os estados Psiquicos nado aumentam em fungao do aumento da intensidade do estimulo fisico. Eles nao se alteram quantitativamente, mas quali- tativamente. O psiquismo nao é descontinuo, mas tem uma dura- Gao infinita (Penna, 1991). Estas reflexdes de Bergson serao apro- fundadas e reinterpretadas pelos proponentes da Psicologia Gené- tica e da Psicologia Humanista?, que se constituem como vertentes tedricas da psicologia em meados do século XX. Apesar dos debates entre psicologia cientifica e filosética, a influéncia do positivismo, como fundamento e metodologia das ciéncias, era marcante na época, 0 que levou ao maior desenvolvi= mento da dimensao dita cientifica da psicologia.|A partir da abor= dagem tedrica e propostas de Wundt, outros psicdlogos comega- Tam a pensar o funcionamento, estruturagao e organizagao da cons- Ciencia. Dentre estes, pode-se destacar Edward Bradford Titchener (1867-1927), que denominou sua abordagem tedrica de Estrutura~ lismo e William James (1842-1910) que desenvolveu o movimento ico conhecido como Funcionalismo. Ses 2. Vide capitulos 8 e 9 deste livro. ype [A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA Titchener ocupava-se, assim como Wundt, do estado da expe. riéncia consciente. Entretanto, 0 foco de seus experimentos era dado a0 entendimento das estruturas que compoem separadamente a consciéncia. Ao contrario de Wundt, desenvolveu sua teoria de acor- do com os principios associacionistas, acreditando que a conscién- cia humana era composta pela somatéria de estruturas interligadas de forma mecanica e passiva. Caberia ao psicdlogo, portanto, des- vendar e compreender a maneira como estas partes separadas estruturavam o funcionamento da consciéncia, devendo utilizar- se, para que isto fosse possivel, de trés passos fundamentais: redu- cao das estruturas mentais a estruturas mais simples; descoberta, da lei que possibilita a interligacdo de tais estruturas e, por fim, conexao destas estruturas as suas condigdes fisiologicas. Denomi- nou 0 método utilizado para a compreensao da consciéncia, as- sim como Wundt, de Introspecsao, ressaltando a necessidade da existéncia de um “olhar para dentro” para que os estudos fossem possiveis. James, fundador do movimento funcionalista, ao ocupar-se do estudo do funcionamento da consciéncia, acreditava ser esta mutavel em termos de organizacao e produto de um processo de adaptacao ao ambiente. Para ele, a fungao da consciéncia era a de capacitar © ser humano a adaptar-se a0 meio ambiente e a fazer escolhas. Percebe-se ai a ampla importancia da teoria darwiniana na construgao de suas concep¢oes sobre a consciéncia humana. Para James, a vida mental ¢ finalista, isto é, a finalidade da vida psiquica 6a conservagio e a defesa do individuo. Todos os estados mentais, titeis ou inuteis, determina a atividade corporal. James acredita que a consciéncia éum fluxo continuo, é pessoal, dindmica ¢ seleti va. Ele propde uma distingao entre 0 eu sujeito e 0 eu objeto. O eu sujeito é puro ego, é consciente, e pode sé-lo nos diferentes objetos do eu objeto. O eu objeto ou eu empirico apresenta-se dividido er eu material, eu social e eu espi tual. O eu material compée-se pel’ corpo ¢ pelas roupas e objetos de uso permanente com os quais no identificamos; 0 cu social é a imagem que os outros tém de nds ¢ eu espiritual é 0 conjunto de todos os estados de conscién: totalizados e apreendidos como realidade concreta. Para James emogies 40 a tomada de consciéneia de modificagSes visceri A CONSTITUKA HISTORICA DA PSICOLOGIA 01 roduzidas sempre que 0 sujeito se depara com uma situagdo de- ada, O método propos E. Fain to