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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
TURMA: FIDEL CASTRO

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA PARA OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO


CAMPO

A PRÁXIS DA CULTURA NO MST: A EXPERIÊNCIA EM PROCESSO DA


BRIGADA ESTADUAL DE CULTURA DO MST/MS FILH@S DA TERRA

JOÃO PESSOA- PB
NOVEMBRO de 2011
JULIO HENRIQUE MORETI

A PRÁXIS DA CULTURA NO MST: A EXPERIÊNCIA EM PROCESSO DA


BRIGADA ESTADUAL DE CULTURA DO MST/MS FILH@S DA TERRA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de História, do Centro de Ciência Humanas,
Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba
– UFPB, em cumprimento às exigências da
disciplina Trabalho Acadêmico de Conclusão de
Curso II.

João Pessoa- PB
Novembro de 2011
PRÁXIS DA CULTURA NO MST: A EXPERIÊNCIA EM PROCESSO DA
BRIGADA ESTADUAL DE CULTURA DO MST/MS FILH@S DA TERRA

Julio Henrique Moreti

Professores Leitores do TACC

____________________________________________________________
Profº Rafael Litvin Villas Bôas
Orientador

____________________________________________________________
Profº José Jonas Duarte
Leitor
À tod@s que jamais renunciaram os
princípios de lutar, principalmente
nos momentos em que a luta fora
considerada utopia.
Aos que não se vendem e não se
rendem: Egídio Brunetto
À Marizete Borges, pelos difíceis
momentos que passou na prisão,
pela sua pertença ao MST e sua
dignidade.
AGRADECIMENTOS

Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, à Brigada estadual de


Cultura do MST-MS Filhos da Terra, ao Utopia, às utopias.
À Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré, que em 2011 completou 10
anos de trabalho no MST.
Ao militante camarada Rafael Litvin Villas Bôas, integrante da Brigada
Nacional de Teatro Patativa do Assaré, pelas críticas feitas a este trabalho.
RESUMO

O objetivo deste trabalho é análise da atuação, produção e expansão do grupo de


Cultura Utopia, que organizara e transformara-se em Setor de Cultura no Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e posteriormente passa pelo processo
de massificação entre os anos de 2003 e 2004. Para isto buscará analisar a
produção e as contradições provenientes desta em relação às demandas
organizativas e conjunturais do MST, do Coletivo Nacional de Cultura e parcerias
com outros grupos até o ano de 2005. Busca-se ainda compreender como o
processo de massificação e formação do setor contribuiu na discussão da estratégia
política do MST-MS.

Palavras chave: Utopia,Cultura, Arte e Teatro


Sumário

Introdução ............................................................................................................................ 10
1. A arte no MST como elemento de transformação social …............................................. 13
2. A utopia em Mato Grosso do Sul …................................................................................. 21
3. Filh@s do Utopia, Filh@s da Terra …............................................................................. 29
3.1 Teatro Fórum ….............................................................................................................. 33
3.2 A organicidade do setor de cultura …............................................................................. 35
3.3 A cultura na organicidade …........................................................................................... 37
3.4 A arte de lutar ….............................................................................................................. 44
4. A inserção da Cultura na discussão sobre a estratégia política do MST ........................... 54
4.1 Produção cultural, reprodução da vida …....................................................................... 56
4.2 A arte como mediação na luta de classes ….................................................................... 62
Considerações finais …......................................................................................................... 66
Referências bibliográficas...................................................................................................... 69
Anexo – A Exploração do Trabalho ….................................................................................. 71
Lista de Siglas

ALCA – Área de Livre Comércio entre as Américas


BECFT – Brigada Estadual de Cultura do MST-MS Filh@s da Terra
BNTPA – Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré
CTO – Centro de Teatro do Oprimido
ENFF – Escola Nacional Florestan Fernandes
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MS – Mato Grosso do Sul
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
TO – Teatro do Oprimido
[…] de acordo com a concepção materialista da história, o fator que em
última instância determina a história é a produção e a reprodução da vida
real. Nem Marx nem eu jamais afirmamos mais que isto. Se alguém o
tergiversa, fazendo do fator econômico o único determinante, converte esta
tese numa frase vazia, abstrata, absurda.
(K.marx-F. Engels, obras escolhidas em três volumes. Ed.cit., pp.284-285)

Se os mais jovens sublimam, às vezes mais que o devido, o aspecto


econômico, a culpa em parte cabe a Marx e a mim. Em face de nossos
adversários, tínhamos que enfatizar este princípio cardinal que eles
negavam e nem sempre dispúnhamos de tempo, espaço e oportunidade
para conferir a devida importância aos demais fatores que intervêm no jogo
das ações e reações.
(K.marx-F. Engels, obras escolhidas em três volumes.Ed.cit., p. 374)
10

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo pesquisar a produção cultural do MST-MS –


músicas, poesias e teatro entre os anos de 1999 até 2005 almejando compreender
se o Setor de Cultura, através da arte, atendeu uma demanda política da
organização. Fazer uma análise da experiência da Brigada Estadual de Cultura do
MST-MS Filh@s da Terra se em sintonia com o Coletivo Nacional de Cultura e com
as necessidades do MST nas regionais onde os 7 grupos se faziam presentes. Por
fim pretende analisar o processo de massificação e formação do setor nos anos de
2003 e 2004, como que o Setor de Cultura foi se adaptando às diferentes realidades
no estado, se a arte permeou os outros setores da organização e como o próprio
Setor de Cultura se transformara em um processo permanente de formação de
militantes para o MST.
A metodologia utilizada no trabalho foi de se basear no conceito de Cultura
que o MST assimilou e desenvolveu como tudo que o ser humano produz para sua
existência e o conceito de Cultura como campo da práxis, proveniente de uma
tradição marxista de formulação que a concebe como algo em desenvolvimento e
articulado com as esferas da economia e da política – representado no trabalho pelo
Professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Marildo Menegat.
Como integrante de um dos sete grupos de Cultura existentes no MS, me foi
incumbido o tema de analisar a história do Setor de Cultura do estado, já que o setor
me indicou e proporcionou condições para a realização deste curso.
Fiz uma opção de não discutir sobre a mística no trabalho sob o motivo que
ela sempre existiu na organização desde o início e não é (ao menos não pode)
tarefa específica de um setor. Também pelo fato de que demandaria entrevistas com
companheiros mais antigos para comparar a mística antes e depois do grupo Utopia,
o que me custaria a mais que minhas possibilidade de pesquisa no momento.
As fontes são provenientes de entrevistas realizadas por e-mail deviso à
dispersão das pessoas que participaram do processo tanto pelos cantos do MS
como em outros estados. Artigos de circulação entre o Coletivo Nacional de Cultura,
relatório de seminários, encontros, reuniões, avaliações e atividades dos grupos de
cultura entram como fontes também. Assim como as poesias, peças de teatro,
músicas e intervenções de Agitação e Propaganda.
O trabalho é dividido em quatro capítulos: o primeiro tenta compreender o
11

conceito de cultura que o MST assimilou em desenvolveu ainda no final da década


de 1990 quando de um seminário em Cajamar, São Paulo, em 1998, com o objetivo
de entender e potencializar as ações do MST no campo da Cultura. No seminário de
2005, na Escola Nacional Florestan Fernandes o conceito de Cultura é trabalhado
como campo da práxis social. O debate sobre a arte como campo da cultura se
estabelece na arte como elemento de transformação social. Deste modo a relação
entre forma e conteúdo aparece para que se possa compreender que a forma é o
conteúdo social sedimentado.
O capítulo 2 discorre sobre a origem do grupo Utopia no ano de 1999 no
acampamento 17 de abril. Antes de se transformar em setor de cultura, o Utopia
realizou trabalhos importantes no estado como a rodada de apresentações para o
plebiscito contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) que percorreu 28
municípios do estado proporcionando o debate e recolhendo votos. A produção do
grupo vai ganhando corpo político na medida em que seus integrantes passam por
processos de formação política nas lutas do MST: ocupações, marchas,
mobilizações, cursos e encontros. Com o aumento da demanda de
acompanhamento das atividades para o Utopia, se faz presente a necessidade de
multiplicação desta experiência.
O terceiro capítulo analisa o momento de massificação do setor ocorrido por
meio de um projeto em parceria com a secretaria estadual de cultura: “Terra teatro e
cidadania”. Com uma oficina estadual, em que fora criada a Brigada Estadual de
Cultura do MST-MS Filh@s da Terra, e mais seis oficinas regionais, momento de
criação de seis grupos de cultura nas regionais do MST. O capítulo é dividido em
quatro itens: o 3.1 trabalha a relação com o Teatro Fórum e as possibilidades de
utilização do mesmo para discutir os problemas que historicamente afetam a
população brasileira como o Machismo e Racismo até o momento em que o TO
deixou de ser o centro de produção teatral no estado; no 3.2 é apresentado uma
breve exposição de como está estruturada a Filh@s da Terra, representada pelos
sete grupos nas regionais; o 3.3 expõe a relação entre massificação, estudo e a arte
cumprindo uma demanda política de acordo com as coordenações regionais; o
último item do capítulo compara a produção de duas peças: uma como necessidade
da frente de massa1 de fazer trabalho de base e a outra com oum processo de

1
Setor prioridade do MST em que os militantes são responsáveis de fazer trabalho de base para construção de
novos acampamentos, assim como a organização inicial do acampamento.
12

construção coletiva em suas várias versões.


O último capítulo discute como a produção do Setor de Cultura obedece uma
tendência política, por estar inserido nas lutas do MST. Os 4 itens que formam o
capítulo discutem a relação entre os três princípios do MST: Terra, Trabalho e
Transformação Social com peças construídas pela BECFT como forma de expressão
da estratégia política do MST. A necessidade de utilizar a forma épica para discutir
determinados temas, a capacidade da arte como mediação da realidade para
estabelecer contradições e percepções que não são visíveis ao real imediato e a
utopia – tanto o grupo quanto a ação da BECFT – como antecipação no presente de
possibilidades de experiências de vida e luta não mediadas pela dinâmica do capital.
13

1. A cultura no MST como elemento de transformação social

Este trabalho adota o conceito de cultura que o Movimento dos Trabalhadores


Rurais Sem Terra (MST) assimilou e desenvolveu a partir do conceito marxista de
cultura como campo da práxis social, como parte da reprodução da vida humana em
sociedade onde a cultura é algo em desenvolvimento e articulado com as esferas da
economia e da política. Foi um processo de (em) desenvolvimento do conceito que
teve início no seminário2 de 1998 O MST e a Cultura: enraizar é fundamental, e teve
continuidade no seminário de 2005 Arte e cultura na Formação. O seminário do MST
em Cajamar no ano de 1998 entre 1 e 3 de junho. Este seminário nasce da tentativa
de entender e potencializar as atuações do MST no campo da cultura. Ao acúmulo
do seminário da década de 1990 foram acrescentadas demais avaliações e análises
no campo da cultura, com o processo de complexificação do MST em virtude
também da complexificação do sistema capitalista de produção, até que em 2005 o
MST propõe outro seminário agora com o título “Arte e Cultura na Formação”,
realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes. O presente trabalho tem nas
discussões destes dois seminários, a referência da formulação do conceito de
cultura – sem jamais se propor a dar conta de toda a complexidade que foram os
dois seminários – que orienta as linhas políticas do coletivo nacional de cultura do
MST.

Cultura é tudo o que é produzido pelo ser humano: da panela de barro à


música clássica e à tecnologia de ponta. Neste sentido cada povo produz a
sua cultura, ligada aos processos históricos que vive. A cultura de um povo
pode ser apropriada por determinados grupos sociais e se tornar um
instrumento de dominação. Ou pode, ao contrário, ajudar em processos de
libertação. Podemos também discutir a cultura do ponto de vista das
produções culturais. A arte é uma delas. (TAPAJÓS, 1998)

A cultura é o modo pelo qual damos significado à vida, à sociedade, é o que


nos diferencia da natureza no momento que produzimos nossa forma de viver, de
2
Participantes do Seminário: Enio, Neuri, Bogo, João Pedro e Egídio/DN; Zé Pinto, Mineirinho, Marquinhos e
Zé Cláudio/Coletivo dos Músicos; Edgar, Roseli e Terezinha/Setor de Educação; Dilei/Setor de Formação;
Alípio/Revista Sem Terra; Dulciléia, Aranha e Carlão/SP; Fabiana e Ribamar/RJ; Vânia e Lurdes/CE,
Genadir/MT; Jeferson/BA; Carlos, Clarice e Anderson/convidados. Coordenação: Enio, Edgar, Neuri, Bogo,
Alípio e Roseli. Sistematização: Alípio e Roseli. Assessores: Renato Tapajós, Luiz Eduardo Wanderlei,
Alfredo Bosi, Carlos Eugênio Paz e Ademar Bogo.
14

representar a realidade. Isto se dá de diferentes maneiras e também dependerá do


contexto social em que se vive, dependerá da classe social de onde se fala. Se
comparamos o mundo Árabe, com o mundo ocidental podemos observar que há
formas bem distintas de sociedade, a lógica de consumo, a relação com a religião, a
constituição dos povos e tudo isto vai influenciar no modo representar a realidade
pela arte. Nesta acepção a cultura está vinculada com as esferas da economia e da
política, como partes indissociáveis do processo de reprodução da vida.
Assim os atos de cultura sempre estarão ligados à vida social, mesmo que
seja produzida de forma isolada, pois para a produção da mesma foi necessário um
acúmulo histórico do desenvolvimento de determinada sociedade. Não foi o
indivíduo que inventou a fala, mas a necessidade de se comunicar com seus iguais,
não foi o indivíduo que criou a língua, mas sim determinado grupo que, de forma
consensual, atribuiu à determinadas palavras certos significados de acordo com as
necessidades do momento.

Portanto, quando se inclui o conceito de cultura na ideia de práxis social, se


está na verdade querendo mostrar que para pensarmos a arte é preciso
pensar a vida social como um todo. Não se trata apenas da arte enquanto
um produto do artista, mas principalmente da arte enquanto expressão de
um conjunto de matérias, de elementos, de técnicas e de habilidades que
são comuns à espécie humana e a uma determinada sociedade. Logo, não
estamos tratando de pessoas de outro mundo. Fazer arte, entender a arte,
fruir a arte, ou seja, poder gozar diante dos objetos artísticos, é uma
atividade humana absolutamente necessária.
(Menegatt: p. 2006,)

Por mais que se use a palavra cultura para identificar apenas a arte, não se
pode deixar que apenas isto fique por contemplar o significado da palavra. A cultura
é o conjunto da produção humana a partir de sua intervenção na natureza, tudo que
nos é acrescentados após o nascimento, são as transformações e interpretações
das mesmas através do trabalho. Assim a produção da cultura dependerá dos
processos históricos vividos por cada sociedade e de acordo com seu
desenvolvimento em determinada área. Segundo Bogo (O PAPEL DA CULTURA NO
MST, 1999):
15

(…) encontraremos manifestações culturais diferentes a depender do grupo


social que observamos, da região do país em que vivem etc. Podemos nos
diferenciar no modo de andar, vestir, comer etc. Esta soma de
características e expressões culturais constituirão o que se chama de
consciência social.

Assim o MST tem sua produção cultural, desde sua formação em 1984, de
acordo com as relações sociais de produção de seu tempo, de acordo com com o
acúmulo que a humanidade proporcionou até os dias de então. Desde o início vem-
se criando símbolos, canções, poesias, pinturas para fomentar a luta cotidiana nos
acampamentos, assentamentos e mobilizações. As formas de organização nas
marchas, ocupação, a linguagem, o hino, a bandeira, as reuniões, a produção sem
agrotóxicos que respeita a natureza, a luta contra o latifúndio e tudo que o MST fez é
responsável pela sua identidade, o que caracteriza o ser Sem Terra. A arte explicita o
quotidiano do campo, a necessidade de repartir a terra, de trabalhar coletivamente,
assim como o desejo de transformação social. A noção de produção trás
similaridades da herança que reinava na igreja católica a considerar que o MST teve
muita ajuda desta em sua consolidação nos tempos da teologia da libertação.
Também de acordo com as influências regionais a considerar que o MST é uma
organização nacional3. A característica que unia a produção cultural era o conteúdo
de luta para forjar a transformação social. Conforme Tapajós

Os conteúdos nunca estão separados das formas. Se queremos


inovar/transformar precisamos também produzir formas diferentes de
expressão. A maneira de narrar, de contar a história também tem que
mudar. A verdadeira arte é a que inquieta as pessoas; incomoda. O objetivo
da novela televisiva, por exemplo, é tranqüilizar, acomodar as pessoas. Sua
estrutura já é comprometida com uma visão de mundo. A mensagem
implícita é sempre a da conciliação de classes (…) Ter presente que não se
trata de simplesmente “inverter o sinal”: fazer uma outra novela da Globo
com outra mensagem; porque se trata de um tipo de produção (a novela da
Globo) cujos objetivos/cujo processo de produção são conservadores,
ideologicamente conservadores. (Tapajós, 2003 transcrição)

A produção cultural do MST, segundo Bogo, deve lutar contra o poder das
elites, tomar o capital como uma força social e atuar na formação da consciência
3
Até 2005 o MST estava presente em 22 estados mais o Distrito Federal. Apenas em Roraima, Acre,
Amazonas e no Amapá que o MST não estava organizado, hoje Roraima já conta com presença do MST.
16

através de uma práxis revolucionária (2008, p. 165)

A nova cultura se insurgirá contra todos os tipos de dominação,


primeiramente de classes, depois nas demais relações, sejam
profissionais, de gênero ou institucionais, mas ela precisa de
mecanismos para se desenvolver... na vida social se desenvolve a
consciência social mediada por infinitas estruturas e relações.

