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CÉSAR NUNES
Licenciado em Filosofia, Mestre e Doutor em Educação pela UNICAMP.
Professor Titular da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP.
Professor Colaborador do Curso de Especialização em Educação Sexual e do Mestrado em educação e Cultura da
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
Membro Fundador do Grupo de Assessoria e Estudos em Educação Sexual - GAES
EDNA SILVA
Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC.
Especialista em EDUCAÇÃO SEXUAL pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.
Mestranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica de Campinas PUCCAMP.
Monitora do Centro de Filosofia - Educação para o Pensar SC.
Membro Fundador do Grupo de Assessoria e Estudos em Educação Sexual - GAES.
APRESENTAÇÃO
A sexualidade é uma das mais profundas expressões da condição humana. Durante muito tempo a discussão
sobre sexo e sexualidade foi duramente reprimida. Conceitos e preconceitos somavam-se ao rol de argumentos
supostamente controladores das práticas e expressões do desejo sexual. Ao contrário, o nosso tempo foi fecundo
em debater a sexualidade e apresentá-la publicamente. As mudanças comportamentais e simbólicas vivenciadas
pelas gerações pós-guerra, materializadas em inúmeras mudanças sociais e institucionais que envolveram desde
o controle artificial da natalidade até novas identidades políticas e econômicas da presença da mulher na
sociedade, criaram as bases de uma nova compreensão e vivência da sexualidade. Podemos afirmar até que
houve uma mudança radical do papel social da expressão da sexualidade.
Inúmeros estudiosos debruçaram-se sobre a análise desta questão e suas implicações. Desde o pioneirismo
de S.FREUD, passando por toda a massificação dos debates sobre a capacidade humana e o prazer
protagonizada por W. REICH, acrescidas das análises que buscavam relacionar as interpretações mais originais
da Psicanálise com os constructos histórico-analíticos do Marxismo, propostos tanto por E. FROMM quanto por H.
MARCUSE, nos anos 60 e década de 70, suplementados ainda pela ferocidade crítica de M. F0UCAULT, no limiar
dos anos 80 em nossa recente tradição de debate sobre o assunto, afirmando ser a sexualidade hoje uma das
mais expressivas malhas do poder e da dominação social, vivemos uma perplexidade sobre a dimensão sexual e
seus atributos e manifestações. Os discursos e significações desta explosão da sexualidade, na sociedade
contemporânea, deverão ocupar nossas reflexões e preocupações éticas, sociais, políticas e pedagógicas. As
abordagens sobre a temática da sexualidade quase sempre definem a "revolução sexual" destes anos recentes
como marcos de novas idéias e atitudes frente ao tema. Não se trata de aceitar a idéia de que hoje temos uma
compreensão mais adequada da sexualidade. Temos tido uma descompressão das falas e das práticas que
muitas vezes, tem sido tanto mais autoritária e impositiva quanto a sexualidade considerada tradicional. Daí nossa
intenção em desalojar os resquícios de voluntarismo e superficialidade para buscar circunscrever o tema e
abordá-lo em suas múltiplas dimensões.
Este livro quer debater pedagogicamente as manifestações da Sexualidade da Criança. Não significa que
tenhamos uma visão estanque da sexualidade, dividindo-a tradicionalmente em expressões etárias e
unilateralmente separadas. Para nossa compreensão a sexualidade é uma manifestação ontológica da condição
humana, isto é, a sexualidade faz parte da própria constituição intrínseca do que seja o ser humano. Torna-se
assim uma das mais privilegiadas dimensões de sua manifestação subjetiva, histórica e social.
Principiamos por abordar a sexualidade da Criança. Esta escolha nasceu da necessidade pedagógica de
registramos formas de socializar atitudes emancipatória frente à manifestação curiosa e lúdica da sexualidade na
infância, contrastante com a opacidade da tradição escolar em compreendê-la e abordá-la de maneira
humanizada e socialmente educativa. A condição da criança num país marcado por tantas contradições
autoritárias, oriundas de sua tradição colonial e sua trajetória de dependência cultural e política de centros do
medievalismo e das concepções mais retrógradas sobre a mesma não é tarefa fácil de ser estudada. Somente
agora, no limiar da década de 90, vimos constituir um núcleo jurídico, resultado de uma longa empreitada de
debates e heróicas apologias da cidadania da criança, consubstanciada no Estatuto da Criança e do Adolescente,
promulgado em 1990.
Isto nos impulsiona a aprofundar a discussão sobre a condição da criança buscando ampliar os reducionismos
históricos e a estreiteza de muitas das apresentações, no senso comum, das conflituosas dimensões de seu
desejo e construção subjetiva de sua sexualidade entre as exigências dos papéis sexuais cristalizados e os apelos
de sua genuína idiossincrasia.
Assim, buscamos metodologicamente envolver dois pólos de um desafiador debate: a expressão social da
sexualidade e a condição da criança. A este horizonte juntamos uma terceira intenção, a de abordar essas
relações na dinâmica pedagógica, isto é, na esfera da educação, doméstica e escolar. Queremos que o presente
texto seja lido e discutido pelos pais, educadores, professores, agentes sociais, como um instrumento de
emancipação e encaminhamento de novas significações e atitudes frente à sexualidade infantil e seu
desvendamento.
Foi por esta razão que escolhemos a palavra "manifestação, manifestações", que aqui tomamos no sentido de
"expressão, esclarecimento, demonstração, revelação". Trata-se de buscar entendê-la como expressão e
revelação da condição humana em plenitude, espaço híbrido entre a mais sagrada expressão da subjetividade do
desejo e a mais expressiva exigência relacional vivida em sociedade.
Se as páginas seguintes puderem descortinar estas intenções teremos realizado nossos desejos de propor
esta discussão aberta sobre a sexualidade das crianças e as formas sociais de sua visibilidade e vivência. Caso
isto não seja possível realizar-se a contento, pelas razões de atávicas heranças de silêncios e medos, teremos ao
menos socializado nossas utopias... E isto, cremos, pode ser uma autêntica razão de escrever e submeter o que
escrevemos ao debate público e pedagógico. Além de emprestar as mais sólidas e profundas razões aos nossos
anseios de viver e buscar refletir sobre a dinâmica, dramática e maravilhosa, do fenômeno sempre inesgotável
que é o espetáculo da vida.
INTRODUÇÃO
O propósito deste livro é o de apresentar as manifestações da sexualidade da criança de uma maneira
humanista, reflexiva e crítica. Trata-se de uma intencionalidade de falar e refletir sobre um assunto que não é
comumente abordado pelas produções acadêmicas e pedagógicas. Estamos sendo desafiados a entrar num
campo onde comumente perdura a incompreensão e o descaso, no tocante aos estudos sobre a sexualidade
infantil, embora vivamos numa sociedade que freqüentemente representa e concebe a infância como um
período feliz e prazeiroso da vida. Nossa época, já definida como a "era das comunicações" e o tempo da
mídia, vista e aceita como a sociedade da imagem e das significações consumistas, fugazes como o
espoucar dos flashes virtuais, louva e aplaude um dos seus mais sagrados ícones, que se materializa em
quase um mito, representado no conceito de uma "infância feliz", construindo uma identidade fetichista que
sustenta toda uma rede tanto de invencionices diletantes quanto de fantásticas superstições e preconceitos.
Exemplo clássico desta afirmação é o carrossel de promoções que marca a agenda do consumismo
centralizada na promoção e comemorações do aguardado dia da criança, anualmente celebrado com festas e
pompas, a este dia e seu sentido sempre agregando e associando valores de consumo, supostas imagens de
felicidade, representações de um idílico estado de graça e leveza direcionadas à infância, aos quais somam-
se os conceitos mais remotos que conservam da infância os mais cândidos retratos de uma romântica
inocência.
Todavia, sabemos que nem sempre foi assim. É certo que crianças sempre existiram, mas os conceitos,
concepções, conhecimento e papéis institucionais e éticos sobre os contornos e realidade deste período da
vida sempre tiveram diferentes interpretações daquela que hoje possuímos. Costuma-se dizer que a
pedagogia moderna redescobriu a infância, a partir de J. J. ROUSSEAU, filósofo francês que viveu de 1712 a
1778, na Europa iluminista moderna. O seu livro denominado Emílio ou da Educação, publicado em 1762, é
tido como um marco inaugural novo e original na concepção ocidental moderna sobre a criança, com seu
naturalismo pedagógico como suporte e firme determinação política de afirmar ser a educação uma
proposição singular de constantes práticas de liberdade.
De lá para cá pesquisadores de diversas áreas do conhecimento procuram abordar e conceituar a
infância, sempre redescobrindo algo ou apresentando tópicos que complementam, inovam, buscam avançar
na determinação de uma suposta natureza da infância e suas peculiaridades psíquicas e pedagógicas.