para a realizagao dos estudos foi, bem, o introspectivo, ressaltando, assim como os autores ante- idade de © sujeito voltar-se para a prdpria mente através do relato de sensagoes e percepgoes. Instrumentos que pre savam a medida e controle das observagées e resultados eram utilizados durante os experimentos. tam! riores, a nec Os principios teéricos e metodologias de investigagao adotados e desenvolvidos pelos autores citados possibilitaram a construgao, ao longo da Histéria, de novas correntes de pensa- mento em Psicologia. Percebe-se que a preocupacao fundamental relacionada & garantia de obtencao de leis e verdades universais, a utilizagdo de técnicas de controle na realizagao dos estudos e ainda, a concepgdo do homem como ser dotado de estruturas pre- determinadas encontradas nas teorias de Wundt, Titchener e James determinaram e foram reproduzidas na construgao destas novas correntes tedricas: Psicandlise; Psicologia Analitica ou Junguiana e Psicologia Genética’. A utilizaco sistematica da introspeccdo como método experi- mental apresentava, ao mesmo tempo, possibilidades e limites na produgao de dados cientificos. Esse é um exemplo de como a pro- dugdo de conhecimento é um proceso histérico e dinamico, pois a discussao sobre o método, aliada as demandas sobre 0 conhecimento do “funcionamento” do homem abrem espaco para novas concep- sbes. O relato, decorrente da introspeccao, dependia da pessoa que se observava internamente, portanto, ninguém poderia, indepen- dentemente, conferir sua veracidade; observador e observado eram ultando a replicagao e fidedignid uma ¢ a mesma pessoa, di dos dados, Outro problema da introspecgao ©: mentos que permitissem alcangar um consenso para situagdes conflitantes vindas de laboratorios rivais. ‘As criticas e os limites da infrospeccao, pelo menos nos EUA, abriram caminho para a emer~ a 3. A constituigao histérica € 0s conceitos da Psicandlise, Psicologia Analitica ou Junguiana.c Pecohisa Genetica encontramese detathades nos capitulos 4, 5 e 8 respect vamente, deste livro, ‘A DIVERSIDADE DA PSICOLOGIA, " re uma separagao entre ob- das de confiabilidade of, em que ocor $< géncia do Behaviorism else servador e observado € sao_poss entre observadores. Na Alemanha, a Psicologia © filosofia. As pesquisas realizadas Po resolve “ para investigagdes académicas que P' principalmente od undo, lidade concreta, Em outras partes do 7 senvolviam uma Psicolo- EUA, os alunos e discfpulos de Wundt det ‘or de ordem pratica muito maior. gia com um cardter de e eto de uma relagio entre os estudos perceptivel o estabelec icologia Experimental. Mas sua de Wundt e 0 desenvolvimento da Psicologia Et ctudar os contribuigao para as dreas da Psicologia que passaré oneneionada processos simbdlicos e a linguagem em geral quase nao ¢ M7" : Ea partir de sua proposicao do cardter dicotémico da consciéncia que se criam as bases para 0 florescimento das concepgses freudianas (Psi- canélise) ¢ junguianas (Psicologia Analitica ou Junguiana). A partir da area da Medicina e da Satide, Freud (1856-1939) e Jung, (1875-1961), apoiados em quest6es praticas de como reinte- grar individuos com “doencas nervosas” a sociedade, passam a es- tudar os processos simbdlicos e a linguagem, buscando possiveis alternativas de tratamento ao emprego dos choques elétricos e dos métodos utilizados na época. Estes pensadores, ao contrario de Wundt, nao se encontravam inseridos no contexto das universida- des e presos 4 pesquisa académica, mas tinham suas atividades voltadas para o contato direto com as pessoas na clinica ou nos hos- pane rus denice es dad por um questo processos