Mas a cultura tanto pode emancipar – conduzir para uma sociedade livre do
julgo capitalista - quanto pode alienar, tanto pode fortalecer a luta dos trabalhadores
quanto naturalizar práticas dominantes, segundo Bogo (2008, p. 155) a cultura é um
cultivo de alto risco, que podemos fortalecê-la ou destruí-la a depender do modo
como a enxergamos e como vivemos de acordo com nossos propósitos.

Em qualquer tempo e lugar, a cultura é a mediação. Ela é construção e


ao mesmo tempo o construtor já feito... O agente da cultura faz e é feito
por ela. Não basta educar e politizar o ser social, é preciso intervir sob
as circunstâncias em que ele vive para criar novas circunstâncias... Os
movimentos sociais, por sua própria natureza, valorizam antes de tudo
as pessoas, sem elas não há organização, sem elas não há história,
mas, nem sempre conseguem vislumbrar o projeto mais amplo. Falta-
lhes a consciência da organização consistente dos partidos
revolucionários.

A cultura produzida pelas organizações, que buscam transformar a sociedade,


pode tanto colaborar com o a emancipação da classe trabalhadora quanto fazer o
trabalho do inimigo. Walter Benjamin em uma conferência para o estudo do fascismo
fala sobre a relação entre opção política e qualidade estética. Que não é porque um
o autor de uma obra se posta ao lado dos trabalhadores que seu produto estará a
serviço destes: (2008, p. 123)

(…) a tendência de uma obra literária só pode ser correta do ponto de


vista político quando for também correta do ponto de vista literário. Isso
significa que a tendência politicamente correta inclui uma tendência
literária. Acrescento imediatamente que é essa tendência literária, e
nenhuma outra, contida implícita ou explicitamente em toda tendência
política correta, que determina a qualidade de uma obra. Portanto, a
17

tendência política correta de uma obra inclui sia qualidade literária,


porque inclui sua tendência literária.

Não basta que se faça parte da luta de classe ao lado do proletariado para
que sua produção esteja a serviço destes, mas que a forma de explicitação do
conteúdo também esteja a serviço dos mesmo propósitos. As formas utilizadas para
encobrir a verdade não podem ser as mesmas formas para apontar a verdade. Mais
para frente Benjamin continua (2008, p. 127) “Brecht foi o primeiro a confrontar o
intelectual com a exigência fundamental: não abastecer o aparelho de produção,
sem o modificar, na medida do possível”. Não é o puro acesso aos meios de
produção que vai resolver os problemas da classe trabalhadora se ela continuar a
produzir como antes. O problema não está na simples troca de quem controla os
meios, mas como estes meios produzem sob o controle do proletariado ou da
burguesia. Não basta que os camponeses tenham acesso à arte que lhes fora
negada historicamente se esta não diferir daquela que os retirava da condição de
produtores, assim o acesso não cumpre com o propósito de mudança de uma arte
em prol das necessidades do proletariado. A pauta deve ser de ocupar os meios de
produção da arte para transformá-la de acordo com as necessidades de
representação da realidade do ponto de vista dos vencidos historicamente.

A Livre adaptação de Dias da Comuna de Brecht feita por Pantaleão


Araucário4 é uma análise central sobre o que é a cultura no MST:

Considerando

Pantaleão Araucário (Livre adaptação do poema Dias da Comuna)

Considerando que a diversão - que nos é imposta


nos detrata e subestima
de agora em diante
nós a combateremos.

Considerando que somos acusados de ignorantes


pelos causadores de nossa ignorância
nós declaramos:
atacaremos a causa do problema,
4
Pseudônimo de militante do setor de cultura do MST.
18

os detentores dos meios de produção


e a classe de suas verdades.

Considerando que nos privaram da


Condição de produtores
sob o argumento de que o consumo nos basta
nós avaliamos:
nosso ponto de vista não pode ser representado pelos senhores
por tanto, faremos nós mesmos nossos próprios meios.

Considerando

na vida que nos legaram,


não é possível viver

na igualdade que declaram coletiva


não há espaço para nós

na realidade que dizem ser natural


Sentimos a violência da norma que nos rejeita

Nós avaliamos:
estamos por nossa própria conta

E decidimos:
a verdade dos senhores
será combatida com nossa realidade

Forjaremos nós mesmos nossas próprias formas


e assim combateremos
pelo nosso ponto de vista

A aproveitar pelo momento do estado de exceção imposto pelos militares o


cardápio cultural brasileiro se transformara na arte para a simples diversão pela
comédia sem uma crítica à realidade, como anestesia social aceita pelo regime.
Vendendo sua força de trabalho durante boa parte do dia, e agradecendo quando
encontra alguém para explorá-lo, o trabalhador, no sistema capitalista de produção,
tem o momento para repor as suas forças e, no outro dia, produzir novamente. Mas
ao contrário do que se possa pensar, nossa liberdade no tempo livre está
condicionada ao que já foi pré estabelecido para tal. Adorno no livro “A Dialética do
Esclarecimento” fala que a liberdade organizada é coercitiva e vai além: “(...) deve o
tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lembrar
em nada o trabalho. Esta é a razão da imbecilidade de muitas ocupações do tempo
19

livre.” Esta diversão nos foi imposta. As nossas ações fora do serviço estão
condicionadas ao que foi preparado a se consumir: “(…) há motivos para admitir que
a produção regula o consumo tanto na vida material quanto na espiritual, sobretudo
ali onde se aproxima tanto do material como na indústria cultural”. (ADORNO, 1990
p. 41)
A indústria cultural, como o nome já diz, transforma a cultura numa
mercadoria onde o consumidor, acredita estar escolhendo qual produto irá consumir.
Como produz em larga escala – e também a considerar a concentração dos meios
de comunicação no Brasil – acaba por padronizar o consumo e para tal empobrece
o material estético além de criar estratificações de consumo, nos diz a plausibilidade
de consumir de acordo com o nível econômico.
O segundo e terceiro estrofe do poema apontam para o momento de tomada
de consciência sobre o consumo da indústria cultural e sobre a necessidade de
produção para combater a mesma. Benjamin 5 (1985) escreve sobre a importância
de, no momento de produção, ter cuidado para não abastecer o mercado com o que
deveria ser para a classe trabalhadora. Que a obra de arte tem que cumprir uma
função ao proletariado e que sempre deve-se fazer a pergunta à obra: como a obra
se vincula às relações sociais de produção de sua época? Aqui se coloca a grande
questão do Autor como produtor, que o escritor comprometido com a classe
trabalhadora terá sua decisão no campo da luta de classes e que sempre seguirá
uma tendência (o que for útil ao proletariado).
Do ponto de vista gramisciano o artista deve ser um militante orgânico e não
apenas se solidarizar com a causa do proletariado. Deve a luta da classe
trabalhadora estar atenta para o front da arte também. Estar atento é
compreender que não somente o conteúdo da obra de arte é o importante, mas
como o conteúdo é transmitido pela arte (sua forma), que o conteúdo só atua por
causa da forma (CÂNDIDO, 2007) e que a forma é o conteúdo social sedimentado.

as obras de diversas linguagens são selecionadas exclusivamente pelo


conteúdo, ou seja, pelo que supostamente abordam, ignorando a dimensão
formal, isto é, a questão de como tal conteúdo é abordado. Dessa maneira,
a especificidade formativa e desideologizadora do estudo crítico das
linguagens é soterrada, e o ensino de artes e de português é ofertado
apenas como suporte para as outras áreas de conhecimento. Então, é
5
O autor como produtor: conferência pronunciada no instituto para o estudo do fascismo, em 27 de abril de
1934. In: Magia e Técnica, arte e política, editora brasiliense, São Paulo 1985
20

comum os professores de artes serem solicitados para “ajudar” a área de


ciências a explicar determinado fenômeno por meio de um“teatrinho”, ou
músicas serem selecionadas exclusivamente pelo que diz a letra das
canções, ou ainda filmes serem selecionados para substituir a aula dos
professores, como ilustração do conteúdo, e não como uma matéria para a
reflexão em si.

A forma pode transformar a arte ao passo que a forma e o conteúdo se


relacionam dialeticamente porque quando a matéria social passa por mudanças (ou
o conteúdo) a forma se transforma – sofre alterações.

… e assim combateremos
pelo nosso ponto de vista
21

2. A Utopia em Mato Grosso do Sul

É difícil ficar calado


Quando se tem tanta coisa pra dizer
Muitos seguem o velho ditado
Se faz de cego para não ver
Garganta de Ouro

Em Mato Grosso do Sul as manifestações culturais se resumiam às músicas


nos espaços de encontros, reuniões, assembleias, marchas e mobilizações. Poesias
também faziam parte do quotidiano de reprodução cultural no estado, mas a
produção voltada para a luta fora em pequeno número, de forma esporádica, com
pouca repercussão em todo o estado a ponto de se constituir como uma experiência
que ficou como exemplo ou que se recorda com facilidade. Aldo, dirigente do setor
de formação explica que “O que sempre percorreu foram as músicas. Por exemplo
temos a música Santa Idalina que foi feita por um senhor no primeiro acampamento
do Estado, Santa Idalina, música que marcou a primeira ocupação no Estado”.
Ademir relata: “Haviam trabalhos artísticos relacionados à mística, música e poesia,
mas tudo era de forma espontânea ou as pessoas se reuniam para criarem em
grupos durante os eventos anuais.” Alessandra escreve sobre como a cultura estava
presente nas místicas da organização:

A mística sempre presente no MST/MS desde seu surgimento faz o uso de


produções culturais, as músicas, poesias, artes plásticas, bem como as
técnicas teatrais. Porém penso que não tínhamos dimensão das técnicas
utilizadas e da importância das produções culturais, bem como o domínio
da “cultura”, pois a cultura tanto liberta como aliena.

Apenas em 1999 que o estado vai contar com uma produção cultural com
expressão maior que antes. Partindo da necessidade de auto sustentação o
acampamento 17 de Abril6, fundado no mesmo ano e contando com 1200 famílias,

6
Homenagem aos companheiros que perderam sua vida na mesma data em 1996 no estado do Pará. 19 Sem
Terras foram assassinados pela polícia militar após um dia de marcha no município de Carajás
22

começa a fazer festas. A direção do acampamento coloca este desafio para a equipe
de animação7. Após uma das festas, o encontro de Garganta e Ademir forjara uma
iniciativa de ação:

Um certo dia recebi uma visita do senhor Ademir no meu barraco no


momento eu estava escrevendo uma musica (Pátria livre) e começamos
a conversar sobre a repercussão da festa e da animação do
acampamento, nos dissemos esta indo bem a uma participação efetiva
da juventude mas precisa inovar e/ou buscar novas atrações, e o
Valdemir disse “olha acho que o teatro seria uma ótima alternativa” ,
assim decidimos apresentar uma peça de teatro, realizamos os ensaios
da peça O caipira na cidade grande (Gílson Bonfim e Valdemir)
estávamos preocupados pois decidimos apresentar às 11 da noite, era
uma grande ousadia pelo fato de que o baile estava bombando, mas foi
um sucesso cerca de 6000( seis ) mil pessoas assistiram atentos a peça
de teatro que durou 40 minutos. (Garganta, Utopia)

Há de se avaliar também que neste acampamento havia pessoas com


acúmulo no que concerne ao teatro, poesia, música e narração de rodeio. O
companheiro Garganta, antes de acampar, trabalhava como narrador de rodeio,
compunha músicas e poesias – além de declamar poesias - e o companheiro Ademir
tinha experiência com teatro e compunha músicas, além de cantar. Já assentado
neste momento, havia o companheiro Tadeu de Morais Delgado que tinha habilidade
de pintar com lápis em folhas de caderno e também escrevia e recitava poesias.

Alessandra escreve como era a produção inicial do grupo e sobre os temas


que abordavam as apresentações:

No início tínhamos como tarefa principal a animação e mística no


acampamento que era o grupo responsável de manter “acesa a mística”,
demostrando sempre a força da unidade das pessoas e relembrando
fatos acontecidos com os trabalhadores da terra praticados pelo
latifúndio. Eram organizados pelo grupo noites culturais nos finais de
semana bem como as festas do acampamento “17 de Abril”, o grupo
produzia peças teatrais, as místicas de abertura, das festas e noites
culturais. Também era tarefa do grupo organizar a participação de outras
pessoas que não eram do grupo, mas cantavam, falavam poesias,
7
Os acampamentos tinha um organicidade interna em que várias equipes existiam para manter um bom
funcionamento dentro dos acampamentos: equipes de comunicação, saúde, educação, segurança,
alimentação, esporte, animação etc
23

dançavam ou qualquer outro tipo de manifestação cultural artística. O


grupo sempre trabalhou coletivamente e também como a comunidade
do acampamento, sendo sempre submetido a avaliação do trabalho do
mesmo. Os temas eram, críticas ao sistema capitalista, resgate histórico
da luta das|os trabalhadoras|es, e também temas ligados a cultura
camponesa; eram apresentações de quadrilhas, peças de teatro que
muitas vezes acabavam por retratar à cultura imposta pelo sistema
capitalista, a velha cultura o caipira burro, sem dente, com roupa
remendada e feliz. Porém sentíamos a necessidade de superar isso e
fazer da arte realmente uma arma de luta.

O grupo surge para suprir necessidades imediatas e sua produção não podia
escapar do que se aprende no cotidiano. A produção é parte de uma reprodução de
valores da cultura capitalista que nos é imposta pelos meios de comunicação de
massa. Por mais que temas políticos fossem trabalhados, as formas de explicitar os
temas estavam permeadas pela indústria cultural. Isto também tem relação direta
com a pouca formação política dos militantes em seu princípio, mas com a
participação nas atividades da organização e também em cursos de formação do
MST parte desta debilidade fora suprida.

Nos meses de 1999 o grupo se identificava como grupo de animação do


acampamento 17 de Abril, ganharia nome concomitante à responsabilidade de
discutir o setor de cultura no estado, pois eram as pessoas que estavam realizando
atividades e necessitavam de fazer isto de forma orgânica.

o grupo não tinha integrantes nem o nome Utopia existia, seis meses depois
em uma reunião da coordenação estadual no município de Dourados,
especificamente na vila São Pedro, após apresentação de uma peça na
noite cultural o coordenador do MST Egídio Brunetto, impressionado com o
trabalho se inscreveu pedindo a palavra e disse “nós precisamos discutir a
constituição do setor de cultura”, a ideia foi levada a sério e na escola de
formação que aconteceu no assentamento Vacarias o senhor Marcial Congo
convidou para uma reunião os integrante do setor de animação do
acampamento 17 de abril, a reunião era do setor de comunicação e após
fazer toda exposição do setor de comunicação, ele disse “agora nós vamos
discutir sobre o grupo de teatro nós precisamos dar um nome para este
grupo pelo fato de que as nossas apresentações tem que ir criando
referência” e foram levantadas várias possibilidades e o Utopia foi sugerido
pelo companheiro Marcial, pois o tema que nos tínhamos discutido no dia foi
exatamente a MÍSTICA e o que é UTOPIA. Talvez isso tenha influenciado e
explique o porquê do nome, como a ideia de utopia estava na cabeça de
todos a aprovação foi unânime. (Garganta, Utopia)
24

O grupo ganha unidade maior com o nome obtido, ao mesmo tempo sua
responsabilidade aumenta e toma dimensões estaduais para constituir o setor de
Cultura no estado. A demanda concreta de arrecadar fundos com festas, fazendo
animação para que as pessoas se sentissem bem nas atividades festivas do
acampamento se transformam em outra demanda que a organização tinha:
potencializar sua luta com as possibilidades vigentes e a arte se apresentou como
esta possibilidade no momento em que indivíduos marginalizados da sociedade, em
busca de uma possibilidade de sobrevivência, vão para um acampamento lutar por
um pedaço de chão. Será no acampamento que estes indivíduos poderão realizar
suas potencialidades no que concerne à arte, será no acampamento que outros
indivíduos terão, pela primeira vez em suas vidas, acesso a uma peça de teatro. É
no acampamento, onde se torna visível que a produção artística não está apartada
da realidade, que o artista pode ser aquele e/ou aquela que sempre esteve do outro
lado, mas agora sem palco, onde quem assiste pode opinar sobre a obra que assiste
e mesmo fazer parte do círculo de produção. Com a participação do acampamento
nas lutas promovidas pelo MST (marchas, trabalho voluntário, mobilizações,
ocupações, despejos etc.) os integrantes do grupo vão ao mesmo tempo se
formando enquanto militantes, como dando função nova à ferramenta da arte, com
maior atenção ao teatro. Em análise sobre a produção inicial do grupo, Garganta de
Ouro escreve que:

Inicialmente a produção cultural se pautava no humor e tinha como base


principal contos de camponês ou caipira, embora os integrantes não
terem passado por uma formação cultural , mas o principal ator do grupo
no sentido do acúmulo de experiência, era o Valdemir Joaquim de
Oliveira e esta experiência ajudava a dar qualidade nas nossas
produções culturais principalmente no conteúdo. Mas logo o grupo foi se
qualificando do ponto de vista político, não através da formação cultural
pelo fato de que não ouve uma oficina específica nem foi criado um
espaço de debate sobre o tema cultura, esta formação política foi
acontecendo dentro da organização através da formação como um todo
onde na maioria dos integrantes passaram por escola nacional, latino
americano, prolongado etc. O meio em que estávamos vivendo fez com
que o grupo mudasse a sua atuação tanto na forma quanto no conteúdo
e os temas políticos começaram a dominar a produção cultural e a
primeira peça política que produzimos fez muito sucesso tanto dentro da
organização como para sociedade que foi a peça (REFORMA AGRÁRIA
25

PELO CORREIO) a peça foi escrita por Garganta e Valdemir, após


lançamento da medida reforma agrária pelo correio, do então
Presidente da República FHC, a peça foi apresentada, nas escolas, nas
cidades de Deodápolis, Glória de Dourados, Fátima do Sul, Dourados,
Rio Brilhante, e Campo Grande durante a marcha estadual, que durou
31 dias de caminhada.