Alguns apontam uma radical relação entre as vivências da infância e a identidade adulta. Afirmam a
causalidade dos comportamentos e tipologias do adulto na dinâmica da criança e sua vivência intrafamiliar. O
que se pretenda ver compreendido no adulto deverá ser buscado na esteira de sua construção durante sua
infância, quase sempre vivida no nodal idílio da família patriarcal ocidental.
Outros autores relativizam esta polaridade, mas insistem na importância fundamental deste período de
vida, que mais significado existencial e ontológico possui do que a mera contabilidade cronológica que lhe
empresta identidade.
É necessário considerar que apesar da exuberante concepção rousseauniana da infância, nossa tradição
cultural foi construída sobre outro enfoque, de inspiração medieval, própria da visão de mundo
restauracionista trazida pelos Jesuítas, que se reproduziram aqui, na empreitada mercantil-salvacionista que
aliou o expansionismo marítimo português e os interesses proselitistas católicos. Os valores medievais da
Contra-Reforma estiveram superpostos aos elementos culturais que marcaram nossa matriz colonial. A
exaltação da ordem, do poder, da família patriarcal, do catolicismo e da cultura da Cristandade sempre
reservaram um papel específico de negação e conseqüentemente de violência institucional contra a figura da
mulher e da criança em particular. Não é estranho hoje afirmar que a matriz colonial escravocrata reduzia a
função da criança e da mulher, juntando, a este núcleo os idosos e os considerados inválidos, numa alusão
aos portadores de deficiências, ao mesmo tratamento reservado aos escravos.
Nossas tradições pedagógicas e institucionais, sobretudo centradas na família e na escola, sempre
enfocaram a infância sobre elementos negativos, autoritários e restritivos. O senso comum, carregado de
preconceitos consagra ainda hoje expressões como "é de pequenino que se torce o pepino" e outras sempre
retratando uma imaginação coletiva de que, pela ordem e austeridade, se "corrigiria" ou modelaria a criança
adequada, obediente e ordeira. Expressões como "o Educador modela a criança como o barro nas mãos do
oleiro" ou ainda as afirmações categóricas incansavelmente repetidas de que "é preciso lapidar com a
educação a natureza má e bruta", estas são figuras de linguagem ou metáforas que revelam o estofo da
cultura, e que aparecem em constantes lugares comuns, desvendando a forte ligação conceitual que perdura
em nossas instituições, vinculando os pressupostos causais entre repressão e educação das crianças.
Suspeitamos que muitas das idéias, imagens e concepções destes educadores retratam lugares comuns
da tradição cultural e institucional brasileira, com poucas possibilidades de uma efetiva compreensão
científica e racional da infância e de suas especificidades.
O trabalho teórico e prático que apresentamos, que pretende ser analítico e crítico nas considerações
sobre as formas cotidianas de vivenciar e compreender a sexualidade das crianças, ao mesmo tempo tem a
intenção de buscar superar um mero criticismo de modo a constituir-se, outrossim, num trabalho orgânico,
isto é, capaz de propor novas práticas e novas metodologias de atuação pedagógica frente à questão e seu
encaminhamento na esfera de ação dos educadores. O motivo fundamental que nos moveu a procurar
investigar o discurso e as concepções vigentes no senso comum sobre a criança foi o de compreender que,
para a ação pedagógica na escola e frente ao desafio da relação criança-adulto na dimensão escolar, requer -
se uma sólida concepção científica, que é muito mais do que um simples "gostar de crianças", tal qual
preconizam os adeptos do simplismo, da superficialidade e do senso comum .
A investigação criteriosa sobre as manifestações da sexualidade infantil só poderão ser compreendidas
quando pusermos nosso olhar de pesquisadores nos dados de bastidores da realidade, nas causas
estruturais que lhes emprestam sustentação e base, que se consubstanciam nos dados da história e na lenta
e árdua construção social dos conceitos, instituições e práticas.
As sociedades européias do séc. XIII contavam com os colégios para auxiliar no processo de educação
de seus jovens. Porém o sentido do colégio até então eram apenas alojamentos para estudantes pobres e
eram em sua grande maioria fundados e mantidos por doações. MANACORDA, M. (10) faz um bom retrato
da situação dos colégios, declarando-os como um lugar de plebeus, com regras estatuárias, feitas para
reis. Por isso, talvez não tenham caminhado bem enquanto moradia. Os colégios passaram a ser lugar de
estudos somente no século XV.
Os ingleses apresentavam um costume curioso para instruírem suas crianças. Até os seis ou sete anos
estas eram mantidas em casa dos pais. Após esta idade eram enviadas às casas de outras pessoas onde
permaneciam por um período de sete a nove anos, para aprenderem algum ofício. Tanto meninos quanto
meninas eram enviados a outras famílias enquanto a família que os enviou recebia outras crianças. Essa
atitude com as crianças, de valorizar mais a tradição que a afeição, denota a falta de apego entre as
famílias inglesas do séc. XV.
A população escolar passou a ser dividida segundo o grau de conhecimento dos estudantes. Cada
grupo era dirigido por um mestre e estudavam numa mesma região. Contudo ainda não se tinha aí, uma
característica de classe escolar freqüentando uma mesma sala como é hoje o sistema de nosso modelo
atual.
Nos colégios eram estudados conteúdos sobre arte e literatura. No séc. XVI, os colégios ampliaram seu
recrutamento, o que antes era privilégio de poucos clérigos letrados, tornou-se possível a um número
crescente de leigos, nobres e burgueses e, mais tarde, tornou-se acessível à filhos de famílias populares com o
objetivo de formar mestres para colaborarem com a formação de novos religiosos. O colégio se tornara então uma
necessidade social. Quanto mais o tempo passava mais forte ficava esta relação de dependência.
Não se pode precisar com exatidão, mas segundo estudos de ARIÉS, até metade do séc. XVII era comum a
consideração de que a primeira infância era um período considerado até os 05 ou 06 anos de idade. Na realidade,
este período era quase toda a infância porque depois disso já se cobrava uma outra postura da criança (cobrava-
se uma postura de adulto), como já enfatizamos no presente trabalho. Assim, aos 07 anos o menino deixava a
família e ingressava no colégio. Quando falamos de meninos estudantes, estamos nos referindo as crianças do
sexo masculino. A escola para meninas (leigos) só aconteceu bem depois, sendo um capítulo à parte na História
da Educação Moderna.
No final do séc. XVIII a idade escolar passa a exigir nove anos de idade, para aprender gramática. Em virtude
disso passou a ser comum que as crianças ficassem fora das escolas até aos 09 ou 10 anos. A idade para o
período escolar foi retardada. Pelo que se alegava, a criança até essa idade era fraca e incapaz se aprender o
que se ensina nos colégios.
Então isso nos permitiu chegar à conclusão que a emancipação da escola contribuiu grandemente para
aumentar o período da infância. À medida que as crianças ficavam mais tempo fora da escola, retardando a idade
para a exigência de seu ingresso, continuavam vivendo sua infância com mais intensidade. No caso das crianças
do sexo feminino que não freqüentavam os colégios a situação era um pouco diferente, porque estas continuavam
casando aos 12 ou 13 anos. A única educação que recebiam era a aprendizagem doméstica. Mais tarde passaram
a ser enviada pelas famílias aos conventos que eram destinados à instrução exclusivamente religiosa. Nas
classes populares a infância continuava sendo curta até porque para estas não havia escola. Sobrava-lhes uma
"entrada" precoce no mundo do trabalho servil.
Os critérios para organizar os grupos de estudantes no séc. XVIII ainda continuavam sendo o grau de
conhecimento e não a idade como é hoje. Nos colégios medievais era comum ver misturados, estudantes de 10
anos com outros de 18 e até de 05 anos. Não havia distinção etária rígida. Somente no início do séc. XIX é que se
separou efetivamente os homens de mais de 20 anos dos demais. Alguns pesquisadores de História da Educação
chamaram a isto "separação dos barbudos". Um outro fator decisivo para a separação desta categoria de
estudantes seria a difusão (entre a burguesia) do ensino superior, as universidades ou grandes escolas, que se
tornaram fortes e acessíveis no final do séc. XIX. Como vemos, a escola teve um papel decisivo para a separação
da infância e adolescência a partir da relação entre infância e idade escolar e seus períodos. Durante os séculos
XVIII e XIX a duração do período escolar era de 04 a 05 anos, no mínimo.
O mestre-escola dos séculos XV e XVI tinha como missão, pela ordem da importância, o seguinte programa:
formar as almas, inculcar virtudes, educar e instruir. Ou seja, primeiro formar, entendendo por esta dimensão o
conjunto de valores e comportamentos éticos exigidos pela doutrinação cristã, depois informar. Por esta ordem,
comportamental e objetivamente perseguidos ao longo da história da educação formal até aqui, percebe-se que
estes colégios eram em sua grande maioria ligados à ordem religiosa e, em sua maioria católicos, como era
católica a ordem ideológica medieval que se estendeu além deste período.