simb6licos e lingiiisti son empl: So's trnbalhar-com, guisticos, pretendiam Proporcionar um fratamento que reinserisse o individuo na sociedade e permitisse compreender melhor 0 processo Psiquico do homem. P is Neste sentido, e ra ainda vista como um campo da 1 Wundtestavam dirigidas mais : er problemas da rea- 4. A constituicéo historica i dentine do Behaviorismo encontra-se detalhad. itu la no capitulo 3 % ONSTTUKAO HISTORICA DA PSICOLOGIA ~~ a turagdo da linguagem. Tais pensadores ons e através da estru' | : peas stodo comparativo, que era a esi s utilizando o mé eiaram seus estudos con aa mm sta inicial de Wunat. Seus trabalhos baseavam-se na obser: prep (ou seja, 0 objeto de estudo se carac- esta fase, pela linguagem), na andlise da produgao artistica jmbdlica e na sua confrontagao do discurso com a experiencia es | ke i 5 inte a 9 = civida do paciente. Ao analisarem a Iogica interna da fala dos pax Senile ¢ Sempre havia uma relagao direta com yagao do discurso do paciente teriza, 0 jentes, eles notaram que nem el ae seperenel vivida. Porm, © que era relevante para a teoria nfo dizia respeito 4 veracidade dos fatos, mas a coeréncia interna lo iliscurso do paciente, Neste sentido, eles puderam verificar que @. discurso pode se referir 4 experiéncia vivida ne ealidade cencrera ota um desejo de passar por estas experiéncias. Foi a utilizagao sis- jematica do método comparativo de andlise do discurso dos pacien- tes que levou Freud e Jung a proporem outros objetos de estudo para a psicologia: o inconsciente e 0 simbolismo da vida psiquica. ‘A Alemanha, até a I Guerra Mundial (1914-18), possuia hege- monia das universidades no desenvolvimento da Psicologia e de outros interesses académicos. Toda formagao em pés-graduacao, doutorado, era feita neste pais. Os EUA desenvolveram suas pré- prias escolas de pés-graduagao na década de 20 do século XX. A guerra interrompeu 0 trabalho de muitos pesquisadores e profes- sores de ambos os lados do conflito, mas também os levou a estu- darem fenémenos decorrentes deste momento histérico-cultural. Por exemplo, Freud passa a estudar, além de casos clinicos, a psico- logia de massas; Lewin faz um estudo fenomenolégico do campo de guerra nas trincheiras.jA mobilizagéo de grandes massas Populacionais para a guerra levou os psicélogos a criarem testes Para selecionar pessoas para as diferentes tarefas da guerra. Hd um grande desenvolvimento da psicologia aplicada. ¥ Segundo Penna (1990), no século XX ha uma redugao da acei- tacdo do positivismo e do naturalismo na psicologia e na ciéncia em geral. O positivismo é criticado por Popper, que substitui a verificabilidade pela falsificabilidade das proposigdes e por cons derar que o conhecimento origina-se da apreensao de problemas e Nao da observacao e experimentagao dos fatos — propde uma revi- S80 do positivismo através do neopositivismo ou empirismo légi- ‘A DIVERSIDADE DA PSICOLOGiA 4 Frankfurt, marxismo ocidental, con- a de ho positivismo, esvaziando 9 histdrico © dialético®, 0 co- pela verificagao ou falsea- temologicas, criticas a co. A teoria critica da Escol testa a preacupagao empirica « , empirismo, conceituando 0 real come nhecimento se produz pela priftis € N20 PY rn a a ee indo ieBehaviorismo, outras con- positivismo, propiciaram que, ao lado ¢ cepgdes de Psicologia se desenvolvessem. inl outras formas 4 Pouco antes do inicio da a een algurias nos EUA, © fazer psicologia comecaram a se : sta. Eoutras na Europa: na Ale- Behaviorismo ea Psicologia humanista. E ou r i manha, a Gestalt, a Fenomenologia® e 0 Psicodrama’, na Suiga e Franca, a Psicologia Genética; na antiga Russia, a