O meio começa a influir na produção do grupo que na marcha estadual pela


Reforma Agrária além de marchar como todas e todos tinha que ensaiar, apresentar
e debater sobre os efeitos da política neoliberal do então, presidente Fernando
Henrique Cardoso. A peça tanto serviu como processo de formação interna, na
medida que explicava para os marchantes sobre as possibilidades de Reforma
Agrária proposta pelo presidente, como serviu de propaganda da marcha e das
reivindicações e propostas do MST para a sociedade.

A função inicial do grupo que era de animar as noites nos acampamentos e


nos encontros continua, mas o grupo passa a ser solicitado pela direção do
movimento para usar da arte para debater temas que estão no quotidiano de luta do
MST. Ao mesmo tempo que a demanda de pautar certos temas vem exterior ao
grupo (a direção estadual) ela também parte dos próprios integrantes, pois os
mesmos estão inseridos de forma orgânica nas atividades da organização. Não é o
artista quem se solidariza com a luta de classes, mas parte do proletariado, inserido
na luta, que usa da arte como forma de lutar.

Com a tarefa dada pela direção para o grupo Utopia assumir o plebiscito
contra a ALCA (representando o MST) o grupo constrói a peça ALCAPETA que se
transformou num marco da produção teatral do MST-MS pela sua repercussão nos
municípios onde passou. Seu alcance na rodada de apresentações foi de 13 mil
alunos e muitos votos contra a implementação da Área de Livre Comércio das
Américas.

A rodada que o grupo Utopia realizou, foi de fato o principal momento do


grupo no sentido da consolidação como grupo de teatro, uma vez que
tinha uma produção própria e já apresentava uma qualidade nas
atuações, aquela rodada foi de fato inesquecível, pois em muitas
cidades fomos vitima de preconceito, como nos tínhamos referência na
cidade por onde fomos passando usamos a metodologia de solicitar o
apoio dos dirigente das regiões e sempre estes dirigentes faziam
26

negociações para mobilizações nos órgãos públicos, mas jamais foram


pedir ou solicitar um espaço para fazer apresentações de teatro, isso
causou um estranhamento no meio políticos, será que sem terra sabe
fazer teatro? (…) após esta passagem, segundo os nossos dirigentes
afirmaram que os políticos passaram a apoiar mais o MST na região e a
admirar o movimento sem terra. (Garganta, Grupo Utopia)

Mesmo sendo uma demanda da organização, o grupo Utopia passou por


dificuldades no sentido de ter de provar internamente também – no calor da rodada,
entre passagem de uma cidade para outra, de uma regional para outra – sobre a
capacidade do grupo de usar a arte como elemento de debate político. Alessandra
analisa como se deu parte deste momento de enfrentamento interno e externo, cada
um em suas devidas proporções.

No início nem o MST/MS acreditava no potencial do grupo Utopia em fazer


da arte um instrumento de luta. Nas cidades onde chegávamos éramos
recebidos por amigas|os do MST/MS, mas geralmente quando chegávamos
as escolas que eram nossa alvo principal, as pessoas ficavam
desconfiadas, apreensivas, criticando e muitas vezes debochando da
bandeira do MST. Percebia-se uma resistência, mas também uma certa
dúvida, pela bandeira do MST sempre estar unida a do Brasil (eram duas
bandeiras grandes do mesmo tamanho, tinham mais ou menos uns 3mX4m
cada). Quando as pessoas percebiam uma preocupação do grupo Utopia
com o “Brasil e sua soberania”, que se tratava de uma forma de dialogar e
informar a população que o projeto da ALCA não era realmente exposto
com suas dimensões por parte dos representantes políticos partidários do
povo. As urnas para votação se eram a favor ou contra a ALCA em muitas
escolas estavam vazias, nem as professoras haviam votado, depois da
apresentação formavam-se filas, mesmo a aula já tendo encerrado, os
ônibus precisavam esperar os alunos que faziam questão de votar antes de
irem embora.
Houve dois fatos interessantes com relação à igreja, uma igreja em uma
cidade queria cobrar R$ 200,00 (duzentos reais) para apresentarmos na
mesma, após a repercussão do trabalho do grupo Utopia a mesma igreja
queria pagar R$ 200,00 (duzentos reais) para apresentarmos.
Outro foi em outro município um padre nos recebeu na casa da paróquia e
disse para ficarmos a vontade, porém ele estava viajando então um grupo
de pessoas com cargos na igreja se reuniram para nos expulsar da
paróquia, pois segundo eles estávamos atrapalhando as negociações e
doações de uma festa que iria acontecer, pois os fazendeiros se negavam a
contribuir com a igreja enquanto Sem Terra estivesse ali. Esse grupo
pressionou o padre e ele abandonou a atividade onde estava para resolver
27

o problema. Quando ele chegou reuniu o grupo da igreja e os mesmos


fizeram suas alegações sobre a festa e o padre disse “eu não troco o meu
povo por cabeça de boi”, cancelou a festa e nos disse para ficarmos o
quanto precisássemos. Apresentamos uma mística na igreja e muitas
pessoas vieram nos agradecer, principalmente a juventude. O padre após
um tempo foi trocado de paróquia. O grupo acumulou muitas experiências
durante este tempo, principalmente porque todo o processo era avaliado
tanto pelo grupo Utopia em reuniões e também pelo público das escolas,
onde os alunos faziam uma avaliação critica, oral ou escrita da
apresentação.

A professora Iná Camargo Costa (2005 p.11) comenta a peça quando de sua
publicação num caderno de teatro produzido pela Brigada Nacional de Teatro
Patativa do Assaré com peças de vários grupos de cultura e de teatro de vários
estados onde o MST está organizado:

Ela [a peça ALCAPETA] realiza uma das mais difíceis propostas de Brecht
(refuncionalização de clichês) pela simples operação de colocar o olhar do
MST sobre um dos mais antigos preconceitos da dramaturgia brasileira (e
mundial, pois já existia no teatro grego). Trata-se da figura do caipira, ou do
rústico (na catalogação dos gregos), vítima das pretensões de superioridade
dos citadinos, desde sempre apresentado como mentalmente inferior e por
isso incapaz de falar corretamente ou de entender as convenções da vida
supostamente sofisticada nas cidades. Pois bem, a peça referida apresenta
um tipo que, por falar a língua caipira e ter uma inteligência e um senso de
humor raros, cria uma série prodigiosa de piadas em diálogo com um jovem
que participa do combate à ALCA. Ao final da conversa, em meio a risos que
vão do sorriso à gargalhada, ficamos sabendo do preço que pagaremos se
essa malfadada iniciativa do imperialismo americano prosperar. Mas este é
o objetivo da peça (plano do conteúdo). Seu feito formal foi, ao
refuncionalizar o clichê do caipira, mostrar objetivamente a diferença entre
rir de alguém e rir com alguém. No primeiro caso, o riso é violência e
demonstração da pretensão de superioridade de quem ri; no segundo, caso
desta peça, é a rara experiência da igualdade social no reconhecimento da
inteligência do piadista, capaz de rir até de si mesmo. E isto sem falar na
ampliação dos recursos da língua, disponibilizada pelo reconhecimento dos
direitos estéticos do falar caipira.

Em função da repercussão da rodada de apresentações que percorrera 28


municípios – 41% dos 77 municípios de Mato Grosso do Sul até então 8- dos 77 que
o estado possuía, o grupo passa a receber convites em um número maior que a
8
Em 2004 o distrito de Figueirão é emancipado e o estado passa a contar com 78 municípios.
28

capacidade de efetivação. Não só os convites internos, mas também os que


extrapolavam os limites do MST: escolas, prefeituras, igrejas, bairros, sindicatos.
Assim surge a demanda de multiplicação daquela experiência.
29

3. Filh@s do Utopia, Filh@s Terra

O processo de massificação do setor ocorrera por meio de um projeto com a


secretaria de cultura do estado de Mato Grosso do Sul onde a professora de Teatro
Andréia Freire colaborava com as técnicas de iniciação teatral.

O inicio da massificação ocorreu em 2003, na primeira oficina estadual de


teatro com o projeto Terra, Teatro e Cidadania, que durou dez dias, com a
participação de trinta e sete pessoas sendo cinco de cada regional
(Fronteira, Pantaneira, Centro Sul, Centro, Vale do Ivinhema e Cone sul) e
membros do grupo Utopia. A oficina de teatro foi coordenada pela atriz
Andréa Freire e teve a participação de Rafael, representante da Brigada
Nacional de teatro Patativa do Assaré que garantiu o início do contato e
marcou a constituição do setor de cultura do MST/MS. Foi também onde
tivemos o contato com o Teatro do Oprimido de Augusto Boal. (Alessandra
Silva,Utopia)

O Projeto arcava com parte dos gastos de alimentação e deslocamento para


que 25 pessoas, acampados e assentados, participassem da oficina de criação dos
grupos de cultura nas regionais. Ao total foram seis oficinas regionais e uma
estadual. Sem a captação de recurso não seria possível a realização de tal atividade
na época.

Após a oficina estadual as pessoas que participaram retornaram as suas


bases com a tarefa de organizar pessoas para formar grupos nas regionais,
as oficinas regionais aconteceram durante o ao de 2003 e no inicio de 2004,
cada oficina regional teve a participação cerca de 20 a 25 pessoas, tinha a
duração de seis dias. Durante essas oficinas foram constituídos seis grupos
de cultura e construída seis peças de teatro com a intenção de finalizar o
projeto com o encontro desses grupos e apresentação das peças.
(Alessandra Silva)
30

Nome do Grupo Tema Nome das Peças Regional


Utopia Transgênicos “Tramóia, Trapaça e Vale do Ivinhema
Transgenia”.
Raízes Transgênicos “Tramóia, Trapaça e Vale do Ivinhema
Camponesas Transgênia”.
Mensageiros da Luta de Classes “Desigualdade Social” Centro Sul
Cultura
Frutos da Terra Reforma Agrária “Essa Luta é Pra Valer” Conesul
MST
Águias da Fronteira ALCA, FMI e “A Águia e Galinha” Fronteira
OMC
Lamarca da Cultura Globalização “As Maravilhas da Pantaneira
Bobalização”
Filhos da Cultura Falta de Créditos “Cruz Crédito Que Mixaria” Centro

Mas a parceria era composta por um movimento social no intento de formar


grupos de cultura para cumprir com as demandas da organização e, do outro lado
estava uma artista dependente de financiamento para seus projetos, com intenção
de ajudar jovens a ter acesso ao teatro para que os mesmos obtivessem cidadania
desta forma. Alessandra Silva, militante do setor de cultura e integrante do Grupo
Utopia, relata como foi a parceria com o projeto:

A relação foi boa, no entanto sempre turbulento devido aos interesses


antagônicos do grupo Utopia e da representante da instituição do estado
que era responsável pelo projeto. Por parte do grupo do MST havia maior
interesse de formar e capacitar pessoas para constituir novos grupos e fazer
da arte realmente uma arma de luta importante e com qualidade. Já por
parte da instituição o interesse era usar o grupo para divulgar as ações do
governo com relação a cultura, dizer a sociedade que “os pobres também
tinha acesso”. Havia uma preocupação por parte da instituição em controlar
nossas críticas nas peças ao sistema e principalmente a críticas a políticas
locais.
Um dos conflitos foi no município de Nioaque onde tinha um índice muito
grande de prostituição infantil, mas fomos induzidos a não debater algum
tema que fizesse essa critica. O prefeito da cidade na época queria expulsar
a oficina da escola onde estava acontecendo, mas o diretor da escola
estadual que também participou da oficina, disse ao prefeito que a escola
era estadual e ele respondia e se responsabilizava pela mesma e a
atividade iria acontecer ate o fim. (Alessandra Silva, Grupo Utopia)

O que se mostra é a dificuldade de trabalhar a arte engajada quando se


depende do estado (burguês) como mediador de iniciativas. O espaço que sempre
31

se permite é o da arte como anestesia social, em que o teatro serve como comédia
para se esquecer dos problemas e mergulhar em um outro mundo imaginário que
não seja parecido com a dura realidade da divisão social e exploração do trabalho
do homem pelo homem. O professor Marildo Menegat aponta como a cultura não
está separada da sociedade:

Como todas as sociedades são fundadas na divisão social do trabalho,


marcadas por classes sociais distintas, a cultura também carregará este
traço: dentro de uma sociedade, aquilo que é a cultura dominante, aquilo
que é o processo dominante na produção de ideias e formas, é a cultura da
classe dominante, daquela classe que detém os meios de produção, como
também todos os meios de decisão política, do governo político da vida
social. Quando falamos de um processo cultural dentro da sociedade que
conhecemos e em que vivemos, nunca podemos perder de vista esse
elemento. Essa sociedade é conformada, ou seja, recebe uma formatação
segundo a intencionalidade da manutenção do poder da classe dominante.
(COLETIVO,2005 p. 16)

Em abril de 2004, após as sete oficinas do Terra Tearo e Cidadania, o setor de


cultura realiza seu primeiro encontro estadual onde os sete grupos apresentariam
sua produção:músicas, poesias e teatro, mas sem o intuito de competir, apenas para
a socialização de experiências. Este encontro contou com a presença de 205
militantes das sete regionais e foi o marco da constituição do setor em nível estadual
onde os militantes estudaram e debateram sobre Indústria Cultural, Teatro do
Oprimido, Agitação e Propaganda com um militante (Rafael) da Brigada Nacional de
Teatro Patativa do Assaré. Foi com este encontro que, segundo Rafael: “(...) nos
demos conta que era possível fazermos uma espécie de teatro procissão político,
porque tínhamos quantidade e qualidade de gente para isto, daí essa ideia foi para a
Brigada Nacional e o resultado foi o teatro procissão na marcha 2005”.

Em 2004, durante um encontro do Setor de Cultura do MST/MS, em que


durante quatro dias os sete grupos que integram a Brigada Estadual de
Cultura Filhos da Terra se revezaram apresentando três peças por dia, num
verdadeiro festival de teatro camponês, começamos a nos dar conta de que
teríamos condição de realizar um Teatro Procissão numa eventual marcha
em Mato Grosso do Sul, com os sete grupos. (ASSARÉ, 2005 p. 10)

Assim como o setor de cultura em Mato Grosso do Sul tem suas ações em
32

conexão com o coletivo nacional de cultura e a Brigada Nacional de Teatro Patativa


do Assaré parte das ações das instâncias nacionais também são criadas ou
aprimoradas segundo experiências vinda dos estados. As ações de teatro procissão
no MS poderiam ser efetuadas a partir dos sete grupos de cultura, em nível nacional
a ideia se ajustou a uma necessidade de ação cultural ao término da Marcha
Nacional do MST de Goiânia à Brasília em 2005 com 12 mil Sem Terras. Lá foram
feitas 4 grandes apresentações por grandes regiões onde simultaneamente as
regiões Sul (apresentação sobre o Imperialismo nos dias de hoje), Centro-oeste
(Peça, A Luta do Pequeno Camponês contra o Agronegócio) e a Região
Amazônica9(com uma apresentação sobre a invasão portuguesa: Balé do Genocídio)
e a região Sudeste (A Farsa da Justiça Burguesa) faria uma apresentação após
estas sobre o “Julgamento de Inácio Pereira” o companheiro que tivera que fingir de
morto no massacre de Eldorado dos Carajás, Pará em 1996. Para esta atividade os
estados se reuniram nas grandes regiões para criarem suas atuações a partir dos
temas pontuados.

A região Amazônica produziu a primeira etapa, o Balé do genocídio, uma


coreografia de dança que aborda o violento processo de formação do Brasil,
ocorrido na base do genocídio e do estupro de mulheres índias e negras por
parte dos colonizadores. A região Centro-Oeste encarregou-se da segunda
etapa, chamada Falsas promessas, por abordar a falsidade, ou o ponto de
vista de classe das promessas anunciadas como redenções universais com
a Revolução verde, os transgênicos e o agronegócio – para isso fizemos
alterações e ampliamos a cena A luta do camponês contra o agronegócio. A
região Sul construiu a terceira etapa, chamada Imperialismo, que abordou a
relação de poder existente entre os países, e entre os pobres e ricos. A
região Sudeste responsabilizou-se pela quarta e última etapa, chamada A
farsa da justiça burguesa, na qual nosso empenho foi mostrar a violência
sistemática do Estado brasileiro contra as formas de resistência popular.
Nessa fase do processo, contamos com o apoio de outros trabalhadores
profissionais de teatro, a saber: na região Centro-Oeste a norte-americana
Tâmara, do Art and Revolution, nos ensinou técnicas de construção de
bonecos gigantes. (ASSARÉ, 2005 p. 8)

O grupo Utopia que iniciara em 1999 com 5 pessoas, após 5 anos de


militância cultural chega ao número de 250 integrantes numa Brigada Estadual de
Cultura e sete grupos de cultura nas regionais. Cada grupo, que tinha integrantes de
acampamentos e assentamentos distintos, se inseria na organicidade do MST
9
Na divisão das grandes regiões de atuação do MST, o que conhecemos como região Norte é Chamada de
Região Amazônica com duas diferenças: O estado de Rondônia, nesta divisão, não faz parte da Amazônica e
o Maranhão ao invés de pertencer ao Nordeste pertence à Amazônica.
33

atuando nas coordenações locais e regionais, sempre debatendo os problemas


externos e internos pelo viés da cultura.