É importante ressaltar que no conjunto de todas essas mudanças que ocorreram na escola, no final do
século XVIII e início do séc. XIX houve o que poderíamos chamar hoje de divisão social do ensino. Nota-se
que coexistem um ensino para os aristocratas e burgueses e outro para o povo, divisão dualista que marca o
início de toda educação moderna. A disciplina escolar também pode ser deslocada como tão rude quanto a
dos soldados e criados, e tão discriminatória quanto o tratamento social reservado aos mendigos. Na
realidade a disciplina escolar originária é uma mescla entre a disciplina religiosa e militar. Era preciso se
comportar "muito bem" para ser privado da aplicação das sanções da disciplina.
Uma outra instituição que colaborou para a distinção entre a infância e a adolescência foi o exército. No
final do séc. XVIII e durante todo o século XIX, o alistamento dos rapazes no exército caracterizou a
adolescência no sentido de responsabilidade e compromisso social. Contudo no século XVIII encontravam-se
oficiais com 14 anos, por exemplo. Esses meninos quase sempre ingressavam no exército sem passar pelo
colégio. Na sociedade ocidental pelo que se tem visto, são as instituições que organizam as classes de
idade.
A consciência que temos da infância hoje é conseqüência de todos estes acontecimentos históricos que
marcaram a infância, a família e o sistema de educação ocidental. Hoje algumas ciências se concentram nos
problemas da infância e aos poucos têm conseguido interpretá-los e decifrá-los. Estamos nos referindo à
Psicologia, à Pediatria e à Psicanálise, que representam uma nova e significativa página da história da
infância que ainda pode ter muita coisa a ser revelada.
A educação dos meninos índios pelos jesuítas encerrava-se no momento em que os meninos atingiam a
puberdade. Então eram mandados para junto de seus pais, onde deveriam seguir sua vida normalmente,
"seguindo os costumes da tribo". Para ilustrar vejamos:
"A puberdade aos olhos dos poderes catequistas é a idade perigosa e ingrata na qual as raízes falam mais
alto (...). A puberdade marca por fim a expulsão do paraíso prometido pelos jesuítas, onde na realidade
eles não queriam ter nada mais do que crianças dóceis e obedientes. Assinala -se então o abandono do
jardim de infância, onde a criança fosse ´papel branco', `tabula rasa', cera a ser moldada pelos padrões da
cristandade ocidental (...)"(22)
O século XVII abre um novo arquivo na história da educação brasileira com o ensino básico através das
escolas dominicais. Este hábito ainda pode ser observado em algumas religiões cristãs, no período de
doutrinação ou catequese para crianças que se preparam para receber alguns sacramentos, ou as formas
iniciais do credo religioso. Como vemos a infância brasileira viveu a partir do descobrimento uma nova fase
muito diferente do que tinha vivido até então.
Parece que a preocupação com a instrução, em detrimento da formação, passa a ser mais forte à
medida em que algumas instituições se vêem na obrigação de assumirem responsabilidades com relação a
criança. Foi o que aconteceu também em outros países como na França e Inglaterra, por exemplo, a partir
do final do século XVI.
Os meninos de engenho abandonados durante o ciclo da colonização agrícola canavieira do Nordeste
retratam as mazelas de abandono e desamparo, associando-se aos carvoeiros , aos "respingadores " de
Minas Gerais, aos "meninos do pastoreio " nos campos, os catadores de arroz , os "menores", que se
tornaram os antepassados dos meninos-operários das fábricas rudes paulistas do início deste século e que
são as matrizes dos meninos de rua , ou dos "trombadinhas ", "pixotes " e outros tantos excluídos e
massacrados. Não é possível contar aqui as páginas da sociedade brasileira, marcadas pela repressão e
pela exclusão da maioria das crianças, marginalizadas de todas as formas de humanização e condições de
educação e trabalho com dignidade.
Ainda hoje assistimos ao desvario e violência contra as crianças. Apesar de termos constituída uma das
mais avançadas legislações recentes sobre os direitos da Criança e do Adolescente, materializados no
Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990, estamos longe de resgatar a história social
da exclusão e marginalização da criança brasileira, particularmente das legiões daquelas que são oriundas
das camadas mais pobres de nossa sociedade.
O fato de estarmos alinhavando aqui este registro tem a intenção de despertar pais e educadores para
uma nova atitude frente às crianças e adolescentes, construindo, através de realizações específicas, uma
nova cultura sobre a educação e assistência à Criança no Brasil. Um dos mais combativos intelectuais
brasileiros, à propósito da violência institucional que se pratica contra as legiões de crianças brasileiras, no
núcleo dos grandes centros urbanos, assim clamava, em veemente apelo:
"... Criança é coisa séria. A criança é o princípio sem fim. O fim da Criança é o princípio do Fim. Quando uma
sociedade deixa matar as crianças é porque começou seu suicídio como sociedade. Quando não as ama é
porque deixou de se reconhecer como humanidade. Afinal, a criança é o que fui e em meus filhos, enquanto
eu e humanidade. Ela como princípio é a promessa de tudo. É minha obra livre de mim. Se não vejo na
criança, uma criança, é porque alguém a violentou antes e o que vejo é o que sobrou de tudo que lhe foi
tirado. Mas essa que vejo na rua, sem pai, sem mãe, sem casa, cama e comida, essa que vive a solidão das
noites sem gente por perto, é um grito, é um espanto. Diante dela o mundo deveria parar para começar um
novo encontro, porque a criança é o princípio sem fim e o seu fim é o fim de todos nós..." Herbert de Souza,
(Rio de Janeiro, Candelária: 1994).
Estas palavras ressoam longe em nossas mentes e corações, a nos encorajar a investigar a arqueologia
do silêncio e a apresentar as razões de nossas escolhas de lutas e esperanças para conquistar a cidadania
plena de nossas Crianças, única base de uma sociedade digna e igualitária.
Nossa compreensão primordial fundamenta-se na idéia de que a sexualidade não é uma "parte" ou
"complemento" da condição humana. Não se trata de uma dimensão secundária, vinculada às demais
habilidades e potencialidades humanas. Ao contrário, entendemos que a sexualidade é uma marca única
do homem, uma característica somente desenvolvida e presente na condição cultural e histórica do
homem. O homem é um ser sexuado. Assim, tudo o que faz ou realiza envolve esta sua dimensão de "ser
sexuado", isto é, de constituir uma sexualidade, uma significação e vivência da mesma, diversamente da
determinação instintiva e primariamente animal e reprodutiva. A sexualidade transcende à consideração
meramente biológica, centrada na reprodução e nas capacidades instintivas.
Na condição ético-ontológica do homem isto não se dá desta maneira. A Sexualidade é a própria
vivência e significação do sexo, para além do determinismo naturalista; isto é, já carrega dentro de si a
intencionalidade e a escolha, que a tornam uma dimensão humana, dialógica, cultural. Não há como se
subtrair a esta condição. Ela está presente desde a surgimento ou organização da cultura humana. Como
seres sexuados somos também sexualizados, isto é, envolvidos com a dinâmica e características de nossa
sexualidade. A primeira de nossas identidades existenciais foi exatamente aquela que de nós nossos pais
disseram: "é homem!", ou ainda, "é menina!" Esta consideração nos remete para a situação paradoxal, de
que a nossa primeira identidade, proclamada e esperada, tenha sido aquela vinculada à sexualidade, ainda
que constituída ao redor da marca genital. É estranho reconhecer que, através de caminhos que devem ser
entendidos no resgate histórico-crítico de nossa cultura, esta identidade primeira venha a ser negada e
calada tão barbaramente, no tocante ao sexo e sexualidade da criança.
Gostaríamos, então, de diferenciar inicialmente o conceito de "sexo" e "sexualidade". É possível
entender sexo como a marca biológica, a caracterização genital e natural, constituída a partir da aquisição
evolutiva da espécie humana enquanto animal. Já a sexualidade é um conceito cultural, constituído pela
qualidade, pela significação do sexo. Nesta definição, somente a espécie humana ostentaria uma
sexualidade, uma qualidade cultural e significativa do sexo. Falaremos, portanto, da sexualidade infantil, da
construção cultural de uma significação pessoal e hibridamente social da marca genital. Não reduziremos
nossa compreensão da sexualidade humana a uma manifestação instintiva. Aliás, falar em dimensão
instintiva ou reduzir a esfera da sexualidade humana a uma mera dimensão animal, natural ou reprodutiva
é precisamente tirar dela sua dimensão mais cara e significativa, até mesmo sua espiritualidade.