Psicologia Sécio- Histérica®, O Behaviorismo trabalha com a psicologia como ciéncia_ do comportamento e enfatiza o observador e as relagoes funcionais do comportamento. A Psicologia Humanista enfatiza as relacGes e a motivagdo humana. A Gestalt, a Fenomenologia e o Psicodrama enfatizam 0 ator, que vé sua agao como adequada as situagdes em que ele se encontra, nao explica por que age de determinada forma, a énfase & no encontro; consideram que a psicologia nado pode se- guir os métodos das ciéncias naturais, pois seu objeto de estudo tem uma estrutura especifica, deve buscar a compreensao, as razdes e metas, enfim, 0 significado ¢ nao as relagdes causais dos fendme- nos. A Psicologia Genética enfatiza 0 processo de desenvolvimento cognitivo do homem e pretende ser uma epistemologia. A Psicolo- gia Sdcio-Histérica rompe com a visao positivista e assume o mate- rialismo dialético e histérico como fundamento epistemolégico, colocando que o psiquismo é resultado do Pprocesso de evolucao da matéria e se constitu no processo de humanizagao. As diversas propostas tedricas da psicologia s6 vieram a se confrontar ¢ a se opor, quando Hitler ascende ao poder e gera uma migragao dos 5. A anilise 1 deste livro, 6. A constituicao hist6rica e epistemold, encontra-se detal epist i cei nee hs gica da fenomenologia etalhade do 3 tic 6 materialismo hist6rico e dialético, marxismo, encontra-se no capitulo 7. A constituigao hist6rica e epi cept sti “pistemolgich do psicodrama encontra-se detalhada no 8. A constituigao histérica e detalhada no capitulo 10 deste lives Bia Ma P oi ‘sicologia Sécio-Historica encontra-se ACCONSTITUIGAO HISTORICA DA PSICOLOGIA 95 psicdlogos europeus para a América. Os anos entre as duas gran. des guerras, 1919 a 1939, caracterizaram-se pela mudanga no UXO de pesquisadores, s40 os curopeus que va0 para a America, por exemplo: Moreno, Koffka, Wertheimer, Lewin, Kohler, parte de in- tegrantes da Escola de Frankfurt, tais como Adorno, Horkheimer, Marcuse, Fromm (Farr, 1998). Notamos que a Psicologia, em suas diversas correntes tedri- cas, ainda nao conseguiu superar as perspectivas mecanicistas e deterministas que fundamentaram sua constitui¢do no final do século XIX. Percebe-se, através dos conhecimentos produzidos e metodologias utilizadas, que muitas das linhas de pensamento que acompéem, mantém a concep¢ao do homem_como um ser dotado de caracteristicas, habilidac ias inatas que iréo desen- volver-se e atualizar-se ao longo d itam ser ele cons- tituido por uma cspécie de funcionamento proprio autogerado e regulado, podendo ser conhecido em sua totalidade. A reproducao de tais preceitos mostra que a relagao entre os homens e a realidade vivida ainda nao gerou a necessidade de transformagao de tais ideais e, desta forma, podemos dizer que a Psicologia, muitas vezes, con- tinua atuando como instrumento de controle e estratificacao social. eee estratiticacao social. _ Referéncias bibliograficas ANTUNES, M. A Psicologia no Brasil: uma leitura histérica sobre sua consti- tuigiio. Sao Paulo: Educ/Unimarco, 1999, BOCK, A. M. B.; GONGALVES, M. G. M.; FURTADO, O. (orgs.). Psicolo- sia sécio-historica (uma perspectiva critica em psicologia). S40 Paulo: Cortez, 2001. FARR, R. M. As raizes da psicologia social moderna, Petrépolis: Vozes, 1998 FIGUEIREDO, L. C. Psicologia, uma mtrodugio; uma visio histérica da psico- logia como ciéncia. Sao Paulo: Educ, 1991a. —_.. Matrizes do pensamento psicoldgico. Petrépolis: Vozes, 1991b. PENNA, A. G. Filosofia da men! Rio de Janeiro: Imago, 1990, introduc ao estudo critica da Psicologia. 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