E preciso ser militante-artista e artista-militante. Isto é: o militante que tem a


tarefa de atuar na esfera da cultura precisa ter exatamente a mesma
formação e informação que os dirigentes de todos os demais setores do
movimento e vice-versa, naturalmente respeitando-se as diferenças das
histórias de vida e da participação de cada um no movimento. São
processos permanentes de aprendizado, nos quais a cada um deve ser
assegurado o direito de seguir seu próprio ritmo. (Iná Camargo Costa,
palestra sobre O autor como produtor, 2006)

3.1 Teatro Fórum

Quando da primeira oficina do projeto “Terra Teatro e Cidadania”, além da


professora Andreia Freire viera para contribuir o companheiro Rafael Villas Bôas,
militante do coletivo nacional de cultura e integrante da Brigada Nacional de Teatro
Patativa do Assaré (BNTPA). Foi o primeiro contato que os militantes do Utopia e
todos os demais tiveram com o Teatro Fórum. A entrada do Teatro do Oprimido no
MST se fez por meio de uma parceria entre o movimento social do campo e o Centro
de Teatro do Oprimido (CTO) no Rio de Janeiro. A parceria se dava com aulas da
equipe do CTO e Augusto Boal para a formação de Curingas. A primeira etapa se faz
em 2001 onde é formada a Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré e a última
em 2005 quando da preparação para a marcha nacional de Goiânia a Brasília.

A estrutura de uma peça de Teatro Fórum constitui-se na configuração clara


de uma situação de opressão. A apresentação serve para iniciar o debate
com a plateia sobre a situação de opressão apresentada. Os próprios
espectadores, dando sua opinião sobre a situação, entram em cena para
interpretarem o personagem oprimido e agem sugerindo estratégias para a
solução dos problemas de opressão enfrentados. Boal os chama de espect-
atores. Esta técnica, desenvolvida por Augusto Boal durante os anos 1970,
após participação intensa nas lutas sociais durante a década de 1960, é a
mais radical na socialização dos meios de produção teatral, pois rompe
completamente a barreira entre palco e plateia. Foi esta metodologia
centrada na socialização que proporcionou a formação de grande número
de grupos no MST. (ASSARÉ, 2005 p. 9)
34

O Teatro Fórum permitiu a discussão de problemas (Racismo, Machismo,


Preconceito Pela Orientação Sexual, problemas localizados, etc.) que assolavam os
acampamentos e assentamentos que raramente são discutidos dentro dos espaços
coletivos da organização. Muito destes problemas por vezes até se encontram nas
orientações de o que combater, mas raramente são postos frente aos olhos e
discutidos no sentido de não apenas identificar os problemas superficialmente, mas
de apontar formas de superá-los.

Quando o Teatro Fórum era discutido em algumas oficinas entre 2003 e 2004
a criação das intervenções era feita pelas pessoas divididas em núcleos que
construiriam a intervenção após discussão das opressões nas localidades. Em sua
maioria, no MS, as intervenções circulavam em torno do machismo. Outros temas
também apareciam como racismo, preconceito para com o acampado e opressão
cometida por algum dirigente que tentava centralizar as decisões no acampamento
caminhando contra a organicidade do movimento. Garganta escreve que “(…) a
técnica também faz despertar dentro dos indivíduos o preconceito que esta
internalizado.” O teatro fórum ajudou muito a discutirmos os problemas internos no
sentido de enfrentá-los para poder fortalecer e estar preparados para as lutas extra
organização.

Para o desencadeamento desse processo, a técnica do Teatro Fórum foi


providencial, pois ela traz como elemento da proposta prática a tese de que
todos nós somos produtores. Ao proporcionar ao público a possibilidade de
entrar em cena e modificar uma situação de opressão, que em geral guarda
propositalmente forte semelhança com opressões que a comunidade
vivencia, a pessoa ensaia estratégias de ação que podem funcionar na vida
real, e passa a participar do teatro, quebrando a barreira entre palco e
plateia. Em síntese, o Teatro Fórum implode a ideia de que o teatro é uma
arte burguesa, pois os temas, os atores e a forma das peças apontam para
outro sentido, e deixam claro que todos podem participar de grupos de
teatro, caso queiram discutir seus problemas dessa forma. (ASSARÉ, 2005
p. 11)

A antecipação de momentos de opressão que o acampado ou assentado


sofre no quotidiano ajudou a pensar formas novas de enfrentar problemas como
preconceito por ser acampado e morar debaixo de uma lona preta ou por ser
assentado e morar no campo.
35

Essa técnica foi muito importante no sentido do conhecimento da mesma e


comparação com outras técnicas teatrais. O teatro oprimido trouxe para o
grupo a percepção da necessidade de debater temas de oprimidos e
opressores. No entanto em debates com outras pessoas e grupos aos
poucos percebemos que a técnica tinha um limite que era debater um
problemas localizados deixando a realidade externa e e o contexto histórico
e social da construção de fora do debate na peça. (Alessandra, Utopia)

O teatro fórum foi muito utilizado nos momentos em que necessitávamos


discutir temas em que a ação do indivíduo se fazer necessária para intervir na
realidade para modificá-la, mas nas análises em que era necessário compreender
toda uma estrutura de luta de classes com comparações de processos históricos
onde as decisões ultrapassavam os limites da decisão do indivíduo o teatro fórum já
não mais se fez suficiente para tal. É o início de estudos sobre o teatro épico,
estudos estes iniciados em nível nacional com a professora Iná Camargo Costa em
2004. É a busca de uma outra forma onde caibam os temas que a organização
deseja discutir.

Em Mato Grosso do Sul estas discussões de teatro épico se fazem também


pela parceria entre o teatro camponês (Brigada Estadual de Cultura do MS, Filh@s
da Terra) e um grupo com acúmulo do teatro político proveniente de São Paulo,
Grupo Teatro de Narradores do qual surgiu a criação da peça Exploração do
Trabalho que o trabalho citará em páginas seguintes.

3.2 Organicidade do Setor de Cultura

O MST dentro de seus 27 anos de lutas e conquistas foi se organizando de


acordo com suas possibilidades e necessidades: antes não existia um setor para
tratar sobre o a questão de Gênero, mas este se fez necessário para debatermos a
necessidade da luta ser tratada com homens e mulheres e também para
combatermos o machismo interno para construirmos novas relações de gênero.
Assim vária equipes de antes, agora tomaram uma forma diferente e englobam mais
tarefas ou deixaram de existir. Um documento do Coletivo Nacional de Cultura
36

explica como fora sua origem:

O Coletivo de Cultura é um dos mais recentes setores organizados do MST.


Anteriormente, os debates de temas relacionados à cultura ocorriam no
interior do Coletivo de Educação. O Coletivo de Cultura emergiu, de fato,
em 1996 com uma oficina de música realizada em Brasília.
Após essa oficina foram realizadas atividades e seminários em que
começaram as primeiras discussões sobre o papel da cultura dentro do
MST. Em 1998 e 1999, foram realizados dois seminários sobre o tema, e o
Coletivo de Cultura começou a organizar-se efetivamente, com militantes
dos estados que desenvolviam habilidades artísticas, em suas diferentes
linguagens. (CULTURA, 2005 p.1)

Em Mato Grosso do Sul a cultura se constituíra como setor em 2003, devido à


atuação do grupo Utopia e a necessidade de massificação de tal experiência. No
encontro estadual deste ano o setor, já realizadas 5 das 6 oficinas regionais, escolhe
uma pessoa para representar-lhe na Direção Estadual do MST-MS 10. Garganta, em
sua monografia para o curso de Teorias Sociais e Produção de Conhecimento na
UFRJ descreve a importância da organicidade para o MST:

O nosso movimento durante todos esses anos de existência deu passos


importantes para seu crescimento tanto do ponto de vista cultural como
ideológico. Posteriormente por volta do ano de 2003 as famílias eram
organizadas em grupos sem critérios numéricos com pouca
representatividade nos setores, as decisões mais complexas eram decidas
em grandes assembleias, nesse sentido o objetivo era fazer com que a
massa participasse efetivamente no processo, passando por uma nova
forma de organização (...) Sabemos que este processo será gradativo, a
aplicação será de acordo com a realidade de cada estado, de cada área,
tanto nos acampamentos como nos assentamentos A originalidade do
movimento se dá internamente em seus acampamentos e assentamento da
seguinte forma: O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra organiza
as famílias em barracos de lonas nas margens das rodovias para pressionar
as autoridades no cumprimento da lei de Reforma Agrária, durante o
período em que as famílias ficam acampadas, passam por um processo de
discussão de formação política através de oficinas, cursos, seminários com
todos os setores, temas importantes como, mística e valores, disciplina,
cooperação, educação, conjuntura, comunicação popular, etc.

No ano de 2003, em Mato Grosso do Sul, o MST contava com 10 setores


(Frente de Massas, Produção, Educação, Saúde, Gênero, Cultura, Comunicação,

10
A companheira Alessandra foi esta militante que cumpriu o exercício de 2004-2005
37

Direitos Humanos, Finanças e formação) e cada um tinha seus representantes na


Direção Estadual, assim como coordenadores nos acampamentos e assentamentos.

Internamente o setor de cultura estava organizado enquanto Brigada Estadual


de Cultura por nome “Filh@s da Terra”. No encontro estadual de cultura em abril de
2004 a Brigada tem representantes dos grupos nas 7 regionais: Utopia e Raízes
Camponesas (regional Vale do Ivinhema), Frutos da Terra (regional Cone sul),
Mensageiros da Cultura (regional Centro sul), Águias da Fronteira (regional
Fronteira), Lamarca da Cultura (regional Pantaneira) e Filhos da Cultura (regional
Centro). Cada Grupo era a representatividade da produção cultural da regional, pois
cada regional era composta por diversos acampamentos e assentamentos. Cada
atividade que o setor de cultura dos acampamentos ou assentamentos realizava
estava sob a organização de um dos grupos regionais que também atuavam nas
atividades regionais e estaduais.

Mesmo com o teatro como principal meio de ação, a Brigada Estadual é de


Cultura e não de teatro, pois se entendia que todas as manifestações deveriam ser
potencializadas de forma conjunta para que não houvesse uma fragmentação da
produção. Nas peças de teatro haviam poesias, danças, painéis e músicas, uma
mescla que não podia ser tomada apenas como uma produção teatral. Além do
mais, a Filh@s da Terra tinha uma vasta produção que estava fora do teatro: poesias
sempre presentes nas místicas, nos encontros; composições de músicas e canções
retratando a luta; Painéis onde se pintava a luta, a sociedade almejada e nossos
mártires.

3.3 A cultura na organicidade

Quando de sua formação no estado em nível estadual o Setor de Cultura


passa a ser solicitado para tomar conta da parte cultural das diversas atividade
realizadas pelo todo da organização e também por atividades mais específicas dos
setores. Julio Freitas, integrante do grupo Utopia, escreve como foi esta relação e
como surgiu esta demanda “Houve sim uma responsabilidade do grupo em tocar as
atividades culturais no estado e essa ampliação aconteceu pela necessidade que a
direção e o grupo percebeu de contribuir com as demais regionais que também já
38

desenvolviam atividades culturais”.

O grupo Utopia se integrava com o setor de cultura na área e construíam


juntos ao passo que isto se transformava em um processo formativo para as
pessoas das regionais a entrar em contato com a experiência que o Utopia
acumulara no seu percurso de formação. As contribuições não se faziam apenas de
teatro, mas de místicas, animação dos encontros, ornamentação. Os integrantes do
Utopia aproveitam o potencial de seus poetas, a experiência com narração de
rodeio, a capacidade do grupo de produzir cenários para deixar o ambiente
combinando com a atividade no que concerne a painéis dos mártires, pensamentos,
pinturas, símbolos da luta como foices, machados, facões, a produção dos
assentamentos, a cerca do latifúndio que sempre se manifesta na privação da
possibilidade de produção para a reprodução da vida.

Segue parte de um relatório anual das atividades da Filh@s da Terra do ano


de 2003 para o mês de julho onde se mostra a diversidade das manifestações
culturais e diversidade das atividades cobertas pela Brigada de Cultura:

JULHO
ENCONTRO ESTADUAL FRENTE DE MASSA
DATA: 01 A 04 / 07/ 03
LOCAL: CEPEGE- SIDROLÂNDIA
APRESENTAÇÕES: MÍSTICAS, NOITE CULTURAL ACOMPANHADA PELA
BRIGADA ESTADUAL FILHOS DA TERRA.
PÚBLICOS: 100 PESSOAS

FESTIVAL DE BONITO
DATA: 12 A 19/ 07/ 03
LOCAL : BONITO
OFICINAS: PALHAÇO, PERCUSSÃO, MUSICA E POESIA
PARTICIPANTES: BRIGADA FILHOS DA TERRA ( EDSON, PAULA,
PATRÍCIA, MARCELO, JOEL E CRISTIANE )

REUNIÃO DO SETOR DE SAÚDE


DATA: 15/ 07/ 03
LOCAL: CAMPO GRANDE
PARTICIPAÇÃO: GRUPO UTOPIA ( TOLLOTE )

ENCONTRO DE FORMAÇÃO
DATA:16 A 20/07/03
LOCAL: CEPEGE
APRESENTAÇÕES:MISTICA DE ABERTURA ANIMAÇÃO, DINÂMICAS,
NOITE CULTURAL E ENCERRAMENTO COM O GRUPO ÁGUIAS DA
FRONTEIRA E GRUPO UTOPIA(DA BRIGADA FILHOS DA TERRA)

INAUGURAÇÃO DO CEPEGE (CENTRO DE PESQUISA E


CAPACITAÇÃO GERALDO GARCIA
DATA:19/07/03
39

LOCAL:ASSENTAMENTO GERALDO GARCIA


APRESENTAÇÕES: ATO PUBLICO MISTICA DE ABERTURA ANIMAÇÃO
COM A BRIGADA FILHOS DA TERRA

ENCONTRO REGIONAL
DATA: 21 A 23/ 07/03
LOCAL: PONTA PORÃ
REGIONAL: FRONTEIRA
APRESENTAÇÕES: MÍSTICAS, ANIMAÇÃO, DINÂMICAS E NOITE
CULTURAL COM OS GRUPOS ÁGUIAS DA FRONTEIRA E UTOPIA DA B.
FILHOS DA TERRA.
PEÇAS: A ÁGUIA E A GALINHA E MUSICAS CAIPIRAS(.PÚBLICO: 200
PESSOAS)

ENCONTRO REGIONAL
DATA: 30 A 31/07/ 03
LOCAL: ESCOLA ESTADUAL (DOURADOS)
REGIONAL: CENTRO SUL
APRESENTAÇÕES: MÍSTICAS, NOITE CULTURAL E ANIMAÇÃO COM O
GRUPO MENSAGEIROS DA CULTURA ( B. FILHOS DA TERRA)

ENCONTRO DO SETOR DE SAÚDE (CENTRO-OESTE )


DATA: 28/ 07 A 03/ 08/ 03
LOCAL: CEPEGE
APRESENTAÇÕES: MÍSTICAS E NOITE CULTURAL (B. FILHOS DA
TERRA) TOLOTE, PATRÍCIA, EDSON
PÚBLICO: 40 PESSOAS
(Arquivo da Filh@s da Terra, 2003 p.17)

As atividades passam a contar com a arte num processo em que esta é parte
da formação proposta pela organização. Com a formação dos demais grupos de
cultura nas regionais fora necessário muito estudo para que estes acompanhassem
o ritmo de trabalho do Utopia – já que passariam a serem solicitados em muitas
atividades da regional em que pertenciam. O crescimento do setor é uma via de mão
dupla no sentido da necessidade de cumprir com a demanda da organização que
cria necessidades de estudo antes não presentes nas atividades culturais.

As músicas, muitas vezes feitas sob encomenda para determinada atividade


(assim como poesias e toda a produção cultural), forçam os integrantes a ter
minimamente uma noção sobre o tema: quando convidados pelo setor de educação
necessitam saber sobre as linhas gerais que dão rumo deste setor, quais suas
principais bandeiras de luta. Isto força os militantes do setor de cultura a estarem em
processo de estudo permanente, fator que iria levar ao setor de cultura a se
transformar em um espaço de formação política de militantes que teriam condições
também de atuar em outros setores da organização.
40

Há a arte como instrumento de transformação e divulgação no Coletivo de


juventude, na comunicação, na Saúde e na frente de massa. Mas também
existe um número de quadros que foram formados pelo trabalho com a arte
no coletivo de cultura e que hoje desenvolvem atividades nos demais
setores, e isso aflora uma afinidade em utilizar a arte em suas atividades.
(Luana, grupo Mensageiros da Cultura)

(…) há de fato um reconhecimento coletivo da militância que foi projetada


neste processo, o setor de Educação e Produção são os que mais se
beneficiaram com a militância projetada, e um fator importante raramente
estes militantes deixam a organização embora estar em outros setores
continua contribuindo com a organização. (Garganta, grupo Utopia )

O processo de estudo não se dava apenas no âmbito de entender temas para


a produção de outros setores mas de formação de militantes para o setor de cultura.
O grupo Águias da Fronteira, da regional Fronteira, em seu relatório de janeiro de
2005 mostra que a formação do setor de cultura se dava de modo que camaradas
dos outros grupos se ajudavam entre si na formação dos grupos que ocorria
constantemente. Inicialmente sempre fora o Utopia que acompanhara as oficinas
dos outros grupos, mas como o processo de formação pressupõe que estes
militantes também devem ser preparados para assumir a multiplicação, já no ano de
2004 em 2005 muitas oficinas não são ministradas apenas pelo Utopia, mas por
uma nova geração de militantes que se formaram nas oficinas e nas atividades do
setor de cultura nas regionais e nos estados. As oficinas também funcionavam como
um intercâmbio entre os grupos que tinham mais experiência em determinada área
de atuação.