Tratar de sexualidade na escola requer o alicerce de uma concepção científica e humanista desta
sexualidade, superando o senso comum, que é o nível primário do conhecimento social. Somente por uma
abordagem histórica e cultural sobre a construção da sexualidade humana, fundamentada por uma rigorosa
compreensão científica do desenvolvimento psicossexual da criança poderemos analisar as manifestações
da sexualidade infantil na escola.
Entre as dificuldades abordadas pelos professores, que destacamos em nossa experiência como
educadores e como interlocutores em inúmeros movimentos de formação de professores e agentes de
educação sexual, na questão da sexualidade, a maioria aponta a ausência de fundamentos científicos na
análise destes comportamentos, baseando-se sempre nos elementos mais conservadores e tradicionais de
uma cultura repressiva e negativista do sexo e suas dimensões, reforçada pela família, pela religião e pela
própria escola. Alguns professores, em muitas pesquisas e contatos sobre as manifestações da
sexualidade infantil, apontaram a dificuldade pessoal em compreender a complexidade da sexualidade
humana, reclamando da falta de conteúdos e dos resquícios de uma educação repressora que acaba
dificultando o esclarecimento das questões e situações que envolvem o sexo.
Outros depoimentos e análises, colhidos nos muitos cursos e palestras ministradas, vão ainda mais
longe. Falam da repressão da própria sexualidade, reconhecendo a complexidade cultural e histórica da
questão, presente em todas as pessoas e conseqüentemente também nos grandes questionamentos dos
professores e professoras, apontando ainda a atitude ostensiva e patrulhadora dos pais sobre a
sexualidade. Chamamos de "atitude patrulhadora", evidentemente, não aquela atitude responsável e
articulada, integrada e co-participante, exigidas de pais e educadores conscientes de seu papel formador.
Entendemos aqui o "patrulhamento" como aquela atitude de delegar funções informativas e descritivas
para a Escola e, ao mesmo tempo, agir de maneira intimidatória para com quaisquer eventuais críticas e
ações dos professores que não estejam dentro na normatividade patriarcal vigente.
Todas estas dificuldades redundam na omissão e no abandono de uma reflexão sobre a sexualidade de
maneira humana, crítica, histórica e científica. Não apontamos este abandono como uma culpabilidade
institucional dos professores. Entendemos que a política de formação de professores em nosso país,
centrada na determinação de produzir técnicos e legiões de trabalhadores alienados, busca subtrair dos
professores a capacidade de uma cultura global que dê conta de uma interpretação científica da realidade. As
causas desta expropriação do conhecimento e da ausência de uma política curricular que contemple a
sexualidade ou ainda as dimensões pedagógicas correlatas a esta, devem ser buscadas na esfera da
determinação política da escola e de suas formas históricas fundamentais.
Este ensaio teórico procura proporcionar um momento de reflexão e instrumentalizar pais e educadores
para a busca de uma forma e consciência destas dificuldades estruturais e viabilizar propostas no sentido de
resgatar um discurso afetuoso e significativo sobre a sexualidade humana. Temos clareza que um trabalho,
uma reflexão, um texto desta natureza, por si só, não altera magicamente uma concepção milenar nem
supera condicionamentos educacionais já arraigados. Limita-se a uma fecunda sensibilização que pode
desencadear processos de mudança e de reeducação das nossas próprias convicções.
Como tarefa preliminar apontamos as principais manifestações da sexualidade infantil na escola,
marcadas dominantemente pela ansiedade, pelo medo, pela repressão, ignorância e preconceito. A
curiosidade das crianças, não satisfeita pela educação doméstica e estimulada por uma mentalidade
permissivista e objetual, presente em nossa sociedade, transforma-se em um comportamento ansioso e
inseguro, mesclado de medo, exibicionismo e repressão.
Buscaremos apresentar aqui quais são as características mais presentes do comportamento infantil, na
idade escolar, com o objetivo de tipificar algumas situações e proporcionar possibilidades reflexivas e
atitudinais sobre as ricas e complexas manifestações desta sexualidade na Escola ou unidades educacionais.
É claro que não temos a pretensão de rotular as intervenções dos educadores na dinâmica da sexualidade da
criança e suas vivências e representações. Muitas situações hão de requerer o equilíbrio e o bom senso,
para além das próprias convicções, de modo a entender a sexualidade como uma dimensão humana, natural,
espontânea, carregada de sentido e gratificação para a criança.
Uma das principais situações vivenciadas pelos educadores na observação das manifestações da
sexualidade das crianças configura a prática da manipulação dos órgãos sexuais. Durante as primeiras
fases do desenvolvimento sexual infantil a descoberta do próprio corpo e a exploração de suas múltiplas
possibilidades e características constitui um mundo próprio para a criança. A manipulação dos órgãos
sexuais, que se cristaliza ao redor dos 03 ou 04 anos, é uma das mais intensas descobertas infantis. A
manipulação dos órgãos genitais proporciona intensa experiência de prazer para a criança. Não se trata
ainda de uma busca intencional, daí ser absolutamente ridículo e descabido reprimi-Ia como "masturbação"
ou perversidade.
A manipulação obedece a impulsos biológicos e psíquicos que satisfazem as crianças e lhes
proporcionam uma apropriação sensorial de seu corpo e suas potencialidades. Trata-se de uma prática que
pode apresentar-se como circunstancial ou passageira como pode ainda estruturar-se de maneira mais
observável entre os meninos, pelas características culturais e educacionais de maior permissividade e
estimulação de expressidade social da sexualidade masculina, contrapondo-se aos eficientes mecanismos
de repressão das meninas. É mais difuso entre as meninas, que podem manifestar-se no toque genital ou
no auxilio de objetos, brinquedos, posições que provoquem estímulos prazerosos. Aos 04 anos é mais
freqüente esta manipulação genital tornar-se social e impulsiva. A despeito de todas as conotações
preconceituosas, esta descoberta dos órgãos genitais não se configura numa suposta "masturbação", como
já dissemos e procuramos reforçar. É uma exploração prazerosa de sensações corporais, um fenômeno
universal, inconsciente, inofensivo e deve ser compreendido como uma descoberta do próprio corpo e suas
sensações.
Os educadores sensibilizados com a naturalidade deste processo acompanharão estas experiências de
exploração corporal sem reprimi-la, buscando supervisionar suas formas de modo a não provocar seqüelas
corporais ou psíquicas. O cuidado que devem ostentar resulta da possibilidade de machucaduras ou a
introdução de objetos cortantes ou passíveis de ferimentos físicos. Não se trata de um patrulhamento nem
invasão deste idílico jogo infantil. Requer-se a atenção e a educação para a expressividade reservada de
seus jogos erotizantes e apropriadores.
A atitude das crianças em reter a urina é uma outra situação freqüente e facilmente observável. É mais
presente aos 03 anos, manifestando-se também até aos 04 anos, tanto entre meninos como entre meninas.
Corresponde a um tipo de estímulo e satisfação, entre o prazer físico derivado das práticas de contração
muscular e aquela estimulação prazerosa provocada sobre os órgãos sexuais com a retenção da urina.
Não há nada de condenável nesta prática, observando-se os princípios da higiene e da educação social.
Esta "brincadeira" não caracteriza uma perversidade ou desvio. É uma simples relação de controle sobre o
corpo, que a criança experimenta. Deverá ser acompanhada pelos adultos e reforçada numa dimensão
educacional emancipatória e não repressiva.
Evidentemente acreditamos que a educação formal haverá de adequar a criança para a satisfação de
suas necessidades fisiológicas dentro dos cânones sociais. Diferentes pedagogias encontram formas de
encaminhar seus processos educacionais e sociais. O que recomendamos é não considerar estes jogos de
descobertas e explorações corporais como regressões infantilistas ou "desvios".
Uma das mais comuns manifestações de vivências afetivo-sexuais traduz-se nos jogos que envolvem a
descoberta e a prática do beijo. A criança, particularmente estimulada por uma cultura própria da mídia,
explícita ou de maneira mais acanhada, sente-se atraída pela simbologia e cultivo social do beijo, como um
símbolo idealizado e mítico. Sabemos que o beijo é uma expressão cultural de carinho, afeto e amor que
não se refere exclusivamente ao aspecto sexual/genital. As origens culturais da prática de beijar estão
intimamente ligadas ás etapas de humanização das relações sociais. Alguns autores encontram as raízes
expressivas do ato de beijar nas técnicas primitivas de alimentação das crianças e dos velhos que, em
sociedades tribais e ciânicas, não poderiam triturar os alimentos para absorvê-los, pela ausência e carência da
dentição. Os homens e mulheres mascavam, então, os alimentos, para depositá-los na boca dos que não
possuíam os recursos dentários.
Recentemente, no modelo consumista pós-guerra, o beijo foi despido do seu caráter mais amplo para reduzir-
se a um ritual sexual, principalmente na ideologia hollywoodiana. Um belo filme italiano, dirigido por G. Tornattore,
intitulado Cinema Paradiso, retrata esta magia do beijo nas produções cinematográficas dos anos 50, quase que
como uma sublimação do ato sexual, assumindo o papel de "gran finale" dos idílios amorosos de massa, contados
pelo cinema. Assim, no imaginário infantil, alimentado pelos meios de comunicação social, o beijo é um "ritual
sexual". Há inúmeros convites e práticas de beijos, sempre como imitação da TV através de suas inúmeras
novelas, que surgem nos jogos infantis com a dinâmica de convites como: "Vamos beijar na boca? Vamos dar um
beijo de amor?".
Referem as professoras de diversos cursos e largo atendimento e experiências de convivência com crianças
que muitas relatam beijar o espelho, numa síntese de narcisismo e imitação, por volta dos 04-05 anos. Não se
trata de nenhuma conduta condenável. O beijo deve ser resgatado em sua dimensão de afeto e carinho. Fugindo
dos estereótipos que envolvem violência ou submissão o beijo é uma saudável troca de profundos sentimentos
humanos. É claro que a atitude de submeter para extorquir carinhos, que não são muito comuns entre as crianças,
devem ser compreendidas muito mais como carências afetivas do que como violência, real ou simbólica.
Outra situação notadamente comum na escola e nas unidades de educação infantil refere-se ao namoro.
Muitos relatos demonstram que, por volta dos 05 aos 10 anos, muitas crianças indiquem e verbalizem no
grupo o fato de estarem "namorando" este ou aquela outra criança. Nos aniversários é muito comum seguir-se
aos tradicionais aplausos e ao canto do "parabéns a você" uma versão já consagrada de continuidade melódica
própria que indaga "com quem será, com quem será que tal criança vai casar...".
Este é um jogo carregado de emoções para as crianças. Os namoros infantis tomam força por volta dos 08 e
09 anos. Dependem, em grande parte, do ambiente mais ou menos tolerante para com estes jogos. Podem
acontecer no limite da clandestinidade, quando se trata de ambientes repressivos. Mas sempre há um irrequieto
manifestar-se de identificações simbólicas amorosas entre meninos e meninas nestes períodos.
A criança não vive realisticamente um namoro propriamente dito. É um pseudonamoro, também baseado nos
códigos de imitações da TV e nos estereótipos do momento. É quase sempre acompanhado por um sentimento já
anteriormente construído, quase que estereotipado, de representação social da beleza e vigor, da força e
liderança. Somos defensores da tese de que, como pais e educadores, devemos aproveitar tais relações e jogos
emocionais (05 - 06 anos) para uma reflexão crítica sobre os papéis sexuais. Buscar desenvolver formas de
equilíbrio valorativo entre meninos e meninas, destacar as características igualitárias de um e outro, chamar a
atenção para com as qualidades de todas as crianças neste simbólico processo de sedução é um salutar
empreendimento pedagógico e humano. Solidifica a auto-estima, consolida identidades pessoais e prepara para o
exigente jogo da afetividade humana, sempre exuberante.
Nesta idade ainda há uma forte inclinação para os jogos gregários. Coincide também com o auge do "complexo
de Édipo", relatado pela Psicanálise clássica. A compreensão mais aprofundada destes dispositivos explicativos da
cristalização dos papéis sexuais deverá ser buscada em jornadas de estudo e leituras mais apropriadas. Não se trata
imediatamente 'de objeto de nossa análise no presente livro. Recomendamos, outrossim, que os educadores atentem
para o fato de que estes deverão ter clareza sobre a natureza positiva e afirmativa destas manifestações e reforçar
sentimentos de solidariedade, igualdade e afetividade entre as crianças, de maneira natural e respeitosa entre os sexos.
Uma forma peculiar de curiosidade das crianças constitui uma atitude específica que denominamos observacionismo.
Esta atitude quer tipificar aquela ansiedade em ver, apalpar, conhecer as identidades sexuais/genitais de outrem, meninos
e meninas. Inúmeras práticas de observacionismo são relatadas, principalmente pelo modelo patriarcal que privilegia uma
maior expressão dos meninos. Assim, espiar as meninas no banheiro, espiar a cor da calcinha, levantar as saias, procurar
ver os genitais do outro (a) etc entre 04 e 06 anos, são freqüentemente denunciados como atividades observacionistas e
curiosas. Tais práticas se são muito freqüentes, devem sensibilizar o educador a mostrar às crianças a forma, função e
significação dos órgãos sexuais, de maneira serena, segura e clara, com subsídios fundamentados. Muitas manifestações
sugerem uma ansiedade de saber, que um programa seguro de conversas, textos, fotos e figuras tende a resolver com
tranqüilidade, dentro de um planejamento adequado de intervenção educacional.
Não temos dúvida de que todas as formas de curiosidade ou exploração do corpo do outro, à revelia de seu sujeito,
deve ser adequadamente coibida e reorientada. O conhecer o corpo e o viver as gratificações que potencialmente nos
proporciona em sua expressão social deve ser uma experiência subjetiva fundamental para a personalidade emancipada.
O exibicionismo/fetichismo é uma das manifestações que mais apresentam práticas de incompreensão e repressão
social. Entendemos por fetichismo uma determinada atitude de cristalizar a curiosidade sobre os órgãos genitais e suas
representações. Há uma certa fixação em desenhá-los e nomeá-los publicamente. Aparece também por volta dos 07 - 08
anos a fetichização do pênis ou da vulva/vagina é seus correlatos simbólicos, (calcinha, cuecas, "camisinhas"), ou, outros
símbolos genitais. As práticas exibicionistas revelam ansiedade e satisfação em provocar espanto ou polêmica, quer no
grupo social ou na comunidade normativa. Uma atuação pedagógica segura tende a diminuir tais impulsos. As conversas
sexuais, em grupo ou em particular, quase sempre reproduzem outros universos de informação, muitas vezes de larga
influência sobre a criança e seu mundo. Não se trata de reprimir a expressão fetichista, mas de buscar dar-lhe uma
significação mais apropriada, exaltando os caracteres de subjetividade humana que encerram.
O ciclo e as mitologias sobre o fenômeno do nascimento configuram uma outra coordenada pedagógica de atuação
na escola. Há uma curiosidade muito grande (04-06 anos) sobre o ciclo da vida ou a mecânica do nascimento.
Respeitando o caráter mitológico da consciência infantil deveremos construir formas de relatar o nascimento das crianças,
nos seus limites e contornos, com uma significação humanista, pessoal e subjetiva. Nossa cultura não desenvolveu muitas
formas de abordar o fenômeno da vida, particularmente pela pesada herança patriarcal-religiosa repressiva que herdou
dos modelos culturais hegemônicos. Temos tido dificuldades em abordar a questão da vida e da morte sem
recorrer aos lugares comuns próprios da religião e do senso comum. Isto requer, em primeira instância,
uma sensibilização e uma produção pluralista, artística e pedagógica, de novos subsídios para a
intervenção significativa na formação da criança.
Novos recursos audiovisuais , devidamente acompanhados de explicação e programação , auxiliam muito
nesta questão. Há uma carência muito grande de uma linguagem e de figuras simbólicas significativas para
tratar das questões da vida e da morte, coordenadas humanas fundamentais. Somente uma etapa de
avanço cultural e elevação ética poderá engendrar novas formas de tratar tais questões. É preciso fazer
uma crítica das atuais formas de abordar estes assuntos.
Em síntese, tais são as manifestações mais freqüentes da sexualidade infantil reprimida e negada pela
educação doméstica e social. Nosso papel de educador é o de interferir, no limite de nossa competência,
na crítica aos modelos repressivos/ permissivos para a construção de uma sexualidade humanizada,
erótica e lúdica, só possível numa relação de confiança e afeto .
Partindo destas premissas, de que a sexualidade é uma das dimensões fundamentais da condição
humana e que, pela própria importância, influi em todos os demais aspectos psicossociais da formação da
criança é que podemos formular um projeto de educação sexual . A reflexão sobre a sexualidade infantil,
conquanto seja a apropriação mesma das formas de estar e ser-no-mundo, é um processo difuso e ainda
muito indefinido, abrangendo a consideração das primeiras formas de conhecimento do mundo e do próprio
corpo, sendo, portanto, neste período privilegiado o tempo no qual a sociedade, através das suas
instituições básicas, internaliza sanções, normas, proibições, interditos e medos sobre o novo ser.
A criança nasce sem inibições corporais e mentais. Ao evoluir no crescimento uterino tem uma intensa
experiência de prazer, plenitude e totalidade que sofre ao nascer uma ruptura dramática, contudo
maravilhosa. Mover-se-á na vida, pelo princípio do "prazer" e pela busca da satisfação e sensações
agradáveis, princípios sobre os quais foi gestada.