O trabalho coletivo se torna marca da Filh@s da Terra no momento em que os


grupos nas regionais são as partes constituintes da Brigada Estadual de Cultura. A
organicidade do MST, em que o movimento é dividido em setores influi para que, em
cada área específica de atuação de cada setor, todas e todos trabalhem em prol das
linhas políticas do todo da organização. Assim ocorre nos grupos de Cultura nas
regionais: a necessidade de formação política para o setor de Cultura faz com que
independente de sua inserção em grupo x ou grupo y, os militantes tenham em
mente o trabalho a ser realizado e que este só se efetivará na medida que os grupos
41

se ajudem mutuamente para o desenvolvimento da Brigada Estadual de Cultura


Filh@s da Terra.

No ano de 2004 a companheira Patrícia, do grupo Flh@s da Cultura foi


estudar o Curso Técnico de Saúde Comunitária no Instituto de Educação Josué de
Castro (IEJC), no Rio Grande do Sul. A companheira Alessandra participou da
primeira faze das oficinas com Augusto Boal no CTO e mais um companheiro
participou da mesma oficina em 2005, quando da preparação para a marcha
nacional. Uma companheira e um companheiro participaram de uma oficina para
conhecer e se apropriar dos procedimentos do teatro épico com o grupo “Teatro de
Narradores” em Brasília. Sete companheir@s participaram, em 2005 na ENFF, do
seminário que discutiu Arte e Cultura na Formação. Em fevereiro de 2005,
Alessandra, Garganta e Tadeu, os três do Utopia, defenderam suas monografias no
Curso de Teoria Sociais e Produção de Conhecimento. A pesquisa de Garganta foi
sobre a “Indústria Cultural no Assentamento Conquista Na Fronteira”. A segunda
turma de Teorias Sociais e Produção de Conhecimento contou com a presença do
companheiro Hélio Ramos, do grupo Ágruias da Fronteira. No mesmo ano, o
companheiro Dalmir, do Grupo Raízes Camponesas foi estudar Agronomia no
Instituto Agroecológico de Latino América, na Venezuela (IALA). Hoje temos dois
militantes do Utopia fazendo Medicina Veterinária no Rio Grande do Sul, uma
companheira do Mensageiro da Cultura fazendo Serviço Social na UFRJ. Um
companheiro do Filh@s da Cultura Fazendo História na UFPB, 4 da BECFT fazendo
Ciências Sociais na UFGD, um companheiro do Frutos da Terra fazendo
Agroecologia no IALA Guarani no Paraguay. Isto sem contar com militantes que
estiveramou estão em processo formativo via outros setores como Licenciatura em
Educação do Campo na UNB (Careca), Agronomia na UFMT (Gilson – fundador do
Utopia – e Néia do Lamarca da Cultura), Técnico em Administração em Cooperativas
no IEJC (Roberto). O processo formativo também se deu pelos cursos de formação
de militantes que a própria BECFT promoveram nas regionais. O relatório que segue
explicita isto:

Águias da Fronteira
42

Janeiro
Oficina no Acampamento Nova Conquista com 50 pessoas de 3 áreas:
Acampamentos João Carneiro e Nova Conquista e do Assentamento
Dorcelina Folador. A oficina teve um caráter político onde foi abordado
vários temas - mística, organicidade do MST, Ideologia da Música e dos
Meios de Comunicação, Teatro, Gênero e Racismo. Os trabalhos produtivos
foram de produção de bonecos e ensaio da Peça "De quando Benedito foi
acampar " com a apresentação para o acampamento no final da oficina.
Teve a participação de um companheiro do Raízes Camponesas e um
casal do Filhos da Cultura que ajudaram a conduzir os trabalhos. Para nós
foi um avanço considerando que a oficina não foi bancada por projeto e sim
com recursos da própria regional. (Arquivo do setor de cultura, 2005 p. 8)

Cabe ressaltar que a construção dos bonecos e o ensaio da peça “De quando
Benedito foi acampar” vem de uma necessidade que a coordenação da regional pôs
ao setor de cultura: ajudar no trabalho de base para que mais um acampamento se
formasse na região. Muitos brasileiros estavam em regiões do Paraguai que
passavam por disputas onde os brasileiros estavam sendo expulsos das terras.

Com o estudo permanente ocorrendo de forma interna no setor os militantes


passam a fazer leituras mais apuradas na realidade dos acampamentos,
colaborando em resolver os problemas quotidianos de sua área, em negociar em
nome do acampamento, fazer trabalho de base. Foi este o caso na regional
Fronteira onde os militantes da cultura assumiram a direção do acampamento. Isto
implicou em que ao mesmo tempo que o setor obteve reconhecimento e passou a
colaborar com o todo da organização em sua área, as atividades que o setor
realizava outrora agora se faziam um pouco prejudicadas pela dedicação para com o
todo.

Em um curto período de um ano após a formação da Filh@s da Terra o Setor


de Cultura toma dimensões gigantescas se comparado com a fase anterior da
formação da BECFT e também se comparado a outros setores. Na avaliação anual
de 2005 do grupo Filh@s da Cultura se mostra os reflexos da massificação no que
concerne ao raio de atuação do setor

Filh@s da Cultura
Nome: Grupo Cultural Filh@s da Cultura
Data de criação: Fevereiro de 2004
Áreas compostas pelo grupo: Acampamentos Carlos Marighela e Oziel, Pré
assentamento Ernesto Chê Guevara e Assentamento Geraldo Garcia
43

Coordenação: Julio Moreti e Negute (em fevereiro será mudada)


Contato: filhosdacultura@yahoo.com.br
Enquanto grupo temos dificuldades de trabalho com permanência devido ao
cumprimento de demandas dentro das áreas. Funcionamos mais por áreas
que por grupo que se encontra e tem uma disciplina de ensaio e tudo mais.
Nossas manifestações culturais são puxadas pelo teatro e um pouco pela
música.
Devido ao grupo envolver a capital, frequentemente trabalhamos em prol de
demandas de atividades da capital ou de nosso centro de formação
CEPEGE. Assim as peças tem um conteúdo e uma forma digamos um
pouco mais próxima a Agit-Prop em uma visão política do que ao simples
entretenimento.
Em 2005, enquanto grupo representados por pessoas de todas as áreas
cumprimos com tarefas mais ligadas aos encontros em nosso centro de
formação e no encontro regional dos Sem Terrinha onde o setor ministrou
oficinas de Teatro, dança, capoeira e pintura. Apresentamos a peça Campo
de Guerra e fizemos uma adaptação em” De Quando Benedito Foi
Acampar” para a importância da escola no acampamento.
Além dos trabalhos que serão citados o setor desenvolve tarefas cotidianas
dentro das áreas como noites culturais, festas, gincanas... (Arquivo do setor
de Cultura)

Mesmo trabalhando com as noites culturais nos acampamentos e em


atividades da regional, fazendo místicas em diversas atividades internas e externas
ao MST, é o teatro que se faz como a frente de ação mais forte e constante dos
grupos. Como os grupos foram criados a partir de uma oficina de iniciação teatral,
suas primeiras atividades enquanto grupo foram apresentações nos acampamentos,
nos encontros, marchas, mobilizações e também serviram de representação do
ponto de vista da organização nas escolas e demais espaços de intervenção. A
construção de uma peça de teatro é um processo coletivo que demanda disciplina
de ensaios e vai tempo desde sua criação até sua apresentação. Se comparado à
mística que sempre é criada, geralmente, um dia antes de sua apresentação e
nunca se repete a mesma mística o teatro é o elemento que dá caráter coletivo por
um maior espaço de tempo dentro da Filh@s da Terra.

O sistema teatral que uma organização complexa como o MST permite que
internamente se inicie e complete o caminho entre produção e socialização das
obras. Por ser uma atividade de um setor, um grupo, o teatro tem sua criação a partir
de um estudo coletivo sobre o tema desejado e a criação é coletiva. Se fazem várias
versões das peças até onde se julgar necessário. Não existe uma divisão entre os
que pensam as obras e os que encenam, os que encenam participaram e a qualquer
momento estão aptos a modificar a peça de acordo com a necessidade do
44

momento. Isto não impede que uma peça produzida por um grupo de uma regional
seja apresentada por um outro grupo de outra regional ou até mesmo de outros
estados a considerar que existe um círculo de divulgação das produções em nível
nacional pelo Coletivo Nacional de Cultura, mais especificamente pela Brigada
Nacional de Teatro Patativa do Assaré. O público é o Sem Terra acampado ou
assentado, que se vê representado nas peças e sempre está demandando novas
produções.

A massificação do Setor de Cultura, junto às demandas de ação para fora dos


acampamentos e assentamentos cria o contato com setores da sociedade com a
produção cultural do MST: os grupos de Cultura nas regionais vão às cidades em
trabalho de debate nas escolas, igrejas, câmaras municipais, praças e ruas. O
trabalho de base põe em contato com os grupos segregados nas periferias urbanas,
as atividades – grito dos excluídos, ocupação de INCRA - na capital e nas grandes
cidades coloca em contato com outras organizações do campo e da cidade.

Todo este sistema de produção e socialização passa a dialogar com o sistema


do teatro político brasileiro onde os grupos entram em contato com o que há de
experiência sob pressupostos de apropriação dos meios de produção das
linguagens artística. Em um de seus textos de análise sobre o processo de criação
teatral, em parceria com grupos de maior experiência, a Brigada Nacional de Teatro
Patativa do Assaré escreve que:

para os grupos do MST, os procedimentos cênicos e conhecimentos


teóricos municiam a contra-artilharia e potencializam nossa meta de
qualificarmos nossas formas de representação estética, e para os grupos
urbanos, o contato com uma dinâmica de organização de um movimento
social de massa pode abrir outras dimensões de atuação, e novos
horizontes de reflexão sobre suas próprias contradições. (ASSARÉ, 2007)

3.4 Arte de lutar

(…) entendemos que diante da eficiente hegemonia da indústria cultural, ao


darmos vazão ao processo de multiplicação, corremos o forte risco de
reforçar, sem perceber, as formas de representação da estética dominante.
(Coletivo Nacional de Cultura, 2005, p.5)
.
45

O Coletivo de Cultura em nível nacional alertava para a necessidade de não


abastecer a luta, pelas vias da arte, com uma produção carregada da forma
dominante de produzir. Há preocupação para que a massificação do setor aproveite
o acúmulo teórico e prático que o coletivo nacional obtivera com seminários, cursos,
socialização de experiências internas e externas ao MST e parcerias com grupos
com maior acúmulo teórico-prático.

(…) ao mesmo tempo em que multiplicamos, temos que qualificar nossa


formação. Daí, vem a convicção coletiva de que não se basta ter acesso
aos meios de produção para fazer também, com as mesmas formas. É
preciso fazer diferente. (Coletivo Nacional de Cultura:2005 p. 5)

É o que Benjamin (1985, p.127) diz, ao analisar a produção de Brecht, “não


abastecer o aparelho de produção, sem modificar, na medida do possível”. Brecht
nomeara isto de “refuncionalização”. Em Mato Grosso do Sul as palavras de
Garganta, militante do setor de cultura, completam esta análise:

As mudanças [após a criação da Brigada Filhos da Terra] foram


significativas tanto da forma quanto do conteúdo, as peças que tinha como
principal atração o humor, este elemento passa a ser secundário e os atores
ficaram sempre atentos à reprodução sutil de atos de preconceituosos do
qual sempre fomos vitimados pelo sistema capitalista onde a arte sempre foi
um instrumento de carona adocicada, e o processo de formação passou e
passa pelo instrumento arte cultura, porem é preciso muita formação para
que a mesma possa fazer o papel de libertação da classe e não o
reacionarismo da ideologia vigente.

A formação da Brigada Estadual de Cultura, Filhos da Terra, se transforma na


ponte entre as produções regionalizadas dentro do estado, assim como entre o
acúmulo do Coletivo Nacional de Cultura. A quarta linha política do Coletivo Nacional
de Cultura aponta para: 4) Refuncionalizar os processos de trabalho das linguagens
estéticas dominantes.

Os trabalhos passaram a serem executados de forma mais organizada e


em todo o estado sendo que os grupos de cada regional se
46

responsabilizavam por cobrir as demandas em suas áreas de origem e


também passaram a acontecer reuniões a nível de estado onde as
coordenações desses grupos se encontravam para tirar duvidas e trocar
experiência sobre tudo que dizia respeito à atividade teatral. (Ademir, grupo
Utopia)

A organicidade da Filhos da Terra colabora para uma melhor articulação entre


as demandas da organização do estado e a produção do setor de cultura. Os
coordenadores de cada grupo de cultura nas regionais estão inseridos nas
coordenações de suas áreas, brigadas e regionais. Assim os grupos são parte da
organicidade do movimento. Benjamin (1985, p.120) escreve sobre a autonomia do
autor, sobre sua liberdade de produção na luta de classes.

(…) a questão vos é mais ou menos familiar sob a forma do problema da


autonomia do autor: sua liberdade de escrever o que quiser. Em vossa
opinião, a situação social contemporânea o força a decidir a favor de que
causa colocará sua atividade. O escritor burguês, que produz obras
destinadas à diversão, não reconhece esta alternativa. Vós lhe demonstrais
que, sem o admitir, ele trabalha a serviço de certos interesses de classe. O
escritor progressista conhece esta alternativa. Sua decisão se dá no campo
da luta de classes, na qual se coloca ao lado do proletariado. É o fim de sua
autonomia. Sua atividade é orientada em função do que for útil ao
proletariado, na luta de classes. Costuma-se dizer que ele obedece a uma
tendência.

Mesmo em contextos diferentes, épocas diferentes e locais distintos a análise


sobre a tendência que o artista obedece se faz importante para que se entenda que
na luta de classes, o proletariado enfrenta problemas similares e que a compreensão
de como isto foi assimilado naquela época pode lançar luz ao presente. A partir do
momento em que os militantes estão prontos para usar da arte para atender as
demandas da organização, sua produção tenderá às necessidades que o calor da
luta impor.
Exemplo de produção de acordo com a necessidade da organização ocorre
com a construção da peça De quando Benedito foi acampar, que traz em seu tema o
trabalho de base. Escrita coletivamente em uma oficina de criação de bonecos
ocorrida num centro de formação em outubro de 2004, no município de Sidrolândia.
Em uma cena da peça, quando o militante do MST chega na casa de Benedito para
conversar ele se assusta como boné do militante:
47

Militante, (segurando pela camisa) – Para aí, vamos conversar. Está com
medo por quê? Eu sou gente boa.
Benedito – E o boné?
Militante – Que é que tem o meu boné?
Benedito – Não é do “mercetê”?
Militante – Sim, é do MST. Nós estamos convidando pessoas para irem
acampar e adquirir um pedaço de chão pra poder plantar e tirar o seu
próprio sustento.
Benedito – O quê?! Você acha que eu sou algum trouxa?! Vocês acham que
eu não conheço vocês?
Militante – Conhece de onde?!
Benedito – Conheço da televisão, e vocês são bravos né?
(Peça De quando Benedito foi acampar, arquivo setor de cultura MST-MS,
2005)

É a primeira tentativa na peça de tentar desconstruir a visão midiática de que


o MST é uma organização violenta. As palavras do militante na peça substituem a
conversa do militante real em um trabalho de base: “Não, não somos bravos, apenas
nos indignamos com a desigualdade social entre ricos e pobres. Milhões de pessoas
não têm casa, não tem comida, não tem educação, enquanto poucas pessoas tem
até de sobra. E isso precisa ser dividido.”

Benedito – É, mas é perigoso, os fazendeiros matam, a polícia bate, prende,


e depois eu não sou de tomar as coisas dos outros. Deus quis assim, fazer
o quê.
Militante – Deus não tem nada com isso! A terra pertence a todos. As elites
é que se apropriaram, criaram a propriedade privada, criaram leis que só
beneficiam a elas. A terra não pode ter dono, pois estamos aqui de
passagem. O que devemos é cuidar da terra para as gerações futuras. E
uma outra coisa, não tomamos a terra de ninguém. As terras são
desapropriadas e o governo paga por elas, e elas são bem pagas. Inclusive
as benfeitorias...
Benedito – Bem o quê?
Militante – Benfeitorias são tudo aquilo que foi construído pelo fazendeiro: a
casa, os currais, as cercas. Enfim, o governo compra o que nunca foi
legitimamente dos fazendeiros porque eles invadiram as terras que eram
públicas, isso se chama grilagem.
Benedito – Grilagem?! Ué, mas aí num entendi mais nada! Você tava
falando dos fazendeiro e agora tá falando de grilo! O quê tem a ver o ó com
o borogodó?
Militante – Grilagem é quando os fazendeiros vão expulsando ou matando
os pequenos proprietários, invadindo suas terras, se declarando donos
delas e se tornando grandes latifundiários.
48

A peça contém muitas das dúvidas das pessoas que tem medo de ir acampar
por motivo de não terem informações sobre como é um acampamento, por sequer
imaginarem o que é a luta do MST. As cenas antecipam muito do que seria discutido
na reunião do trabalho de base e após a encenação abre-se para uma conversa
sobre ir acampar (baseada na peça de mamulengo).

Se observarmos o 10º princípio do setor de cultura veremos estas duas peças


correspondem com tal: “10) Desenvolver ações formativas conjuntas com os demais
setores do MST”. As tarefas do conjunto do MST foram incorporadas pelo setor de
cultura na medida que a arte fora o caminho para discutir o que demandava no
momento. Douglas, um dos militantes do Coletivo nacional de Cultura e integrante
da Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré afirma “O desenvolvimento do
coletivo de cultura está articulado com o próprio desenvolvimento do MST e com as
demandas políticas que se impuseram durante mais de vinte anos de atuação” 11.