Hoje, mais do que nunca, há necessidade de uma educação sexual revolucionária. Tanto para fazer a
crítica dos modelos tradicionais, impostos pela educação formal, como para poder fazer frente à
industrialização, consumo e objetualização do sexo e do corpo, presentes na cultura consumista e sexista
atual. A este discurso sobre sexo corresponde uma alienação do sentimento e desagregação do afeto e do
desejo, produzidos pela massificação da sociedade contemporânea.
Estas coordenadas do pensamento de PIAGET para esta fase destacam a imitação e a indiferenciação,
como processos cognitivos e afetivos fundamentais. As crianças não guardam ainda a esperada autonomia
em todas as suas potencialidades de ser e estar no mundo. A principal contribuição, de todas as inúmeras
conceituações de PIAGET sobre o processo de assimilação de aprendizagem da criança e sua
acomodação comportamental, reside no conceito de egocentrismo. O egocentrismo não constitui uma
intencionalidade egoísta, passível de condenação moral e educacional, mas sim na incapacidade de
descentralizar de sua própria condição e assumir o lugar ou a realidade de outrem.
O período intuitivo ou simbólico - (02 - 07 anos) Para PIAGET este período seria marcado pela
evolução do egocentrismo à heteronomia. De uma afetividade egocêntrica, material, exclusivista e
possessiva a criança evoluiria para uma afetividade marcada por trocas e regras . Há um período inicial de
anomia e de recusa das convenções sociais, que se impõe sobre a criança na dinâmica da educação
formal. Para PIAGET o crescimento da inteligência e da afetividade consiste na superação da atitude
egocêntrica intelectual e afetiva. Neste período haveria a assimilação do jogo , que se traduz em diversas
formas de sociabilização e condensa diferentes iniciações no mundo simbólico.
"Enfim, com a socialização da criança, o jogo adota regras ou adapta cada vez mais a imaginação
simbólica aos dados da realidade, sob a forma de construção ainda espontânea, mas imitando o real; sob
essas duas formas, o símbolo de assimilação individual cede assim o passo, quer à regra coletiva, quer ao
símbolo representativo ou objetivo, quer aos dois reunidos”. (27)
PIAGET aponta a realidade do jogo como entronização e iniciação ao mundo simbólico, por
conseguinte, ao mundo social. Reconhece que é um jogo marcadamente de reprodução das regras sociais
vigentes, um processo de enquadramento. GUATTARI, F. afirma que o processo escolar, lúdico ou
autoritário, supostamente democrático e gratificante ou ainda repressivo e impositivo, é sempre um ritual
de iniciação ao mundo do trabalho.
Neste sentido, faz sentido perguntar, quando aparecem os jogos e quais são suas principais expressões
sobre a questão da sexualidade e afetividade.
"Quando têm início os exercícios lúdicos? (...) o jogo já parece duplicar uma parte de suas condutas
adaptativas. Mas prolonga estas últimas de maneira tão contínua e indistinta que não é possível afirmar
onde começa exatamente e essa questão de fronteira cria de imediato um problema que interessa a toda e
qualquer interpretação dos jogos ulteriores". (28)
PIAGET destaca que os jogos sensório-motores são explorações de sensações sem uma
intencionalidade precisa, ao passo que os jogos simbólicos passam a internalizar esquemas de
heteronomia e a articular regras e valores que devem ser assumidos pelo grupo. No tocante à sexualidade,
não há grandes divergências dos processos de estudo do desenvolvimento psicossexual da criança entre
as teorias de FREUD e PIAGET. Embora partam de premissas e métodos distintos, estas duas concepções
guardam similaridades na identificação dos processos gregários da criança.
"Enfim, aos jogos simbólicos sobrepõem-se, no curso do desenvolvimento, uma terceira grande categoria,
que é a dos jogos com regras. Ao invés do símbolo, a regra supõe, necessariamente, relações sociais ou
interíndividuais. Um simples ritual sensório-motor, como o de caminhar ao longo de uma vedação de
madeira (...) não constitui uma regra (...) A regra é uma regularidade imposta pelo grupo, e de tal sorte que
a sua violação representa uma falta. Ora, se vários jogos regulados são comuns às crianças e aos
adultos, um grande número deles, porém, é especificamente infantil, transmitindo-se de geração em
geração sem a intervenção de uma pressão adulta". (29)
O pesquisador sobrepõe suas concepções teóricas ao crivo da observação criteriosa, com a finalidade de
organizar modelos interpretativos que forneçam elementos para uma análise adequada das etapas de formação
das noções afetivas e cognitivas da criança.
(...) "Exercício, símbolo e regra, tais parecem ser as três fases sucessivas que caracterizam as grandes
classes de jogos, do ponto de vista de suas estruturas mentais. Onde situar, então,os jogos de construção
ou de criação, propriamente ditas? Querendo construir uma classificação genética baseada na evolução
das estruturas,esses jogos não caracterizam uma fase entre as outras mas assinalam uma transformação
interna na noção de símbolo, no sentido da representação adaptada". (30)
O educador PIAGET, J. aponta para a perspectiva de que neste período as crianças viverão o mundo simbólico
dos adultos através dos jogos. Cristaliza-se aqui a liderança e a submissão de grupo, que muitas vezes deve ser
melhor abordada, em termos teóricos e observações práticas, para compreender a dinâmica da sociabilização
infantil.
PIAGET desperta para a representação simbólica do jogo e a iniciação do processo de subjetivação da criança
através da internalização dos jogos imitativos e da própria avaliação interna e subjetiva da realidade vivida.
"No fundo, a criança não tem imaginação e aquela que o senso comum lhe atribui reduz-se à incoerência
e, sobretudo, à assimilação subjetiva de que suas transposições são testemunho. O elemento imitativo de
seu jogo (portanto, o aspecto simbolizante dos seus símbolos) é comparável aos desenhos dessa idade:
cópia do real, mas por uma justaposição de alusões sem representação adequada. Quanto ao conteúdo
(ao simbolizado), é a própria vida da criança: assim como o jogo de exercício reproduz por assimilação
funcional de cada uma das novas aquisições do sujeito, também o jogo de "imaginação" reproduz todo o
vivido mas por representações simbólicas; e, nos dois casos, essa reprodução é, sobretudo, afirmação do
eu por prazer de exercer seus poderes e de reviver as experiências fugitivas. Em particular, os
personagens fictícios que o jogo permite à criança dar-se por seus companheiros só adquirem existência
na medida em que servem de ouvintes benévolos ou de espelho para o eu. A sua invenção supre aquilo
que no adulto será o pensamento interior em suas formas residuais egocêntricas (divagação), assim como
o monólogo dos sujeitos dessa idade equivale ao que, mais tarde, será a linguagem interior. Sem dúvida,
esses companheiros míticos herdam também algo da atividade moralizadora dos pais, mas na medida em
que se trata, precisamente, de incorporá-la mais agradavelmente do que na realidade. "(31)
Se durante este período a criança ultrapassa a fase da exploração sensorial para experimentar a
apropriação subjetiva da realidade, internalizando regras e símbolos, torna-se de particular importância a
informação adequada e suficiente das curiosidades sobre o corpo , os papéis sexuais e a vivência do afeto .
As explicações sobre a diferenciação entre os sexos já é possível de ser apresentada de maneira
igualitária e isonômica.
"Dos quatro aos sete anos, em média, os jogos simbólicos, de que acabamos de descrever as principais
formas no seu período de apogeu, começam declinando. Não significa isso, sem dúvida, que diminuam em
número nem, sobretudo, em intensidade efetiva; mas, ao aproximar-se ainda mais do real, o símbolo acaba
perdendo o seu caráter de formação lúdica para se avizinhar de uma simples representação imitativa da
realidade".(32)
O que vale assinalar é que a convivência em grupos de estimulação crítica e de ambientes onde sejam
praticadas as significações de afeto e solidariedade entre os sexos haverão de marcar profundamente a
inculcação dos papéis sexuais, sejam os tradicionais revistos, sejam novas projeções políticas e éticas
para a vivência social de homens e mulheres. As crianças que puderem contar com a família e a escola
articuladas numa esfera de promoção de valores igualitários e de informações adequadas contarão com
uma ética sexual fundamentada no respeito aos sexos e suas manifestações sociais. A passagem do
egocentrismo e sua superação podem dar lugar a relações de cooperação , solidariedade e reciprocidade .
"Mas poder-se-ia também dizer que a seqüência nas idéias deriva dos progressos da socialização: aí
estão, uma vez mais, os dois aspectos de um mesmo desenvolvimento e é interessante notar esse círculo
de aquisições sociais e mentais no domínio do simbolismo lúdico, tal como se pode assinalá-lo
incessantemente no da representação adaptada. Nos dois casos, há passagem do egocentrismo inicial
para a reciprocidade, graças a uma dupla coordenação nas relações interíndividuais e nas representações
correlativas. Mas, no que diz respeito ao simbolismo lúdico, convirá notar que todo o progresso da
socialização culmina, não num reforço do simbolismo, mas na sua transformação, mais ou menos rápida,
no sentido da imitação objetiva do real”. (33)
Assim, através de um processo instigante e desafiador, a internalização de regras alcança o significado
de uma solidificação social do “ethos" dominante. Os processos de sociabilização familiar e escolar
ampliam e marcam as diretrizes do modo padrão de vivência da vida adulta. É deste modo que afirmamos
que nenhuma forma de "atalho" pedagógico há entre o mundo adolescente e adulto. Não conseguiremos
criar a predisposição para o diálogo, para a atitude de "ouvir" em nossos adolescentes e jovens se não
tivermos construído uma segura sensibilização fidedigna na infância.
PIAGET afirma "(...) a criança de sete anos abandona o jogo egocêntrico das crianças mais pequenas, em
proveito de uma aplicação efetiva de regras e do espírito de cooperação entre os jogadores. O mesmo se
aplica, naturalmente, aos jogos simbólicos coletivos, nos quais se observa, dos sete aos dez e onze anos,
uma coordenação cada vez mais estreita dos papéis e um total florescimento da socialização que
desabrochara no nível precedente. Foi o que podemos observar, com J. , L. e T. , nos jogos de " família
", de bonecas ou cenas de teatro de que falamos abaixo (..) parece chegar ao fim como próprio final da
infância, ao passo que o jogo de regras, ignorado das crianças pequenas, durará até a idade adulta. (..)
São quase os únicos que subsistem no adulto. Ora estando esses jogos socializados e disciplinados,
precisamente em virtude da regra, poder-se á indagar se não serão as mesmas causas que explicam,
simultaneamente, tanto o declínio do jogo infantil nas suas formas específicas de exercício e, depois,
principalmente, de símbolo fictício, com o desenvolvimento dos jogos de regras, na medida em que são
essencialmente sociais". (34)
Com tais diretrizes PIAGET acentua as manifestações da curiosidade infantil e o desenvolvimento
processual de seu pensamento e afetividade, que são apresentadas como evoluções das matrizes de
continuidade e indiferenciação, do egocentrismo intelectual e afetivo para a cooperação, autonomia e
reciprocidade.
O período das operações concretas - (07 - 12 anos) do concreto ao lógico. Corresponde a um
processo de maior capacidade intelectiva, superando a consciência mitológica e fragmentária anterior, para
a aquisição de condições cognitivas do raciocínio comparativo, linear, dedutivo e concreto. Na esfera
afetiva corresponde ao sentimento gregário relatado por FREUD, centrado nas regras coletivas , jogos de
submissão e identidade e negação da alteridade . Tal processo de negação afirma uma oposição
momentânea entre meninos e meninas e uma disputa social por suas identificações tradicionais.
Um debate sub-liminar acontece entre o pensamento de PIAGET e FREUD. Partindo da noção de
"símbolo" os dois autores iniciam uma reflexão, sobre as premissas e as bases epistemológicas que lhes
sustentam em áreas tão distintas, constituindo um debate enriquecedor e eloqüente.
PIAGET afirma a seguinte tese sobre FREUD
"Ora, por um reencontro interessante, o sentido da palavra "símbolo" do qual a lingüística saussuriana
definiu o alcance, acontece coincidir com aquele do qual se serviram as diferentes escolas ditas
"psicanalíticas": uma imagem que comporta uma significação ao mesmo tempo distinta do seu conteúdo
imediato e tal que existe uma semelhança mais ou menos direta entre o significante e o significado. Mas
ao símbolo consciente, isto é, do qual a significação é transparente para o próprio sujeito (por exemplo, o
desenho simbólico do qual se servirá um jornal para enganar a censura governamental), FREUD
acrescentou o símbolo inconsciente, isto é, a significação oculta para o próprio sujeito. Como disseram os
psicanalistas ingleses, existem então duas espécies de símbolos: as "metáforas" e as "criptóforas". Sob o
nome de "pensamento simbólico", FREUD, JUNG e muitos outros descrevem então uma forma de
pensamento independente dos signos verbais e oposta mesmo, por sua estrutura e funcionamento, ao
pensamento racional que utiliza os signos . Ademais é um pensamento do qual se sublinhou a natureza
individual e mesmo íntima, por oposição ao pensamento socializado, porque ele se manifesta sobretudo no
sonho e no devaneio, donde a noção de "autismo". Suas raízes, por fim, seriam essencialmente
"inconscientes" (...)".(35)
Seu diálogo continua crítico e propositivo:
"Quanto às preocupações relativas aos pais e aos irmãos e irmãs, basta colecionar e comprovar entre eles
todos os jogos que simbolizam estes personagens para constatar quanto o pormenor desse simbolismo é
revelador de tendências e sentimentos, dos quais uma boa parte escapa à consciência clara da criança
pela razão muito simples de que eles não são quase nunca postos em questão. São primeiramente as
identificações com a mãe (ter um marido, filhos, criá-los etc.) ou o pai , os irmãos mais velhos ou os mais
novos . Ora, se não existe aí, aparentemente, mais que uma pura reprodução da realidade ambiente,
observa-se na realidade uma multidão de sentimentos contraditórios, de ligação ou de resistência, da
submissão ou de independência, de desejo de atrair para si um dos pais ou de ciúme, de necessidade de
igualar os grandes, de mudar de ambiente etc". (36)
"O pai, ao contrário, é objeto de sentimentos ambivalentes: é amado, mas é freqüentemente aborrecido e
desembaraçar-se dele não acarreta conseqüências, enquanto que uma revolta contra a mãe mexe com
muito mais coisas. Deve-se notar, em relação a isso, a sábia dosagem que o simbolismo realiza entre a
agressividade e o seu oposto. É, sobretudo interessante observar quanto a atitude para com o pai varia
quando os pais se acham reunidos ou quando ele se acha sozinho e também isso se nota a todo instante
no jogo. Em resumo cada um dos personagens do meio ambiente da criança ocasiona, em suas relações
com ela, uma espécie de esquemas "afetivos"; isto é, de resumos ou moldes dos diversos sentimentos
sucessivos que esse personagem provoca, e são esses esquemas que determinam os principais símbolos
secundários, como determinarão muitas vezes, no futuro, certas simpatias ou antipatias difíceis de explicar
de outro modo, a não ser por uma assimilação inconsciente com modos de comportamento passados". (37)
"(...) problema de nascimento dos bebês perturbará as crianças, às quais uma educação absurda recusa
a verdade. Essa perturbação ultrapassará então inconscientemente aquilo que dela conhece o próprio
sujeito. Mas mesmo em sujeitos que, como aqueles dos quais citamos aqui as observações, não tiveram
jamais a menor ocasião de considerar a questão como tabu, constata-se que o interesse pelo nascimento
ocasiona todo um simbolismo lúdico. Antes de haver encontrado a solução, a criança simboliza diversas
possibilidades fantasiosas e, após a descoberta, brinca de gravidez , mas acrescenta freqüentemente a
isso novas fantasias ou as antigas readaptadas, as quais, mostram umas e outras, o quanto esse domínio
ultrapassa em interesse a moldura de um simples problema de inteligência causal". (38)
Estas observações aparecem dentro das categorias próprias do pensamento de FREUD, a quem PIAGET
acrescenta críticas e análises:
"Por fim, pode-se distinguir os sonhos que constituem a simples tradução simbólica de um estímulo
orgânico atual, como, por exemplo, o sonho de regador , ligado a micção, ou o outro, de comer uma pedra ,
que exprime um peso no estômago. Encontra-se freqüentemente nos meninos sonhos de ereção : assim é
o sonho de U., que , vê uma longa vagem crescer desmesuradamente numa bacia". (39)
"(...) dupla que Freud tirou suas hipóteses sobre o simbolismo em geral. O sonho é sempre realização de um
desejo, mas o conteúdo aparente dos sonhos oculta um "conteúdo latente", do qual não é mais que a
"transposição" simbólica. Essa transposição é devida a uma censura que provém, ela própria, da consciência
do sujeito, assim como seu "superego", ou interiorizarão da ação dos pais. O conteúdo latente é efetivamente
censurado porque é formado de tendências "reprimidas": ao fim, portanto, o sonho é a realização simbólica
de um desejo reprimido."(40)
Nos parece que PIAGET aponta uma crítica aos métodos interpretativos freudianos, considerados metafísicos
e distantes da metodologia adotada por PIAGET e seus pressupostos epistemológicos empiristas.