Em anexo será possível observar que na maioria das peças não encontra-se
o autor. Ademir, um dos fundadores do Utopia escreve como era a construção das
peças: “Eram coletivas porque por mais que alguém criasse por ter mais habilidade,
o conteúdo e a forma eram analisadas pelos demais integrantes do grupo”. Os
debates no coletivo sobre as peças se davam não apenas antes das apresentações,
mas também após apresentações nos espaços internos da organização, pois se a
peça estava a serviço da organização, era plausível que os militantes que não
estavam inseridos no setor de cultura também pudessem opinar sobre a estrutura da
produção artística. A peça Exploração do Trabalho teve várias versões até de sua
publicação em 2007: ela fora criada coletivamente durante oficina estadual de teatro
ministrada pelo grupo “Teatro de Narradores”, de SP, em Mato Grosso do Sul. O
grupo Teatro de Narradores dividiu a plenária em 5 núcleos onde cada um deveria
criar uma intervenção teatral em um espaço de 2 horas. Após a apresentação do
produto o grupo de São Paulo aponta possíveis mudanças para que a peça se
transformasse em uma peça de teatro épico: a primeira versão de Exploração do
Trabalho contava a história de um patrão que explorava seus empregados numa
fábrica qualquer, o diálogo mediava as ações no tempo presente ao passo que a
11
Trajetória de uma estética política do teatro – parte 2, Douglas Estevam, publicado em www.mst.org.br em
09/12/2005
49

encenação, em acontecimentos lineares, apontava para uma situação em


determinada fábrica pela ação daqueles indivíduos; uma quarta parede invisível
separava os personagens do público e a demissão do empregado causava pena no
final da peça. Dava a entender que a culpa da exploração estava na pessoa do
patrão, como se a crueldade do patrão fora responsável pela exploração vigente na
fábrica.

As observações do Teatro de Narradores reajustaram a peça para que um


coro fosse inserido para dar a voz coletiva aos explorados. A quarta parede é
quebrada no momento que o patrão explica para quem assiste - utilizando de ironia
– sobre sua “pobre vida de patrão” e sobre a possibilidade de expandir seus
negócios “Com a tal da ALCA poderei expandir meus negócios, estou até pensando
em abrir outras fábricas, uma em (...) Pegarei alguns favelados, estou pensando em
levar quem precisa para ter um trabalho justo. Quero você, você e você na minha
nova empresa”. A música cantada pelo coro nas entradas “Você deu o sangue e o
patrão foi quem sugou, todo o trabalho foi ele quem lucrou” expressa o
posicionamento dos construtores da peça em relação à divisão do trabalho na
fábrica. Ao mesmo tempo com seu início na segunda pessoa do singular mexe com
as pessoas que assistem, pois as insere no processo de exploração – todos têm
patrão – pondo-as em face da usurpação da força de trabalho. A demissão de Carlos
não causa pena na segunda encenação e sim faz quem assiste compreender –
usando o cômico para causar o riso e afastar a emoção - a crueldade do sistema
capitalista de produção.

PATRÃO (puxando Carlos para fora do círculo)


Agora, você vai me dizer o que está acontecendo, porque os materiais
estão acumulando em você? Puxa o braço quebrado de Carlos, que está
escondido atrás das costas. O que é isto Carlos? Uma peça quebrada, quer
dizer, um braço quebrado?
CARLOS
Sim patrão, eu quebrei quando eu vinha para o serviço de bicicleta, pois o
senhor não me deu passe este mês.
PATRÃO
O quê?!!! Mentindo para mim! Você deve ter quebrado jogando bola por aí.
Bom, você já sabe quais são as regras da empresa, peça quebrada, fora,
não aceito peça quebrada em minha empresa. Pois posso ter prejuízo e
ficar pobre. Meu Deus, isso não vai acontecer!
CARLOS
50

Mas patrão, tenho família pra sustentar, não posso perder esse emprego!
PATRÃO
Também tenho família pra sustentar, não posso ter prejuízo em minha
empresa. Fui eu quem fez seus filhos?
CARLOS
Patrão, pelo amor de Deus, não me mande embora!
PATRÃO
Não, Carlos, não adianta, peça quebrada, fora, fora! Aqui não há
reciclagem! Carlos sai. Hoje só temos três minutos de almoço para
compensar a saída de Carlos. Agora... Já acabou, vamos voltar a trabalhar.
Andando em volta dos funcionários. O tempo passa Tem que trabalhar mais
depressa, se quiserem sair mais cedo, vamos, mais depressa. Ao público
Meus empregados entendem a necessidade da empresa, veja que
satisfação. Por que esta cara de tristeza? Poderão até pensar que eu não
lhes trato bem, que eu exploro vocês. Olha, vocês tem trabalho e isso dá
dignidade a uma pessoa ...

Sua posição na divisão social do trabalho faz com que os empregados, ao


final da peça, percebam sua exploração e iniciem uma revolta (sugestiva):

Enquanto o patrão fala para o público os empregados param


de trabalhar e caminham em direção ao patrão.
CORO
Nós demos o sangue! Nós demos o sangue!
PATRÃO
Oi, vocês estão aqui! Agora não é hora de descanso, voltem para seus
postos...
CORO
Foi você quem sugou! Foi você quem sugou!
PATRÃO
Calma, calma! Querem um cafezinho? Vocês estão enganados, quem suga
é o morcego, além do mais eu lhes trato muito bem...
CORO
Com o nosso trabalho... Com o nosso trabalho...
PATRÃO
Trabalho, isso dá valor a uma pessoa, todos a ele têm direito...
CORO
Só você lucrou. Só você lucrou

Esta peça, dentre as apresentações como agitação e propaganda no MS,


também foi utilizada na Marcha Nacional 12 em 2005 como se pode observar em um
12
Marcha nacional pela Reforma Agrária de Goiânia Brasília que ocorreu entre os dias 16 de abril a 1 de maio
de 2005 com mais de 12 mil Sem Terras.
51

Texto da Brigada Nacional de Teatro Patativa do Assaré:

Também na marcha havia cinco elencos que tinham em seu repertório a


peça Exploração do Trabalho, criada em oficina coordenada pelo grupo
paulista Teatro de Narradores, em outubro de 2004, em Sidrolândia, no
Mato Grosso do Sul, e dois elencos que tinham em seus repertórios uma
livre adaptação dessa peça, feita pela Brigada de agitprop do MST/DF,
chamada Como fazendeiro sofre! (COLETIVO Nacional de Cultura do
MST:p. 2005)

A peça “Como Fazendeiro Sofre” ,da Brigada de Agitação e Propaganda


“Semeadores da Imagem13” do MST do Distrito Federal e Entorno, foi criada com
base na “Exploração do Trabalho” apresentada pela BECFT em outubro de 2004 em
Pernambuco na 2º Semana Nacional de Cultura do MST, quando uma militante da
Semeadores viu a peça e construiu a primeira versão, depois adaptada pelo coletivo
do grupo.

Como fazendeiro sofre!!!

Personagens:
Fazendeiro
Capataz
Zumbi
Negros escravizados
Mensageiro

Segunda peça construída coletivamente pelo grupo do pré-


assentamento Gabriela Monteiro, criada a partir de adaptação da peça
“Exploração do trabalho” e adaptação do coro da peça “O desenlace”,
ambas construídas por elencos do MST/MS, em oficina coordenada
pelo grupo Teatro de Narradores. A primeira versão textual da versão
adaptada foi escrita por Viviane Moreira da Silva, atriz do grupo, após
improvisação coletiva. Em seguida, os demais integrantes do grupo
contribuíram também na parte escrita.

4° VERSÃO – 09/02/2005
(Coletivo nacional de Cultura do MST: São Paulo, 2007 p. 41)

13
Na época era conhecido como grupo do pré-assentamento Gabriela Monteiro
52

O método de criação das peças partia da demanda da organização e o grupo


estudava sobre o tema determinado com o intuito de aprofundar o entendimento e
ter mais elementos na construção da obra:

… quando surgiu o desafio de fazer o debate com a sociedade sobre a


ALCA a Direção Estadual fez um encontro para dar os devidos
encaminhamentos, mas haviam muitas dificuldades no sentido de dominar o
tema, e mesmo assim a avaliação dos setores é de que o grupo de
militantes da cultura que faziam parte do acampamento 17 de abril eram os
que tinham mais condições de fazer o debate, a principio não se tinha a
ideia de escrever uma peça de teatro, mas este desafio na quele momento
para nos era um desafio maior do que a nossa capacidade, não somente
política mais de vivência na organização, este medo fez com que nós
pensássemos o debate dentro das nossas características que era o teatro e
o Garganta mais o Valdemir escreveram a peça ALCAPETA, que foi tendo
alterações e contribuições de todos os atores durante a rodada, a peça que
mais fez sucesso na nossa opinião pois a mesma atingiu, na ocasião, 13 mil
alunos. (Garganta, grupo Utopia)

Devido à inserção nas diversas lutas os militantes da cultura recebiam muitas


tarefas da Direção Estadual e, pelo pouco tempo e ninguém nas regionais com total
domínio de teatro, escreviam coletivamente as peças nos grupos locais regionais ou
na Filhos da Terra. As peças não eram assinadas com seu autor e sim pelo grupo:

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA


BRIGADA ESTADUAL DE CULTURA MST/MS FILHOS DA TERRA
PEÇA DE TEATRO ÉPICO
ALCAPETA
Personagens:
Juvenal
João Bogo
Alcapeta
Peça Construída Coletivamente Pelos Integrantes do Grupo UTOPIA
DATA: 04/06/2002
LOCAL: Acampamento 17 de Abril - Nova Andradina/MS
REGIONAL: Vale do Ivinhema
(Coletivo nacional de Cultura do MST: São Paulo, 2007 p.14)

O processo de construção das peças por vezes era feito em um único dia e
logo no ensaio iniciavam as primeiras modificações e adaptações a depender do
53

público ao qual seriam feitas as apresentações. Por serem colocadas em avaliações


dentro e fora do coletivo de cultura, estas peças acabam por terem várias versões a
partir de cada crítica feita. As peças, assim como todas as outras produções do setor
de cultura em nível nacional, são de propriedade coletiva ao passo que grupos de
outras regionais e outros estados têm a maior liberdade de usá-las em suas
apresentações ou trechos em qualquer intervenção. Aqui a propriedade intelectual
de caráter privado perde espaço para a democratização das obras produzidas.
54

4. A inserção da Cultura na discussão sobre a estratégia política do MST

Na luta de classes todas as armas são


boas: pedras noites e poemas
Paulo Leminsk

No Mato Grosso do Sul o debate sobre a cultura iniciou, de forma


sistematizada, no ano de 1999, ao passo que o grupo Utopia torna-se o expoente da
representação da arte em prol de uma demanda da organização de fazer trabalho de
base, expor a luta do MST para a sociedade, discutir problemas internos como o
machismo, racismo, cooperação, etc. Para cobrir a demanda de multiplicação
realizam, com um projeto junto à secretaria estadual de cultura, uma série de
oficinas começando por uma estadual e depois várias regionais em que seis grupos
são criados.

Até a formação da Filhos da Terra o Utopia sofreu muito tendo, a todo


momento, que provar sua capacidade de usar da cultura como instrumento de luta
para os interesses da classe trabalhadora, pois a tradição predominante ressalta a
interpretação do puro humor sem mais preocupações com algum tipo de mudança,
prevalece o reino do entretenimento, desvinculado da crítica, da formação, e ou da
ação política. Alessandra explica como foi o início, as dificuldades para quebrar o
que já estava construído no imaginário da população camponesa: “No início nem o
MST/MS acreditava no potencial do grupo Utopia em fazer da arte um instrumento
de luta”.

Como o artista nos dias de hoje é considerado uma pessoa fora da realidade,
dotado de capacidades especiais onde sua criação artística está condicionada a se
apartar da sociedade em condições especiais, por vezes se fez necessária uma
disciplina maior para com os militantes da cultura no intuito de se preservarem mais
para obterem o respeito também fora dos momentos de apresentação.

Por consequência da cultura ser observada como artigo de luxo e coisa de


burguês no decorrer da ditadura militar no Brasil, tornou-se senso comum que a arte
serve apenas para o entretenimento, para se esquecer dos problemas quotidianos.
Os militantes que usam da arte para expressar sua opinião política, por vezes, foram
vistos como mais um artista que procura público para sua obra. Como o artista, dos
que conhecemos pelos grandes meios de comunicação de massa, tem e exige um
55

tratamento especial para sua presença e como a população rural fora privada de
uma arte engajada em seu cotidiano, os militantes do Setor de Cultura necessitaram
rabalhar, com maior cuidado a disciplina – além da disciplina necessária ao trabalho
coletivo, que o teatro já proporciona – para que não sejam confundidos com o
padrão de artista que conhecemos pelo senso comum. Tiveram que se transformar
nas palavras da professora Iná Camargo Costa em “militantes-artistas e artistas-
militantes”.

Como a maior parte dos integrantes são jovens e crianças o setor teve que
adaptar suas atividades e ações de acordo com os horários escolares a ponto de
precisar pedir sempre a autorização escolar para que os alunos faltassem alguns
dias para realizarem apresentações em outros municípios, participarem de oficinas
de formação, de encontros e demais atividades do movimento. Como o MST é uma
organização em que as pessoas chegam nos acampamentos em todos os
momentos e também algumas pessoas desistem por motivo de que a tão almejada
terra demora a ser conquistada, a constante inserção de pessoas no setor de cultura
nos acampamentos demandou uma quotidiana formação política e técnica, o que em
muitos momentos impediu de aproveitar o acúmulo teórico e prático do setor para
avançar em algumas ações, pois pessoas novas, sem formação estavam entrando
no setor e o processo tinha que se iniciar do zero novamente.

Nas várias atividades em que o setor, enquanto Utopia ou mesmo já nos


tempos de Filhos da Terra, ia em sua maioria não tinha tempo de participar dos
debates em plenária, pois sempre se encontravam preparando as místicas, as noites
culturais, jornadas socialistas e demais apresentações no campo da arte. Isto
impossibilitou que a militância do setor participasse do processo de formação que as
atividades do MST propõem. Assim @ militante tinha uma formação política
prejudicada neste sentido. Quando isto se tornou muito forte em 2005 o setor fez um
diagnóstico da situação onde se propôs que outros setores também pudessem
participar dos processos de criação cultural nas atividades da organização, tanto
para não centralizar no setor de cultura quanto para que os outros setores tivessem
a oportunidade de criação artística. Aqui já se trata de outra fase: a do
reconhecimento do valor do trabalho, mas na compreensão estrita do trabalho
especializado determinada pela divisão social do trabalho. É a fase da compreensão
de que “nós também temos artistas”, em que a arte prevalece não compreendida
56

como algo que pode e deve ser feita por todos e todas.

A dinâmica do acampamento de estar sempre em atividades externas ou


internas favoreceu o desenvolvimento do setor de cultura nos mesmos, pois o
processo formativo da militância se faz em luta, mesclando a teoria e a prática.
Quando da efetivação dos projetos de assentamento tem-se os problemas de
distância, tempo e condições para reunir o grupo.

Após a conquista da terra, os integrantes que de início tinham fácil inserção


no grupo, pelo fato de estar no acampamento, hoje tem que cuidar dos
afazeres de um assentado, do lote. O estágio do assentamento é outro, e
isso influencia diretamente na vida dos sujeitos. (Luana, grupo Mensageiros
da Cultura)

Por volta do ano de 2005 a 2010 foram assentadas muitas pessoas que
fazem parte do setor de cultura, a participação decaiu muito, principalmente
pela dificuldade de tempo das pessoas, pois agora tem que tomar conta da
terra, e organizar pessoalmente. Outro fator e a distância e o espalhamento,
pois no acampamento todos ficam juntos e assentamento estão longe um
do outro. Há assentamentos que um membro de grupo chegou a ficar quase
20 km de distância um do outro. O que muda são as responsabilidades e
estrutura de organização. Isso se torna desmobilizante para os grupos. Mas
ainda no assentamento as pessoas ficam vinculadas ao setor, participando
de atividades da comunidade do assentamento e quando há atividades
estaduais se reúne um grupo muito grande do Setor de Cultura.
(Alessandra, grupo Utopia)

4.1 Produção cultural, reprodução da vida

“Podemos também decretar que uma obra


caracterizada pela tendência justa deve ter
necessariamente todas as outras qualidades.”