"Somos assim determinados por todo nosso passado e, em particular, pela hierarquia das tendências infantis
seriadas segundo as fases do desenvolvimento "sexual" : fase oral, depois a anal, narcisismo, depois escolha
do objeto (por volta do fim do primeiro ano) e tendências edipianas; por fim, transferência de afetividade para
um número cada vez maior de novos personagens. Um símbolo, portanto, nunca é simples e há sempre
"polissimbolismo", pelo fato das significações múltiplas que resultam deste encaixe de tendências e de
conflitos". (41)
O que pretendemos com esta vasta coletânea de textos extraídos de PIAGET é relacionar a
proximidade entre ambos e a relativa aproximação teórica buscada pelo educador francês. Ao compreender
as fases de transposição psicossexual e afetiva da criança, FREUD contribuiu para uma nova perspectiva
pedagógica e institucional, conforme destaca PIAGET.
"Os dois fatos fundamentais descobertos pelo FREUDISMO são, o primeiro, que a afetividade infantil passa por
fases bem caracterizadas, e o outro, que existe uma continuidade subjacente, ou seja, que em cada nível o sujeito
assimila inconscientemente as situações afetivas atuais às situações anteriores e mesmo às mais antigas". (42)
J.PIAGET reconhece que tal desenvolvimento psicossexual realiza-se por incorporações de
experiências e vivências, de modo a consolidar uma dinâmica afetiva que marca a própria personalidade
da pessoa humana. O reconhecimento educacional destes processos e fases traz importantes diretrizes
educacionais para agentes e educadores, no tocante à sexualidade. Requer que sejam compreendidas as
etapas de curiosidade e os jogos simbólicos de descoberta do corpo e gratificações afetivas grupais. Não
nos permite uma abordagem senso-comum da criança e seus comportamentos, numa ação educacional
classificatória e normativa, represara e muitas vezes desinformada de seu alcance e conseqüências. Ao
analisar tal atitude ou outra de uma criança, sobre suas curiosidades e descobertas de sua sexualidade e
afetividade, é necessário comparar tal manifestação com aquelas apontadas pela base pedagógico-
científica, antes de sair classificando e rotulando de "normais ou anormais" tais atos e seus agentes,
produzindo ansiedades e medos sem razão.
O período das operações abstratas - (12 anos / adolescência) Coincide com o reconhecimento da
alteridade e fundamentação da personalidade. Seria o período da maturidade cognitiva, marcada pela
capacidade abstrata de um raciocínio hipotético dedutivo, científico e impessoal, superando ainda a atitude
egocêntrica e a necessidade da concretude. No campo afetivo estaria presente a possibilidade de relações
de solidariedade e cooperação, etapa madura de um amor fecundo, diferente e solidário.
Seria a fase de consolidação de um longo período de maturidade afetiva e predisposição intelectual.
"A inteligência passa também por fases e elas correspondem mesmo, em suas grandes linhas, às de
desenvolvimento afetivo. Por exemplo, a sucção desempenha um papel tão grande na organização dos
esquemas sensório-motor primitivos (espaço bucal etc.) quanto na afetividade da criança de peito. O " narcisismo"
(com a condição, bem entendido, de aí ver um narcisismo sem Narciso, isto é, sem a consciência do eu)
corresponde àquele egocentrismo radical do primeiro ano, durante o qual o universo e o eu se confundem, na
falta de objetos permanentes exteriores. Ao nível da "escolha do objeto" afetivo correspondem a construção do
objeto substancial e a organização do espaço externo. Ao plano da transferência da afetividade para outras
pessoas correspondente, enfim, o início da socialização do pensamento. Por outro lado toda a análise genética do
pensamento mostra a assimilação permanente dos dados atuais aos esquemas anteriores e aos da atividade
propriamente dita, consistindo o processo da inteligência numa descentralização progressiva dessa assimilação e
os erros se reduzindo, ao contrário, a uma fixação inconsciente àquilo que se poderia chamar de "complexos"
intelectuais reprimidos . (43)
Desta maneira, podemos afirmar que a concepção PIAGETIANA pode tornar-se um valioso instrumento
de qualificação pedagógica, de modo a fornecer subsídios para a compreensão da dinâmica processual da
afetividade e intelectualidade da criança e suas correlações com o mundo social e institucional.
A perspectiva da confissão leiga que se estabelece nos divãs e nos consultórios, nos púlpitos e nas
praças, nos programas de TV e nas cartas de consultas sentimentais, nas crônicas de pornografia explícita
e nas prateleiras de erotismo mercenário não escapa da firme espada crítica de FOUCAULT. Mesmo
disfarçado da aridez da informação, as escolas e os ministros da sexualidade confessada esperam, das
crianças e adolescentes o abrir de sua culpa, o exorcizar de suas idiossincrasias eróticas, pela via da
ciência a deleitar-se na tessitura da inquisição moralista e moralizante.
A concepção emancipatória deverá, portanto ser científica, crítica, criativa, e ao mesmo tempo cultural e
politicamente aberta e livre. A crítica histórica dos papéis sexuais nos permite dizer que só é possível criar
uma concepção ampla da sexualidade nas crianças e jovens por aqueles que acreditam na liberdade, a
liberdade dos homens e das pessoas assumirem com plenitude seu papel único de sujeitos. Partimos da
questão de que é preciso considerar a determinação política que os próprios pais e educadores trazem
sobre o mundo, a sexualidade e a sociedade. A clássica questão: "quem educa o educador?" - embora não
seja imediatamente objeto de nossa análise, merece ser premissa fundamental para empreender tal
proposta educacional.
Fazemos educação sexual não para a repressão controladora ou para o estímulo irresponsável, muito
menos para a negação sórdida, fazemos educação sexual porque os homens têm na sexualidade uma
dimensão ontológica irredutível. A sexualidade é uma dimensão humana fundamental, que não pode jamais
ser negada ou anulada sem deixar seqüelas éticas e privações existenciais; nenhuma sublimação de poder
compensa
o fracasso sexual, nem estético, nem econômico, pois a sexualidade é a dimensão híbrida do desejo e da
sociedade, dos afetos e paixões, das realizações e das incompletudes vivenciadas, talvez uma das formas
mais claras das utopias existenciais e políticas.
Ao mesmo tempo um projeto pedagógico de educação sexual emancipatório deverá ter em conta uma
articulação profunda entre o núcleo familiar e a intervenção escolar, não a substituição imediata do papel
da família, mas ao mesmo tempo a crença na co-responsabilidade , a colocação de palavras de ordem com
a solidariedade e a igualdade sobre sexo, deveria não somente inferir na criança, mas deve ter vinculações
orgânicas com a família e a comunidade, de modo a desencadear a elevação da compreensão da
sexualidade, não vista como prevaricação, pecado ou permissivismo, mas vista serena e claramente como
uma forma de viver o sexo e suas contradições. É visto que é preciso não romantizar as relações sexuais
afetivas em todos os níveis, considerando sempre os devidos cuidados pedagógicos que envolvem a
capacidade de entendimento de nossos interlocutores para tornar transparente que o desejar, o amor e a
vivência da sexualidade carrega também inúmeras perdas e danos.
Sim, é preciso que eduquemos nossas crianças para as perdas que a vida encerra, ensinemos aos
nossos adolescentes a enfrentar e conviver com as frustrações que fazem parte do existir. Ainda é
plenamente atual o texto do eminente teórico da educação Jean Jacques ROUSSEAU, na sua obra
"EMILIO", onde firma que "é preciso educar para a dor, pois a dor é um componente da vida humana", (47)
nos múltiplos sentidos desta palavra. Estas considerações sobre os projetos emancipatórios, muito
mais do que delinear metodologicamente tal projeto devem ou podem constituir-se como pressupostos
filosóficos, políticos e antropológicos de uma intervenção emancipatória da apresentação pedagógica da
sexualidade infantil e adolescente. Os educadores conscientes deste papel secundário, pela ordem, de
intervenção na construção antropológica da sexualidade podem fiar-se, não somente na sua potencialidade
ou onipotência, mas na sua qualidade.
Nossas crianças e nossos alunos deverão nos ouvir, se a relação que tivermos com estas for
anteriormente qualitativa. Não sustentamos uma intervenção emancipatória sobre as crianças se não
tivermos uma atitude de coerência entre nossas palavras e ações. Só assim seremos fiadores de uma
visão da sexualidade mais próxima de um ideal humanista e solidário, se anteriormente já tivermos
construído com as crianças esta visão conscientizadora, nas múltiplas exigências da vida social.
1 ° FASE: Sensibilização histórica e científica para a questão. Clareza nos objetivos do projeto, relevância de
suas justificativas, fundamentos teóricos claros e determinados, propósitos humanistas e científicos
precisos.
. Crítica dos modelos tradicionais;
. Crítica da sexualidade consumista;
. Planejamento adequado da dinâmica do projeto na unidade;
. Envolvimento de todas as instâncias escolares e práticas de uma cultura democrática sobre a questão.
ESTRATÉGIAS:
. Reuniões com professores.
. Reuniões com pais.
. Formação de professores.
. Levantamento de subsídios.