Walter Benjamin

Fazendo uma comparação da produção do setor de cultura com os momentos


de luta do MST é possível observar que o setor de cultura esteve sempre colocando
sua ação nas necessidades que a organização apresentava no momento. Se
pegarmos as peças e as poesias veremos que a conjuntura era a premissa de
elaboração do grupo: quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso
57

propusera a Reforma Agrária pelo correio o Utopia faz uma peça criticando esta
decisão e apontando que apenas a luta dos movimentos sociais efetivaria uma
reforma agrária popular. Os anos de Neoliberalismo da década de 1990 em que as
privatizações estavam a todo vapor junto ao processo de minimização do estado
(estado mínimo) veem a música Pátria Livre cantar os valores do campo na
produção na Reforma Agrária para que o país se torne livre do julgo explorativo. A
campanha continental contra a ALCA faz nascer a ALCAPETA com o compromisso
de denunciar os malefícios da implementação da Área de Livre Comércio com um
objetivo específico de obter votos no plebiscito.
O ano de 2003 conta com peças, já não mais apenas do Utopia, mas de todos
os grupos que formam a Brigada estadual de Cultura do MST-MS filh@s da Terra.
Os transgênicos, que no governo Lula foram liberados, começam a ser o grande
investimento dos capitalistas no campo, grandes quantidades de terra com
tecnologia de ponta formam o que conhecemos por agronegócio: as sementes
tradicionais dos povos que lhes garantiam a soberania passam a ser controladas por
empresas multinacionais. Neste contexto, o Grupo Raízes Camponesas constrói a
peça Tramóia, Trapaça e Transgenia, em que conta a história de uma família que
passa a ser afetada por uma plantação de milho transgênico perto de sua roça
tradicional de milho. Explicita-se como os transgênicos influem na vida dos
camponeses e seus reflexos para a alimentação das pessoas na cidade.
Na oficina de criação do grupo Mensageiros da Cultura em 2003, a peça
criada coletivamente - sob orientação do grupo Utopia – foi a MST, Esta luta é Pra
Valer! A peça consiste no trabalho de base para chamar pessoas para acampar em
um acampamento do MST. Na peça se encontram informações de o que é
necessário levar para um acampamento, como é o modo de organização interna. Há
o momento em que para combater o pensamento de que o MST é violento é
encenado um conflito onde um militante morre. O contexto de necessidade de
massificação do MST no estado, faz com que os militantes do Utopia e da regional
Cone sul, inseridos na coordenação estadual, percebam a necessidade de fortalecer
o trabalho de base.
Para combater a falácia da civilidade e do progresso contida na globalização
o grupo Lamarca da Cultura cria a peça As Maravilhas da Bobalização onde a
globalização é apresentada de sua forma mais geradora de desigualdade,
separando ainda mais os países pobres dos ricos, criando um espaço de barbárie
58

onde as pessoas se postam sem capacidade de reconhecer valores como a


solidariedade de classe e a indignação com as injustiças.
O Grupo Águias da Fronteira sofre com uma tentativa de amenizar o tom
político da criação teatral no meio de sua oficina: a professora de teatro tenta fazer
uma apresentação com base no conto da Águia e a Galinha, mas de forma tal qual é
no conto, sem modificações ou adaptações para a realidade do acampamento. A
coordenação da regional mais integrantes do Utopia resolvem criar uma peça com a
estrutura da águia e da galinha, mas transpondo metaforicamente para a luta de
classes onde os animais são trocados pelos países que dominam e os que são
dominados.
No final de 2003, e início de 2004, muitos acampamentos conquistam a terra
e começam a enfrentar problemas do individualismo nos assentamentos por parte
dos assentados que não querem trabalhar coletivamente. O grupo Filh@s da Cultura
constrói a peça Cruz, crédito, que mixaria que explicita a importância de trabalhar
em coletivo para que os ganhos políticos e econômicos façam do assentamento um
local coletivo. O setor de produção pede para que o grupo apresente a peça em
algumas atividades do mesmo.
A desigualdade social, velada pelos meios de comunicação que conseguem
falar da miséria sem politizar a desigualdade é denunciada na construção da peça
Desigualdade Social do grupo Mensageiros da Cultura.
Se pegarmos as três principais bandeiras do MST que são a Terra, a
Reforma Agrária e a Transformação Social, podemos observar que as peças
construídas pelos grupos discutem os temas cada uma a sua maneira. Nas peças
sobre a luta pela terra podemos dizer que se encontram MST, essa luta é pra valer e
De quando Benedito foi acampar construída em outubro de 2005. As duas chamam
as pessoas para o acampamento e mostram o lado da luta que os meios de
comunicação jamais mostrariam. O latifúndio é posto como obstáculo improdutivo às
famílias que querem um naco de chão para trabalhar.
A Reforma Agrária se explicita nas peças Tramoia, Trapaça e Transgenia e
Cruz crédito, que mixaria. A soberania alimentar e as condições de produzir são
postas como necessidades da organização discutir interna e externamente em que a
produção do setor de cultura faz parte desta estratégia política da organização.
Enquanto militantes entendemos que a luta por transformação social está
para além da simples conquista da terra ou da efetivação da reforma agrária no
59

Brasil. A transformação social está pautada na mudança do modo de produzir. O


capitalismo não é capaz de suprir as necessidades da humanidade sem que, por
trás disto haja miséria de muitos para a fartura de poucos. Assim a produção do
setor de cultura passa a pautar sua produção também para os interesses mais
amplos da organização no que concerne à luta de classes. As peças A Águia e a
Galinha, As Maravilhas da Bobalização e Desigualdade Social mostram a
necessidade de uma outra forma de produção (socialismo) que não esta, pautada na
desigualdade, no consumismo, disputa e propriedade privada dos meios de
produção.
Em agosto de 2005 integrantes da Brigada Estadual de Cultura Filhos da
Terra se reúnem em Campo Grande para criar uma intervenção que contraponha a
história oficial sobre a soberania ocasionada pela proclamação da independência do
Brasil por Dom Pedro I. É de costume no Brasil que ao dia 7 de setembro, data da
dita independência em 1822, as forças armadas façam um desfile nas grandes
cidades para mostrar e lembrar que somos uma pátria independente. Nas cidades
pequenas as crianças ganham pontos na média bimestral para desfilarem em
representação de sua escola como prova de amor à pátria. Na tentativa de
desconstruir a visão ufanista da grande mídia que esconde a submissão do Brasil
frente às potências capitalistas e aos órgãos de controle econômico como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), é
criada coletivamente a peça A História do Brasil, que mostra como que em todos os
momentos de sua história esteve dependente das potências da época e que hoje
está à mercê do capital, subjugado à divisão internacional do trabalho onde ficou
como eterno produtor de matéria-prima e importados de produtos de tecnologia. Na
dita “semana da Pátria14” a Filh@s da Terra fez 14 apresentações entre escolas,
igrejas, um acampamento, bairros e no Grito dos Excluídos de Campo Grande.
Nos processos de construção das peças a forma épica fora utilizada para
comportar os temas políticos, temas que ultrapassavam as decisões dos indivíduos.
Os temas épicos exigiam formas épicas de interpretação. Zé Fernando, integrante
do grupo “Teatro de Narradores”, São Paulo, em oficina para a Filh@s da Terra
explica a relação entre forma e conteúdo:

14
Toda a semana onde o 7 de setembro se encontra.
60

O teatro que a gente conhece, que chamamos de drama, surge em


determinado momento histórico. O teatro passou a ser um lugar de disputa
política: que tipo de figura vai aparecer no teatro? Surge a burguesia a seu
teatro é o drama. A chave do drama é decisão e ação, a partir do diálogo.
Outras classes sociais, novas exigências teatrais: a nova classe vai tentar
encontrar novos meios, novos procedimentos. Classe social que só tem
condição de agir coletivamente. Multidão em cena: sujeito coletivo: outra
forma, outra expressão. Os temas das cenas de vocês são temas coletivos:
o que está em jogo é o interesse de uma coletividade e não interesses
individuais. Se é assim como é que podemos dar conta disso na construção
das cenas que vocês fizeram? Será que os procedimentos dão conta? Pra
que o movimento apresente suas posições é preciso que ele se apresente
coletivamente. Em que medida a partir de uma conversa podemos dar conta
desses problemas? Se na vida não conseguimos no teatro também não
conseguiremos. (Arquivo da Filh@s da Terra, Relatório da oficina de criação
de bonecos e teatro épico, Brasília, 2004 p. 18)

Em muitas das produções se percebeu, no fazer, que certas formas não


comportavam certos conteúdos, que os conteúdos demandados pelo MST não
cabiam na forma dramática de representação da realidade. Como a produção da
Brigada Filh@s da Terra se fazia em meio às lutas travadas pela organização, e os
militantes do setor de Cultura inseridos nas ações do MST, as necessidades da
organização se expressavam na arte. Assim o drama não podia representar a arte
que se propunha a discutir a luta de classes. Em Mato Grosso do Sul, a parceria
com o grupo “Teatro de Narradores”, grupo com experiência na produção do teatro
político, foi fundamental na medida em que a produção cultural demandava um
produção para contribuir com a estratégia política da organização.
Os textos eram adaptáveis de acordo com as necessidades, poderia ser
aumentado ou reduzido. Não era composto por uma estrutura fechada, imutável,
mas sim um instrumento para ser usado e readaptado: a Estrutura da peça De
quando Benedito foi acampar, inicialmente escrita para colaborar no trabalho de
base, foi adaptada para discutir sobre o preconceito com crianças Sem Terra nas
escolas. Quando a peça era extensa, se comparada ao tempo disponível para
apresentação, se apresentava apenas pedaços da mesma.
Nas cenas se encontram apenas o que é necessário para passar o conteúdo,
mostrando apenas o essencial, evitando detalhes insignificantes. O estado de
espírito dos personagens não se mostra importante como o que suas ações
explicitam em meio à gama de interesses visíveis nas peças. Os atores não
encarnam o personagem, mas dão um julgamento a estes a todo momento usando
da técnica do distanciamento, mesmo para mostrar que não estão de acordo com as
61

ações dos personagens. Não há um objetivo de imitar a vida tal qual ela é, mas fazer
comparações a ponto de permitir que o espectador tire suas conclusões; dar uma
imagem crítica da realidade afim de que quem assista a interprete e a transforme.
A peça História do Brasil, para manter o interesse do público sobre o tema
político, usava de canções e poesias. Seu objetivo é extremamente político e para
tal usa dos mais diferenciados artifícios:

uma vez que o recurso a “pequenas formas” variadas conjugando canto,


dança, declamações em grupo ou individuais e a mescla de diversos temas
tratados rapidamente sob um ângulo incisivo (política interna, política
externa, cenas de “byt” etc) parecem particularmente propícias para manter
o interesse do público sobre questões frequentemente áridas e captar sua
atenção. (HAMON: 2009, p. 2)

Ao assistir um pequeno trecho da peça é possível perceber o posicionamento


político do grupo, não há confusões de interpretação, a mensagem é transmitida
rápida, objetiva, onde os personagens são coletivos e apresentam uma situação
pronta a ser julgada pelo público, pondo a necessidade de agir para transformar o
que a peça denuncia. Em uma cena da peça a poesia Brasil 500 anos de Autoria de
Garganta era declamada pelo próprio nas apresentações.

Vamos todos dar as mãos


E provar ao estrangeiro
Que quem manda nessa Pátria
É o povo brasileiro.

A clareza didática das intervenções não esconde quem é o inimigo. Este é


desmascarado co suas próprias ações ou com a contradição do que fala com a
obviedade contraditória dos fatos. A ironia se faz presenta em muitos momentos
para expor ao ridículo ou para negar uma afirmação.

CORO:

TERCEIRO MOMENTO

“AS VEZES, É NECESSÁRIA A GUERRA, PARA GARANTIR A PAZ”

NARRADOR (como se fosse um apresentador)

Quero convidar o Senhor OMC.

SENHOR OMC (entrando com pose)


62

Quero agradecer aqui... Toca o celular Oh! Vibrou, vibrou! Com licença, por
favor. Atende

ao telefone e conversa. Volta-se para o apresentador. Desculpe, é uma


ligação importante,

é dos EUA, o Bush. Inadiável.

A ironia do opressor aponta as falsidades que a peça quer desmitificar:

SENHOR PORTUGAL

Eu pertenço a uma nobre família de Portugal, ou melhor, eu sou Portugal.


Por isso digo, e juro se for necessário, que toda esta história de
“Independência do Brasil” já estava por mim prevista, tanto é que antes da
peça tratei de libertar o Brasil por seu merecimento. Libertá-lo, para mim
não era nada, porque uma vez colônia, sempre colônia. Assim, reuni mais
ou menos... Pausa ...duas pessoas para fazer tal coisa: eu, é claro, e meu
mensageiro. Mas a história conta que foi um exército!!! O coro faz um fundo
musical, com o Hino Nacional, em gromelô, até a parte que o Brasil morde a
perna de Portugal No golpe do meio levantei a minha espada,
acompanhada dos ideais que pregava Cristo, a dezoito séculos atrás, e
constituí a tão sonhada independência da minha colônia Brasil Dá uns
petelecos na cabeça do Brasil. Concluí que as outras nações deveriam
seguir o mesmo exemplo e dar a tão sonhada independência, que é um
dom de Deus. Também que as outras nações não podiam roubar a
liberdade das colônias, sem pecado. A colônia inteira, inclusive índios e
negros, veio correndo abraçar-me os pés. O Brasil morde os pés de
Portugal e depois faz xixi, como se fosse cachorro. Muitas das nações
amigas comemoraram este nobre ato, inclusive os Espanhóis e os Ingleses.
Ouvi, meio cabisbaixo, as comemorações e assim, dei o tão esperado grito:
”Independência ou Morte”. E hoje, todos os livros de história nos contam,
comovidos e com admiração, a história desta nação! Então, eu disse ao
inocente Brasil: agora tu és independente e aqui tens um amigo quando
precisares. Ofereci a ele meu ombro e apoio, pisa no ombro do Brasil mas o
Brasil preferiu o apoio dos Ingleses. É, os Ingleses, boa gente. Portugal
congela.
(Peça A História do Brasil, Coletivo nacional de Cultura do MST: São Paulo,
2007 p. 178)

4.2 A arte como mediação na luta de classes

Se a produção artística inicial se pautava muito no humor, e em alguns


momentos era permeada pela indústria cultural, com a inserção dos integrantes do
Utopia, e posteriormente da Filh@s da Terra na militância e nos processos
formativos da organização (cursos, marchas, ocupações, mobilizações, etc.) a
politização dos temas se torna visível e a maioria da produção artística do setor de
Cultura se voltara para as necessidades conjunturais da organização. Mas a arte
63

também proporcionou momentos de reflexão interna, explicitando contradições e


percepções que não são visíveis no real mediado pela ideologia.

A arte não apenas retrata o real como ele supostamente é, ela pode
evidenciar em termos estéticos que o real é uma construção histórica, não
natural, mas política, e pode por isso fazer mais que informar dentro das
fronteiras previstas pelo universo da ideologia, ela pode formar, apontando
para algo que está além do sistema instituído, como uma força
desestabilizadora do real, que sugere a possibilidade paradoxal de
construirmos uma memória do futuro, a partir da releitura do passado, e da
elaboração de uma perspectiva anti-sistêmica decorrente do
reconhecimento estrutural de contradições que se acumularam do passado
ao presente. A arte permite a reorganização da experiência, e de nossa
capacidade de conferir sentido à dinâmica histórica em que estamos
inseridos. (Villas Bôas, 2010)

A poesia a seguir expressa determinado momento de avaliação em que a arte


aponta contradições no quotidiano das ações da organização:

A quem interessar

Sabemos o que queremos,


Ou sabem isto por nós?
Enxergamos o que vemos,
Ou gritam em nossa voz?
Será? pensamos sozinhos?
Procuramos bons caminhos?
Somos do rogais por nós?

Temos que nos preparar?


Nós pensamos no futuro?
Assim perdidos no mar,
Existe lugar seguro?
Nosso individualismo
Reforça o capitalismo?
Nós estamos em apuros?

Precisássemos agora
De enfrentar o inimigo:
Sairíamos triunfantes
Ou à procura de abrigo?
O momento é obscuro?
Nossa tática tem furos?
Isto não sou eu quem digo!

De quem depende o triunfo?


Ou melhor, do que depende?
Dependemos um do outro?
64

Sozinho alguém se defende?


Pra fazer revolução,
Só nos basta a união?
Ou alguém não compreende?

A poesia A quem interessar, da Filh@s da Terra, dirige-se ao coletivo para


questionar sobre a postura do mesmo quanto à forma de luta. É um poema de
quatro estrofes, com métrica regular tem versos heptassílabos onde o 2, 4 e 7
sempre rimam, assim como os versos 5 e 6 rimam entre si. Os versos 1 e 3 são
brancos. Esta métrica ajuda a memorização por ser uniforme nos quatro estrofes.

A primeira estrofe questiona a passividade do coletivo frente alguma situação


onde o eu lírico se apresenta como alguém que está inserido na problemática que
denuncia, mesmo observando e denunciando o eu lírico não explicita sobre qual
situação em específico está questionando. A segunda e terceira estrofe sugerem a
necessidade de preparação para enfrentar o inimigo que é o capitalismo, mas que o
coletivo se encontra fraco para tal feito. Sem afirmar, o eu lírico se dirige ao coletivo
para denunciar, através de perguntas, a falta de coletividade para obter êxito na luta
de classes. Ao mesmo tempo, nos três últimos versos, a questão fica por conta de
que não basta apenas a união para se fazer a revolução, que parece depender de
outra coisa que fica nas entrelinhas do poema.

Usado em momentos de avaliação nas diversas instâncias, esta poesia


mostra que a arte é pautada pelas demandas da organização de acordo com a
conjuntura do momento, mas que também serve como reflexão sobre a forma de
conduzir a luta, de dar-se com a conjuntura. O poema não informa apenas, ele
questiona sobre a organização do qual faz parte e luta usando da arte para tal.

Segundo Szachi, utopia, de acordo com a etimologia grega, significa lugar


não existente, país que não se encontra em lugar algum. A utopia é o que move a
luta, por buscar algo que não existe, que se sonha, mas não se vê. As ações do
grupo Utopia, de usar da arte para antecipar no presente possibilidades de
experiência não mediadas pela dinâmica do capital e não possíveis dentro do
sistema capitalista de produção, fazem da utopia sua forma de agir, impulsionando a
organização. Na medida que se propõe algo que se faz impossível nas condições
de vida que se tem, cria-se uma vontade e uma força para criar tais condições para
65

a realização desta utopia. A arte de produzir utopias, não é fugir da realidade ou


ingenuidade política, mas mostrar que uma outra realidade pode existir, não sob
estas condições de exploração, mas sobre uma nova sociedade ainda a ser criada e
que depende da própria arte para ajudar a forjar o novo.

Considerações Finais
66

A formação do grupo Utopia em 1999 é o embrião da construção do Setor de


Cultura no estado de Mato Grosso do Sul por ser um grupo que desde sua origem
trás como princípio a demanda da organização, demanda tal em qualquer instância:
no acampamento quando a coordenação do mesmo dá a tarefa à equipe de
animação de organizar as festas para angariar recursos; nos encontros e reuniões
onde o Utopia organiza as místicas, noites culturais e demais apresentações
artísticas; nas marchas, em que peças foram criadas para debater a proposta de
Reforma Agrária pelo Correio, de Fernando Henrique Cardoso, e foram
apresentadas tanto para os marchantes, na marcha de Batayporã à Campo Grande
(31 dias com o pé na estrada) quanto nas cidades por onde a marcha passava; no
estado quando a Direção Estadual propôs ao Utopia assumir o debate e a
campanha a favor do plebiscito contra a ALCA. Fica a possibilidade de compreender
melhor como se dá esta produção espontânea enquanto forma sob demandas
políticas, qual a relação entre a herança da forma dramática de representação e a
incapacidade deste gênero de abordar estes temas.

Quando fora chamado para assumir a responsabilidade de organizar o Setor


de Cultura no estado, o Utopia já tinha uma vasta experiência de produção artística
que variava entre pintura de painéis, ornamentação, poesias, músicas e teatro.
Também já tinha militantes orgânicos do MST que tinham passado em cursos de
formação15 como em atividades de luta como marchas, ocupações etc. Faltou ao
trabalho analisar cuidadosamente como era este trabalho e qual seu raio de
influência.

O momento da construção do Setor de Cultura nas regionais corresponde ao


contato com o Coletivo Nacional de Cultura, que tem na Brigada Nacional de Teatro
Patativa do Assaré uma experiência teórico-prática que completará com o acúmulo
que o Utopia conseguiu até 2003. Assim a BECFT se transforma num espaço contra
hegemônico de representação da realidade em que a arte torna-se um processo de
formação de militantes tanto para o Setor de Cultura quanto para os demais setores
da organização. A falta de tempo na construção do trabalho não permitiu uma
análise criteriosa da produção artística dos outros seis grupos de cultura nas

15
Exemplo é o curso de formação de militantes do Cone Sul, com pessoas do Brasil, Argentina, Paraguai e
Chile, em que foi realizado no Mato Grosso do Sul as duas primeiras edições do curso de formação
67

regionais.

O processo de produção coletiva forja uma socialização em que a obra não se


torna propriedade de quem a fez, não exige direitos autorais, pois o importante é que
a obra seja divulgada como forma de trabalho de base contante contra o modo de
produção capitalista em suas mais diversas formas de apropriação privada. Não
existe divisão entre os que pensam e os que fazem, assim como não existe divisão
intelectual do trabalho, pois os militantes da BECFT não são afastados das outras
tarefas para produzir, apartad@s da sociedade, não constroem por observarem “um
mundo que necessita de mudança”, mas vivem neste mundo e estão tentando
transformá-lo através da arte, refuncionalizando os processos de trabalho das
linguagens estéticas dominantes. Sem fazer um estudo aprofundado sobre em que
pé estava a discussão no Coletivo Nacional de Cultura o trabalho não pôde
estabelecer um paralelo entre o amadurecimento tando do setor de Cultura no
estado quanto na instância em nível nacional.

O setor de cultura ajudou na afirmação da arte como um instrumento de


formação política ao ponto de outros setores utilizarem desta para transpor
conteúdos de interesse de tal coletivo. Entre os anos de 2003 e 2004 há uma
propagação de poesias, declamadas por militantes de diversos setores e acabou
tornando-se uso corriqueiro as poesias em todas as atividades do MST. É um dos
princípios do Coletivo Nacional de Cultura “Desenvolver ações formativas conjuntas
com os demais setores do MST”. Para abranger mais sobre a inserção em outros
setores faltou uma pesquisa com militantes de outros setores que avaliassem até em
que medida a constituição e forma de funcionar do Setor de Cultura influenciou no
modo de atuação destas outras instâncias.

O trabalho em observação apresenta muitas questões sem o aprofundamento


necessário decorrente da dificuldade de localização de algumas fontes e pelo limite
de compreensão do autor ao passo que também não é possível construir uma
história fechada já que o Setor de Cultura está em constante processo de
construção. Assim este trabalho pode funcionar como um problematizador de
questões que necessitam de um aprofundamento, reavaliação, aumento na
delimitação temporal tanto antes do Utopia quanto depois do início do processo de
dispersão ocasionado pelos projetos de assentamento. Compreender como que
estes grupos atuam nos dias de hoje e que influências o Setor de Cultura pode ter
68

no MST-MS já que, no exercício de 2010-2011, d@s 48 militantes que integram a


direção estadual do MST no Mato Grosso do Sul 7 são militantes do Setor de
Cultura.

Referências Bibligráficas
69

ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, R.J.: Editora Jorge


Zahar. Horkheimer, M. (1990)

ASSARÉ, Brigada Nacional de Teatro Patativa do, Contra a mercantilização: a


dinâmica da produção teatral do MST. Brasília: MST, 2005, mimeo.

BÖNHENBERGER, Ênio. A importânciada arte para o MST. In O MST e a Cultura:


enraizar é fundamental. Maio de 2003, mimeo.

BOGO, Ademar, Identidade e Luta de Classes. São Paulo: Expressão Popular,


2008
____. O papel da cultura no Movimento Sem Terra. In O MST e a Cultura:
enraizar é fundamental. Maio de 2003, mimeo.
____. A Arte como parte da Cultura. Bahia: 2001, mimeo

COELHO, Teixeira, O que é indústria cultural, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1980

COLETIVO Nacional de Cultura do MST. Caderno das Artes n° 01: Teatro. São
Paulo: MST, 2005.
_____. Teatro e Reforma Agrária: a inserção do Teatro do Oprimido no MST.
Brasília, 2005, mimeo.
_____. O papel das artes. São Paulo, MST, 2005, mimeo.
COSTA, Iná Camargo. A Hora do Teatro Épico no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1996
_____. O Coletivo de Cultura. São Paulo, MST, 2005, mimeo.

ENGELS, Friedrich e Karl Marx, Cultura, Arte e Literatura, São Paulo, Expressão
Popular, 2010.

MENEGAT, Marildo. O olho da Barbárie, São Paulo, Expressão Popular, 2006.


_________ Da arte de nadar para o reino da liberdade. In Ensaios sobre arte e
cultura na formação. São Paulo: Anca, 2006.

ROSENFELD, Anatol, O teatro Épico, São Paulo, Perspectiva, 2004.

SCHWARZ, Roberto. Cultura e Política, São Paulo, Brasiliense, 1999.

SANTOS, José Jusceli dos. A Indústria Cultural no Assentamento Conquista na


Fronteira. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.
Monografia de Conclusão de Curso para o curo Teorias Sociais e Produção de
Conhecimento.

SILVA, Lidiane Aparecida da. Teatro no MST: a construção de um instrumento de


formação e transformação. São Paulo: Centro de Desenvolvimento Sustentável da
Universidade de Brasília e Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária,
2005. Dissertação apresentada como requisito para conclusão do curso de pós-
graduação latu-sensu em educação e desenvolvimento do campo.
70

SZACHI, Jerzy. As utopias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.

TERRA, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem. O MST e a Cultura: Síntese


das reflexões produzidas no Seminário realizado em Cajamar/SP. São Paulo: 1998,
mimeo.

VIA CAMPESINA, Coletivo de Comunicação, Cultura e Juventude da. Agitação e


propaganda no processo de transformação social. São Paulo, 2007.

VILLAS BÔAS, Rafael Litvin. Vidas secas como reminiscência de um projeto


abortado de país. In Outras Terras à Vista: cinema e educação do campo. Org:
VILLAS BÔAS, Rafael Litvin, MOLINA, Mônica Castagna, MARTINS, Aracy Alves,
TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro. Belo Horizonte: Autêntica, 2010

Anexos
71

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA


COLETIVO NACIONAL DE CULTURA
BRIGADA ESTADUAL DE CULTURA FILHOS DA TERRA

PEÇA
Exploração do trabalho

Personagens:
Patrão
Funcionári@ 1
Funcionári@ 2
Funcionári@ 3
Funcionári@ 4
Funcionári@ 5
Funcionári@ 6

Peça criada durante oficina estadual de teatro ministrada pelo grupo “Teatro de Narradores”
de SP em Mato Grosso do Sul

Data: 19 a 28/10/04
Local: CEPEGE – Sidrolândia.
Regional: Centro

CENÁRIO: Não há necessidade, só é preciso de seis ou mais objetos iguais para simular
72

uma fabrica, por exemplo, tijolos. Também seis ou mais aventais iguais. Esses materiais já
devem estar no local da apresentação dispostos em meia lua .

CENA 1: “Tudo Normal”


Entram seis funcionários, todos(as) em fila, param em frente ao publico e se posicionam
horizontalmente, ombro a ombro, congelam . Entra o patrão (com terno muito “distinto”) e
também congela frente ao publico, mas um pouco afastado dos empregados(as). Quando toca
um sino os funcionários vestem rapidamente os coletes para ir ao trabalho.

Funcionários (cantando em ritmo da do refrão da música Floriô do MST) –


Você deu sangue e o patrão é quem sugou,
todo trabalho foi ele quem lucrou. (3X).

Começam a trabalhar. O patrão acorda se espreguiçando e coloca sua gravata.

Patrão – A essa hora meus empregados estão trabalhando a mais ou menos 5 horas, agora são
exatamente 10h, vou lá dar uma supervisionada, não podemos tirar o olho, pois é como
dizem: o olho do patrão é que engorda os porcos. Preciso garantir que meus dólares
tripliquem. (toca o telefone) – Alô minha rainha, por que você esta nervosa? Ah! O carro
tombou, você se machucou? Não! Esta tudo bem? Então compra outro carro zero, pode ser
aquele importado que você tanto queria, nossa empresa esta muito bem, mas agora tenho que
desligar, pois sou um homem de negócios, tenho que trabalhar,supervisionar...

Chega a empresa, todos empregados estão trabalhando, o patrão observa.

Patrão –Todos trabalhando, que beleza. Um serviço calmo, leve, fico emocionado ao ver os
empregados dando o suor e sangue pelo seu patrão, “quer dizer pelo trabalho”.Isso é porque é
um serviço digno, eu sou um patrão justo e amigo dos meus empregados, pois também são
todos excelentes funcionários, todos pontuais, dedicados. Veja o Carlos, ótimo empregado,
Marcos, outro excelente empregado, Romeu e Julieta nunca me deram problema. Olhem
tenho até crianças na minha empresa, isto é prova de que dou oportunidades a todos e no final
do mês dou-lhes umas balinhas. Olhem só, tenho também mulheres trabalhando em minha
empresa, valorizo a igualdade de gênero,o serviço vale menos é claro, pois não trabalham
como homens, mas eu gosto de ajudar a pessoas. Sou tão justo que dou almoço dentro de
minha própria empresa, isto para que eles não tenham o trabalho de fazer o almoço em suas
casas. (Se dirige aos funcionários) – Pessoal! Temos cinco minutos para almoçar!

Os(as) funcionários(as) abaixam em circulo aberto (com espaço entre os(as) funcionários
(as) comem muito rápido, enquanto isso...

Patrão – Que empresa espetacular: cinco minutos para almoçar, todos alegres, olhem como
todos estão contentes. Bom acabou os cinco minutos, vamos trabalhar se não o serviço não
rende, vamos, vamos. Ah! Como vida de empresário é sofrida, minha mulher bateu o carro,
vou ter que comprar outro, agora só posso fazer duas horas de almoço, pois tenho que
comprar o carro.
73

Empresário sai, os funcionários continuam trabalhando, fica por uns segundos fora de cena e
volta olhando para o relógio.

Patrão – Oh! Estou cansado! Trabalhei muito tenho que descansar, afinal amanha tenho que
começar cedo. Olha só gente, hoje, como sou um patrão muito bom vou libertar, ou quer
dizer, soltar todos mais cedo hoje, às 18h. Todos dispensados. Olha como eles saem felizes,
entendem a necessidade da empresa, hum! estão com dor nas costas, já sei amanhã vou fazer
vocês comerem de pé, pois ficam muito tempo sentados quando comem e por isso estão com
dor nas costas. (Comenta com público depois que os empregados saem) – Com a tal da ALCA
poderei expandir meus negócios, estou até pensando em abrir outras fábricas, uma em (...)
Pegarei alguns favelados, estou pensando em levar quem precisa para ter um trabalho justo.
Quero você, você e você na minha nova empresa. Chega de pensar no futuro, vamos nos
apegar no presente! É melhor ir dormir, estou muito cansado, meu trabalho é muito puxado.

O patrão sai e se posiciona frente ao público, abaixa a cabeça e os ombros com gesto de
descanso.
Os funcionários saem todos com a cabeça e ombros pendidos para baixo, com gesto de muito
cansados, em fila, de frente para o público. Tiram o avental e permanecem de pé, com a
cabeça e ombros baixos em gesto de descanso.

CENA 2: “Peça quebrada”


No outro dia de madrugada...Toca o sino, os funcionários acordam e colocam o avental
depressa. Carlos , um dos funcionários, coloca uma faixa no braço(como um braço
quebrado) e vão trabalhar cantando a música.

Funcionários (cantando em ritmo...) – Você deu sangue e o patrão foi quem sugou,
todo trabalho foi ele quem lucrou. (3X).

Começam a trabalhar num ritmo mais lento, pois Carlos está com o braço quebrado e
trabalha só com um deles . O patrão acorda se espreguiçando calmamente, coloca sua
gravata e vai trabalhar.

Patrão – Um novo dia, são 10h, meus empregados devem estar a todo o vapor. E eu, como
homem de negócio que sou, tenho que cuidar para que todos trabalhem bem. A máquina não
pode parar e o meu capital tem que triplicar...(chega na empresa). Todos trabalhando, muito
bem, espere um pouco parece que tem problema, minha maquina está devagar. O que está
acontecendo?

Funcionários – Nada patrão, não está acontecendo nada.

Patrão – Está acontecendo algo sim. Eu estou percebendo, está muito devagar (sempre
andando em volta dos funcionários, pergunta novamente) Carlos, o que está acontecendo?.
74

Carlos: -Nada não patrão.

Patrão (puxa Carlos fora do círculo do trabalho) – Agora você vai me dizer o que está
acontecendo: porque os materiais estão acumulando em você? (Puxa o braço quebrado de
Carlos, que está escondido atrás das costas), o que é isto Carlos? Uma peça quebrada, “quer
dizer um braço quebrado?”

Carlos – Sim patrão, eu quebrei quando eu vinha para o serviço de bicicleta, pois o senhor não
me deu passe este mês.

Patrão – O que?!!! Mentindo para mim. Você deve ter quebrado jogando bola por aí. Bom,
você já sabe quais são as regras da empresa, peça quebrada fora, não aceito peça quebrada em
minha empresa. Pois posso ter prejuízo e ficar pobre, meu Deus isso não vai acontecer!

Carlos – Mas patrão, tenho família pra sustentar, não posso perder esse emprego!

Patrão –Também tenho família pra sustentar, não posso ter prejuízo em minha empresa. Fui eu
quem fiz seus filhos?

Carlo – Patrão, pelo amor de Deus, não me mande embora!

Patrão – Não Carlos, não adianta, peça quebrada fora, fora! Aqui não há reciclagem! (Carlos
sai). Hoje só temos três minutos de almoço para compensar a saída de Carlos, agora...Já
acabou, vamos voltar a trabalhar. (andando em volta dos funcionários, o tempo passa) – Tem
que trabalhar mais depressa se quiserem sair mais cedo, vamos mais depressa. Meus
empregados entendem a necessidade da empresa, veja que satisfação, por que esta cara de
tristeza? Poderão até pensar que eu não lhes trato bem, que eu exploro vocês, olha, vocês tem
trabalho e isso dá dignidade a uma pessoa ...

Enquanto o patrão fala para o público os empregados param de trabalhar, vão pra perto do
patrão.

Coro – Nós demos o sangue! Nós demos o sangue!

Patrão – Oi, vocês estão aqui! Agora não é hora de descanso, voltem para seus postos...

Coro – Foi você quem sugou! Foi você quem sugou!

Patrão – Calma, calma querem um cafezinho? Vocês estão enganados, quem suga é o
morcego, além do mais eu lhes trato muito bem...
75

Coro – Com o nosso trabalho... Com o nosso trabalho...

Patrão – Trabalho, isso dá valor a uma pessoa, todos a ele tem direito...

Coro – Só você lucrou. Só você lucrou.

Patrão – Lucrar, vocês também lucram. Espera aí, segurança, segurança, isto é baderna não
podem se revoltar segurançaaaaaaaaa !

O coro congela em posição de enfretamento juntamente com o patrão que está recuando.

Todos – O BRASIL É UM PAÍS SOLIDÁRIO


EXPORTA SOJA PARA OS PORCOS DO JAPÃO
O BRASIL É UM PAÍS SOLIDÁRIO
VENDE A SUA MELHOR CARNE E IMPORTA PODRIDÃO
O BRASIL É UM PAÍS SOLIDÁRIOOO!
DA A VIDA DOS SEUS PRA ENGORDAR PATRÃO!
DA A VIDA DOS SEUS PRA ENGORDAR PATRÃO!
Moreti, Julio Henrique

A práxis da cultura no MST: a experiência em processo da brigada


estadual de cultura do MST/MS Filh@s da Terra / Julio Henrique
Moreti. - João Pessoa, 2011.
71f.

Monografia (Graduação em História) – Universidade Federal da


Paraíba - Centro deCatalogação
Ciências Humanas, Letras
da Publicação e Artes.
na Fonte.
Orientador: Prof. Universidade
Dr. Rafael Litvin Villas Bôas
Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Produção cultural - MST (Mato Grosso do Sul). 2. Cultura - MST.
3. Arte. I. Título.

BSE-CCHLA CDU 002.2:304

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